Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11157/2008-6
Relator: MANUEL GONÇALVES
Descritores: COMPRA E VENDA
CONSUMIDOR
DEFEITOS
DENÚNCIA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1 - A plenitude do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das prova
2 - Embora podendo o comprador/consumidor, optar por um dos direitos possíveis (p. ex. denúncia de falta de conformidade), a sua escolha deverá obedecer aos ditames da boa fé e com respeito pela conservação e perfeição do negócio jurídico (pacta sunt servanda).
3 – A opção por um dos direitos, deverá ser exercida perante o vendedor, atento o disposto no art. 5º (DL 67/2003).
4 – Ainda que o DL 67/2003 não refira de forma expressa que ao consumidor, assiste além dos direitos mencionados no art. 4º, também o direito a indemnização, esse direito resulta dos princípios gerais, nomeadamente do art. 798 e segs. CC. Neste caso, só haverá direito a indemnização, quando «o devedor falta culposamente ao cumprimento da obrigação», contendo o art. 799 CC, uma presunção de culpa por parte do devedor.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
J LDA, intentou acção sob a forma sumária, contra P pedindo a condenação desta, no pagamento da quantia de 6.073,88 euros.
Para o efeito, alega em síntese o seguinte:
Forneceu e prestou à R., os serviços constantes da factura nº 8117, no valor de 9.868,76 euros.
A R., pagou 4.000 euros, ficando a dever a quantia de 5.868,76 euros.
Desde 10.12.2006, venceram-se juros à taxa de juros comerciais, no montante de 205,12 euros.

Contestou a R. (fol. 26) e deduziu pedido reconvencional, dizendo em síntese o seguinte:
No que respeita à factura nº 8117, verifica-se que dela constam rubricas que a Ré não encomendou, como é o caso de «M2», que foi o Dr. A quem encomendou para ofertar à R..
No Verão de 2006, todo o chão começou a levantar, o que foi imputado à falta de qualidade do material, do que resultou um atraso da obra de mais de 3 meses.
A R, despendeu inicialmente 1.900,00 euros com o empreiteiro para a colocação e despendeu 1.200,00 euros mais IVA em substituição do chão defeituoso.
As portas foram fornecidas sem estarem prontas a aplicar, do que resultou um encargo adicional para a Ré de 1.450,00 euros.
O serviço de assentamento de portas, roupeiro e rodapé no valor de 1.500,00 euros deveria ser pago pela R directamente à pessoa que executou o serviço, mas a A. pediu à R. que lhe pagasse esse serviço.
A R., aceita pagar o valor de 124,00 euros.
A autora deve à Ré a quantia de 4.550,00 euros, relativos a prejuízos sofridos em resultado do fornecimento defeituoso.

Respondeu a A. (fol. 42).
Dispensou-se a audiência preliminar (fol. 65).
Sem a selecção da base instrutória, procedeu-se a julgamento (fol. 122, 133, 186, 203, 206 e 211), após o que foi proferida decisão da matéria de facto (fol. 230).
Foi proferida sentença (fol. 236), em que se conclui da seguinte forma: «Julgo a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, assim reconhecendo o direito da Autora a haver da Ré, a quantia de 3.392,70 euros e, em contrapartida, o direito da Ré, a haver da autora a quantia de 3.100,00 euros. Operando a compensação parcial, entre as duas verbas, condeno a Ré a pagar à A., a quantia de 292,70 euros».
Inconformado recorreu o A. (fol. 246), recurso que foi admitido com o apelação (fol. 255).

Nas alegações que apresentou, formula o apelante, as seguintes conclusões:
1- Tendo ficado provado que a A. emitiu a factura nº 8117, pelo9 montante de 9.868,76 euros, e que destas verbas a R., apenas contestou o pagamento das verbas 2º e 4º (1242 euros e 250 euros mais IVA), no pior dos cenários para a A., a R., deveria ser condenada a pagar a quantia de 4.063,44 euros e nunca os 3.292,70 euros, considerados na sentença.
2- Ainda que abstraindo da alteração do nº 16 da matéria considerada provada, que se impugna e que deve ser alterada, dos factos considerados provados na douta sentença, não resulta provado o alegado defeito do lamparket, nem de qualquer desconformidade do mesmo, com o contrato para efeitos do DL 67/2003 pelo que, o montante do lamparket é devido, devendo por isso ser a apelada condenada a pagar o valor do mesmo no montante de 1.242 euros mais IVA (260,82 euros) , pelo que é de 5.566,26 euros a quantia que a R., deve ser condenada a pagar.
