Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1384/2007-1
Relator: JOSÉ AUGUSTO RAMOS
Descritores: SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
JUIZ
RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Nos termos e para os efeitos do n° 5 do artigo 712° do Código de Processo Civil, a falta da devida fundamentação da decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não conduz à anulação dessa decisão, mas apenas à devolução dos autos ao Tribunal de 1ª instância para que proceda à devida fundamentação.
II - Cabe à Relação apreciar se a devolução à 1ª instância, para fundamentar a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, deve ceder perante a justificação da impossibilidade de proceder à fundamentação apresentada pelo juiz da causa.
III - A fundamentação em falta deve ser suprida pelo juiz que proferiu a decisão sobre a matéria de facto e, portanto, pelo juiz que assistiu a todos os actos de instrução e discussão da audiência final, ou seja, pelo juiz que presidiu a esta audiência em caso de julgamento singular e, em principio, mesmo que entretanto se tenha jubilado.
IV - O erro ou inexactidão, cuja rectificação é consentida pelo artigo 667º do Código de Processo Civil, respeita a expressão da vontade do julgador.
V - O Tribunal, singular ou colectivo, que proferiu a decisão pode e deve efectuar a correcção independentemente de quem dele seja titular.
JAR
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível da Relação de Lisboa:
I – Relatório
Neste recurso de apelação, interposto da sentença proferida nesta acção, com processo ordinário, que o recorrente B intenta contra Rádio…, S.A., pelo antecedente acórdão decidiu-se julgar procedente o recurso e, consequentemente, anular a decisão sobre a matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos quesitos 3º a 6º e 8º a 27º, nos termos e para os efeitos do artigo 712º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
As partes, notificadas, não se pronunciaram e, seguidamente, foram os autos remetidos à primeira instância.

Nessa instância, recebidos os autos, o Exmo. Juiz, de acordo com o disposto na parte final do n.º 5 do artigo 712º do Código de Processo Civil, justificou a impossibilidade de obtenção da fundamentação e, consequentemente, devolveu o processo.
Para tanto considerou que o Exmo. Juiz, que decidiu a matéria de facto, não podia cumprir com a decisão do referido acórdão por já não se encontrar ao serviço desde que, em Agosto de 2006, se jubilou.
As partes, notificadas, não se pronunciaram.

II – Fundamentação
No antecedente acórdão, como questões a nele decidir, estabeleceram-se as seguintes:
1ª falta de fundamentação das respostas dadas aos quesitos 3º a 6º e 8º a 27º;
2ª alteração, ou não, das respostas dadas a tais quesitos e pertinente subsunção jurídica em função dos factos apurados.

