Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | ACÇÃO ENCOBERTA ACÇÃO PROVOCATÓRIA INSTIGAÇÃO INSTIGAÇÃO CRIMINOSA PROVA TESTEMUNHAL TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/25/2010 | ||
Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Sumário: | I – O tribunal não pode basear a sua convicção exclusivamente no depoimento - não corroborado por qualquer elemento objetivo e contrário às declarações do arguido -, de uma testemunha que esteve na origem de uma ação encoberta levada a cabo pela PJ, com a participação na qual a testemunha visava obter uma atenuação especial da pena que lhe viesse a ser aplicada por um crime de tráfico de 120 kg de cocaína, para além de evitar a sua responsabilização como instigador do crime praticado depois da ação encoberta iniciada [a situação, no essencial, é idêntica à do coarguido a prestar declarações incriminatórias contra o seu coarguido, sem qualquer elemento objectivo que o corrobore]. II – Quando uma ação encoberta só é desocultada – pelo tribunal, perante a insistência dos arguidos - quase no fim da produção da prova em audiência de julgamento e era até então negada categoricamente pelos inspetores da PJ ouvidos, que depõem no sentido de a prova dos factos ter uma fonte completamente diversa – não pode deixar de se considerar que a prova até então produzida não corresponde, no essencial, à realidade das coisas e que, por isso, não merece credibilidade. III – Uma ação encoberta que possa ser considerada como ação provocatória de um crime não pode valer como meio válido de obtenção de prova, o que implica a inexistência de qualquer prova do crime provocado [arts. 126/2a) do CPP e 32/8 da CRP]. IV – Se o arguido foi instigado a cometer um crime, devido à atuação dolosa de um particular inserido na ação encoberta levada a cabo pelo PJ, com a colaboração ainda de um agente policial encoberto, está-se perante um caso de uma ação provocatória e de um agente provocador. V – Não é de excluir o nexo de causalidade – o que, aliás, só por si não implicaria a validade da prova obtida - entre a provocação e o crime quando não há a mínima prova de que o arguido já tinha a intenção de praticar o crime. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo assinados: J…., foi condenado, no processo supra identificado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21/1 do Dec.-Lei 15/93, de 22/1, com referência à Tabela I-B anexa ao mesmo), na pena de 7 anos de prisão. Outros 4 arguidos, que tinham sido acusados e pronunciados, com ele, pelo crime de tráfico de droga agravado [art. 24/c) do Dec.-Lei 15/93], foram absolvidos por falta de prova. J… recorre daquela condenação, pedindo que a) se determine a repetição da prova cuja audição se encontra pretensamente impercetível (dando provimento a nulidade nos termos do art. 363 do Código de Processo Penal = CPP); b) se revogue a decisão sobre a matéria de facto e se modifique a factualidade provada e não provada e, em consequência, se considere que o recorrente deve ser absolvido; c) se altere a decisão sobre a matéria de direito, por existir uma ação provocadora ou por terem existido atos praticados por agente infiltrado que retiram à conduta do recorrente os elementos típicos do tráfico de estupefaciente; d) se aplique, no caso de subsistência de dúvida, o principio do in dubio pro reo; e, e), subsidiariamente, seja alterada a medida da pena aplicada ao arguido. O MP na 1ª instância defende a improcedência do recurso e o mesmo faz a Srª Procuradora-Geral-Adjunta neste Tribunal da Relação de Lisboa (= TRL). * Quanto à arguição de nulidade relativa à deficiência de gravação, acabam por ser só duas as questões concretas levantadas no recurso [nas conclusões 35 e 56] e essas questões concretas [contradição da testemunha M… num ponto de facto relativo aos contactos