3- Deve ainda a R., ser condenada a pagar juros nos termos peticionados na acção.
4- Apesar de alegar não ter comprado à A., o lamparket em causa, na reconvenção veio a R., pedir a indemnização por alegado «fornecimento defeituoso», o que, implicaria a venda que a Ré nega na contestação-reconvenção.
5- Não tendo, na tese da R., havido contrato de compra e venda deste material entre a A., e a R., o pedido formulado por esta carece de causa de pedir, sendo por isso inepta a acção reconvencional, nos termos do art. 193 nº 2 al. a) CPC.
6- Em consequência é nula a acção reconvencional, nos termos do nº 1 do art. 193 CPC, o que constitui excepção dilatória (art. 194 CPC al. b) de conhecimento oficioso (art. 495 CPC) pelo que deve a autora ser absolvida da instância quanto ao pedido reconvencional, nos termos do art. 288 nº 1 al. e) CPC.
7- Sem conceder, da matéria de facto provada não resulta defeito do lamparket em causa, nem qualquer desconformidade com o contrato de compra e venda, pois apenas foi dado como provado, por um lado, que o profissional (taqueiro) havia chamado a atenção para o facto de o lamparket não ter o suficiente índice de humidade, havendo o risco de levantar, o que é uma afirmação que, salvo melhor opinião, não equivale a considerar-se provado o facto de o lamparket não ter suficiente índice de humidade e por outro que, nas semanas seguintes o lamparket levantou, tanto na sala como nos quartos mas mais na sala, donde resulta que, os tacos não levantaram todos.
8- E ficando por provar qual a razão do levantamento dos tacos, o que pode ter ocorrido devido a circunstâncias variadas, com o índice de humidade dos tacos, o tipo de cola aplicada, a betonilha ou pavimento demasiado húmido, ou ainda qualquer questão ligada à técnica de aplicação.
9- Admitindo por mera hipótese de raciocínio, que tal desconformidade pudesse ter existido, o art. 4º nº 1 do DL 67/2003 que estabelece a responsabilidade objectiva do vendedor, independentemente de culpa, não confere ao comprador o direito de indemnização mas apenas os de reparação ou substituição, redução do preço ou resolução do contrato.
10- O art. 12º da Lei 24/96 de 31 de Julho, na redacção do DL 67/2003 é que estabelece um direito de indemnização ao comprador, impondo uma responsabilidade objectiva ao produtor (nº 2) mas não para o vendedor-intermediário (nº 1), cuja responsabilidade é assente na culpa, embora presumida, entendimento que é pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
11- Dos autos resulta a ausência de culpa da A., em qualquer hipotético defeito do «Lamparket» dado que a A. se limitou a ser intermediária, sem qualquer margem de lucro, em atenção do Dr. A.
12- E pelo contrário, tendo o profissional (taqueiro) incumbido de aplicar o pavimento chamado a atenção à R., para o facto do material não ter suficiente índice de humidade, havendo o risco de levantar, pelo que não se responsabilizava pelo trabalho, e tendo sido decidido avançar com a aplicação, à revelia da A., não pode a R., deixar de ser responsável pelas eventuais consequências daí resultantes.
13- Também o arranque do lamparket foi decidido unilateralmente pela R., e à revelia da A., que nem sequer foi chamada ao local para verificação da situação e observação dos factos.
14- Deste modo, a culpa pelos alegados prejuízos sofridos pela R, só à própria podem ser imputados.
15- Deve ser revogado o julgamento da matéria de facto considerada no ponto 16 (Nas semanas seguintes à aplicação o Lamparket levantou, tanto na sala como nos quartos, mas mais na sala, pelo que foi necessário substituí-lo), e considerando provado apenas que «Nas semanas seguintes à aplicação o lamparket levantou, em parte, na sala e num dos quartos, não tendo levantado em dois quartos», como resulta do depoimento da testemunha J, que depôs neste sentido e revelou depoimento expontâneo, coerente, imparcial, com razão de ciência, e respondeu do mesmo modo quer ao advogado da R., quer ao advogado da A.
