Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7965/2007-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: OFENSAS AO BOM NOME
CRÉDITO AO CONSUMO
CONSUMIDOR
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- A responsabilidade com fundamento na afirmação ou difusão de factos capazes de prejudicar o crédito e o bom nome de qualquer pessoa - seja singular ou colectiva - a que se refere o artigo 484.º do Código Civil, exige a verificação dos pressupostos previstos no artigo 483.º do Código Civil.
II- Considera-se abarcada por essa responsabilidade, constituindo conduta antijurídica, aquela que lese o crédito ou o bom nome de outrem, quer os factos abrangidos sejam verdadeiros ou não verdadeiros, conquanto sejam dolosa ou culposamente apresentados e em condições susceptíveis de afectar esse crédito ou bom nome, ou possuam virtualidade de atingir ou diminuir a confiança na capacidade da pessoa para cumprir as suas obrigações.
III- Os dados recolhidos pela ré, ao abrigo de qualquer contrato de crédito celebrado e relativo à concessão de crédito e solvabilidade, estão abrangidos pelas regras legais de protecção do tratamento de dados pessoais. Deve, por conseguinte, a ré assegurar ao titular dos mesmos o direito de informação e os direitos de actualização, rectificação e acesso relativamente aos seus dados, com a respectiva rectificação de erros e omissões ocorridas (artigos 10.º e 11.º da lei n.º 67/98, de 26 de Outubro).
IV- Tendo saído incluído, indevidamente, o nome da A. na listagem de clientes de risco do Banco de Portugal ( vulgo, lista de “de maus pagadores”) e informada de tal facto a ré, que nada fez no sentido de corrigir tal situação, entende-se que o seu comportamento, desprovido de diligência exigível, é passível de formulação de um juízo de censurabilidade e reprovabilidade.
V- A circunstância dessa informação ao Banco de Portugal ser obrigatória, num quadro de incumprimento ou falta de solvabilidade de compromissos financeiros, relativamente a créditos vencidos e não pagos, nos termos do Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, não desresponsabiliza a ré, nem reduz a censurabilidade da sua conduta, porquanto, depois de alertada pela A, para a existência de um equívoco, nada fez para o atenuar ou corrigir.

(ALG)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I – 1. GRAÇA […] instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra:

C. […] S.A.

Pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a indemnização no valor de € 15.000,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos, até integral pagamento, pelos prejuízos que lhe causou comunicando ao Banco de Portugal informações indevidas a seu respeito.

Alega, em síntese que, em 14-8-2002, foi contactada pelos serviços de contencioso da R., os quais lhe disseram que se encontrava em situação de incumprimento perante aquela e pretendendo que procedesse ao pagamento das quantias de que seria alegadamente devedora.

Foi-lhe dito que se tratava de um contrato de empréstimo em que figurava como primeiro outorgante um tal “[…]” e como segunda proponente a A.

Sucede que a A. nunca assinou tal contrato, nem conhece o referido indivíduo, tendo solicitado por várias vezes que a R. lhe prestasse informações sobre o referido contrato. Porém, a R. não deu qualquer resposta e comunicou ao Banco de Portugal o incumprimento da A.

Tal situação fez com que ficasse incluída na lista de clientes de risco e por isso foi-lhe negada a concessão de um empréstimo que tinha solicitado ao BANCO […].

A A. sofreu danos em consequência da comunicação feita ao Banco de Portugal, traduzidos na impossibilidade de obtenção do financiamento pretendido em Julho de 2002 e recusado em Dezembro desse ano.

Danos patrimoniais e correspondentes à privação dos benefícios que obteria com o empréstimo que lhe foi negado. E sofreu danos não patrimoniais traduzidos na ofensa ao seu crédito e bom-nome.

2. A R. veio contestar alegando que a comunicação ao Banco de Portugal ocorreu no âmbito do cumprimento de uma obrigação legal, o que só concretizou em Julho de 2000, dois anos depois de a A. ter alegado pela 1ª vez não ser titular do contrato de mútuo em crise. Assim, não cometeu qualquer acto ilícito.

Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente e a Ré seja absolvida do pedido.

 3. Efectuado o julgamento e produzida sentença, foi a Ré […] condenada no pagamento da quantia de € 7.500,00 a título de danos morais.