posteriores com o arguido J…; resposta da testemunha M… à questão de saber se tinha meios para fazer sair a droga do aeroporto se a PJ não os tivesse fornecido] não têm influência significativa nas decisões que se impõem, como se verá mais à frente, pelo que a questão da deficiência da gravação fica prejudicada. * O arguido recorre quanto à matéria de facto, pondo em causa alguns dos factos dados como provados e querendo que se deem como provados alguns dos dados como não provados e para isso discute a fundamentação avançada pelo tribunal coletivo quanto à decisão de tais questões de facto. Por isso, antes de mais, importa deixar consignados os factos provados e não provados e a respetiva fundamentação, na parte que diz respeito a estas questões: Factos provados: 1. Em data não concretamente apurada, mas situada por volta do mês de Maio de 2008, o arguido J…, também conhecido por "Jimmy", residente em Madrid, pretendendo proceder à “importação” de estupefacientes da América do Sul com destino à Europa, via Aeroporto de Lisboa, decidiu estabelecer contactos em Lisboa com tal objetivo, contactando designadamente M…., na altura detido no Estabelecimento Prisional da Polícia Judiciária. 2. Tendo obtido tal informação, e em sede de investigação, pela Policia Judiciária - com a supervisão das autoridades judiciárias competentes e ao abrigo do regime previsto na Lei 101/2001, de 25/08 - foi desencadeada uma operação policial vulgarmente designada de ação de agente encoberto, visando controlar o acesso do arguido J… à droga que o mesmo viesse a `importar'. 3. Na sequência dessa ação, o referido M… disse ao arguido que conhecia uma pessoa, de nome "Hugo", que trabalhava no aeroporto de Lisboa e que podia retirar a mercadoria vinda por via aérea, no seguimento do que foram estabelecidos vários contactos telefónicos entre o arguido J… e o citado agente encoberto, que adotou nesses contactos o nome de "Hugo", e utilizou o telemóvel com o n° 91.... 4. Tendo o aludido "Hugo" dito ao arguido que trabalhava no aeroporto de Lisboa, local de onde poderia retirar o produto estupefaciente. 5. Nesses contactos ficou combinado que o arguido se iria deslocar a Lisboa, mais propriamente ao centro comercial Vasco da Gama sito na Zona do Parque das Nações. 6. E que se faria transportar na viatura marca Honda modelo Civic matricula 0000FWR. 7. No dia 2/8/2008, o arguido esteve naquele local, acompanhado de três outros indivíduos que falavam espanhol, onde se encontraram com o aludido "Hugo" (atuando como agente encoberto). 8. Após o que vieram a regressar a Espanha. 9. O arguido J… entretanto estabelecera contactos com indivíduos cuja identidade não foi possível apurar em concreto, no sentido de estes enviarem uma mala com cocaína desde a Venezuela num voo para o aeroporto de Lisboa. 10. Facto de que foi dado conhecimento pelo arguido ao "Hugo", tendo este, naquele aludido encontro do dia 2/08/2009, entregue ao arguido J… um papel com a anotação e identificação do voo da Venezuela e um e-mail, manuscrito que veio posteriormente a ser apreendido ao arguido e se encontra a fl. 67 dos autos, 11. Após vários contactos, o arguido J… é informado pelo seu fornecedor de que a mala com a droga chegaria a Lisboa no dia 3/09/2008, facto de que o arguido deu conhecimento ao "Hugo". 12. Mais tarde, porém, o arguido J… é informado de que a mala chegaria afinal apenas no dia 4/09/2008, alteração de que é dado conhecimento ao "Hugo", assim como da identificação do voo onde a mesma chegaria, 13. O arguido J… deslocou-se assim para Portugal no dia 3/09/2008. 