16- O depoimento da testemunha em que se fundamentou o Tribunal, não revelou a mesma espontaneidade e convicção pois tendo respondido ao advogado da R., que o levantamento havia sido também nos quartos, ao advogado da A., respondeu que «eu penso que levantou em todos os quartos» e confrontado com o depoimento em sentido diverso da testemunha José Amaro, respondeu que «se ele disse isso, ele é que lá estava».
17- Deve ser julgada procedente a acção nos termos alegados, devendo a reconvenção ser julgada inepta, nos termos alegados e a A. absolvida da instância, ou, caso assim, se não entenda, o que por mera hipótese académica se põe, ser julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a A. do pedido.

Contra alegou a apelada, sustentando a manutenção da sentença.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.
É a seguinte a matéria de facto considerada assente:
1- A autora é sociedade que se dedica às actividades de carpintaria, móveis e caixilharia em madeiras para a construção civil
2- Em 2006 a Ré procedeu a trabalhos de remodelação da sua casa, na Quinta, em Cascais.
3- Em 20.01.2006 a Autora, na sua sede, entregou à Ré o orçamento de fol. 8, relativo aos materiais nele indicados e no montante de 4.870,00 euros mais IVA, dando o total de 5.892,70 euros.
4- A Ré deu logo o seu acordo a esse Orçamento.
5- Segundo o Orçamento, o pagamento seria «a trinta dias após a data da factura».
6- Em 02.02.2006, a Ré entregou à A., um cheque no valor de 4.000,00 euros, do qual esta passou recibo.
7- Em 12.06.2006 e 21.07.2006 foram entregues na obra os materiais referidos no Orçamento e ainda outros, conforme discriminado nas Guias de Trânsito de fol. 119, 120 e 121.
8- Em 04.12.2006, a Autora emitiu a factura nº 8117, pelo montante de 9.868,76 euros.
9- Esse montante de 9.868,76 euros é referente aos materiais orçamentados e fornecidos (supra nº 3) e ainda aos seguintes novos materiais e serviços:
Serviço assentamento portas+roup.+rodapé – 1.500,00 euros;
M2 lamparket carvalho -------------------------- 1.242,00 euros;
ML rodapé carvalho ------------------------------ 124,00 euros;
Serviço assentamento rodapé ------------------- 250,00 euros.
10- Dessas novas rubricas a Ré está de acordo com a 1ª e a 3ª, que aceitou pagar à Autora.
11- O lamparket (tacos de ) carvalho foi adquirido com a intervenção do Dr. Alfredo Costa.
12- O preço por que esse lamparket carvalho foi debitado à Ré foi aquele pelo qual a Autora o adquiriu da empresa fornecedora.
13- O profissional (taqueiro) incumbido de aplicar o pavimento «lamparket carvalho» chamou a atenção para o facto de ele não ter suficiente índice de humidade, havendo risco de «levantar», pelo que não se responsabilizava pelo trabalho.
14- Em razão da observação do «taqueiro», a aplicação ficou «em suspenso», por alguns dias, após o que o empreiteiro-geral da obra mandou aquele fazer a aplicação.
15- Por essa aplicação do «lamparket» a Ré, pagou à pessoa encarregada do trabalho 1.900,00 euros.
16- Nas semanas seguintes à aplicação o «lamparket» levantou, tanto na sala como nos quartos, mas mais na sala, pelo que foi necessário substituí-lo.
17- A Ré incumbiu o mesmo taqueiro de arrancar o «lamparket» colocado e aplicar novo, fornecido por este.
18- Com essa reaplicação, incluindo o arranque do «lamparket» que havia sido colocado, a Ré, despendeu 3.630,00 euros.
19- As portas eram fornecidas pela Autora sem «acabamento».
20- A Ré despendeu com o envernizamento das portas e roupeiros 1.400,00 euros.
21- Havia sido acordado que a Ré, pagaria à A., o assentamento das portas, roupeiros e rodapé efectuado por terceira pessoa, e que esta seria paga pela Autora através da dedução de um crédito que esta tinha sobre ela.
22- A Ré despendeu 1.900,00 euros pelo trabalho de colocar, afagar e envernizar soalho.
23- A Ré despendeu 1.200,00 euros, acrescido de IVA pelo trabalho de «arrancar pavimento existente, transporte e vazadouro, dar barramento para regularização do pavimento incluindo a aplicação de novo lamparket.

O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões formuladas pelo recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, salvo questões de conhecimento oficioso, apenas haverá que conhecer das questões postas.
