Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1005/15.2PZLSB.L1-5
Relator: CID GERALDO
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - O reconhecimento por meio de fotografia não poderia apresentar qualquer valor probatório por si só, caso não fosse seguido de um reconhecimento presencial.
- O reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída”, a ser examinada em audiência de julgamento nos termos dos artigos 355.º, n.º1, in fine, n.º 2 e artigo 356.º, nº 1, b) do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:



1. – No processo nº 1005/15.2PZLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 4 , o arguido E., foi julgado e condenado pela prática de um crime de um crime de roubo, p. e p. no art.° 210°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão.
*
Não se conformando com a decisão, interpôs o arguido recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:

1.  Vem o recorrente condenado pela prática, como autor, de um crime de roubo, p. e p. no art. 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses.
2.   O presente recurso vem interposto da douta sentença que o condenou, por entender que, face à prova produzida em julgamento não resultou provada a autoria do crime que lhe é imputado, pelo que deveria ter sido absolvido.
3.   Na douta sentença de que se recorre foram dados como provados todos os factos que constam da acusação, exceto que “O telemóvel era o modelo da galaxy e tinha o valor de € 400,00”, com base na motivação supra transcrita.
4.   Conforme se refere na motivação da douta sentença, “A convicção do tribunal quanto à factualidade provada assentou, essencialmente, no depoimento da testemunha/ofendida RR, que de forma clara, isenta e coerente, merecendo credibilidade, relatou à exaustão e com pormenor os factos assentes”.
5.   Em virtude de considerar que
“…a sua segurança e precisão, reveladas, também, na forma como prestou o seu depoimento, não permitem qualquer réstia de dúvida sobre o que afirmou, o que inclui, manifestamente, a identificação que fez, cerca de dois meses depois, do arguido quando fortuitamente com ele se cruzou no metro de Lisboa.”
6.   Entende o recorrente que o depoimento da depoimento da testemunha/ofendida RR apresenta contradições e da sua conjugação com outros elementos de prova, designadamente, a visualização de fotografias de fls. 9 e 43 e o os auto de reconhecimento pessoal fls. 39, resultam manifestamente sérias dúvidas quanto à autoria dos factos que são imputados ao recorrente, não permitindo o grau de certeza que a Mma. Juiz do Tribunal a quo considerou existir.
7.   Com o objetivo de evidenciar algumas contradições, incoerências e imprecisão do depoimento da ofendida e confrontá-lo com outros elementos de prova constantes dos autos, a fim de demonstrar que existem dúvidas (mais que) razoáveis quanto à autoria dos factos por parte do recorrente, que impunham a sua absolvição, procede-se, supra, à transcrição integral do depoimento da mesma, a partir do respetivo registo magnético.
8.   Questionada pela Senhora Procuradora, se tinha ido a Alcântara Mar à Polícia Judiciária ver as fotografias (11:08), a ofendida respondeu: “Não, isso é em Picoas, não consegui, fiquei lá quase duas horas mas não consegui reconhecê-lo só que em fevereiro quando ela passou por mim…”
9.   Efetivamente, conforme consta do auto de reconhecimento da PJ que o reconhecimento fotográfico teve resultado negativo (fls. 9).
10.   Na notificação para comparecer na PJ (fls. 6 e 8) a fim de a ofendida informou que a cor da pele do suspeito é branca.
11.   No auto de notícia (fls. 3) declarou que a ascendência do suspeito é ocidental.
12.   Ora, o recorrente tem a cor da pele escura e feições nitidamente de raça negra, conforme se verifica, sem deixar dúvidas, nas fotografias (fls. 43) que lhe foram mostradas na PJ dois dias após a ocorrência dos factos.
13.   A ofendida, ao declarar que o suspeito tinha cor de pele branca e ascendência ocidental – os seus pais são ambos de raça negra –, não podia estar a descrever as características físicas e as feições do recorrente. Por isso é que não o reconheceu nas fotografias.
14.   Decorridos cerca de três meses, na estação do metro entendeu que tinha sido o arguido quem lhe tinha subtraído o telemóvel e, posteriormente, decorridos cerca de cinco meses (dia 13.05.2016), no reconhecimento pessoal (fls. 39 e 40) – com um olho vendado, devido a uma operação à vista – disse que reconhecia o individuo identificado com o nº 3, que era o arguido e, cerca de vinte e um meses depois, na audiência de discussão e julgamento, confrontada com as fotografias do arguido, questionada pelo advogado se naquele momento já reconheceria o recorrente, respondeu que sim.
15.   Em seu entendimento, a única conclusão a que se pode chegar é que, se a arguida não reconheceu o arguido entre as fotografias que lhe mostraram (e esteve duas horas nesta diligência, conforme a própria declarou na audiência) como sendo o indivíduo que lhe subtraiu o telemóvel, e no reconhecimento pessoal e na audiência de julgamento afirmou reconhecê-lo, é porque a memória que registou foi a da pessoa que viu nas fotografias que lhe mostraram, de forma inconsciente e automática, isto é, subliminarmente, ficou registada na sua memória associada ao crime. Se assim não fosse, como se explica que logo a seguir aos factos não reconheceu o suspeito nas fotografias e cinco meses depois, no reconhecimento pessoal, e também decorridos 21 meses, na audiência de julgamento já reconheceu? Decorridos 5 meses já a sua memória visual se teria desvanecido e, por maioria de razão, decorridos 21 meses, na audiência de julgamento.
16.   Registou na memória o rosto, de olhos azuis, que viu nas fotografias associado ao crime de que foi vítima e era essa a cara que recordava quando ia para a cama, conforme declarou:
17.   A ofendida não reconheceu o arguido nas fotografias, porque este não era de cor branca, conforme referiu logo a seguir aos factos, ao contrário do indivíduo que lhe subtraiu o telemóvel.
18.   Salienta-se que aquando do reconhecimento pessoal a ofendida tinha um olho vendado. Se os dois olhos vêm a 100%, em princípio, um só olho verá 50%.