Para apreciar a primeira questão considerou-se que o Snr. Juiz, ao fundamentar as respostas negativas dadas aos quesitos acima mencionados referindo singelamente que os depoimentos das testemunhas ouvidas sobre os mesmos lhe não haviam infundido segurança bastante sem concretizar motivos, razões por que formou a sua convicção, não cumpriu com o disposto no artigo 653º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e que, consequentemente, emergia a estatuição prevista no n.º 5 do artigo 712º, n.º 5, do Código de Processo Civil, para que, apuradas as razões da desvalorização dos depoimentos de tais testemunhas, posteriormente este tribunal de recurso pudesse pronunciar-se sobre a adequação das respostas dadas a tais quesitos e assim, concluindo esta breve síntese dos fundamentos desse acórdão, considerou-se que, procedendo a primeira questão, ficava prejudicado o conhecimento da segunda para terminar decidindo, como se referiu, o seguinte: termos em que se acorda julgar procedente o recurso e, consequentemente, anular a decisão sobre a matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos quesitos 3º a 6º e 8º a 27º, nos termos e para os efeitos do artigo 712º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Neste artigo 712º, n.º 5, do Código de Processo Civil, estabelece-se que se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado no antecedente acórdão, entendeu-se que “conforme destaca a Relação, o seu o controlo sobre um tal dever fundamentação é muito limitado, sendo que um eventual deficiente cumprimento desse dever nunca conduzirá à anulação dessas respostas. E isto, porque nos termos do n° 5 do artº 712° do CPC, a insuficiência de fundamentação, se respeitar a facto não essencial para o julgamento, não surte qualquer consequência anulatória; se ocorrer relativamente a algum facto essencial, apenas poderá dar lugar a que os autos regressem ao Tribunal de 1ª instância para que aí se proceda à devida fundamentação, o que sempre se mostra dependente de requerimento da parte.”(1)
Portanto decorre desta disposição que a falta da devida fundamentação da decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não se traduz na anulação dessa decisão, na anulação da resposta ao artigo da base instrutória indevidamente fundamentado.
Também com o antecedente acórdão, como claramente decorre da menção na parte decisória ao artigo 712º, n.º 5, do Código de Processo Civil, conjugada com os seus fundamentos e mesmo destes por si mesmos, apenas se pretendeu obter uma adequada fundamentação das respostas dadas aos quesitos 3º a 6º e 8º a 27º para que posteriormente, com o esclarecimento decorrente dessa fundamentação, este tribunal de recurso se pronuncie sobre a adequação das respostas dadas a tais quesitos.
Efectivamente, pretendendo este tribunal pronunciar-se sobre a adequação das respostas a esses quesitos depois de obtida a respectiva fundamentação, é manifesto que estas premissas não consentem a anulação dessas respostas.
Resulta portanto evidente a exclusiva intenção desse acórdão de determinar a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos quesitos 3º a 6º e 8º a 27º, e tanto assim que logo foi correctamente entendido na primeira instância com a justificação da “impossibilidade de cumprir com a elaboração de nova fundamentação, conforme prescrito pelo Tribunal da Relação de Lisboa”.
De todo o modo, para que não se suscite qualquer duvida, visto o disposto nos artigos 667º, n.º 1, e 716º, n.º 1, do Código de Processo Civil, melhor será rectificar a decisão na parte que refere, inexactamente, anular a decisão sobre a matéria de facto no que concerne às respostas dadas a esses quesitos.
Com efeito quando a vontade declarada na sentença seja desconforme à vontade real, pode o juiz proceder ao seu ajustamento, mediante rectificação, como, p. ex., ocorre no caso seguinte: depois de julgar a acção procedente, com base nos fundamentos que expôs, o juiz acaba por absolver o réu do pedido(2).
Deste modo o erro ou inexactidão, cuja rectificação consente o artigo 667º do Código de Processo Civil, respeita a expressão da vontade do julgador e deve, consequentemente, incidir ou reflectir-se numa conclusão não consentida pelas premissas(3).
Por outro lado a competência para rectificar pertence ao órgão, singular ou colectivo, que proferiu a decisão que assim, independentemente da pessoa ou pessoas que em cada momento dele sejam titulares, pode e deve proceder à correcção(4).
Cumpre, pois, nesta oportunidade rectificar a decisão constante do antecedente acórdão para passar a ser a seguinte: termos em que se acorda julgar procedente o recurso e, consequentemente, determinar a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos quesitos 3º a 6º e 8º a 27º, nos termos e para os efeitos do artigo 712º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
O actual Exmo. Juiz da causa justifica a impossibilidade de obter a fundamentação com a jubilação do juiz que proferiu a decisão sobre a matéria de facto, portanto com a jubilação do Exmo. Juiz, Snr. Dr. Fernando Ferreira Duque, que como consta das actas de fls. 581 a 585 e de fls. 590, foi quem presidiu à audiência final, realizada em tribunal singular, e consequentemente proferiu aquela decisão.
Naturalmente que cabe a este tribunal apreciar se a sua determinação à primeira instância para fundamentar a decisão proferida sobre factos essenciais para o julgamento da causa deve ceder perante a justificação da impossibilidade de proceder fundamentação apresentada pelo juiz da causa, isto é cabe a este tribunal valorar a relevância da impossibilidade(5).
A parte final do n.º 5 do artigo 712º do Código de Processo Civil, ao prescrever a justificação da impossibilidade de obtenção da fundamentação com os mesmos juízes, mostra claramente que a fundamentação em falta deve ser suprida pelo juiz que proferiu a decisão sobre a matéria de facto e portanto, visto o disposto nos artigos 650º, n.º 1, e 654º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo juiz que assistiu a todos os actos de instrução e discussão da audiência final, pelo juiz que presidiu a esta audiência em caso de julgamento singular.
Sendo assim, tal como no artigo 654º, n.º 3, do Código de Processo Civil, se determina dever o juiz aposentado concluir o julgamento, excepto nas situações de incapacidade nele referidas, também a falta de fundamentação deve ser suprida pelo juiz que assistiu a todos os actos de instrução e discussão da audiência final ainda que entretanto se tenha aposentado, excepto também quando se verifiquem aquelas situações de incapacidade, ou situações de incapacidade física posteriores à aposentação.
Com efeito se se exige do juiz aposentado que mantenha a sua jurisdição para o efeito especial de levar até ao fim os trabalhos da audiência em que começou a intervir(6), mais se justifica que o juiz aposentado, porque assistiu a todos os actos de instrução e discussão, deva suprir a falta de fundamentação.
Podendo e devendo esta exigência ser feita ao juiz aposentado, então, visto o disposto no artigo 67º, n.ºs 1 e 2, do E.M.J., aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, também pode e deve ser feita ao juiz jubilado.
Com efeito os juízes jubilados são juízes aposentados que, além do mais, continuam vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte.
Assim a jubilação do Exmo. Juiz, Snr. Dr. Fernando Ferreira Duque, que presidiu à audiência final, realizada em tribunal singular, e consequentemente proferiu a decisão sobre a matéria de facto, só por si não obsta a que deva prosseguir com a determinação do antecedente acórdão, ou seja a que deva prosseguir com a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos quesitos 3º a 6º e 8º a 27º, nos termos e para os efeitos do artigo 712º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Cumpre pois concluir, como se conclui, pela irrelevância da justificação, devendo consequentemente prosseguir-se na primeira instância com o decidido, considerada a rectificação, no acórdão antecedente.

III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação no seguinte:
- rectificar a decisão constante do antecedente acórdão para passar a ser a seguinte: termos em que se acorda julgar procedente o recurso e, consequentemente, determinar a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos quesitos 3º a 6º e 8º a 27º, nos termos e para os efeitos do artigo 712º, n.º 5, do Código de Processo Civil;
- ordenar que se prossiga, em conformidade com o exposto, com o cumprimento dessa decisão.
Sem custas pelo recorrente.
Processado em computador.
Lisboa, 13/12/07
José Augusto Ramos
Rosário Gonçalves
João Aveiro Pereira
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1 - Cfr. Ac. S.T.J., de 20/9/2005, Proc. 07A3366, www.dgsi.pt.
2 - Vd. AMÂNCIO FERREIRA MANUAL DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, PGS. 47, 48.
3 - Vd. Ac. S.T.J., de 5/7/1990, Proc. 079313, www.dgsi.pt.
4 - Vd. ROBRIGUES BASTOS NOTAS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, VOLUME III, 3.ª EDIÇÃO, PG. 193, e CARDONA FERREIRA, GUIA DE RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, 3.ª EDIÇÃO, PG. 34.
5 - Vd. LEBRE DE FREITAS, RIBEIRO MENDES, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLUME 3.°, PG. 99.
6 - Vd. ALBERTO DOS REIS, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, VOLUME IV, PG. 540.