Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1190/12.5TTLSB.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
ACÇÃO DECLARATIVA
ACÇÃO PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS CONTRA O DEVEDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Para efeitos do disposto no nº 1º do artigo 17º º -E do CIRE na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril não se deve considerar que as acções declarativas consubstanciam acções para cobrança de dívidas contra o devedor.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:- AA;

-e BB intentaram [1]acção, com processo comum, contra CC – Investimentos Turísticos, Sa, sendo que inicialmente[2] haviam apresentado providência cautelar comum.[3]

Alegaram, em síntese, que mantiveram contratos de trabalho com a Ré com início em 1 de Outubro de 2003, no caso da Autora e em 16 de Julho de 2009 no caso do Autor.

Todavia resolveram os seus contratos de trabalho com justa causa.

Formularam pedido em conformidade.

Realizou-se audiência de partes. [4]

A Ré contestou.[5]

Invocou, em suma, que não mantinha com os Autores contratos de trabalho, mas de prestação de serviços.

Na situação em apreço, verificou-se uma cessação definitiva dessa prestação de serviços.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Dispensou-se audiência preliminar.

O processo foi saneado, sendo que não foram fixados factos assentes e base instrutória.[6] 

Designou-se data para o julgamento que se mostra gravado.

Na sessão de 13 de Fevereiro de 2013,[7] a Ré comunicou que , em 3 de Fevereiro de 2013, havia dado início a um processo de revitalização por meio de apresentação de um acordo extra judicial de recuperação nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1º do CIRE.

O processo corre termos no 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa sob o nº 2011/13.9TYLSB, sendo que estava a aguardar a publicação do despacho de nomeação de Administrador Judicial provisório e que nos termos do nº 6º do artigo 17, nº 1º do CIRE com a publicação do referido despacho se suspendem todos os processos destinados à cobrança de créditos.

Os Autores consignaram então que o litígio não visa mera cobrança de uma dívida, mas também concerne ao apuramento da relação contratual existente entre os litigantes.

Em consequência entenderam que não havia obstáculo ao prosseguimento dos autos.

A Mmª Juiz ordenou então que se aguardasse que a Ré informasse sobre a publicação da nomeação do Administrador.[8]  

Em 13 de Março de 2013[9], a Ré veio apresentar o seguinte requerimento:

“ CC - INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, S.A., Ré nas autos cotados em epígrafe em que são Autores AA e BB, vem, muito respeitosamente Junto de VªExa., requerer se digne determinar a imediata suspensão da instância, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

a)Da pendência de causa prejudicial:

1 - Em 3 de Fevereiro de 2013, for dado início, junto do Tribunal do Comércio de Lisboa, a um Processo Especial de Revitalização (PER), tendente à aprovação de um plano de recuperação da Ré, ria qualidade de devedora por meio da homologação do acordo extra - judicial de recuperação celebrado entre esta e os seus credores DD II SGPS, S.A. e EE SA., ao abrigo do disposta no artigo 172-1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE),

2 - O referido PER corre presentemente termos junto do 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa sob o Processo nº 211/139IYLSB

3 - No passado dia 18 de Fevereiro de 2013, foi publicado, no portal Citius a despacho de nomeação do administrador judicial provisório — cfr. cópia do despacho e da respectiva publicação que se untam e cuja teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais como Documentos nºs 1 e 2.

4 - Determina o disposto no nº 1 do artigo 172-E do CIRE — aplicável ex vi do n.º 6 do artigo 17º, nº 1 do CIRE — que o despacho de nomeação do administrador judicial provisório no âmbito do PER cfr, alínea a) do n.º 3 do artigo 17º - C da CIRE) suspende, quanto ao devedor todas e quaisquer acções destinadas cobrança de dividas que se encontrem pendentes contra aquele extinguindo-se as mesmas logo que seja homologado o plano de recuperação salvo quando este preveja a sua continuação.

5 - A presente acção reveste a forma de acção de condenação peticionando os Autores a condenação da Ré no pagamento das quantias de € 44. 650, 07,à Primeira Autora, e € 68.532,69, ao Segundo Autor; tem, pois, como propósito, a cobrança das dívidas reclamadas pelos Autores.

6 - Deverá, em consequência, por efeito do disposto no nº 1 do artigo 17- E do CIRE, ser de mediato suspensa a presente instância.

Termos em, que se requer a V. Exa, que, atendendo ao que antecede e ao abrigo do disposto no artigo 17º - E do CIRE  aplicável  ex vi do nº 6º do artigo 17-  do CIRE  ordene a imediata suspensão da instância nos presentes autos. – fim de transcrição.