No caso presente, as questões são as seguintes:
a) Ineptidão do pedido reconvencional;
b) Alteração da decisão da matéria de facto;
c) Mérito da sentença.

I – Ineptidão do pedido reconvencional.
Em causa está questão que não foi suscitada perante a 1ª instância, pelo que se trata de questão nova. Ainda que os recursos não tenham por objecto questões novas, como se viu, sempre poderá nesta sede apreciar-se questões que sejam de conhecimento oficioso. Dispõe o art. 193 CPC, que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. A petição diz-se inepta, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir. Das nulidades mencionadas no art. 193, pode o tribunal conhecer oficiosamente (art. 202 CPC).
O apelante, configura a nulidade, da seguinte forma: «Apesar de alegar não ter comprado à A., o lamparket em causa, na reconvenção veio a R., pedir a indemnização por alegado fornecimento defeituoso, o que implicaria a venda que a Ré nega na contestação-reconvenção. Não tendo, na tese da R. havido contrato de compra e venda deste material entre a A. e a R., o pedido formulado por esta carece de causa de pedir, sendo por isso inepta a acção reconvencional».
A sem razão da apelante, é evidente. Na tese da R., a A. (apelante) foi a fornecedora (vendedora) do material em causa (lamparket), devendo o fornecimento ser feito a ela própria. O que a R. alega é que quem se responsabilizou pelo seu pagamento, foi terceira pessoa. É na qualidade de entidade fornecedora do material em causa, que a R., formula contra ela pedido reconvencional. Não pode pois entender-se que não existe ou é ininteligível a causa de pedir, sendo certo que por causa de pedir se deverá entender «o facto jurídico de que emerge o direito do autor, e fundamenta, portanto a sua pretensão».
A apelação, não procede nesta parte.

II- Alteração da decisão da matéria de facto.
Dispõe o art. 712 CPC que a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Embora a lei faculte em termos gerais, que as partes peticionem a modificação da decisão da matéria de facto, exige no entanto que observem o ónus da discriminação fáctica e probatória – art. 690-A e o ónus conclusivo – art. 684 nº 3 e 690 nº 4 CPC.
Dispõe o art. 690-A CPC que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida.
No caso presente, foram gravados os depoimentos das testemunhas.
Convém observar que, o que está em causa não é a simples reavaliação da prova produzida e prolação de decisão com base na convicção então formada, como se de primeira «decisão» se tratasse. Em causa está a alteração de uma «decisão anterior», que foi fundada na livre convicção de quem a proferiu, o que aconteceu com a clara vantagem de ter acompanhado e dirigido, a produção da prova, numa relação de imediação que a gravação sonora não consente. Assim, uma eventual alteração só deverá ocorrer se houver elementos que a «imponham muito claramente», não bastando que a apreciação da prova disponível sugira respostas diferentes.
Esta ideia ressalta das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 712 ao condicionarem a modificação a decisão de facto proferida em 1ª instância à existência de elementos que, por si só, imponham decisão diversa da proferida.
Como refere Abrantes Geraldes (Temas de Reforma do Processo Civil, Vol. II, pag. 271) «comportamentos ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá apreciar o modo como o primeiro se formou a convicção dos julgadores».
Não deverá pois ser uma divergência qualquer, em relação à valoração da prova produzida, ou ao critério das respostas dadas à matéria de facto que justifica uma alteração dessas respostas. Essa alteração apenas deverá ter lugar se a reavaliação da prova o impuser.
No mesmo sentido pode ver-se o Ac STJ de 10.03.2005 (Relator – Oliveira Barros, consultável na internet), de que se extrai a seguinte citação: «A plenitude do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas».
No caso presente, pretende o apelante que a matéria constante de 16, em que se considerou provado que «nas semanas seguintes à aplicação o lamparket levantou tanto na sala como nos quartos, mas mais na sala, pelo que foi necessário substituí-lo», seja alterada no seguinte sentido: «Nas semanas seguintes à aplicação o lamparket levantou, em parte, na sala e num dos quartos, não tendo levantado em dois quartos».
A alteração pretendida tem a ver, no entender do apelante, com a credibilidade das testemunhas que depuseram à referida matéria, considerando que o «taqueiro» não respondeu da mesma forma ao advogado de autor e réu, realçando a expressão desta testemunha que, quando confrontada com o depoimento de J, referiu: «Se ele disse isso, ele é que lá estava».