4. Inconformada a Ré Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:

a) A Recorrente alegou e resultou provado que analisou as assinaturas da A. e do confronto entre as várias assinaturas, nomeadamente as apostas nos documentos de identificação da A. e as constantes do contrato de mútuo e da livrança, não foram, nem são detectáveis, ao homem médio, diferenças nas mesmas.
b) Relativamente à responsabilidade por ofensas à personalidade física ou moral dispõe o art. 484º do CC que responde pelos danos causados quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva.
c) Sucede que as acções ou omissões violadoras de deveres jurídicos podem ser redimidas pela verificação de alguma circunstância justificativa do facto, e que afaste a ilicitude do mesmo, pelo que em matéria dos direitos de personalidade, há que atender às situações em que o facto lesante é praticado no cumprimento de um dever.
d) É facto público que a Recorrente é uma Instituição Financeira de Crédito, cujo objecto se traduz na prática das operações permitidas aos Bancos, com excepção da recepção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, sujeita à supervisão do Banco de Portugal, e como tal a sua actividade se encontra regulada.
e) Recai sobre a Recorrente, além do mais, a obrigação de comunicar a esse Banco as responsabilidades por crédito concedido ou potencial dos seus clientes.
f) Tal comunicação implica informação sobre os saldos, em fim de cada mês, das responsabilidades decorrentes das seguintes operações de crédito concedido em Portugal, a residentes ou não residentes em território nacional, indicadas na Instrução nº 7/06 do Banco de Portugal.
g) Tendo a R. concedido o crédito e desembolsando o valor que lhe fora solicitado, no convencimento da validade e perfeição formal, objectiva e subjectiva do mesmo, a situação de incumprimento contratual registada compeliu a R. a efectuar a comunicação em causa ao Banco de Portugal.
h) Não pode, conseguinte, ser considerada ilícita esta acção, pois a ilicitude não tem, manifestamente, cabimento, quando se exercitam poderes ou deveres ordenados pela lei e a R., destinatária de um dever legalmente imposto, não tem de responder civilmente pelos prejuízos que a concretização desse dever cause na esfera da personalidade de outrem.
i) Infere, por outro lado a sentença, a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil decorrentes da componente passiva da conduta da R., na medida em que considerou que competia à R. comunicar, de imediato, ao Banco de Portugal que a inclusão do nome da A. no Serviço de Centralização de Riscos do Crédito do Banco de Portugal se devera a erro, logo que se certificasse de que a A. não tinha assinado o contrato em crise, residindo a ilicitude da R. no facto de nada ter feito para corrigir essa comunicação.
j) Entendeu o Tribunal que a Recorrente não actuou com o zelo e diligência a que estava obrigada, porquanto, alertada pela A. e perante as informações desta, lhe competia averiguar no sentido de apurar se efectivamente aquela havia sido vítima de uma falsificação.
k) Não pode a R. conformar-se com este entendimento, entendendo que o Tribunal fez errada interpretação do disposto no art. 486º do CC contraditada pela própria fundamentação de facto.
l) Para que se possa falar de omissão do comportamento devido é indispensável que esse comportamento fosse possível à R.
m) É sabido que a análise dos dados constantes nos contratos de crédito celebrados entre ausente e as assinaturas que dos mesmos constam se efectua pelo confronto entre as assinaturas constantes dos mesmos e a constante, nomeadamente, do Bilhete de Identidade cuja fotocópia acompanha o contrato.
n) Da referida análise não resultaram dúvidas por parte da R. de que as assinaturas constantes da documentação submetida foram feitas pelo punho da A., caso contrário não teria desembolsado o valor que lhe foi solicitado
o) A R. não tem, nem poderia ou lhe é exigível ter, nos seus quadros de pessoal, trabalhadores com especiais competências técnicas na área da grafologia forense que lhe permitisse certificar-se da veracidade ou falsidade do alegado pela A.
p) Daí que tenham as partes requerido e foi ordenada a realização da perícia à assinatura da A., única forma de comprovar e certificar a alegação de que aquela não havia subscrito o contrato em causa.
q) De acordo com a própria sentença a obrigação de comunicar ao Banco de Portugal a existência de erro na anterior comunicação apenas se tornou exigível com a sentença recorrida, ou, quanto muito, com decisão sobre a matéria de facto, proferida na audiência realizada em 28-2-07.
r) Contudo, tendo sido lícita a comunicação efectuada pela R. ao Serviço de Centralização de Riscos do Crédito do Banco de Portugal, em Outubro de 2000, porquanto efectuada no cumprimento de uma obrigação legal, não pode, necessária e logicamente, existir nexo de causalidade ente o invocado dano e o facto lesivo do direito da Apelada.
s) Ademais, além do invocado dano referente à denegação de um financiamento em 2002 pelo Banco […], não demonstrou a A. ter solicitado a qualquer outra instituição bancária ou financeira a concessão de crédito.
t) Deve, por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida, sendo a acção julgada improcedente e a R. absolvida integralmente do pedido.
u) Ainda que assim não se entenda, o que por mera hipótese de raciocínio de equaciona, a R. não pode conformar-se com a fixação do quantum indemnizatório, tendo em conta o disposto nos arts. 570º e 572º do CC.
v) As diligências que a A. encetou junto da R. limitaram-se ao envio de cartas, reiterando as alegações de que não havia subscrito o contrato em crise, não se tendo deslocado às instalações da C. […] S.A., no sentido de esclarecer a situação que alegava, não tendo a A. agido criminalmente no sentido de apurar quem falsificara a sua assinatura.
w) Considera assim a Ré que o Tribunal a quo deveria ter ponderado a culpa da A. na produção ou agravamento do dano, nos termos do art. 572º do CC.