Na sessão de julgamento de 13 de Março de 2013,[10]a Exmª  Juiz “a quo”  proferiu o seguinte despacho:

“ Consultado o Portal Citius no dia de hoje, nele consta que corre termos no 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, uns autos de Processo especial de Recuperação – PER, no âmbito dos quais foi, em 14/02/2013, nomeado para o cargo de Administrador Judicial Provisório, o Sr. Dr. FF, nos termos do artigo 17º C nº 3 alínea c) do CIRE.

Face ao exposto nos termos do disposto no artigo 17º E nº 1 do CIRE na redacção conferida pela Lei 16/2012 de 20 de Abril declaro suspensa a instância.

Solicite aos autos de PER mencionados para que informe, oportunamente, a decisão final que vier a ser proferida nesse processo.

Notifique” – fim de transcrição.

O despacho foi logo notificado.

Inconformados os Autores apelaram.[11]

Concluiram que:

(…)

Não se vislumbra que tenham sido produzidas contra alegações.

O recurso foi recebido.[12]

O Exmº Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer no sentido da improcedência do recurso.[13]

Foram colhidos os vistos legais.

Nada se afigura obstar ao conhecimento do recurso.

                                                      ***

No presente recurso ter-se-ão en conta os factos decorrentes do supra elaborado relatório.

                                                       ***

É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 685º- B do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).[i]

E na situação em exame afigura-se-nos que a única questão a dilucidar consiste em saber se a presente instância deve ou não ser suspensa, por força do disposto nos arts. 17º - E, n.º 1 e 17.º -I, n.º 6, do CIRE, sendo certo que decorre dos presentes autos que no 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, corre um Processo especial de Recuperação – PER, atinente à aqui Ré, no âmbito dos quais foi, em 14/02/2013, nomeado para o cargo de Administrador Judicial Provisório, o Sr. Dr. FF, nos termos do artigo 17º C nº 3 alínea c) do CIRE[14] , na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril[15].

Recorde-se que a supra citada norma tem o seguinte teor:

Artigo 17.º -E

Efeitos

1 — A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º -C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo -se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

2 — Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º -C, o devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161.º, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.

3 — A autorização a que se refere o número anterior deve ser requerida por escrito pelo devedor ao administrador judicial provisório e concedida pela mesma forma.

4 — Entre a comunicação do devedor ao administrador judicial provisório e a recepção da resposta ao peticionado previstas no número anterior não podem mediar mais de cinco dias, devendo, sempre que possível, recorrer -se a comunicações electrónicas.

5 — A falta de resposta do administrador judicial provisório ao pedido formulado pelo devedor corresponde a declaração de recusa de autorização para a realização do negócio pretendido.

6 — Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem -se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º -C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo -se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação.

Ou seja a questão no fundo concerne em saber se a presente acção declarativa de condenação se deve ou não reputar como uma acção  para cobrança de dívidas contra a aqui Ré (devedor…).

A decisão recorrida considerou afirmativamente, certamente considerando que se podem reputar acções para cobrança de dívidas processos cuja natureza seja declarativa, executiva e até injunções. [16]

Por sua vez, afigura-se-nos que a recorrente entende que do nº 1º da norma em apreço se deve inferir que, em sentido estrito, as acções para cobrança de dívidas ali mencionadas se reportam unicamente a acções executivas, isto para já não cuidar dos processos de insolvência mencionados no nº 6º do mesmo preceito.[17]

E, a nosso ver, a resposta à questão tem de se buscar no CIRE, nomeadamente no  processo especial de revitalização que a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril veio instituir.

Cabe salientar o artigo 3.º da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril (Aditamento ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) teve a seguinte redacção:

“São aditados ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, alterado pelos Decretos -Leis nºs 200/2004, de 18 de agosto, 76 -A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de agosto, 116/2008, de 4 de Julho, e 185/2009, de 12 de agosto, os artigos 17.º -A a 17.º -I, com a seguinte redacção:

«Artigo 17.º -A

Finalidade e natureza do processo especial de revitalização

1 — O processo especial de revitalização destina- se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

2 — O processo referido no número anterior pode ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação.

3 — O processo especial de revitalização tem carácter urgente.

Artigo 17.º -B

Noção de situação económica difícil

Para efeitos do presente Código, encontra -se em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.

Artigo 17.º -C

Requerimento e formalidades

1 — O processo especial de revitalização inicia –se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

2 — A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.