19.   Por outro lado, refere a douta sentença, na fundamentação da convicção acerca da boa memória da ofendida:
“…os factos praticados, ao contrário de muitos roubos semelhantes, não ocorreram num único instante do tempo (chegar, puxar e fugir), mas implicaram necessariamente alguns minutos, incluindo conversa direta entre o arguido e ofendida, ainda num ambiente sem stress e descontraído.” (sublinhado pelo signatário)
20.   Por sua vez, declarou a ofendida:
…. empreste-me o telemóvel. Só que eu, desconfiada (07:55)
21.   E …eu naquele dia estava tão em baixo (13:11), porque eu já sou mesmo assim, mas naquele dia estava mais em baixo, no dia do assalto…
22.    Ora, face ao que a ofendida alegou, o ambiente, no momento do assalto, não era sem stress nem descontraído, pelo contrário, a ofendida encontrava-se “em baixo” e com stress, porque estava desconfiada.
23.   Por isso, não se encontraria nas melhores condições para que a sua memória processasse o registo do seu rosto.
24.   Além do ambiente de stress e de se encontrar em baixo, também se afigura, por outro lado, face à descrição feita pela ofendida, que os factos se terão passado em breves instantes, o que não favoreceria uma boa memorização das feições do suspeito.
25.   Relativamente ao encontro da ofendida com o recorrente na estação do metro, a mesma declarou:
Ele passou por mim e eu estava a sair do metro, ia ter com uma amiga. Ele passou por mim para entrar. Deixei a minha amiga falar e eu corri, fui atrás dele dentro do metro, não sei se ele me viu ou não, ele ficou logo atrás de um pilar eu fui lá eu disse: o senhor é que me assaltou em dezembro, levou o meu telemóvel. – Acha? A menina é maluca. Eu não. Eu: sim sim. Depois ele começou a correr e eu disse: alto lá. Eu corri atrás dele (11:53)
(…)
Adv - Muito bem. Ele fugiu quando foi ter com ele?
T - No metro?
Adv - Sim.
T - Eu fui lá, eu fui lá, o senhor é que me assaltou, disse-lhe logo, o senhor é que me assaltou. Ele ficou tipo, para ele, é tipo uma maluca que esta a falar comigo. Ah a senhora é maluca? Eu!? E eu, sim, foi o Sr. Claro que eu até troquei palavras com ele e, ele a dizer que não era, e eu, é o senhor, é o senhor. E ele até me disse: vamos então há esquadra lá em cima, da PSP, aqui do colombo (20:31). Não, eu não vou porque o senhor já me assaltou uma vez e pode me querer fazer alguma coisa agora ele começou a subir as escadas tipo para fugir (20:41). Corri atrás dele sem medo nenhum, e eu a gritar, claro feita uma maluca, que era para alguém me ajudar por que passavam de pessoas e não me ajudavam. E eu, segurança! Segurança! Quando ele pôs o passe e passou, eu pus o meu passe e fui atrás dele, peguei nele, e eu: vamos aqui ficar à espera do segurança (20:54). Depois veio o mesmo segurança e o segurança a pensar, ele me perguntou: então mas foi agora que ele a assaltou? Não, foi em dezembro. O segurança até ficou assim…E eu: sim, vamos chamar a polícia. E ele sempre a bater na mesma tecla: vamos lá então na esquadra. E eu: não! Vamos ficar aqui à espera! Depois de pegar no meu telemóvel palavra ligar para a polícia, eu não consegui falar porque eu estava nervosa e foi o segurança do metro que falou com a polícia. E ficamos à espera(21:20)
Adv- Ele fugiu? Ele tentou fugir?
T - Não, porque eu estava feita uma maluca a gritar. Ele podia correr que eu corria atrás dele, porque eu fiquei na…
Adv- Mas ele não tentou fugir?
T - Não, não tentou (21:31)... não, na… quando estávamos lá no metro, foi mesmo na plataforma e depois ele começou a correr, claro que era para sair, para fugir, sim, a correr, por isso é que eu estava a dizer há minutos a trás, eu disse e vou repetir a mesma coisa: corri, eu estava de salto, corri atrás dele a gritar pelo segurança, que era para alguém me ajudar.
Adv- Então quando o segurança apareceu aonde é que se encontrava?
T - Ficamos mesmo antes mesmo de passar a cancela, depois da cancela(21:55).
26.   As contradições e incongruências da ofendida são evidentes: questionada pelo advogado, primeiramente responde ao advogado:
…ele começou a subir as escadas tipo para fugir (20:41).,
27.   E a seguir,
Adv- Mas ele não tentou fugir?
T - Não, não tentou (21:31)
28.   A ofendida encontrava-se de salto alto, como declara, e, incompreensivelmente, conseguiu apanhar o recorrente, e não obstante ela ser franzina e ele um homem forte, conseguiu segurá-lo.
29.   Se o recorrente tivesse intenção de fugir, certamente que teria conseguido pois a ofendida estava com sapatos de salto alto o que não lhe permitiria acompanhá-lo se ele corresse corri, eu estava de salto, corri atrás dele
30.   Nem teria conseguido que ficasse com ela à espera do segurança. O recorrente ficou junto da ofendida mesmo depois de ter passado em primeiro lugar a cancela porque quis, porque estava inocente e por isso sem receio de ser confrontado pela polícia.
Quando ele pôs o passe e passou, eu pus o meu passe e fui atrás dele, peguei nele, e eu: vamos aqui ficar à espera do segurança (20:54).