Em causa está a credibilidade dos depoimentos das duas testemunhas em confronto, sendo que a expressão referida, como refere a apelada, revela «ironia», uma vez que foi o taqueiro quem alertou para a falta de qualidade dos tacos. Foi ele quem os aplicou e verificou o seu levantamento e no seguimento disso, os substituiu, ou seja, era ele quem estava no local.
Não se justifica pois, no caso presente, a alteração da decisão da matéria de facto, sendo de manter a decisão da matéria de facto.

III – Mérito da sentença.
Entendeu-se na sentença sob recurso que se estava perante uma relação de consumo, tendo-se aplicado o regime legal correspondente, ao seja, o decorrente da Lei 24/96 de 31 de Julho e o DL 67/2003 de 8 de Abril, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 84/2008 de 21 de Maio.
Quanto ao regime legal aplicável, não suscitou o apelante qualquer reparo, nem se afigura que, nesta parte, o entendimento da 1ª instância, mereça qualquer reparo. Com efeito, com o DL 67/2003, visou-se transpor para o direito interno «a Directiva nº 1999/44/CEE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no nº 1 do art. 2 da Lei 24/96» - art. 1º DL 67/2003.
Nos termos do nº 2 do art. 1ª DL 67/2003, «o diploma é aplicável. Com as necessárias adaptações, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo».
De acordo com o art. 2º Lei 24/96, «considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios».
No caso presente, a Autora no exercício da sua actividade profissional, forneceu à Ré, bens e serviços destinados a uso não profissional. Não merece pois reparo o entendimento seguido quanto ao regime legal aplicável.
Nos termos do disposto no art. 2º DL 67/2003: (nº 1) «o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda; (nº 2) Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos: (...) c) Não serem adequadas às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) Não apresentem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem ...».
Nesta parte, alega o apelante, que não ficou provada a existência de defeito, do lamparket fornecido. A noção de defeito coincide, no essencial, com a contida no art. 913 CC, que se reporta à venda de coisas defeituosas. A propósito, refere João Calvão da Silva (Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pag. 40, 41, 43): «A sujeição de vício e falta de qualidade ao mesmo regime é a primeira coisa a sublinhar. Acertadamente, dada a ausência de critério distintivo inequívoco entre ambos e, sobretudo a certeza e uniformidade que tal simplificação promove.
Deste modo, através da equiparação no tratamento, o legislador torna inútil, melhor, sem interesse prático, a discussão jurídica acerca da distinção (ociosa) entre vício ou defeito e falta de qualidade, evita controvérsias doutrinais e previne soluções jurisprudenciais contraditórias e mesmo arbitrárias (...) A lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera (...)
Deste modo, à luz do destino da coisa fixado pelas partes ou, na sua falta ou insuficiência, à luz do uso corrente ou função normal das coisas da mesma categoria, é que o tribunal apreciará a existência da defeituosidade, de vício ... e da falta de qualidades asseguradas ou necessárias para a realização do fim esperado...»
Revertendo ao caso concreto, temos nesta parte como provado o seguinte factualismo:
a) Em 2006 a Ré procedeu a trabalhos de remodelação da sua casa (2);
b) A Autora apresentou à R. um orçamento, que esta aceitou, constando dos materiais a fornecer, lamparket, que foi adquirido com a intervenção de terceira pessoa (3, 4, 9, 11);
c) O profissional incumbido de fazer a aplicação do lamparket, chamou a atenção para o facto de ele não ter suficiente índice de humidade, havendo risco de levantar (13);
d) Nas semanas seguintes, o lamparket levantou, tendo-o a Ré incumbido de o arrancar e colocar outro (16, 17).
Do factualismo referido, é de concluir que o lamparket fornecido, não tinha as características necessárias ao uso normal a que se destinava e nessa medida, padecia de defeito, atento o critério supra referido. Para contrariar tal conclusão, alega o apelante que o levantamento do lamparket, poderia imputar-se à má colocação, ou uso de materiais inadequados (cola, betonilha, pavimento etc). Além de não ter logrado demonstrar tais factos, o que se retira dos autos, é que o mesmo profissional (taqueiro) procedeu à aplicação de outros tacos, com a qualidade (índice de humidade) julgada adequada e estes não terão levantado.

O apelante, questiona também o dever de indemnizar, tal como invocado pela Ré (apelada).
Dispõe o art. 3 DL 67/2003 que «O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue».