3 — Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adoptar os seguintes procedimentos:

a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando -se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações;

b) Remeter ao tribunal cópias dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo.

4 — O despacho a que se refere a alínea a) do número anterior é de imediato notificado ao devedor, sendo – lhe aplicável o disposto nos artigos 37.º e 38.º

Artigo 17.º -D

Tramitação subsequente

1 — Logo que seja notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando -os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente

na secretaria do tribunal, para consulta.

2 — Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.

3 — A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

4 — Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte -se de imediato em lista definitiva.

5 — Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

6 — Durante as negociações o devedor presta toda a informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial provisório que haja sido nomeado para que as mesmas se possam realizar de forma transparente e equitativa, devendo manter sempre actualizada e completa a informação facultada ao administrador judicial provisório e aos credores.

7 — Os credores que decidam participar nas negociações em curso declaram -no ao devedor por carta registada, podendo fazê -lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, sendo tais declarações juntas ao processo.

8 — As negociações encetadas entre o devedor e os seus credores regem -se pelos termos convencionados entre todos os intervenientes ou, na falta de acordo, pelas regras definidas pelo administrador judicial provisório nomeado, nelas podendo participar os peritos que cada

um dos intervenientes considerar oportuno, cabendo a cada qual suportar os custos dos peritos que haja contratado, se o contrário não resultar expressamente do plano de recuperação que venha a ser aprovado.

9 — O administrador judicial provisório participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e deve assegurar que as partes não adoptam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas.

10 — Durante as negociações os intervenientes devem actuar de acordo com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro.

11 — O devedor, bem como os seus administradores de direito ou de facto, no caso de aquele ser uma pessoa colectiva, são solidária e civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorreção das comunicações ou informações

a estes prestadas, correndo autonomamente ao presente

processo a acção intentada para apurar as aludidas responsabilidades.

Artigo 17.º -E

(já acima transcrito….)

Artigo 17.º -F

Conclusão das negociações com a aprovação de plano

de recuperação conducente à revitalização do devedor

1 — Concluindo -se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova

a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório

nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

2 — Concluindo -se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal.

3 — Considera -se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º -D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

4 — A votação efectua -se por escrito, aplicando -se –lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação.

5 — O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º

6 — A decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal, nos termos dos artigos 37.º e 38.º, que emite nota com as custas do processo de homologação.

7 — Compete ao devedor suportar as custas referidas no número anterior.

Artigo 17.º -G

Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação

1 — Caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º -D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá -lo no portal Citius.

2 — Nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.

3 — Estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal

da comunicação mencionada no n.º 1.

4 — Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se

encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando -se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.

5 — O devedor pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.

6 — O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.

7 — Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina -se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º -D.

Artigo 17.º -H

Garantias

1 — As garantias convencionadas entre o devedor e os seus credores durante o processo especial de revitalização, com a finalidade de proporcionar àquele os necessários meios financeiros para o desenvolvimento da sua actividade, mantêm -se mesmo que, findo o processo, venha a ser declarada, no prazo de dois anos, a

Insolvência do devedor.

2 — Os credores que, no decurso do processo, financiem a actividade do devedor disponibilizando -lhe capital para a sua revitalização gozam de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores.

Artigo 17.º -I

Homologação de acordos extrajudiciais de recuperação de devedor

1 — O processo previsto no presente capítulo pode igualmente iniciar -se pela apresentação pelo devedor de acordo extrajudicial de recuperação, assinado pelo devedor e por credores que representem pelo menos

a maioria de votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, acompanhado dos documentos previstos no n.º 2 do artigo 17.º -A e no n.º 1 do artigo 24.º

2 — Recebidos os documentos mencionados no número anterior, o juiz nomeia administrador judicial provisório, aplicando -se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as necessárias adaptações, devendo a secretaria:

a) Notificar os credores que no mesmo não intervieram e que constam da lista de créditos relacionados pelo devedor da existência do acordo, ficando este patente na secretaria do tribunal para consulta;

b) Publicar no portal Citius a lista provisória de créditos.

3 — O disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 17.º -D aplica--se, com as necessárias adaptações, ao previsto no número anterior.

4 — Convertendo -se a lista de créditos em definitiva, o juiz procede, no prazo de 10 dias, à análise do acordo extrajudicial, devendo homologá -lo se respeitar a maioria prevista no n.º 3 do artigo 17.º -F, excepto se

subsistir alguma das circunstâncias previstas nos artigos 215.º e 216.º

5 — Caso o juiz não homologue o acordo, aplica –se com as necessárias adaptações o disposto nos n.os 2 a 4 e 7 do artigo 17.º -G.