31.   Se quisesse fugir também não teria desistido de apanhar o metro.
J - Então, se eu percebi, o que nos diz é que no dia em que o encontrou depois posteriormente ele desceu para o metro para apanhar o metro, mas quando o aborda ele desistiu de apanhar o metro e veio outra vez cá para fora? (22:41)
T - Sim, sim, e ele tinha bilhete, sim, tinha comprado o bilhete
32.   Se quisesse fugir não teria ele próprio sugerido que fossem à esquadra da PSP que fica contigua ao centro comercial e junto ao metro:
E ele até me disse: vamos então há esquadra lá em cima, da PSP, aqui do colombo (20:31)
33.   As questões à ofendida sobre qual o motivo pelo qual não reconheceu o recorrente quando lhe foram mostradas as fotografias na PJ e naquele momento, na audiência, a visualizar as fotografias, já o identificava como sendo o autor do crime, salvo melhor opinião, foram mal colocadas pelo advogado (signatário) e, com todo o respeito, também as da Mma. Juiz, porque a própria ofendida não terá consciência do processo de memorização que ocorreu na sua mente. Não se terá apercebido que o registo na sua memória era o rosto das fotografias que viu na PJ logo a seguir ao crime e não as do individuo que a assaltou. Perante o resultado negativo do reconhecimento pela ofendida através da fotografias, muito provavelmente, alguns aspetos fisionómicos comuns ao assaltante e recorrente, por exemplos olhos azuis, que eventualmente aquele também teria, terão contribuído para o erro de memorização.
34.   Uma coisa é certa, o recorrente não tem a pele de cor branca nem a sua ascendência é ocidental, como é evidente nas fotografias e presencialmente, ao contrário do que declarou a ofendida.
35.   Não deveriam, por isso, contribuir para a formação da convicção do Tribunal, designadamente, as respostas às seguintes questões:
Adv- Então se acha que tem tão boa memória e fixou tão bem, porque é que naquele momento não o reconheceu nas fotografias e agora acha que já o reconheceria (16:05)?
(…)
J - Independentemente de fotografias, ele está dentro da sala, já o viu, o que eu pergunto é: com referência à sua memória, olhando para aquela pessoa, há pouco já disse que não tinha dúvidas, mas o que eu quero que nos esclareça é se não tem dúvidas porque entretanto viu fotografias ou se pelo contrário, da sua memória relativamente ao dia dos factos, se se recorda daquela pessoa (23:44)?
T- Sim Sra.
J - Não tem qualquer dúvida?
T - Não tenho qualquer dúvida.
36.   Os agentes da PSP que depuseram como testemunhas declararam que o arguido quando se encontrava na estação do metro junto à ofendida estava calmo, conforme transcrição parcial, supra, dos seus depoimentos:
37.   A sentença de que se recorre baseia-se num juízo de certeza quanto à autoria do crime, com base, essencialmente, no depoimento da ofendida, que considerou ter sido prestado de forma clara, isenta e coerente e que revelou segurança e precisão.
38.   Ora, face ao supra exposto, será forçoso concluir que as contradições apresentadas e as incongruências demonstram o contrário e em seu entendimento são decisivas para abalar a sua fiabilidade.
39.   O resultado negativo do reconhecimento das fotografias, que foi efetuado logo a seguir aos factos e o reconhecimento presencial positivo posterior àquele bem como a declaração da ofendida em audiência de que naquele momento já identificava o recorrente vendo as fotografias, se não provam que o autor do crime não foi o recorrente (e em seu entendimento constituem essa prova), pelo menos criam sérias dúvidas quanto à certeza do reconhecimento e, consequentemente, quanto à autoria dos factos dos quais o recorrente vinha acusado.
40.   Entende, com o devido respeito, que foram incorretamente julgados os pontos de facto supra especificados e que as provas que se referem no que tange ao reconhecimento e autoria dos factos impõem decisão diversa da recorrida.
41.   A prova produzida impõe, assim, decisão diferente da que foi tomada.
42.   A douta sentença recorrida violou os princípios da presunção de inocência e in dúbio pro reo.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, deve o arguido ser absolvido do crime de roubo p. e p. no artº 210, nº 1, do C. Penal em detrimento do crime de homicídio qualificado p. e p. nos artigos 131º e 132 nº 1e 2 e al. b) e j) do C. Penal, fazendo-se assim a acostumada Justiça!
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O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou a sua contra-motivação concluindo:

O presente recurso vem interposto da douta sentença que condenou o arguido E. pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Cód. Penal na pena de 15 meses de prisão.
Invoca o recorrente que aquela douta sentença padece de erro na apreciação da prova por ter valorado o depoimento da ofendida juntamente com o auto de reconhecimento presencial concluindo pela autoria dos factos por parte do arguido.
Relativamente ao depoimento da ofendida, bastará a audição daquele depoimento para concluir pela total segurança na condenação do arguido pela espontaneidade e confiança que foram transmitidas pela ofendida na certeza de ter visto o arguido no metro.
A valoração daquele depoimento está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Cód. de Processo Penal.
No caso dos autos, a Mmª Juiz considerou o depoimento da ofendida RR exaustivo, seguro, preciso e pormenorizado, sem que deixasse qualquer réstia de dúvida.
Face ao exposto, não é aceitável a interpretação defendida pelo recorrente no sentido de que é contraditória a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, nada demonstrando que evidencie qualquer erro de julgamento, concretos pontos de facto incorrectamente julgados e/ou concretos elementos de prova que imponham decisão diversa da recorrida.
Pretende ainda o recorrente que a Mmª Juiz não devia ter valorado o reconhecimento presencial efectuado pela ofendida, em virtude de aquela, passado um dia depois dos factos, não ter reconhecido o arguido, através de fotografias, nas instalações da Polícia Judiciária.
Relativamente ao facto de a ofendida não ter reconhecido o arguido por meio de fotografia, constata-se que um tal reconhecimento não poderia apresentar qualquer valor probatório por si só, i.e., caso não fosse seguido de um reconhecimento presencial (artigo 147º, n.º 5 do Cód. de Processo Penal).
Por outro lado, no que respeita ao reconhecimento presencial realizado, verifica-se que a ofendida identificou o arguido quando se cruzou com aquele no metro poucos meses depois (fls. 11). Em virtude de aquele reconhecimento não ser cabal, a ofendida procedeu ao reconhecimento pessoal do arguido no meio de outras pessoas descrevendo previamente aquele e reconhecendo-o como sendo o autor dos factos de que foi vítima (fls. 39) – artigo 147º, n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Penal.