5. Foram apresentadas contra-alegações.

6. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.


II – Os Factos:

- Mostram-se provados os seguintes factos:

1. Em 18-7-02, a A. e o seu marido Adriano apresentaram junto do  Banco […] S.A., uma proposta de concessão de financiamento no montante de € 3.500,00 – A);
2. Em 14-8-02, a A. foi contactada pelos serviços de contencioso da R., os quais lhe disseram que se encontrava em situação de incumprimento perante a R. e pretendendo que a A. procedesse ao pagamento das quantias de que seria alegadamente devedora – B), C) e D).
3. Em 16-8-02, a A. remeteu à R. a carta com o teor constante de fls. 17, na qual solicitava que lhe fosse facultada a documentação referente ao contrato n° […]
4. Em tal carta se refere, além do mais, que:
 “na sequência de conversa telefónica tida com os vossos serviços no dia 14-8-02 e por sugestão vossa, venho por este meio solicitar que me seja facultada a documentação referente ao contrato nº […] cujo primeiro proponente é o Senhor […]
Este meu pedido decorre do facto de não conhecer o Sr. […] nunca ter assinado qualquer documento referente a pedido de empréstimo para obras e não residir na morada (parece que de Almada) onde está registado que resido.

Porque tenho grande urgência em resolver o assunto, que compromete o meu bom-nome, me impede de contrair qualquer empréstimo e põe em risco o meu equilíbrio financeiro … solicito a vossa compreensão e brevidade no envio dos documentos. Fico à vossa disposição para qualquer esclarecimento adicional” – E).
5. A R. recebeu a carta em 21-8-02 – F).
6. Em 21-11-02, a R. remeteu à A. a carta com o teor constante de documento de fls. 20, comunicando que iria proceder à cobrança judicial da quantia de € 4.944.37.
7. Por carta de 29-11-02, expedida sob registo, com aviso de recepção e que foi recebida pela R., em 5-12-02, a A. dirigiu novo pedido à R. de envio de documentação referente ao contrato de empréstimo n.° […] (doc. de fls. 21).
8. Em tal carta alude a uma conversa telefónica tida com os serviços da Ré no dia 27-11-02, solicitava de novo a documentação referente ao contrato, alegava desconhecer o referido “[…]”, negava que tivesse assinado qualquer documento referente a pedido de empréstimo, aludia ao contacto tido com a R. em 14-8-02 e alegava o desconhecimento do referido e dos factos relativos ao contrato, aludia à falta de resposta ao pedido formulado em 16-8-02 e concluía que: “Porque tenho grande urgência em resolver o assunto, que compromete o meu bom-nome, me impede de contrair qualquer empréstimo e põe em risco a minha situação financeira, peço brevidade no envio dos documentos. Fico à vossa disposição para qualquer esclarecimento adicional, reservando-me o direito de ter de contactar o meu advogado para a resolução deste problema” – I).
9. Em 6-12-02, a A. recebeu uma carta do Banco […], informando-a de que “na sequência da proposta de crédito apresentada por V.Ex.ª, lamentamos informar que a mesma se encontra pendente das justificações que lhe foram solicitadas acerca dos registos constantes na Centralização de Risco do Banco de Portugal” (doc. de fls. 24) – J).
10. Nesse mesmo dia, a A. voltou a insistir junto da R. no sentido de lhe serem prestadas as informações e documentos várias vezes solicitados, o que fez por carta de 6-12-02, expedida sob registo e com aviso de recepção, a qual foi recebida pela R., em 9-12-02.