14. E pelas 20h40 desse dia, os arguidos J… e JP… dirigiram-se ao Centro Comercial Vasco da Gama, deslocando-se na viatura espanhola marca Seat matricula 0000 FLS 15. Após estacionarem a aludida viatura, deslocaram-se para o piso da restauração onde, no deck exterior do centro comercial, aguardaram, até cerca das 21h05, a chegada dos coarguidos M…, C… e JG… 16. Arguidos estes que se tinham deslocado para aquele local fazendo-se transportar na viatura matricula 0000FWR marca Honda Civic. 17. De seguida, dirigiram-se todos para a zona de bufete do restaurante "Chimarrão", onde, no decurso do jantar, o arguido JG… abriu um computador. 18. Após terem jantado, os arguidos saíram do restaurante, um de cada vez, não tendo sido possível acompanhar as suas movimentações. 19. No entanto, pelas 22h00, agentes da PJ que vigiavam a atuação daqueles aperceberam-se de que os cinco arguidos fazendo-se transportar, todos, na viatura marca Seat Ibiza antes mencionada, pararam junto do Honda Civic referido supra. 20. Viatura para a qual entraram os arguidos M…, C… e JG….. 21. Após o que, os 1° a 5° arguidos, fazendo-se transportar naquelas viaturas, dirigiram-se em direção ao aeroporto e pararam na bomba de combustível da BP do Aeroporto, local onde permaneceram sem abastecer cerca de 10 minutos. 22. Posteriormente, cerca das 22h35, saem da BP e dirigiram-se à Av. de Berlim onde pararam junto do n° 35. 23. Nesse local, após imobilizarem as viaturas, enquanto um deles permanecia próximo das mesmas, os restantes dirigiram-se a um prédio sito nas proximidades cujo número não foi possível apurar. 24. Decorridos alguns minutos regressaram e, fazendo-se transportar de novo naquelas viaturas, dirigiram-se à zona do Casino de Lisboa. 25. Após o que, dirigiram-se em direção à A1 Norte tendo o Seat prosseguido em direção a Santa Iria de Azoia enquanto o Honda passava a portagem de Alverca não tendo sido possível segui-los. 26. No dia seguinte, 04/09/2008, de manhã, o arguido J… foi contactado pelo "Hugo" (atuando sempre como agente encoberto), tendo-lhe este confirmado que a mala com a droga já estava em seu poder e também a comunicar-lhe que às 12h se encontravam nas bombas de combustível da BP junto ao aeroporto de Lisboa para se proceder à entrega da dita mala. 27. Entretanto a Policia Judiciária montou uma operação de vigilância junto do aeroporto e na Zona do Parque das Nações em Lisboa. 28. Vigilância essa que se ficou a dever ao facto de a autoridade policial saber, atentas as informações obtidas e o resultado das investigações efetuadas, que o arguido J... se tinha deslocado ao nosso país a fim de receber elevada quantidade de estupefaciente que seria transportado por via aérea e que chegara ao aeroporto de Lisboa num voo procedente da Venezuela naquele dia. 29. Perto das 12h daquele dia 4/09/2008, os arguidos J… e JP…, fazendo-se transportar na viatura Seat modelo Ibiza matricula 000 FLS, conduzido pelo segundo, deslocaram-se até às bombas de combustível da BP junto ao aeroporto de Lisboa, onde estacionaram no local combinado com o "Hugo". 30. Passados alguns momentos chegou ao local o referido "Hugo" (atuando sempre como agente encoberto), o qual se dirigiu à viatura em que os arguidos J… e JP… se faziam transportar, colocando a mala com a cocaína no interior da mesma viatura, após o que abandonou o local, o mesmo fazendo os arguidos de imediato. 31. Pelas 12h, do dia 4/09/2008, aqueles agentes policiais avistaram a viatura marca Seat modelo Ibiza matricula 0000 FLS, nos semáforos da Avenida de Berlim por debaixo da segunda circular, no interior da qual seguiam os arguidos J… e JP…, que a conduzia, descendo a aludida Avenida. 32. Mais verificaram que o Honda Civic 0000FWR, no qual se faziam transportar os arguidos M…., C… e JG…, surgia em sentido ascendente, após o que, na rotunda junto da BP, inverteu o sentido de marcha e, seguiu no mesmo sentido do Seat Ibiza em que se faziam transportar os coarguidos J…. e JP….. 