Neste caso, o reconhecimento é ainda mais fidedigno, porquanto, a ofendida logrou identificar o arguido, decorridos meses após a prática dos factos, em local totalmente distinto - nem se poderá sequer alegar que estivesse sugestionada pelo local - reconhecendo a face do arguido, por ter revivido muitas vezes o momento, tal como referiu em sede de audiência de julgamento.
Haverá ainda que salientar que um tal reconhecimento veio a ser valorado autonomamente face ao próprio reconhecimento, já que a prova constante daquele auto não se confunde com a prova resultante do depoimento da ofendida em audiência de julgamento.
Em face do exposto, constata-se que a condenação do arguido assenta no depoimento da ofendida, que se revelou seguro e credível nos termos já explanados, através qual relatou não só os factos ocorridos como afirmou reconhecer o arguido em audiência, juntamente com o auto de reconhecimento efectuado em data anterior, mais próxima da data em que a ofendida viu o arguido no metro onde logo o identificou.
Nestes termos e pelos motivos acima expostos, não restam dúvidas de que o arguido foi autor do crime de roubo por que foi acusado, pelo que muito bem andou a Mmª Juiz ao condená-lo em conformidade.
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Neste Tribunal a Ex.m.ª Procuradora-Geral Adjunta concordou com a resposta do MºPº na 1ª instância, concluindo pela improcedência do recurso
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2. – A sentença recorrida fixou a matéria de facto, e a motivação, da seguinte forma:

77 - Fundamentação:
2.1. Factos provados:
Discutida a causa e produzida a prova, resultam assentes os seguintes factos:
a)   No dia 06.12.2015, pelas 17H25, na Azinhaga da Cidade, em Lisboa, o arguido aproximou-se da ofendida RR que aí se encontrava;
b)   O arguido pediu então à ofendida que lhe emprestasse o telemóvel para contactar um amigo uma vez que estava farto de esperar pelo mesmo e ele não aparecia;
c)   A ofendida pediu-lhe o número de contacto do amigo, que o arguido após tirar um papel do bolso lhe deu, e fez o contacto, colocando em alta voz o seu telemóvel;
d)   Após lograr contacto quem atendeu o telemóvel disse não ser quem o arguido dizia;
e)   Na sequência do que o arguido pediu o telemóvel à ofendida dizendo que essa pessoa só podia estar a brincar;
f)   Após o que, com um forte puxão, o arguido retirou o telemóvel da mão da ofendida;
g)   Fugindo em seguida com o mesmo, fazendo-o seu;
h)   O telemóvel era de marca Samsung, modelo Galaxy, com valor não inferior a € 300,00;
i)   O arguido actuou de forma livre, deliberada e conscientemente, não se coibindo de usar a força física para se apoderar daquele objecto, o que quis e logrou, sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da sua dona;
j) O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei;
k) O arguido tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade; encontra-se em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Lisboa, onde como faxina de biblioteca aufere por mês a quantia de € 60,00, sendo-lhe disponível metade e ficando a outra metade para a reserva; tem três filhos, de 12, 7 e 2 anos, respectivamente, que vivem com as respectivas mães;
1) No Estabelecimento Prisional o arguido tem revelado empenho em manter-se abstinente de produtos toxicodependentes e em investir em acções de valoração pessoal, mantendo a actividade laboral em reclusão desde Setembro de 2016; não tem suporte familiar que o acompanhe numa primeira fase de liberdade;
m) O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado:
- Por sentença de 04.10.2007, transitada em 24.10.2007, proferida no Proc. n.° 430/06.4PBVCT do Tribunal de Comarca de Viana do Castelo, 2o Juízo Criminal, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no art.° 3o, n.055 1 e 2, do DL 2/98, de 03.01, por factos praticados em 21.08.2006, na pena de 80 dias de multa, à taxa de € 5,00 por dia, no total de € 400,00, declarada extinta por prescrição;
- Por sentença de 29.01.2008, transitada em 06.10.2008, proferida no Proc. n.° 459/06.2GTORA do Tribunal de Comarca de Ourém, 2o Juízo, pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. no art.° 137°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados em 10.09.2006, e de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no art.° 3o, n.0* 1 e 2, do DL 2/98, de 03.01, por factos praticados em 10.09.2006, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 3 meses, e na sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor, pelo período de 8 meses, declaradas extintas pelo cumprimento;
- Por sentença de 18.10.2012, transitada em 01.07.2013, proferida no Proc. n.° ES-PT-NOT-0000544027 de Tribunal de Espanha, pela prática de um crime de furto, p. e p. no art.° 234° do Código Penal, por factos praticados em 01.12.2010;
- Por sentença de 29.04.2013, transitada em 26.11.2015, proferida no Proc. n.° 576/13.2PJLSB do Tribunal de Comarca de Lisboa, Juízo de Pequena Criminalidade, Juiz 4, pela prática de um crime de roubo, p. e p. no art.° 210°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados em 04.04.2013, na pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 16 meses;
- Por sentença de 23.04.2013, transitada em 06.01.2014, proferida no Proc. n.° 148/11.6GBVLN do Tribunal de Comarca de Valença, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art.° 143°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados em 11.03.2011, na pena de 50 dias de multa, à taxa de € 5,50 por dia, no total de € 275,00;
- Por sentença de 20.03.2014, transitada em 29.04.2014, proferida no Proc. n.° 310/11.1 GAMNC do Tribunal de Comarca de Monção, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. no art.° 204°, n.° 1, alínea f), do Código Penal, por factos praticados em 03.09.2011, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com a condição de frequentar durante um ano programa de recuperação para a toxicodependência, por despacho declarada revogada a suspensão;
- Por acórdão de 11.12.2014, transitado em 25.11.2015, proferido no Proc. n.° 404/10.0GAMNC do Tribunal de Comarca de Viana do Castelo, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. no art.° 204°, n.° 2, alínea e), do Código Penal, por factos praticados em 10.12.2010, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 4 meses, com regime de prova;
- Por acórdão de 11.12.2014, transitado em 25.11.2015, proferido no Proc. n.° 404/10.0GAMNC do Tribunal de Comarca de Viana do Castelo, em cúmulo jurídico das penas aplicadas nesses autos e no Proc. n.° 310/11.1 GAMNC, na pena única de 4 anos de prisão;
- Por sentença de 14.06.2016, transitada em 16.09.2016, proferida no Proc. n.° 205/13.4PHLSB do Tribunal de Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal, Juiz 14, pela prática de um crime de roubo, p. e p. no art.° 210°, n.° 1, do Código Penal, por factos praticados em 25.03.2013, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
2.2.      Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que: a) O telemóvel era o modelo 4 da Galaxy e tinha o valor exacto de € 400,00.