11. Nessa carta a A. negava qualquer relação com o empréstimo cujo pagamento lhe era exigido, informava que ainda não lhe tinham sido remetidos os documentos que solicitara relacionados com a “minha falsa intervenção de forma a poder-me defender e invocar tal situação inclusive junto do banco de Portugal, onde se encontra bloqueado qualquer pedido de empréstimo, nomeadamente o que solicitei ao Banco”, terminando com a informação de que iria entregar a situação a um gabinete de advogados “para resolução da questão e eventual indemnização dos prejuízos que me estão ocasionando, caso não informem de imediato o banco de Portugal” – L), M) e N).
12. Por carta datada de 14-1-03, a R. respondeu à A., conforme consta do doc. de fls. 30, na qual informava a A. de que o assunto se encontrava entregue ao Advogado da empresa e recomendando que o contactasse – O) e P).
13. Através da Advogada da R., a A. veio finalmente a obter cópia da documentação várias vezes solicitada, o que sucedeu, por carta de 3-2-03, na qual se solicitava à A. que “verificasse se reconhece a sua assinatura nos documentos que lhe envio …” – Q)e R).
14. Confirmando-se nessa altura, o óbito da pessoa que consta do contrato como 1° proponente – S).
15. Em Abril de 1995, a R. tinha concedido um financiamento à A. e ao marido desta – U)
16. A R. comunicou ao Banco de Portugal que a A. se encontrava em situação de incumprimento, comunicação feita em Outubro de 2000 – T) e 1º.
17.

Em consequência da comunicação feita ao Banco de Portugal pela R., a A. viu ser-lhe negada a concessão do financiamento de € 3.500,00 que solicitara junto do Banco […] – 2º.
18. À data dos factos a A. tinha em vigor dois contratos de mútuo celebrados com o Banco […], sendo um deles um crédito pessoal e o outro um crédito para aquisição de viatura automóvel, estando a ser pagas, incluindo à data dos factos, as prestações mensais devidas em consequência dos ditos empréstimos - 4º, 5º e 6º.
19. Em consequência da comunicação feita pela R. ao Banco de Portugal, a A. sofreu danos traduzidos na impossibilidade de obtenção do financiamento pretendido em Julho de 2002, e recusado em Dezembro desse ano, o que acarretou dificuldades económicas para a A. e o seu marido, os quais se viram impossibilitados de usufruir dos benefícios decorrentes do financiamento em causa – 7º e 8º.
20. Sendo certo que até hoje a R. não procedeu à correcção da comunicação feita ao Banco de Portugal – 9º.
21. O que continua a impedir a A. de ver aprovado qualquer financiamento – 10º.
22. Com a comunicação feita ao Banco de Portugal a R. afectou directamente o bom-nome, o crédito e o prestígio da A. – 11º.
23. A A. sofreu um prejuízo traduzido na perda do crédito bancário e no vexame de se ver incluída na lista de "maus pagadores" – 12º e 13º.
24. A R. não se certificou, no momento da celebração do contrato, de que as informações prestadas correspondiam à verdade, designadamente, não exigiu a presença da A. no momento da assinatura do contrato – 16º e 17º.
25. Após a comunicação referida no ponto 3., a Ré não procedeu a qualquer averiguação no sentido de apurar responsabilidades relativamente à eventual falsificação do documento em apreço.