No art. 4º dispõe-se que – nº 1 - «Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato»; nº 5 – O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou, constituir abuso de direito, nos termos gerais». O preceito citado, corresponde no essencial, ao art. 3º da Directiva nº 1999/44/CEE, que se pretende transpor para ordem jurídica nacional. Neste preceito (art. 3º da Directiva) prevê-se uma hierarquia, entre os vários direitos conferidos ao consumidor. Assim, (art. 3º nº 3) o consumidor, deverá começar por exigir a reparação ou substituição do bem. No art. 4º DL 67/2003, não se faz expressa referência a esta hierarquia, mas deverá entender-se que ela resulta dos princípios gerais e que está implícita no preceito, quando se estabelece como limite a «impossibilidade e o abuso de direito».
Retomando a citação de Calvão da Silva (Venda de Bens de Consumo, 2ª edc. Pag 82/83 e 87) «O consumidor tem o poder-dever de seguir primeiramente e preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou substituição da coisa) sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato». (...)
No par reparação/substituição ... procura-se não agravar desmesurada e desnecessariamente a posição do vendedor, atribuindo-lhe o direito de se opor a ambas as faculdades - vejam-se no CC os art. 829 nº 2 e 1221 – ou a uma delas ... sempre que acarretem um sacrifício excessivo e desproporcionado dos seus interesses, objectivamente determinado ...». (...)
«A estrutura hierarquizada dos direitos na Directiva traduz uma solução de bom senso, de senso comum, correspondente à da empreitada no Código Civil (...) Certamente por isso, o legislador nacional entendeu ser suficiente subordinar a escolha do consumidor aos ditames da boa fé, por forma a que não ocorra no exercício ilegítimo do direito de opção que lhe confere (nº 5 art. 4º) ... Se a escolha entre as pretensões cabe ao comprador, essa deve obedecer ao princípio da boa fé e não cair no puro arbítrio. Pelo que, se num caso concreto a opção exercida exceder indubitavelmente os limites impostos pela boa fé (...) poderão intervir as regras do abuso de direito (art. 334). (...) Mas uma vez recebida a escolha pelo vendedor, o consumidor não goza de ius variandi ...».
Do que fica referido resulta que embora podendo o comprador/consumidor, optar por um dos direitos possíveis, a sua escolha deverá obedecer aos ditames da boa fé e com respeito pela conservação e perfeição do negócio jurídico (pacta sunt servanda).
A opção por um dos direitos, deverá ser exercida perante o vendedor. Assim, dispõe o art. 5º (DL 67/2003) que «para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel...». Preceito semelhante (necessidade de denúncia do defeito em certo prazo) se contém na Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96 – art. 12º). Denunciar a falta de conformidade da coisa, significa no caso presente, levar ao conhecimento do vendedor, a existência do defeito e a concretização do direito que se pretende exercer. A lei não sujeita a denúncia a qualquer forma, pelo que vigorando nesta parte a liberdade de forma, ela pode ser feita por qualquer meio.
Revertendo ao caso concreto, temos que o comprador/consumidor, perante o alerta de possibilidade de levantamento do lamparket, por ausência de índice mínimo de humidade, não denunciou esse facto perante o vendedor, tendo-se procedido à colocação do referido material. Confrontado com o posterior levantamento do lamparket, a apelada «incumbiu o taqueiro de arrancar o lamparket e colocar um novo, por si fornecido». Tem pois razão o apelante, quando alega (12, 13) que a Ré. (ora apelada), decidiu «avançar com a aplicação, à revelia da A.» e que «também o arranque do lamparket foi decidido unilateralmente pela R. e à revelia da A., que nem sequer foi chamada ao local para verificação da situação e observação dos factos».
No caso concreto, não foi feita qualquer denúncia perante o vendedor, nem a este foi dada a possibilidade de «reparar» ou «substituir» o lamparket, pois que feita a denúncia, é o vendedor quem deve proceder à «reparação» ou «substituição» da coisa e não terceira pessoa, ou o comprador/consumidor directamente. Por isso é que a lei exige que «a coisa seja reposta sem encargos». Também não resulta que tenha havido resolução do contrato, (o exercício de qualquer dos direitos contidos no art. 4º nº 1 DL 67/2003, teria que ser feito perante o vendedor).