6 — O disposto no artigo 17.º -E, nos n.os 6 e 7 do artigo 17.º -F e no artigo 17.º -H aplica -se com as necessárias adaptações.» - fim de transcrição.

Temos, pois, que o processo especial de revitalização visa permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

E , com respeito por entendimento distinto, não se vislumbra que a supra citada expressão “para cobrança de dívida” abranja as acções declarativas.

Desde logo, porque, a nosso ver, salvo melhor opinião, uma acção para cobrança de dívida não equivale , nem é sinónimo , de uma acção para cumprimento de obrigações pecuniárias.

Na realidade, o Autor de acção declarativa em que invoque a verificação de um crédito sobre outrem (tal como sucede com os aqui recorrentes que fundam a respectiva verificação na existência de contratos de trabalho que terão resolvido com justa causa; sendo certo que a Ré nega a existência dos invocados créditos, pois alega que o que manteve com eles foram contratos de prestação de serviços…) só é , efectivamente , declarado credor caso a acção proceda.

E existe sempre a possibilidade de que isso não aconteça….!!!

Esgrimir-se-á que em termos genéricos uma acção declarativa pode ser para cobrança de uma dívida…

Porém, nessa acção a dívida ainda não foi declarada.

Aliás, o processo tem exactamente essa finalidade,

Assim, à data em que a acção declarativa é intentada o que existe é um crédito potencial e não um crédito declarado ( firmado ).

A acção destina-se a proporcionar ao Autor um título executivo ( vide artigos 45, nº 1, 46º, nº 1 al a) e 47º, nº 1 todos do CPC e artigos 1º, 2º al a) e 50 do CPT[18])   que depois possa executar  em sede própria; ou seja numa acção executiva, esta sim - indubitavelmente - para cobrança de uma dívida …

E , a nosso ver, com respeito por entendimento diverso, a existência e decurso de uma acção declarativa de condenação [19], como é o caso, em nada prejudica as negociações referidas na lei.

Por outro lado, caso a dívida venha ser declarada, através da competente condenação, com trânsito em julgado, passando, pois, o credor (in casu, os aqui Autores/recorrentes) a dispor de um título executivo é evidente que não se pode prevalecer dele em acção executiva, esta sim evidentemente destinada à cobrança de uma dívida existente (devendo caso a mesma venha ser instaurada a instância ser suspensa) e não meramente potencial e cujo decurso – esse sim - se afigura susceptível de afectar as mencionadas negociações (basta pensar em penhoras de móveis, imóveis, contas bancárias, etc…).

Agora, só por si , a definição da existência  de um crédito e do seu real valor em sede declarativa (nomeadamente através de incidente de liquidação , sendo for caso disso)  não se afiguram ter essa potencialidade.

E nem se esgrima com o disposto nº 1º do artigo 17.º -D, nomeadamente com o dever que impende sobre o devedor de depois de ser notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17º - C do CIRE comunicar, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando -os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.

Será que tal lhe é exigível em relação a uma dívida cuja existência contesta?

Será que nesse caso deve convocar um credor cujo crédito não reconhece (ou seja entende que não existe, pois nada lhe deve ….)?

A resposta, a nosso ver, é negativa.

Desde logo, porque se o fizer está implicitamente a reconhecer a verificação de uma dívida cuja existência, em rigor, não admite.

Por outro lado, se o fizer, em nosso entender, tal declaração deve ter implicações na acção declarativa (extinção da mesma por inutilidade superveniente… - vide artigo 287º al e) do CPC), visto que não faz sentido que no PER admita a existência da dívida e na acção declarativa a continue a negar….

É certo que estamos perante Tribunais distintos.

Todavia a ordem jurídica é a mesma.

Assim, também sob esta perspectiva se afigura que a supra citada expressão não engloba as acções declarativas.

Esgrimir-se-á que o legislador no DL nº 218/99, de 15 de Junho (cobrança de créditos por prestação de cuidados de saúde) , assimila o regime de cobrança de dívidas à interposição de acções com natureza declarativa.

Na realidade, o diploma em causa no seu artigo 1º estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e Serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados.

E no seu artigo 5º estatui que nas acções para cobrança de dívida de que trata o presente diploma incumbe ao credor a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e a prova da prestação de cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice.

Porém, é sabido que não foi sempre assim.