III – O Direito:

1. A questão sub judice prende-se com a de saber se podia a Ré, no contexto factual provado nos autos, ter efectuado a comunicação ao Banco de Portugal do nome da A., com a consequente inclusão desta na respectiva listagem de clientes de risco.

E tendo-o feito, e uma provado o infundado de tal comunicação, qual a responsabilidade da Ré pelos prejuízos daí decorrentes para a própria A.

Explicitando melhor.

Estamos no domínio da responsabilidade extracontratual, importando reapreciar se se verificam os respectivos pressupostos, mais concretamente, se pode ser considerada ilícita a actuação da R. quando comunicou ao Banco de Portugal uma alegada situação de incumprimento da A. de responsabilidades bancárias.

Importa ainda verificar se o comportamento dos serviços da R., designadamente quando a A. lhe comunicou que não tivera qualquer intervenção no contrato, revela uma atitude culposa.

A este propósito diremos que:

2. Constituem pressupostos da responsabilidade extracontratual prevista no art. 483º do CC:

- a prática de um facto humano, ilícito (violador de um direito de outrem ou de disposição legal);
- a culpa (traduzida no juízo de reprovabilidade da conduta do agente que podia e devia ter agido de outra forma e que deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso concreto – cf. art. 487º, nº 2, do CC);
- o dano (prejuízo material ou moral sofrido por alguém por facto de terceiro, sendo os danos não patrimoniais os que resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado e que são indemnizáveis desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º, nº 1, do CC);
- e o nexo de causalidade entre o facto ilícito culposo e o dano (devendo apurar-se para o efeito se, em face das circunstâncias concretas conhecidas pelo lesante, era previsível para um homem médio que do facto praticado derivasse aquele resultado – cf. art. 563º do CC).

Deve também atender-se que é responsável civilmente quem, segundo o art. 484º do CC, afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, respondendo, neste caso, pelos danos causados.

Jurisprudencialmente, existe largo consenso no sentido de se considerar abarcada por esta responsabilidade, como constituindo conduta antijurídica, aquela que lese o crédito ou o bom-nome de outrem, quer os factos abrangidos sejam verdadeiros ou não verdadeiros, conquanto sejam dolosa ou culposamente apresentados e em condições susceptíveis de afectar esse crédito ou bom-nome, ou possuam virtualidade de atingir ou diminuir a confiança na capacidade da pessoa para cumprir as suas obrigações ou apresentando-a em condições desleais ou deformadoras, dessa forma afectando o crédito ou a imagem e reputação ou a integridade moral da pessoa visada. [1]

Interpretando este normativo refere Capelo de Sousa [2] que, por crédito pode entender-se o prestígio da pessoa, ... gerador de confiança financeira, de convicção social de solvabilidade ... ao passo que o bom-nome ou reputação abrangerá tudo o que se refere ao prestígio da própria pessoa ... no plano da lisura e do relevo da sua conduta social.

3. Cotejados os autos, no que concerne ao circunstancialismo fáctico provado, a sequência de factos é bastante sugestiva.

Assim, se numa primeira fase se pode dizer que a efectivação pela Ré da comunicação ao Banco de Portugal, em Outubro de 2000, se operou num contexto legítimo, um juízo desta natureza não se afigura possível de manter em face do que então se desenrolou.
 
É que, ab initio, a R., supondo que fora a A. quem subscrevera um contrato de empréstimo que se encontrava por saldar, limitou-se a extrair dessa situação uma das consequências, dirigindo a um serviço centralizado uma comunicação que, na aparência, assentava sobre factos verdadeiros.

Comunicação que se impunha à luz do cumprimento de uma obrigação legal – cf. Dec. Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.

Por conseguinte, se acaso contássemos apenas com a referida comunicação singela, não haveria razões para responsabilizar a R., porquanto esta teria actuado de boa fé, não existindo motivos para lhe assacar, por si só, a ilicitude comportamental.

Contudo, não é esta a fonte de responsabilidade que determinou a condenação da Ré no caso concreto, mas antes a inércia que se seguiu a diversas comunicações feitas pela A., devidamente circunstanciadas, e dando conta à Ré das consequências ocorridas e da inexistência de qualquer incumprimento contratual por parte da A.