2.3.      Motivação da decisão de facto:
A convicção do tribunal quanto à factualidade provada assentou, essencialmente, no depoimento da testemunha/ofendida RR, que de forma clara, isenta e coerente, merecendo credibilidade, relatou à exaustão e com pormenor os factos assentes.
Com efeito, a sua segurança e precisão, reveladas, também, na forma como prestou depoimento, não permitem qualquer réstia de dúvida sobre o que afirmou, o que inclui, manifestamente, a identificação que fez, cerca de dois meses depois, do arguido quando fortuitamente com ele se cruzou no metro de Lisboa.
Na verdade, as testemunhas FC e DA, agentes da Polícia de Segurança Pública, que nada presenciaram, confirmaram, apenas terem sido chamados junto do arguido e ofendida, na Estação de Metro do Colégio Militar, porque a ofendida insistia ter identificado o autor de um ilícito ocorrido em data anterior, fazendo-o ela de forma assertiva e segura.
É verdade que o arguido negou ter sido o autor dos factos, invocando até não ter fugido porque não tinha nada a esconder, porém, além disso poder apenas revelar inteligência e confiança na dificuldade de prova, a segurança e assertividade da ofendida reveladas também em audiência de julgamento, identificando-o sem qualquer dúvida, não permitem o que o arguido pretende, a dúvida.
Aliás, nem mesmo o facto de a ofendida não ter reconhecido imediatamente o arguido nas fotografias de fls. 43, conforme admitiu, permite criar qualquer insegurança na certeza que manifestou, pois que além das fotografias nem sempre permitirem uma imagem perfeita do indivíduo retratado, como é do conhecimento comum, aquelas de fls. 43 não permitem manifestamente uma identificação imediata e simples do arguido presente em sala, conforme pôde o Tribunal confirmar na comparação directa.
Acresce que, também a identificação resulta do auto de reconhecimento de fls. 39 a 40 e não se diga, como pretende a defesa, que a ofendida apenas reconheceu quem encontrou no metro..., pois que, foi precisamente no metro que a ofendida o identificou de entre a multidão, depois apenas confirmou a identificação novamente.
Repare-se, também, que os factos praticados, ao contrário de muitos roubos semelhantes, não ocorreram num único instante do tempo (chegar, puxar e fugir), mas implicaram necessariamente alguns minutos, incluindo conversa directa entre arguido e ofendida, ainda num ambiente sem stress e descontraído.
Ora, perante esta prova não podem subsistir dúvidas que o arguido actuou nos termos vertidos na factualidade assente.
Os factos referentes ao elemento subjectivo resultaram provados também com base nas regras da experiência comum, pois que pertencendo ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida.
Os factos atinentes às condições pessoais e à situação económica do(a) arguido(a) provaram-se igualmente com base nas suas declarações, mas também da análise crítica do relatório social de fls. 155 a 159.
Finalmente, os antecedentes criminais do(a) arguido(a) encontram-se certificados nos autos.

Quanto à demais factualidade não assente, ou a mesma se encontra em contradição com aquela que ficou assente ou não foi produzida qualquer prova ou esta foi julgada insuficiente.

Consigna-se que não se fez constar dos factos assentes e não assentes factos conclusivos, bem como matéria irrelevante para a boa decisão da causa ou meramente instrumental para a mesma.
*
3. – É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Alega, em síntese, o recorrente que aquela sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova por ter valorado o depoimento da ofendida juntamente com o auto de reconhecimento presencial concluindo pela autoria dos factos por parte do arguido.
Assim sendo, a pretensão do arguido está íntima e exclusivamente relacionada apenas com a impugnação da matéria de facto – saber se a factualidade provada é suficiente para imputar ao arguido a prática do crime de roubo, p. e p. no art.° 210°, n.° 1, do Código Penal.
 
Quanto à impugnação da matéria de facto

É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
No segundo caso, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P.Penal.
A Relação, porém, não fará um segundo julgamento de facto, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 1.ª instância, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas sugiram ou permitam outra decisão) decisão diversa; é uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às razões de discordância.
Como foi já referido, o recorrente, nas conclusões do recurso, pretende impugnar a decisão de facto em conformidade com o que a lei lhes possibilita, alegando, em síntese que o depoimento da testemunha/ofendida RR apresenta contradições e da sua conjugação com outros elementos de prova, designadamente, a visualização de fotografias de fls. 9 e 43 e o os auto de reconhecimento pessoal fls. 39, resultam manifestamente sérias dúvidas quanto à autoria dos factos que são imputados ao recorrente, não permitindo o grau de certeza que a Mma. Juiz do Tribunal a quo considerou existir.
