Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8781/2007-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIDO
Sumário: I- No caso de resolução do contrato de arrendamento por comunicação à contraparte, que a lei consente designadamente no caso de mora superior a três meses no pagamento de renda (artigo 1083.º/3 do Código Civil) o título executivo que serve de base à execução para entrega de coisa certa é integrado pelo contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1084.º do Código Civil( artigo 15.º/1, alínea f) da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro).

II- Não é admissível, na falta de contrato de arrendamento, a sua substituição por fotocópia da declaração de prédio urbano total ou parcialmente arrendado com base em declaração dirigida à entidade tributária, ou seja, o escrito que consubstancia o contrato de arrendamento é necessário para que estejamos perante título executivo que habilite o senhorio a requerer o despejo coercivo sem necessidade de previamente obter sentença condenatória.

(SC)

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO
MARIA […] apresentou requerimento executivo contra S. […], em ordem a ser investida na posse de um imóvel, sua pertença, que foi objecto de um contrato de arrendamento entre ambas e que a requerente declarou extinto com fundamento na falta de pagamento de rendas.

Conclusos os autos, o Tribunal a quo proferiu despacho indeferindo liminarmente o requerimento com fundamento, em síntese, na falta de título executivo previsto no art.º 15.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 6/2006, de 27/02, o qual dispõe que podem servir de base à execução o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1, do art.º 1084.º do Código Civil.

Inconformada com esse despacho, a requerente dela interpôs recurso, recebido como agravo, pedindo a sua revogação e a substituição por outro que ordene o prosseguimento da execução, formulando as seguintes conclusões:

1.ª Se bem que na alínea e) do n.º 1 do artigo 15° da Lei 2006/06 de 27/02 se determine que o título executivo, em caso de resolução por comunicação, consiste no contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1.084° do Cód. Civ.
2.ª A verdade é que nada ali se expressa no sentido de que esse contrato se tenha revestido da forma escrita.
3.ª Pelo que bastará a prova, feita por qualquer meio admitida em direito, da existência de um contrato, mesmo que meramente verbal.
4.ª E isso, sobretudo, no que toca aos contratos (não reduzidos a escrito), celebrados anteriormente ao R.A.U., como é o caso versado nestes autos.
5.ª Na verdade, como antes o legislador admitia que o recibo de renda (ou qualquer outro meio de prova), suprisse a falta de documento escrito, consagrando a forma escrita como mera formalidade "ad probationem", fica evidentemente salvaguardada a validade (formal) dos contratos de arrendamento não reduzidos a escrito existentes à data da entrada em vigor das disposições do N.R.A.U.
6.ª Isso, não obstante a imediata aplicação destas (artigo 59.º n.º 1 da nova Lei), pois, de harmonia com os princípios consagrados no artigo 12° do Código Civ., a norma constante do artigo 1.069° do mesmo Código, apenas pode aplicar-se aos contratos futuros celebrados após a entrada em vigor daquela nova Lei.
7.ª Por isso é que, na alínea f) do n.º 1 do artigo 15° do N.RA.U. se prevê que, no caso de denúncia pelo arrendatário nos termos do n.º 5 do artigo 37° ou do n° 5 do artigo 43° do mesmo diploma – disposições transitórias aplicáveis a contratos celebrados antes da vigência do RA.U. (v. artigo 27° do N.RA.U.) – pode servir de base à execução para entrega de coisa certa, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário, não se referindo, ao contrário do que acontece nas demais alíneas, o contrato de arrendamento, já que este documento pode nem existir – v. Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge in "Arrendamento Urbano", pág. 126.

O Tribunal a quo sustentou a sua decisão.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS
A matéria de facto pertinente é a acima descrita sendo certo que a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal se configura, essencialmente, como uma questão de direito.


B) O DIREITO APLICÁVEL

O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).

Atentas as conclusões do agravo, supra descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pela agravante consiste, tão só, em saber se, para efeito do disposto no art.º 15.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 6/2006, de 27/02, o título executivo pode ser constituído pelo comprovativo da comunicação prevista no n.º 1, do art.º 1084.º do C. Civil acompanhado da prova, feita por qualquer meio admitido em direito, da existência de um contrato, mesmo que meramente verbal, como pretende a agravante, ou se o mesmo tem de ser acompanhado do contrato de arrendamento escrito, como decidiu o Tribunal a quo.

Vejamos.

I. Dispõe o art.º 15.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 6/2006, de 27/02 que: “Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa:
 e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1, do art.º 1084.º do C. Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra”.

A requerente juntou ao seu requerimento, no seu entender como título executivo, uma fotocópia de “Contribuição Predial Declaração de Prédio Urbano Total ou Parcialmente Arrendado” na qual figura como arrendatário do rés-do-chão do prédio urbano […] um tal António […] e fotocópia de uma Notificação Judicial Avulsa requerida contra S. […] nos termos da qual, se conclui que a notificação tem “…por finalidade dar à arrendatária ora requerida, a possibilidade de socorrer-se do disposto no n.º 3, do art.º 1084.º, ou seja, pôr fim à mora no prazo de três meses”.

Não obstante os termos titubeantes do conteúdo da notificação judicial avulsa, na qual a requerente não exara, com clareza, a declaração de resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de renda, limitando-se a transcrever os textos legais pertinentes, a esse respeito, o cerne da questão sub judice consiste em saber se a citada “Declaração” para efeitos de contribuição predial e imposto que lhe sucedeu pode substituir “o contrato de arrendamento” a que se reporta o preceito citado ou, sequer, se faz prova da existência de um tal contrato, nos termos em que a exequente afirma a sua existência.