Comunicações que não obtiveram, em tempo oportuno, a necessária ponderação por parte da R., não obstante a veemência colocada pela A. nas comunicações efectuadas, que mesmo assim não lograram merecer da Ré as atitudes que se impunham, persistindo esta em respostas que em nada coincidiam com o que a A. solenemente lhe solicitara.

4. Com efeito, apesar de a A. sempre negar que tivesse tido alguma intervenção no contrato, a R. demorou tempo excessivo a entregar-lhe a documentação numa altura em que já fora feita a comunicação ao Banco de Portugal, e em que a A. invocava sérios danos provocados pela manutenção do seu nome na lista de “maus pagadores”.

Não se trata aqui apenas da inclusão do seu nome na lista, mas sobretudo de tal nome aí se manter, nas circunstâncias referidas.

Realça-se que nem sequer foram ouvidos os argumentos apresentados pela A. relativamente ao total desconhecimento do empréstimo cujo pagamento lhe era exigido, apesar de sempre se ter mostrado disponível para prestar quaisquer esclarecimentos, e de alertar, sucessivamente a Ré, para o facto de que tal situação lhe provocava danos ao seu bom-nome e a impossibilitava de obter empréstimos junto de outras entidades bancárias.

Tão pouco a referência, nas cartas que lhe endereçava, de que viria, no futuro, a exigir da Ré a reparação desses danos, mereceu, desde logo, qualquer actuação por parte desta tendente a averiguar o sucedido, com vista a reparar os prejuízos causados.

Só passados 5 meses obteve a A. algum resultado pelas diligências encetadas, com a entrega por parte do advogado da R. da documentação que, anteriormente, e por diversas vezes, a A. solicitara.

Sublinha-se porém que, mesmo assim, sem quaisquer outros resultados relevantes, porquanto na data em que foi proferida a decisão da matéria de facto (Fevereiro de 2007) ainda se mantinha a referida situação.

Neste contexto, não é de admitir a justificação, de natureza eminentemente formal, apresentada pela R., de que não estaria obrigada a comunicar ao Banco de Portugal o erro, pelo facto de se encontrar ainda pendente esta acção.

Tendo sido oportunamente confrontada com a situação, não poderia a R. deixar de actuar no sentido de a clarificar, sem ter de aguardar pelo resultado de uma acção cujo objecto, aliás, é integrado por um pedido de indemnização e não por um qualquer pedido de apreciação da veracidade ou da inveracidade dos factos.

5. Por outro lado, tal justificação nem sequer é de atender, quando estão em causa tratamento de dados por empresas ou instituições financeiras de crédito/cobrança de créditos que envolvem elementos objectivos relativos ao crédito e solvabilidade dos seus titulares.

É sabido que, no âmbito da legislação bancária e financeira se encontra, de facto, consagrado o direito de as instituições de crédito poderem organizar, “sob regime de segredo”, “um sistema de informações recíprocas com o fim de garantir a segurança das operações” (cf. art. 83º do Dec. Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro). Tendo a circulação dessa informação o seu fundamento em disposição legal, na sequência do qual foi criado no Banco de Portugal o respectivo serviço de centralização de riscos de crédito com o objectivo de centralizar os elementos informativos respeitantes aos riscos de concessão e aplicação de crédito bancário e parabancário – cf. Decreto-Lei nº 47.909 de 7/9/1967 e, mais recentemente, o  Dec. Lei nº 298/92 de 31/12.

Contudo, tais elementos, para além de não poderem ser utilizados para outros fins, envolvem a denominação legal de dados pessoais, de natureza sensível, pois dizem respeito à vida privada de qualquer cidadão – cf. arts. 3º, nº 1, 7º, nº 1, da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro.

E enquanto dados pessoais dessa natureza estão abrangidos pela protecção legal conferida pela Lei de Protecção de Dados Pessoais.

Quer isto dizer que, os dados recolhidos pela Ré, ao abrigo de qualquer eventual contrato de crédito celebrado com a A., e relativos à concessão de crédito e solvabilidade, estão abrangidos pelas regras legais de protecção do tratamento de dados pessoais.

Deve, por conseguinte a Ré, como bem sabe, assegurar à A., enquanto titular dos mesmos, o direito de informação e os direitos de actualização, rectificação e acesso relativamente aos seus dados – cf. arts. 10º e 11º da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro.