De facto, anteriormente, o processo especial de cobrança de créditos do SNS contemplado no DL nº 194/92, de 8 de Setembro, estava associado à cobrança de dívidas que se mostravam consubstanciadas em títulos executivos…!!!

Esse diploma no seu artigo 1º estatuía que regulava a cobrança de dívidas de instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde.

E no seu artigo 2º referia que as certidões de dívida a qualquer das entidades a que se referia o artigo anterior, por serviços ou tratamentos prestados consubstanciavam títulos executivos

Ou seja , tal referência , só por si, afigura-se patentemente insuficiente para se poder concluir , sem mais, que a expressão “para cobrança de dívida” abrange , necessariamente , acções com natureza declarativa.

Por outro lado, cabe ainda salientar que em sentido oposto aponta, por exemplo, o preceito introduzido pelo DL nº 183/2000, de 10 de Agosto (posteriormente revogado pelo artigo 4º do DL nº 38/2003, de 8 de Março) que em relação à citação por via postal simples referia “nas acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato reduzido a escrito”.

E à latere sempre se dirá que o mesmo se dirá do disposto na denominada acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção contemplada no DL nº 269/98, de 1 de Setembro.

Esse diploma[20] , no seu artigo 1º refere que se destina a aprovar o regime de procedimentos destinados a exigir  cumprimentos de obrigações emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00.

Assim sendo, a nosso ver, cumpre revogar a decisão recorrida e mandar seguir a presente acção nos moldes que se reputarem convenientes.

Desta forma, os Autores poderão ver (ou não) reconhecidos os seus créditos sem ter de esperar por uma negociação na qual em rigor nem sequer sabem se podem[21] ou não intervir….

Dessa forma, por outro lado, fica assegurada celeridade na definição dos seus efectivos direitos, bem como o seu direito constitucional (vide artigo 20º da CRP) ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva[22].

                                                       ****

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente o presente recurso e em consequência revoga-se a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que ordene o prosseguimento da presente acção nos moldes que se reputarem convenientes.

Custas pela recorrida.

DN (processado e revisto pelo relator -  nº 5º do artigo 138º do CPC).

          

Lisboa,

Leopoldo Soares

José Eduardo Sapateiro

Sérgio Almeida


[1] Em 20 de Março de 2012.

[2] Em 3-1-2012 – vide fls. 35 da mesma.
[3] Na mesma foi indeferida a realização de um arresto, decisão que foi confirmada na Relação por acórdão de 20-6-2012 – vide fls . 394 a 409 da providência.
[4] Vide fls. 150 - 151.
[5] Vide fls. 154 a 166.
[6] Vide fls. 180/181.
[7] Vide fls. 398 a 400.
[8] Vide fls. 399.
[9] Vide fls. 507-508.
[10] Vide fls. 515 -  516.
[11] Vide fls. 527 a 537.
[12] Vide fls. 556.
[13] Vide fls. 564.
[14] Vide fls. 510 a 513.

[15] A qual procedeu à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação

de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, simplificando formalidades e procedimentos e instituindo o processo especial de revitalização.



[16] Neste sentido afigura-se que aponta Luis M. Martins , Recuperação de pessoas e  empresas , Volume I, 2103, 2ª edição , Almedina , pág 51  segundo o qual o despacho de nomeação de administrador provisório , proferida nos termos  da al a) do nº 3º do artigo 17 º - C , obsta à instauração de acções para cobrança de dívidas contra o devedor seja qual for a sua  natureza (declarativa, executiva e injuntiva).

[17] Neste sentido  se afigura entender Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas – Anotado , Coimbra Editora (Inclui Anotação ao SIREVE), Setembro de 2012, pág 71, (Colecção PLMJ) que em anotação ao artigo 17º - E , refere que o presente artigo permite que o PER não seja afectado pelo surgimento de uma possível acção executiva ( nº 1º) ou de insolvência (nº 6).

[18] Na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 295/2009, de 13 de Outubro que aqui logra aplicação atenta a data  em que o processo foi instaurado.


[19] Recorde-se aqui que nos termos do artigo 4º do CPC (Espécies de acções, consoante o seu fim):

1 - As acções são declarativas ou executivas.

2 - As acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas.

Têm por fim:

a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.

b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito;

c) As constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente.

3 - Dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado.

[20] Que em processo laboral não logra aplicação.
[21] Ou devem…

[22] Preceito segundo o qual: 

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.


[i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:

“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…

Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.

Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.

Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).




Decisão Texto Integral: