Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GONÇALVES RODRIGUES | ||
Descritores: | INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA DESERÇÃO DA INSTÂNCIA DEVER DE INFORMAR REMESSA A CONTA NOTIFICAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/22/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I- Não se pode considerar interrompida a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º do Código de Processo Civil quando o Tribunal omite qualquer informação ao exequente, que fora notificado para nomeação de bens à penhora em 23-6-1998, sobre a remessa dos autos à conta (ocorrida em 19-10-1998), quando os autos permanecem por contar até 8-9-2004, data em que o exequente requer a averiguação da existência de bens para ulterior penhora, pretensão reiterada com o requerimento de 27-9-2005, tudo isto sem que o tribunal assuma até então qualquer atitude, limitando-se a lavrar seguidamente despacho a determinar tão somente a elaboração da conta, vindo só mais tarde, por decisão de 9-11-2005, a declarar a extinção da instância por deserção (artigo 291.º,n.º1 do Código de Processo Civil) II- É que o tribunal, nada referindo quando lhe foram apresentados os requerimentos de 8-9-2004 e de 27-9-2005, limitando-se a determinar que os autos fossem contados, assumiu o entendimento, porque outro não é admissível, de que a instância não estava ainda interrompida, porque, se assim o entendesse, então não poderia deixar de julgar imediatamente extinta a instância por deserção quando determinou que os autos fossem contados, pois nessa ocasião há muito que tinham decorrido os dois anos desde a paragem dos autos subsequente à notificação de 23-6-1998 III- O exequente deveria sempre ser informado da remessa dos autos à conta, o que o alertaria da sua omissão; uma tal omissão imputável à secretaria prejudica a parte (artigo 161.,nº6 do Código de Processo Civil), designadamente quando se entenda que a interrupção da instância não carece de ser declarada por despacho, de tal sorte que os actos subsequentes, designadamente a decisão que declara a instância extinta por deserção, constitui uma decisão surpresa, absolutamente inesperada que não considera a cooperação que se deve manifestar também na tramitação dos autos (artigo 266.º do Código de Processo Civil) IV- A prova da inércia da parte, deixando correr o prazo interruptivo, ficou, por conseguinte, prejudicada pela omissão e inércia da secretaria e ainda pela actuação do próprio Tribunal V- Ora, só se justifica a interrupção quando há negligência da parte; não demonstrada a negligência não poderia ser, no contexto processual mencionado, julgada a instância extinta por deserção que pressupõe a ocorrência de uma efectiva interrupção da instância durante dois anos (artigo 291.º,n.º1 do Código de Processo Civil) (SC) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I. C. […] SA instaurou, em 18-9-1995, a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra José […] e Maria […] requerendo a citação dos Executados para pagarem a quantia exequenda de 1.002.322$00, acrescida de juros vencidos e vincendos. Após citação dos Executados, a executada Maria […] veio em 27-10-1997 deduzir embargos de executado. Por carta registada de 23-6-1998, o exequente foi notificado nos termos do art.º 836.º do CPC e do art.º 51.º, n.º 2 b) do CCJ ( fls. 34 verso ). Os autos foram remetidos à Secção Central, em 98-10-19. Em 26-05-2003, os autos foram cobrados da conta. O exequente apresentou, em 8-9-2004, o requerimento de fls. 37, no qual requereu que se averiguasse a existência de bens dos Executados para ulterior penhora. Em 27-9-2005, o exequente veio requerer a notificação do resultado das diligências solicitadas por meio do seu requerimento de 8-9-2004. A fls. 39, proferiu-se o seguinte despacho: “ Fls. 38: O exequente não deu andamento ao processo desde a notificação de fls. 34 verso, com data de 23-6-1998. O processo está na conta, para efeitos do art.º 51.º n.º 2 b), do CCJ. Sendo certo que de 23-6-1998 a 8-9-2004 decorreram mais de 6 anos e portanto a instância estava em condições para ser declarada extinta a instância. Assim, deverão os autos, de todo modo, ir à conta, que já há anos deveria estar feita. Notifique e cumpra”. Foi elaborada a conta. Os embargos de executado foram julgados improcedentes, por sentença de 18-3-2002. A fls. 50, proferiu-se, em 9-11-2005, a seguinte sentença: “A presente execução para pagamento de quantia certa encontra-se sem qualquer andamento, por falta de iniciativa processual do exequente, desde a notificação de fls. 34 verso, com data de 23/06/1998. Decorrido mais de um ano sobre esse data a instância interrompeu-se (art.º 285º do C.P.C.). Situação que se manteve por mais de dois anos. Assim, julgamos declarar a extinção da instância por deserção (art.º 291º, nº 1 do C.P.C.). Custas pelo exequente (já saldadas). Registe e notifique”. Inconformado, o exequente veio requerer a reforma da sentença, e para o caso de assim não se entender, interpôs recurso da mesma sentença. Indeferiu-se a pretendida reforma da decisão e admitiu-se o recurso interposto, como agravo. Nas alegações de recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões: 1.A execução em apreço teve o seu início 18/09/95, e foi objecto de Embargos em 29.06.1998, ou seja três anos depois do seu início, sendo certo que os mesmos foram julgados em 25.10.2002. 2.Em 08.09.2004, o Exequente requereu diversas diligências de penhora. 3.Em 27.09.2005, face ao absoluto silêncio do Tribunal, o exequente requereu diligências de penhora adicionais. 4.O Tribunal a quo não se pronunciou quanto às referidas diligências de penhora. 5.Em momento algum foi proferido despacho declarando interrompida a instância. 6.O Exequente praticou e requereu diversos actos que fizeram cessar a situação de facto de interrupção. 7. O art.º286° do CPC atribui efeitos jurídico-processuais a tal comportamento. 8.Apesar disso, o Tribunal a quo resolveu declarar deserta a instância, violando deste modo o disposto no art.º 286°, 285° e 291°, todos do CPC. 9.O Tribunal a quo decidiu contra e em desrespeito com o disposto no n° 1, do art.º 291.º, do CPC. 10.Em suma a decisão ora recorrida deverá ser revogada, e em sua substituição deverá declara não interrompida a instância e ordenadas as diligências de penhora requeridas. Em conclusão a sentença recorrida padece de vício de legalidade, tendo violado de forma directa o disposto nos artigos n.º 286°, 285°, 291°, todos do CPC., pronunciando-se de forma incorrecta acerca das questões de que lhe cumpria conhecer, não tendo feito uma judiciosa apreciação dos factos e uma criteriosa aplicação do direito. Deve por isso, ser declarada a procedência do recurso, revogando-se a referida sentença. * Não há contra-alegações. Proferiu-se despacho de sustentação. II- A factualidade relevante para a decisão decorre do relatório. III – O âmbito do recurso está, objectivamente, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC. Nas conclusões, coloca-se, desde logo, a seguinte questão: Se deveria ter sido, ou não, proferida decisão a declarar interrompida a instância. Estatui o art.º 285.º do CPC que a instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento. O facto da interrupção da instância produz-se quando se verificarem os seguintes requisitos: -estar o processo parado; -durar a paralisação mais de um ano: -ser devida a inércia das partes. O preenchimento, ou não, de tais requisitos pressupõe que tal seja ajuizado e verificado, pelo que torna-se necessário a prolação de um despacho em que essa avaliação seja feita e no qual seja declarada a interrupção da instância, se esse for o caso. Para além disso, a declaração de interrupção da instância tem efeitos não só processuais ( art.º 291.º, n.º 1, do CPC ), mas também efeitos no plano substantivo ( v. por ex.art.º 332.º, n.º 2, do C.C. ). Portanto, era necessário, neste caso, que tivesse sido proferida uma decisão em que se apreciasse o preenchimento dos apontados requisitos da interrupção da instância e em que esta tivesse sido declarada, se fosse esse o caso. Na verdade, a interrupção da instância não opera, automaticamente, pelo decurso dos prazos judiciais, uma vez que se exige que haja uma apreciação judicial dos seus requisitos. Por outro lado, prescreve-se no n.º 1 do art.º 291.º, do CPC, que :” Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida a instância durante dois anos”. Daí decorre que a instância é declarada deserta, decorridos dois anos desde a interrupção da instância. Ou seja, e tendo em consideração o acima exposto, o prazo legal de dois anos para a deserção da instância só começa a correr a partir da data em que seja declarada judicialmente a interrupção da instância. Assim, para a declaração de deserção da instância a lei exige que previamente tenha sido declarada a interrupção da instância. Neste caso, como a interrupção da instância não foi declarada antes, não podia ter sido julgada a extinção da instância, por deserção, como foi na decisão recorrida. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 16-4-2002 ( Agravo n.º 949/02, Sumários, 4/2002), cuja doutrina se nos afigura ser aplicável ao caso vertente :” …a interrupção da instância da instância deve ser decretada por despacho judicial, sem o que não pode ter início o decurso do prazo de deserção da instância”. Neste sentido, também os Acórdãos do STJ de 12-1-1999, BMJ 483.º-167, Ribeiro Coelho; de 29-4-2003, Afonso Correia, P.º 03A941; de 13-5-2003 ( Agravo n.º 584/03, 1.ª Secção ) ; 15-6-2004 ( P.º1992/2004) Silva Salazar. Mesmo para quem entenda que não é necessário que a interrupção da instância seja declarada em despacho, onde se deverá ajuizar se a parte foi, ou não, negligente no impulso da lide, ainda, assim, neste caso particular, sempre seria de exigir que o Exequente tivesse sido notificado da conta e para pagamento das custas, sendo certo, como se refere no processo, que os autos estiveram anos sem ir à conta. Só através de tal notificação se saberia se a parte foi advertida de que a sua conduta processual podia ser considerada negligente. Ora, não ficou demonstrado que o Exequente tivesse sido notificado da conta e para pagamento das custas ( artigo 51.º, n.º 3, do CCJ ). Também não deveria ter sido decretada a deserção da instância, por outra razão, para além da acima apontada. É que quando foi declarada a deserção da instância na decisão recorrida, já tinha cessado a interrupção da instância nos termos do disposto no art.º 286.º do CPC, pelo facto de o exequente ter promovido o andamento dos termos da presente execução, através dos requerimentos de fls. 37 e 38, entrados em juízo, respectivamente, em 8-9-2004 e 27-9-2005. Procedem, pois, as conclusões. III - Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, devendo proferir-se despacho em que se aprecie o requerido pelo Exequente a fls. 37. Custas pelos Recorridos. Lisboa, 22 de Junho de 2006 Gonçalves Rodrigues Ferreira de Almeida (com declaração de voto infra) Salazar Casanova Declaração de voto Dispõe o artigo 285º do C.P.Civil que a instância se interrompe quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento. E, por força do disposto no artigo 291.º,nº 1, uma vez interrompida durante dois anos, considera-se a instância, deserta independentemente de qualquer decisão judicial. Perfilhando aquela quem, a tal respeito, vem constituindo jurisprudência dominante, entende-se que o despacho relativo à interrupção da instância tem natureza declarativa, operando-se esta desde o momento em que se perfez o prazo ( de um ano e um dia) de inércia das partes para tanto legalmente previsto. Em consequência, a deserção tem lugar, sem necessidade de despacho que o declare, a partir do momento em que sobre a data da ocorrência da interrupção da instância tiver decorrido o prazo estabelecido no artigo 291.º do C.P.Civil (ac. S.T.J. de 12-1-1999,B.M.J. nº 483,pág. 167) Ou seja, a omissão de despacho judicial nesse sentido não evita o decurso do prazo e consequente interrupção /(e posterior deserção) da instância Assim “ ainda que julgado necessário, o ulteriormente proferido despacho judicial , que declarou a interrupção da instância, retrotrai os seus efeitos à data em que se completou um ano e um dia sobre a suspensão. E, decorridos dois anos sobre a data em que ocorreu a interrupção, a instância fica deserta, independentemente de qualquer decisão judicial nesse sentido” (ac. S.T.J. de 29-4-2003, in www.dgsi.pt,SJ200304290009551) Votei, assim, no sentido da confirmação da decisão recorrida Ferreira de Almeida |