Com o objetivo de evidenciar algumas contradições, incoerências e imprecisão do depoimento da ofendida e confrontá-lo com outros elementos de prova constantes dos autos, a fim de demonstrar que existem dúvidas quanto à autoria dos factos por parte do recorrente, que impunham a sua absolvição, procedeu o recorrente à transcrição integral do depoimento da mesma, a partir do respetivo registo magnético, sublinhando as partes que pretende destacar, por considerá-las mais relevantes. Para tanto alega que, como consta do auto de reconhecimento da PJ, o reconhecimento fotográfico teve resultado negativo (fls. 9) e, na notificação para comparecer na PJ (fls. 6 e 8) a fim de a ofendida informou que a cor da pele do suspeito é branca e, no auto de notícia (fls. 3) declarou que a ascendência do suspeito é ocidental: ora, o recorrente tem a cor da pele escura e feições nitidamente de raça negra, conforme se verifica, sem deixar dúvidas, nas fotografias (fls. 43) que lhe foram mostradas na PJ dois dias após a ocorrência dos factos. A ofendida, ao declarar que o suspeito tinha cor de pele branca e ascendência ocidental – os seus pais são ambos de raça negra –, não podia estar a descrever as características físicas e as feições do recorrente. Por isso é que não o reconheceu nas fotografias. Decorridos cerca de três meses, na estação do metro entendeu que tinha sido o arguido quem lhe tinha subtraído o telemóvel e, posteriormente, decorridos cerca de cinco meses (dia 13.05.2016), no reconhecimento pessoal (fls. 39 e 40) – com um olho vendado, devido a uma operação à vista – disse que reconhecia o individuo identificado com o nº 3, que era o arguido e, cerca de vinte e um meses depois, na audiência de discussão e julgamento, confrontada com as fotografias do arguido, questionada pelo advogado declarou. Assim, no entendimento do recorrente, a única conclusão a que se pode chegar é que, se a arguida não reconheceu o arguido entre as fotografias que lhe mostraram (e esteve duas horas nesta diligência, conforme a própria declarou na audiência) como sendo o individuo que lhe subtraiu o telemóvel, e no reconhecimento pessoal e na audiência de julgamento afirmou reconhecê-lo, é porque a memória que registou foi a da pessoa que viu nas fotografias que lhe mostraram, de forma inconsciente e automática, isto é, subliminarmente, ficou registada na sua memória associada ao crime. Se assim não fosse, como se explica que logo a seguir aos factos não reconheceu o suspeito nas fotografias e cinco meses depois, no reconhecimento pessoal, e também decorridos 21 meses, na audiência de julgamento já reconheceu? Decorridos 5 meses já a sua memória visual se teria desvanecido e, por maioria de razão, decorridos 21 meses, na audiência de julgamento registou na memória o rosto, de olhos azuis, que viu nas fotografias associado ao crime de que foi vítima e era essa a cara que recordava quando ia para a cama, conforme declarou. A ofendida não reconheceu o arguido nas fotografias, porque este não era de cor branca, conforme referiu logo a seguir aos factos, ao contrário do individuo que lhe subtraiu o telemóvel, salientando-se que aquando do reconhecimento pessoal a ofendida tinha um olho vendado. Se os dois olhos vêm a 100%, em princípio, um só olho verá 50%. Por outro lado, face ao que a ofendida alegou, o ambiente, no momento do assalto, não era sem stress nem descontraído, pelo contrário, a ofendida encontrava-se “em baixo” e com stress, porque estava desconfiada. Por isso, não se encontraria nas melhores condições para que a sua memória processasse o registo do seu rosto. Além do ambiente de stress e de se encontrar em baixo, também se afigura, por outro lado, face à descrição feita pela ofendida, que os factos se terão passado em breves instantes, o que não favoreceria uma boa memorização das feições do suspeito. Relativamente ao encontro da ofendida com o recorrente na estação do metro, a ofendida não se terá apercebido que o registo na sua memória era o rosto das fotografias que viu na PJ logo a seguir ao crime e não as do indivíduo que a assaltou. Perante o resultado negativo do reconhecimento pela ofendida através da fotografias, muito provavelmente, alguns aspetos fisionómicos comuns ao assaltante e recorrente, por exemplos olhos azuis, que eventualmente aquele também teria, terão contribuído para o erro de memorização. E, uma coisa é certa, o recorrente não tem a pele de cor branca nem a sua ascendência é ocidental, como é evidente nas fotografias e presencialmente, ao contrário do que declarou a ofendida. Conclui, assim, o recorrente que o resultado negativo do reconhecimento das fotografias, que foi efetuado logo a seguir aos factos e o reconhecimento presencial positivo posterior àquele bem como a declaração da ofendida em audiência de que naquele momento já identificava o recorrente vendo as fotografias, se não provam que o autor do crime não foi o recorrente (e em seu entendimento constituem essa prova), pelo menos criam sérias dúvidas quanto à certeza do reconhecimento e, consequentemente, quanto à autoria dos factos dos quais o recorrente vinha acusado. Entende que foram incorretamente julgados os pontos de facto supra especificados e que as provas que se referem no que tange ao reconhecimento e autoria dos factos impõem decisão diversa da recorrida, impondo a prova produzida decisão diferente da que foi tomada, violando a sentença recorrida os princípios da presunção de inocência e in dúbio pro reo.
A extensão da motivação do recorrente assenta, no fundo, sobre esta temática: não concordância do recorrente com a análise que o tribunal recorrido fez da prova, designadamente do facto de ter conferido credibilidade às declarações da ofendida juntamente com o auto de reconhecimento presencial concluindo pela autoria dos factos por parte do arguido.
Mas, quanto a esta impugnação da matéria de facto, sempre se dirá que, pelo conjunto crítico e conjugado da prova, à luz das regras da experiência comum, nada se vislumbra nos factos dados como provados que importe a existência de um errado juízo na matéria de facto.
Importa ainda deixar claro que o juízo sobre a prova é necessariamente um juízo global, no sentido de a convicção do tribunal se formar do escrutínio rigoroso e cuidado de cada uma das provas individualmente consideradas, mas também de todas elas no seu conjunto, directas e/ou indirectas A convicção formar-se-á, sempre e apenas, a final, ou seja, avaliada cada prova e toda a prova.