33. Porque o arguido J… já estava na posse do produto estupefaciente que tinha motivado a sua deslocação ao nosso país, os agentes da PJ intercetaram os dois veículos em que os arguidos seguiam na Av. de Berlim. 34. Nesse momento o arguido JP…, que conduzia o Seat, meteu a marcha-atrás nesse veículo, tendo embatido na viatura da Policia Judiciária. 35. Na posse do arguido J…, no interior de uma mala marca American Tourister, transportada na altura na viatura onde aquele arguido seguia, foram encontradas e apreendidas 9 embalagens contendo um produto que submetido a teste rápido foi identificado como sendo cocaína com o peso bruto de 10.032 gramas. […] 42. O produto estupefaciente referido supra, e apreendido, foi submetido a exame laboratorial e identificado como sendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido total de 9066,912 gr (tendo a amostra cofre o peso liquido global de 11,512 gramas enquanto que o remanescente e a tara pesavam, respetivamente, 9055,400 e 964,300 gramas), conforme resulta do exame laboratorial constante de fls. 434, aqui dado por reproduzido. 43. O arguido J…. conhecia perfeitamente a natureza e características estupefacientes da cocaína que lhe foi apreendida, produto que pretendia transportar para Espanha com vista à sua comercialização, 44. A importância em dinheiro apreendida ao arguido J… destinava-se a suportar despesas relacionadas com a atividade ilícita descrita. 45. Os telemóveis apreendidos ao arguido J… destinavam-se a permitir-lhe estabelecer os contactos que lhe permitiram obter tal produto estupefaciente. 46. Acresce que o arguido J… é natural da Colômbia e não possui emprego estável, residência ou qualquer outra ligação pessoal ou familiar no nosso país. 47. O arguido J… agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta lhe estava legalmente vedada. 48. Das condições pessoais e sócio económicas do arguido J…: a) O arguido J… é natural de Cali, na Colômbia, tendo crescido num agregado familiar formado pelos seus pais e mais seis irmãos; b) Na Colômbia trabalhou numa empresa familiar de fabrico de roupas, tendo sido também jogador profissional de futebol e posteriormente treinador de futebol juvenil e organizado uma escola de futebol; c) tendo casado aos 21 anos, em 1981 emigrou para os Estados Unidos da América devido à sua atividade profissional de futebolista, acabando por aí desempenhar outros trabalhos variados; d) Nos EUA nasceram dois filhos do seu casamento na altura, atualmente com 29 e 27 anos de idade, já independentes, tendo o arguido seis netos dessa descendência; e) Nos EUA o arguido foi detido por factos relacionados com tráfico de drogas, tendo estado preso um ano e meio; f) Em 1991 o arguido divorciou-se, tendo entretanto voltado a casar; g) Veio da Colômbia para Espanha em Dezembro de 2001, devido a dificuldades económicas, tendo regressado ao seu país cerca de 8 meses depois, e retornado a Espanha em Março de 2006, encontrando-se desde então nesse país, e não mais regressando ao seu país natal; h) Em Espanha tem vivido e trabalhado em Madrid, como empregado em restaurantes e discotecas, auferindo cerca de €600 a €700 de rendimento mensal; i) O arguido é casado, sendo na Colômbia que vive a sua esposa e os seus dois filhos, de 13 e 5 anos de idade, que o arguido pretende oportunamente levar para Espanha para viver consigo; j) Em Espanha vive sozinho, num quarto alugado, convivendo em ambientes noturnos, próprios da sua profissão, com amigos espanhóis e colombianos; k) Tem como habilitações o correspondente ao 11° ano de escolaridade, tendo ainda frequentado dois semestres de um curso de arquitectura ; l) Atualmente encontra-se detido no EP junto da Polícia Judiciária, onde tem mantido bom comportamento, sendo considerado um excelente trabalhador, com bom relacionamento entre os detidos, sendo o treinador de futebol do EP, mantendo contactos telefónicos com os familiares