O direito de informação inclui o tipo de dados, a sua origem e os fundamentos da indicação no momento da sua inserção no sistema. Sendo permitida a rectificação de erros e omissões ocorridas.

Para esse efeito os dados pessoais devem ser mantidos actualizados e a entidade que os recolheu, e que processou o seu tratamento, deve tomar as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou rectificados os dados inexactos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos e para que são tratados posteriormente – cf. arts 5.º, n.º 1, al. d), 28º, nº 1, al. b), ambos da Lei 67/98.

E a falta de cumprimento dessa obrigação estabelecida no artigo 5.º n.º 1 al. d), da Lei 67/98, e a não eliminação de dados - (prevista no seu art. 11.º n.º 1, al. d)) - é tão grave, à luz dos normativos de protecção de dados, que a própria lei pune abstractamente essa conduta com coima pela prática de contra-ordenação prevista e punida nos termos do art.º 38º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.

6. Ora, sendo a Ré uma instituição financeira de crédito, necessariamente dotada de meios para responder, em condições apropriadas de qualidade e de eficiência, os seus serviços têm que estar apetrechados e sensibilizados para enfrentar situações como a da A., e de pessoas que são injustamente envolvidas em operações comerciais, com vista a evitar ou, ao menos, atenuar, os efeitos negativos decorrentes de actuação similar.

E não o fazendo, entende-se que o seu comportamento é passível de formulação de um juízo de censurabilidade e reprovabilidade pela conduta adoptada, e manutenção da mesma, porquanto não pode a Ré ignorar as consequências resultantes da sua comunicação ao Banco de Portugal.

A circunstância dessa informação ao Banco de Portugal ser obrigatória, num quadro de incumprimento ou falta de solvabilidade de compromissos financeiros, relativamente a créditos vencidos e não pagos, nos termos do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, não desresponsabiliza a Ré, nem reduz a censurabilidade da sua conduta, porquanto, depois de ter sido alertada pela A. para a existência de um equívoco, nada fez para o atenuar ou corrigir.

7. É certo que na ocasião em que o contrato foi celebrado a R. não exigiu a presença da A. para confirmar se era ela a pessoa que efectivamente subscrevia  o contrato.

Mas tal corresponde a uma atitude frequente e que encontra justificação plausível na ampliação do crédito ao consumo, relativamente ao qual têm sido menores as exigências impostas pelas entidades bancárias quanto à certificação da identidade dos interessados e quanto à sua solvabilidade.

Por isso, nesta parte, não oferece dúvidas a alegação da Ré de que não é exigível que os seus serviços estejam apetrechados de meios técnicos e humanos semelhantes aos que se encontram disponíveis nos estabelecimentos de polícia científica, de molde a comprovar a autenticidade das assinaturas inseridas nos contratos.

Mas entre essa situação e a total inércia mantida pela R. fica um fosso enorme que poderia ter sido preenchido por uma série de condutas destinadas a apurar, de acordo com padrões de razoabilidade, a situação em causa, tanto mais que a A. a alertou para esse efeito e sempre se dispusera a colaborar e a apresentar os esclarecimentos que fossem oportunos.

Importante, repete-se, para o caso sub judice, é realçar que após a primitiva comunicação feita pela A. à Ré, esta não procedeu a qualquer averiguação no sentido de apurar responsabilidades quanto à eventual falsificação do documento em apreço, mantendo rotineiramente pendente uma situação para que fora convenientemente alertada, com argumentos que deveriam ter sido oportunamente ponderados.

Neste contexto, não pode deixar de se entender que a Ré agiu, pelo menos, com mera culpa ou culpa em sentido estrito, omitindo, no mínimo, o dever de diligência.

Destarte, forçoso é concluir que todo o circunstancialismo fáctico provado evidencia que a Ré agiu muito aquém do padrão de diligência exigível, sendo a sua conduta censurável.

Por conseguinte, estão reunidos, in casu, os pressupostos da ilicitude e da culpa funcional da Ré, sendo a mesma responsável pelos prejuízos causados à A. com a sua conduta.

8. Questiona ainda a R. os danos alegados.

Contudo, a matéria de facto provada não consente as conclusões que a R. adianta.