Quanto à valoração do depoimento da ofendida, ouvida a prova produzida em audiência, documentada nos autos e lida a fundamentação da decisão recorrida, é justo realçar a preocupação do julgador de 1ª instância em alcançar a verdade material, considerando o depoimento da ofendida RR exaustivo, seguro, preciso e pormenorizado, sem que deixasse qualquer réstia de dúvida. Adianta ainda a Mmª Juiz que “foi precisamente no metro que a ofendida o identificou de entre a multidão pois apenas confirmou a identificação novamente”.
Na verdade, o Tribunal recorrido não teve qualquer dúvida em considerar como provado a participação do arguido recorrente, nos termos dados como provados, e este Tribunal de recurso também não tem dúvidas quanto ao acerto da decisão recorrida na análise que fez da factualidade e nos juízos de valor que efectuou acerca das provas produzidas.
Com efeito, o tribunal recorrido valorou como claro, isento e coerente, merecendo credibilidade, o depoimento prestado por parte da ofendida, que relatou à exaustão e com pormenor os factos assentes, o que, conjugado com as próprias declarações do arguido não resulta, da sua análise crítica, com recurso às regras da experiência comum, razão válida para que se altere o juízo valorativo expressamente formulado na decisão recorrida, não havendo nos autos outras provas que imponham decisão diversa da recorrida, como pretende o recorrente as aponta, nomeadamente quanto ao su reconhecimento.
Como salienta a decisão recorrida, «é verdade que o arguido negou ter sido o autor dos factos, invocando até não ter fugido porque não tinha nada a esconder, porém, além disso poder apenas revelar inteligência e confiança na dificuldade de prova, a segurança e assertividade da ofendida reveladas também em audiência de julgamento, identificando-o sem qualquer dúvida, não permitem o que o arguido pretende, a dúvida. Aliás, nem mesmo o facto de a ofendida não ter reconhecido imediatamente o arguido nas fotografias de fls. 43, conforme admitiu, permite criar qualquer insegurança na certeza que manifestou, pois que além das fotografias nem sempre permitirem uma imagem perfeita do indivíduo retratado, como é do conhecimento comum, aquelas de fls. 43 não permitem manifestamente uma identificação imediata e simples do arguido presente em sala, conforme pôde o Tribunal confirmar na comparação directa. Acresce que, também a identificação resulta do auto de reconhecimento de fls. 39 a 40 e não se diga, como pretende a defesa, que a ofendida apenas reconheceu quem encontrou no metro..., pois que, foi precisamente no metro que a ofendida o identificou de entre a multidão, depois apenas confirmou a identificação novamente».
Quanto ao reconhecimento presencial efectuado pela ofendida, pretende o recorrente que o mesmo não devia ter sido valorado, em virtude de aquela, passado um dia depois dos factos, não ter reconhecido o arguido, através de fotografias, nas instalações da Polícia Judiciária.
Vejamos:
O reconhecimento de pessoas é um dos meios de prova previstos no C.P.P cuja finalidade é apurar o responsável pelo crime, ou seja, identificar a pessoa que foi vista a praticar o facto criminoso, ou que tenha sido vista antes ou depois do facto, em circunstâncias fortemente indiciadoras de ter sido o seu autor.
Como ensina Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II, 4.ª ed., 2008, p. 211), o reconhecimento consiste na confirmação de uma percepção sensorial anterior, ou seja, consiste em estabelecer a identidade entre uma percepção sensorial anterior e outra actual da pessoa que procede ao acto.
Prescreve o artigo 147.º do C.P. Penal:
«1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.
2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.
4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.
6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.
7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.»
No reconhecimento podemos distinguir três modalidades:
a)- o reconhecimento por descrição,
b)- o reconhecimento presencial e
c)- o reconhecimento com resguardo.
O reconhecimento por descrição, previsto no n.º 1 daquele artigo, consiste em solicitar à pessoa que deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização de que se recorda, sendo-lhe depois perguntado se já a tinha visto e em que condições e sendo, finalmente, questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação.
Em regra, esta modalidade de reconhecimento funciona como acto preliminar dos demais, e nele não existe qualquer contacto visual entre os intervenientes ou seja, entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.
O reconhecimento presencial, previsto no n.º 2 do artigo 147.º, tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal, obedecendo aos seguintes passos:
- Na ausência da pessoa que deve efectuar a identificação, são escolhidos, pelo menos, dois cidadãos, que apresentem as maiores semelhanças possíveis – físicas, fisionómicas, etárias, bem como, de vestuário – com o cidadão a identificar;
- Depois, este é colocado ao lado daqueles outros cidadãos e, se possível, apresentando-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que deve proceder ao reconhecimento [tal só não será possível no caso de uma alteração fisionómica irreversível];
- É então chamada a pessoa que deve efectuar a identificação que, depois de ficar diante do grupo onde se encontra o cidadão a identificar e, portanto, depois de ter observado os seus elementos, é perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual, sendo perguntas e respostas – estas e qualquer outra que porventura, tenha sido efectuada, registada no auto respectivo.
O reconhecimento com resguardo, previsto no n.º 3 do artigo 147.º, tem lugar quando existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento. Trata-se, pois, de uma forma de protecção da testemunha.
Esta modalidade de reconhecimento obedece à sequência descrita para o reconhecimento presencial, mas agora a pessoa que vai efectuar a identificação deve poder ver e ouvir o cidadão a identificar, mas não deve por este ser vista.
Normalmente, o que sucede é que a pessoa que deve efectuar a identificação é colocada numa divisão distinta daquela onde se encontra o grupo que inclui o cidadão a identificar, separados por um vidro polarizado que permite que aquela aviste, sem ser vista, o grupo [esta modalidade de reconhecimento não vale para a audiência].
Relativamente ao facto de a ofendida não ter reconhecido o arguido por meio de fotografia, constata-se que um tal reconhecimento não poderia apresentar qualquer valor probatório por si só, i.e., caso não fosse seguido de um reconhecimento presencial.