na Colômbia e nos EUA; 50. Do certificado de registo criminal do arguido J… não consta qualquer condenação anterior pela prática de ilícitos criminais. II. b) Matéria de facto não provada [para permitir a referenciação dos factos não provados, numeram-se, neste TRL, os mesmos]: De relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa não lograram provar-se mais factos, quer da pronúncia, quer das contestações dos arguidos. Designadamente não lograram provar-se os seguintes: 1. que os cinco arguidos se vinham dedicando de comum acordo à comercialização de estupefacientes desde data não apurada, 2. nem que na noite de 3 de Setembro de 2008, e no decurso do jantar, o arguido JG… tenha procurado estabelecer contactos com pessoa não identificada que se encontrava na Colômbia através do computador que abriu, 3. nem que nessa mesma noite os arguidos hajam efetuado diversas manobras de contra vigilância com vista a apurarem se estavam ou não a serem alvo de vigilância policial. 4. nem que os arguidos JG…, JP…, M… e C… se tenham deslocado ao nosso país a fim de receberem elevada quantidade de estupefaciente que seria transportado por via aérea por um indivíduo vulgarmente denominado "correio" que chegaria ao aeroporto de Lisboa procedente da Venezuela, 5. nem que os arguidos M…, C… e JG…, ao seguirem no veículo Honda Civic no dia 4 de Setembro de 2008, evidenciassem estarem muito atentos com vista a apurarem se havia alguma viatura a seguir a outra viatura em que se faziam transportar os coarguidos, 6. nem que também os arguidos JG…, JP…, M… e C… conhecessem perfeitamente a natureza e características estupefacientes da cocaína que foi apreendida, nem que tal cocaína haja sido apreendida na posse de qualquer destes quatro arguidos, 7. nem que estes arguidos JG…, JP…, M… e C… pretendiam transportar aquela cocaína para Espanha com vista à sua comercialização, na sequência do previamente acordado entre todos os arguidos, 8. nem que qualquer dos arguidos, incluindo o J…, visava obter, por via da comercialização daquela droga, quantia não inferior a €435.330, 9. nem que os telemóveis, objetos e quantias em dinheiro apreendidas aos arguidos JG…, JP…, M… e C…, se destinavam a permitir a estes quatro arguidos estabelecerem os contactos que lhes permitiram obter tal produto estupefaciente, ou se destinassem a suportar despesas relacionadas com a atividade de tráfico de drogas, 10. nem que os arguidos JG…, JP…, M… e C… tenham agido de comum acordo, livre e voluntariamente, no sentido de receber ou transportar produto estupefaciente, 11. nem que ao aperceber-se da presença e propósitos dos agentes policiais o arguido JP… - que conduzia o Seat -, ainda tenha procurado fugir, 12. nem que a viatura automóvel apreendida ao arguido JP… era por ele destinada a ser utilizada pelos arguidos no transporte da cocaína, 13. nem que o arguido J… tenha sido contactado em Maio de 2008 por A…., esposa de M… que à data se encontrava detido no Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária, tendo-o ela informado que este último precisava de falar consigo, 14. nem que a partir dessa altura o arguido começou a receber chamadas telefónicas do referido M… no seu telemóvel, dizendo-lhe que estava com sérios problemas e que necessitava da sua ajuda, nem que esses contactos hajam sido feitos primeiro por um telefone identificável, passando mais tarde a ser anónimo, 15. nem que na sequência de um desses telefonemas efetuados ao arguido, o M…, reiterando que estava com graves dificuldades económicas e que corria sério risco de vida se não os resolvesse, haja apelado mais uma vez à amizade existente entre ambos, pedindo-lhe para conseguir alguém para fornecer produto estupefaciente, 16. nem que o arguido, perante tal pedido, haja hesitado, e comunicado ao M… que não se queria envolver