Com efeito, ficou provado que, pelo facto de a A. constar da lista de clientes de risco existente no Banco de Portugal, acabou  por ver  negada a concessão de empréstimos que pretendia obter.

Além disso, estão ainda provados danos ocasionados na sua esfera pessoal, os quais não podem ser encarados com a leveza e superficialidade invocada pela R., pois que na realidade o nome da A. figurou na lista de “maus pagadores” ou de clientes de risco durante, quase, 7 anos, e nele persistiu durante pelo menos quase 5 anos depois de a R. ter sido alertada para o erro que existia.

O facto de a referida lista estar sujeita a sigilo bancário pode servir para atenuar os danos, mas não os elimina. Aliás, essa eliminação sempre seria de afastar por não ter sido impugnada a decisão da matéria de facto que aos mesmos se reporta.

9. Invoca ainda a R. a culpa do lesado, nos termos dos arts. 570º e 572º do CC.

Não cremos que tal possa ser sustentado, perante o acervo fáctico provado.

Os autos retratam de forma clara e inequívoca que a A. agiu logo que lhe foi comunicada a existência de uma situação ligada a um empréstimo bancário em que interviera.

Desconhecemos, é certo, se houve qualquer outra actuação junto de outras entidades relacionadas com a falsificação da sua assinatura. E também a razão pela qual a acção só foi proposta três anos depois.

Porém, a verdade é que a A. agiu directamente perante a R., sendo desta a atitude de inércia que levou a que não tivesse movido qualquer diligência no sentido de corrigir a situação, a qual era, nesta parte, da sua exclusiva responsabilidade.

10. Em face do que antecede, bem andou o Tribunal “a quo” quando condenou a Ré a indemnizar a A. nos termos que os autos retractam.

Improcede, assim, a presente Apelação.

IV - Em Conclusão:

1. A responsabilidade com fundamento na afirmação ou difusão de factos capazes de prejudicar o crédito e o bom nome de qualquer pessoa – seja singular ou colectiva – a que se refere o art. 484º do CC, exige a verificação dos pressupostos previstos no art. 483º do CC.
2. Considera-se abarcada por essa responsabilidade, constituindo conduta antijurídica, aquela que lese o crédito ou o bom nome de outrem, quer os factos abrangidos sejam verdadeiros ou não verdadeiros, conquanto sejam dolosa ou culposamente apresentados e em condições susceptíveis de afectar esse crédito ou bom nome, ou possuam virtualidade de atingir ou diminuir a confiança na capacidade da pessoa para cumprir as suas obrigações.
3. Os dados recolhidos pela Ré, ao abrigo de qualquer contrato de crédito celebrado, e relativo à concessão de crédito e solvabilidade, estão abrangidos pelas regras legais de protecção do tratamento de dados pessoais. Deve, por conseguinte, a Ré, assegurar ao titular dos mesmos o direito de informação e os direitos de actualização, rectificação e acesso relativamente aos seus dados, com a respectiva rectificação de erros e omissões ocorridas - cf. arts. 10º e 11º da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro.
4. Tendo sido incluído, indevidamente, o nome da A. na listagem de clientes de risco do Banco de Portugal (vulgo, lista de “maus pagadores”), e informada de tal facto a Ré, que nada fez no sentido de corrigir tal situação, entende-se que o seu comportamento, desprovido da diligência exigível, é passível de formulação de um juízo de censurabilidade e reprovabilidade. 
5. A circunstância dessa informação ao Banco de Portugal ser obrigatória, num quadro de incumprimento ou falta de solvabilidade de compromissos financeiros, relativamente a créditos vencidos e não pagos, nos termos do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, não desresponsabiliza a Ré, nem reduz a censurabilidade da sua conduta, porquanto, depois de ter sido alertada pela A. para a existência de um equívoco, nada fez para o atenuar ou corrigir.


V – Decisão:

- Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida.


- Custas pela Apelante.


Lisboa, 15 de Novembro de 2007.

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
 António Manuel Valente
 Ilídio Sacarrão Martins

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[1] Cf. Acórdão do STJ, de 16/4/1991, in BMJ, 406º, pág. 623 e segts, e de 20/06/1996, in CJSTJ, T. 2º, pág. 277.
[2] In “O Direito Geral de Personalidade”, 1995, cf. págs. 596 e segts