Neste âmbito, esclarecem M. SIMAS SANTOS e M. LEAL-HENRIQUES “Código de Processo Penal anotado”, I Vol. 2ª Edição, Editora Rei dos Livros, 2004, “No reconhecimento pessoal necessário se torna que a pessoa que deve fazer a identificação:
- descreva o identificando com indicação de todos os pormenores de que se recorda (reconhecimento intelectual – n.º 1);
- informe se já tinha visto antes o identificando e em que condições;
- mapresente outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação – n.º 1;
- após aquelas diligências efectue o reconhecimento e apenas quando pela forma descrita a identificação não tenha sido cabal (reconhecimento físico – n.º 2.

Este cuidado não deixa de constituir mais um indicativo da importância processual deste meio de prova, estruturado, também sistematicamente como um meio autónomo e material de prova que não se confunde com o meio de prova que constituem as declarações pessoais. Na verdade, todo este procedimento dá especiais garantias quanto à validade do reconhecimento e acentua o carácter autónomo e material já referido. Daí que possa e deva ser atendido no julgamento, independentemente da inquirição da pessoa que efectuou o reconhecimento, autonomizado e materializado que se mostra no respectivo auto.”
Por seu lado, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª Edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, Abril de 2009, esclarece: “ A primeira modalidade de reconhecimento processa-se com base na descrição do identificando pela pessoa que deva fazer a identificação sem confronto presencial de uma com a outra. (…)”
Se esta identificação não for “cabal”, a autoridade judiciária competente e o juiz presidente, consoante a fase processual, dao por concluído o acto processual. A identificação é cabal se ela  satisfizer o  critério probatório da  fase processual em que o reconhecimento teve lugar, ou seja, o critério dos indícios suficientes nas fases de inquérito e instrução e o critério da livre convicção para dar o facto como provado na fase de julgamento.


No caso em apreço, verifica-se que a ofendida identificou o arguido quando se cruzou com aquele no metro poucos meses depois (fls. 11). Em virtude de aquele reconhecimento não ser cabal, a ofendida procedeu ao reconhecimento pessoal do arguido no meio de outras pessoas descrevendo previamente aquele e reconhecendo-o como sendo o autor dos factos de que foi vítima (fls. 39).
Deste ponto de vista, o reconhecimento deste arguido foi em tudo semelhante aos reconhecimentos dos arguidos efectuados em situação de quase flagrante delito, em que os ofendidos, logo após os factos se deslocam a uma esquadra da PSP, para apresentarem queixa, e minutos depois, são conduzidos nos veículos policiais, pelas imediações do local, para tentarem identificar os autores dos factos, e aí, é valorado o reconhecimento por descrição sem que seja necessário recorrer ao reconhecimento presencial, tal como previsto no nº 2 do art.147º do C.P.P. Neste caso, o reconhecimento é ainda mais fidedigno, porquanto, a ofendida logrou identificar o arguido, decorridos meses após a prática dos factos, em local totalmente distinto - nem se poderá sequer alegar que estivesse sugestionada pelo local - reconhecendo a face do arguido, por ter revivido muitas vezes o momento, tal como referiu em sede de audiência de julgamento.
Haverá ainda que salientar que um tal reconhecimento veio a ser valorado autonomamente face ao próprio reconhecimento, já que a prova constante daquele auto não se confunde com a prova resultante do depoimento da ofendida em audiência de julgamento.
Quanto à utilização nas fases posteriores, como prova válida – e irrepetível -do reconhecimento feito nas fases preliminares, constituindo um meio autónomo de prova que se não confunde com declarações e depoimentos, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Maio de 2010 (Processo 486/07.2GAMLD.C1), onde se diz: «(…) o reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento nos termos dos artigos 355.º, n.º1, in fine, n.º 2 e artigo 356.º, nº 1, b) do Código de Processo Penal.
Em face do exposto, constata-se que a condenação do arguido assenta no depoimento da ofendida, que se revelou seguro e credível nos termos já explanados, através qual relatou não só os factos ocorridos como afirmou reconhecer o arguido em audiência, juntamente com o auto de reconhecimento efectuado em data anterior, mais próxima da data em que a ofendida viu o arguido no metro onde logo o identificou.
Estas considerações permitem-nos ajuizar que, no quadro da livre apreciação da prova, que é sempre uma valoração que apela à lógica e às regras de experiência, a valoração probatória do referido auto de reconhecimento, conjugada com a prova pessoal produzida em audiência de julgamento e reapreciada, consente que a decisão de facto se possa manter quanto ao recorrente, por nenhuma dúvida subsistir de que o arguido cometeu o crime de roubo, p. e p. no art.° 210°, n.° 1, do Código Penal , não tendo sido violadas quaisquer formalidades prescritas na lei quanto à realização de reconhecimento presencial.
De facto, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a conclusão do tribunal a quo, traduz-se numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.
Da decisão recorrida não se infere que, no processo de valoração e decisão, no âmbito da livre apreciação, tenha o tribunal a quo actuado contra a lei ou de modo desconforme aos ditames da razão, da lógica e da experiência comum.
Por seu turno, o principio in dubio pro reoapenas fundamenta a absolvição do arguido em caso de dúvida insanável, que não pode ser afastada pelos meios legalmente admissíveis e que o tribunal tem, no âmbito dos seus poderes de investigação.
Na particular e específica actuação do arguido, não se suscitou dúvida intransponível que fizesse actuar o princípio constitucional da presunção da inocência, nomeadamente quanto à incerteza da intenção dolosa na prática dos factos nem a decisão recorrida tem matéria de facto insuficiente para fundamentar a sua responsabilidade criminal por aqueles factos.
Em suma, deve-se ter por fixada a matéria de facto e, por conseguinte, assente que foi o arguido-recorrente autor do crime por que foi condenado, pelo que o recurso não merece provimento.
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4. Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) UCs.

Lisboa, 17 de Abril de 2018

Cid Geraldo

Ana Sebastião