II. O Título executivo é um documento que, mais do que valor probatório e para além desse valor, tem força executiva (pode servir de base à realização coactiva do direito a que se reporta, quer porque é ele próprio a declaração judicial do direito – quando o título executivo é uma sentença condenatória – quer porque, em face da sua força probatória acrescida, o legislador lhe atribui força executiva dispensando a declaração judicial do direito – restantes títulos.

Atenta essa natureza, os documentos que podem servir de título executivo são os taxativamente previstos no art.º 46.º do C. P. Civil (à execução apenas podem servir de base), ainda que por remissão para disposição especial que lhes confira essa força executiva (art.º 46.º, n.º 1, al. d), do C. P. Civil).

A atribuição de força executiva a um documento que não seja uma sentença condenatória transitada em julgado, dispensando a declaração judicial do direito e, precisamente porque a dispensa, pressupõe a força probatória acrescida desse documento em ordem a garantir um equilíbrio entre celeridade (com a dispensa da fase declarativa do direito) e segurança (verosimilhança da existência do direito cuja realização coerciva se pretende com a execução) na definição de título executivo

O art.º 15.º, n.º 1, al. e) da Lei n.º 6/2006, de 27/02 é uma disposição especial que atribui força executiva ao escrito corporizando o contrato de arrendamento acompanhado do instrumento de notificação judicial avulsa pelo qual o senhorio declarou ao arrendatário resolver o contrato por falta de pagamento de rendas, dispensando a declaração judicial do direito de resolver o contrato de arrendamento.
Na criação deste título executivo, formado por dois documentos, o legislador tem em mente que, demonstrada verosimilhantemente a existência do contrato de arrendamento (com a apresentação do escrito que o substancia) e a declaração de resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas, veiculada através de declaração judicial avulsa, se verifica o citado equilíbrio entre celeridade e segurança, em ordem a dispensar a declaração judicial do direito, tanto mais que, a terem sido pagas as rendas em causa, o arrendatário sempre se poderá opor à execução nos mesmos termos em que o poderia fazer no processo de declaração (art.º 816.º do C. P. Civil). 

III. No caso sub judice a agravante pretende que o escrito corporizando o contrato de arrendamento pode ser substituído por qualquer outro meio de prova e que uma fotocópia de “Contribuição Predial Declaração de Prédio Urbano Total ou Parcialmente Arrendado” na qual figura como arrendatário do rés-do-chão do prédio urbano […] um tal António […] é meio de prova suficiente para a prova desse contrato.

Mas não tem razão em qualquer dessas asserções.

Quanto à força probatória da fotocópia de Declaração de Prédio Urbano Total ou Parcialmente Arrendado, o que a agravante ou um seu antecessor tenha declarado ao fisco (e que este se limitou a aceitar sem qualquer intervenção confirmatória) não passa disso mesmo, uma declaração sua a terceiro, que não tem o condão de, por si só, fazer prova do que é declarado pela própria agravante.

Mas, independentemente da força probatória da citada declaração, a letra da lei não permite uma interpretação de modo a que onde o legislador exige o contrato de arrendamento se possa entender que se trata da prova do contrato de arrendamento por qualquer meio.

E se o argumento literal da interpretação parece obstar, desde logo, à interpretação defendida pela agravante, certo é, também, que não vislumbramos qualquer outro argumento de interpretação a seu favor.

De facto, a nossa tradição jurídica quanto à prova do contrato de arrendamento urbano para habitação e em ordem à protecção do contraente débil, o arrendatário, desde o Dec. Lei n.º 188/76 de 12 de Março, tem sido a de que apenas o arrendatário pode fazer essa prova por qualquer meio, desde que não haja invocado a nulidade por inobservância de forma escrita (art.º 1.º desse diploma), de que a inobservância de forma escrita só pode ser suprida pela apresentação do recibo de renda e, logo, pelo arrendatário (art.º 7.º, n.º 3 do R. A. U), não admitindo que o senhorio faça prova do contrato de arrendamento por qualquer outro meio que não seja a apresentação do respectivo escrito.

E é no seguimento dessa tradição que se deve interpretar o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 15° da Lei 2006/06 que atribui a natureza de título executivo à comunicação do senhorio para aumento (art.º 37.º, n.º 5) ou aplicação de nova renda (art.º 43.º, n.º 5) acompanhada de declaração de denúncia do arrendamento pelo arrendatário.
 
Por uma questão de coerência do sistema, se o arrendatário denunciou o contrato de arrendamento em resposta a declaração de aumento de renda ou a aplicação de nova renda, bastará ao senhorio, para obter a entrega do arrendado a apresentação de tais declarações sem ter de apresentar o escrito que corporiza o contrato. 

Tendo presente o necessário equilíbrio entre celeridade e segurança na definição de título executivo a que acima nos referimos, o legislador entendeu que para a situação a que se reporta a al. f) os dois documentos nela referidos têm força executiva, sem que isso signifique admitir a prova do contrato de arrendamento por qualquer meio.

Para a situação prevista na al. e) que ora nos ocupa, o escrito que consubstancia o contrato de arrendamento é necessário para que estejamos perante título executivo que habilite o senhorio a requerer o despejo coercivo, sem necessidade de previamente obter sentença condenatória.

Não tendo apresentado o escrito que consubstancia o contrato de arrendamento não podia o requerimento executivo deixar de ser liminarmente indeferido, como foi.
Improcedem, pois, as conclusões do agravo.
 
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao agravo, mantendo o despacho recorrido. 
Custas pela agravante.

Lisboa, 13 de Novembro de 2007

(Orlando Nascimento)
(Ana Resende)
(Dina Monteiro)