nessa situação, 17. nem que o M… continuou a telefonar para o arguido insistindo para este o ajudar, alegando os motivos referidos, nem que haja sido perante tal situação, e por o M… o haver ajudado em momentos difíceis da sua vida, que o arguido acabou por lhe dizer que ia falar com algumas pessoas para ver se conseguia alguém que lhe fornecesse produto estupefaciente, 18. nem que haja sido o "Hugo" quem inicialmente contactou o arguido J…, nem que nos contactos entre ambos aquele "Hugo" tenha dito ao arguido que o M… estava a passar por graves problemas económicos, correndo risco de vida se não os resolvesse quanto antes, e que para além disso estava gravemente doente, necessitando da sua ajuda, 19. nem que quer o M…, quer o "Hugo", continuaram a insistir com o arguido para que agisse rapidamente se não queria que algo de mal acontecesse ao primeiro, 20. nem que haja sido perante tal insistência que o arguido estabeleceu contactos em e desde Espanha para terceiros lhe fornecerem cocaína, 21. nem que alguma vez a referida A…, mulher do M…, haja entregue ao arguido J… qualquer dinheiro para custear as suas deslocações a Lisboa para se encontrar com o "Hugo", 22. nem que o arguido alguma vez haja manifestado ao "Hugo" que estava com medo de se envolver em tal situação, nem que perante isso o "Hugo" lhe tenha dito que não havia qualquer risco e que poderia retirar a quantidade de 5, 10, 15 ou 20 kg de produto estupefaciente, 23. nem que haja sido o "Hugo" a dizer ao arguido que a cocaína tinha de vir acondicionada numa mala pequena, que por sua vez deveria vir dentro de uma outra mala, nem que lhe haja dito que essa mala deveria ter uns distintivos na esquina, de forma a que pudesse identificá-la. II. c) Motivação da decisão sobre a matéria de facto [para permitir a referenciação da fundamentação do tribunal recorrido, de modo também a evitar a sua contínua reprodução, alinham-se, neste TRL, os parágrafos da mesma]: a) A decisão do Tribunal firmou a sua convicção, quanto aos factos que deram como provados, em primeiro lugar, e desde logo, na apreensão de droga efetuada e autuada, na prova pericial relativa à mesma droga, e relatada nos autos a fls. 434 (quanto à cocaína). b) Atendeu-se ainda, e nesta vertente mais objetiva, às revistas, apreensões, descrições e avaliação de objetos, referenciados nos factos provados e autuadas no processo. c) Depois, baseou-se em parte nas declarações do arguido J…, o qual admitiu parcialmente a sua conduta, descrevendo a sua versão dos factos e das circunstâncias e motivações pelas quais agiu. d) E fazendo uma análise preliminar de tal versão, poderá dizer-se que a mesma diverge daquela que vem a ser dada por assente essencialmente no aspeto relativo ao estabelecer e desenrolar dos contactos do e com este arguido com vista à importação de produtos estupefacientes da América do Sul. e) Na verdade, o arguido alegou, quer em sede de contestação, quer depois em audiência, que não foi ele quem tomou a iniciativa de proceder a tal “importação”, apenas o vindo a decidir fazer na sequência de vários contactos e insistências por parte de M…, seu amigo, e de um tal "Hugo", cujo contacto lhe foi fornecido por aquele, e que se lhe apresentou como funcionário no aeroporto de Lisboa e assim como pessoa capaz de retirar nesse aeroporto toda a droga que fosse preciso. f) Alegou o arguido, muito particularmente, que partiu daquele M… a iniciativa de um tal contacto e as insistências para que o arguido arranjasse alguém que enviasse droga da América, assegurando-lhe, por via do dito "Hugo", a receção segura da mesma. g) Como se verifica do elenco da matéria de facto provada, deu-se efetivamente por assente que existiu nos autos um contacto entre o arguido J… e o dito M…, e que na sequência desse contacto, e sendo a Polícia Judiciária informada