Com o pedido reconvencional, pretende a apelada obter da apelante, o valor de 4.500,00 euros, correspondente à soma dos custos da colocação inicial, do arranque do lamparket e do acabamento das portas e roupeiros. Na sentença de 1ª instância considerou-se não haver direito ao valor relativo a assentamento do rodapé (verba no 4- art. 9* da matéria assente) por se encontrar já contemplada no nº 1, decisão que não foi posta em causa no presente recurso.
Relativamente aos restantes valores e uma vez que não têm a ver com os direitos consubstanciados na «reparação ou substituição da coisa», prestações a efectuar pelo vendedor, não poderão deixar de ter a natureza de «indemnização».
Ora os direitos conferidos no art. 4º nº 1 DL 67/2003, não têm como subjacente a responsabilidade civil derivada do incumprimento. Assim, ainda que a lei (DL 67/2003) não refira de forma expressa que ao consumidor, assiste além dos direitos mencionados no art. 4º, também o direito a indemnização, esse direito resulta dos princípios gerais, nomeadamente do art. 798 e segs. CC. Neste caso, só haverá direito a indemnização, quando «o devedor falta culposamente ao cumprimento da obrigação», contendo o art. 799 CC, uma presunção de culpa por parte do devedor.
Como alega o apelante, no caso presente, ainda que demonstrado que os tacos não tinham o índice de humidade suficiente (13) também se provou que os mesmos tacos não foram produzidos pela apelante, que se limitou a adquiri-los com a intervenção do Dr. A (11), sendo debitados à Ré, pelo mesmo preço que pagou à empresa fornecedora (12). É pois de concluir que o apelante é em absoluto alheio à «falta de índice de humidade» dos tacos verificada posteriormente.
O recurso merece nesta parte acolhimento, não podendo o pedido reconvencional deduzido pela apelada, proceder.
O valor dos bens vendidos e serviços prestados foi de 9.868,76 euros, que corresponde a 8.156,00 euros de capital e 1.712,76 euros de IVA (calculado à taxa de 21%).
Na sentença da 1ª instância considerou-se ser de arredar o valor de 250 euros, relativo a «serviços de assentamento do rodapé», por se entender que tal serviço, se achava já contemplado anteriormente na verba de 1.500,00 euros relativo a «serviço assentamento portas+roup., + rodapé». Não há fundamento para se alterar, nesta parte o entendimento perfilhado, e parece que nem o apelante coloca em questão o mesmo entendimento. Assim, haverá que deduzir ao valor total, o valor relativo ao «assentamento do rodapé» (verba nº 4 da matéria assente constante de 9), no valor de 250 euros e IVA (52,50 euros). Considerando que a apelada pagou o valor total de 4.000,00 euros, encontra-se em dívida o valor de 5.566,26 euros (cinco mil quinhentos e sessenta euros e vinte e seis cêntimos). É este o valor em cujo pagamento que deve ser condenada a apelada, valor que compreende já o IVA, à taxa então em vigor (21%).
As partes acordaram que o pagamento deveria ser efectuado no prazo de trinta dias após a data da factura (5). Uma vez que a factura é de 14.12.2006, a dívida vence juros desde 14.01.2007, à taxa supletiva, para os créditos de que sejam titulares comerciantes.

DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se:
1- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto, (improcede na parte em que se alega a ineptidão do pedido reconvencional e em que se pretende a alteração da decisão da matéria de facto), revogando-se a sentença na parte em que se julgou proceder o pedido reconvencional e se operou a compensação com o pedido do autor;
2- Revoga-se igualmente a sentença da 1ª instância, na parte em que se considerou ser de 3.100,00 (três mil e cem euros) o crédito da A. (ora apelante);
3- Em sua substituição, julga-se improcedente o pedido reconvencional formulado pela apelada (Ré na acção), absolvendo-se do pedido a Autora e condena-se a mesma (Ré) a pagar à Autora (apelante) a quantia de 5.566,26 euros (cinco mil quinhentos e sessenta e seis euros e vinte e seis cêntimos), a que acrescem juros à taxa devida para os créditos de que sejam titulares os comerciantes, desde 14.01.2007, até integral pagamento.
4- Condenar apelante e apelada nas custas, de acordo com o decaimento, fixando-se, a taxa de justiça, respectivamente na proporção em 2/3 e 1/3.
Lisboa, 18 de Junho de 2009.
Manuel Gonçalves
Gilberto Jorge
Eduardo Sapateiro.