do mesmo, por esta foi desencadeada uma operação policial vulgarmente designada de ação de agente encoberto, visando controlar o acesso do arguido J… à droga que o mesmo viesse a “importar”, na sequência da qual o referido M… disse ao arguido que conhecia uma pessoa, de nome "Hugo", que trabalhava no aeroporto de Lisboa e que podia retirar a mercadoria vinda por via aérea, após o que foram estabelecidos vários contactos telefónicos entre o arguido J… e o citado agente encoberto, que adotou nesses contactos o nome de "Hugo", que disse ao arguido, designadamente, que de facto trabalhava no aeroporto de Lisboa, local de onde poderia retirar o produto estupefaciente. h) A grande diferença entre a versão dos factos apresentada pelo arguido e aquela que se deu por assente está em que, nesta última, se considerou que foi o arguido quem por sua iniciativa, contactou o referido M…, após decidir proceder àquela importação de droga, e no sentido de melhor executar esse seu desígnio. i) Vejamos por que motivo assim se considerou, e não exatamente como pretendia o arguido J…. j) Começando desde logo pela existência da citada ação policial de agente encoberto, e que esteve "ocultada" nos autos até ao julgamento, tal existência foi desde logo suscitada pelos arguidos, tendo-se tornado, com a produção de prova em audiência, que tal ação policial se havia verificado. k) E, na verdade, na sequência de solicitação do Tribunal nesse sentido, foi a existência do processo de agente encoberto confirmada conforme ofício de fls. 1283, através do qual inclusive foi junto o relato referente a tal ação policial - relato este que, contudo, e pelos motivos exarados no despacho de fl. 1361/1363, se determinou não ficasse junto aos autos. l) Como aí se assinalou, atento o teor do ofício em causa, conclui-se desde logo, que efetivamente na investigação em causa existiu intervenção de uma ação encoberta de agente, e que a mesma foi levada a cabo no âmbito e nos termos previstos e impostos pela Lei 101/2001, de 25 de Agosto. m) E como também se referiu, entende-se tendo em conta a restante prova produzida em audiência, conjugada com a confirmação da existência da aludida ação encoberta, devidamente processada e legitimada nos termos legais, tudo se afigura suficiente para o esclarecimento do Tribunal na parte e nos limites probatórios que importa considerar. n) E, de facto, se é certo que não pode o Tribunal lançar mão, em termos de valoração probatória, do teor e do conteúdo do relato da ação encoberta em causa - pois que se determinou a sua não junção aos autos -, a verdade é que a restante prova produzida em audiência permite concluir com segurança pela verificação dos factos tal como se deram por provados, como se analisará de seguida. o) O ponto crucial da divergência entre a versão do arguido e aquela dada por assente está, como se disse, em saber-se de quem ou de onde partiu a iniciativa que veio a determinar esta importação de droga e a sua apreensão na posse do arguido J…: se deste último, como anuncia a pronúncia e se deu por provado, se do aludido M…, sob a prévia orientação da Polícia Judiciária, como pretende o arguido. p) Convenceu-se o Tribunal que tal iniciativa partiu efetivamente do arguido J… essencialmente com o depoimento da testemunha M…. q) Disse este que, a determinada altura, por volta de Maio de 2008, e quando se encontrava detido em prisão preventiva no âmbito de processo judicial por crime de tráfico de droga (e pelo qual veio a ser condenado posteriormente), recebeu um telefonema de um tal David, seu conhecido, dizendo-lhe que o arguido J… pretendia falar consigo. r) Na sequência disso a testemunha M… contactou telefonicamente o arguido, e este disse à testemunha que "tinha uma droga para meter em Portugal” e se ele (testemunha M…) tinha algum meio que possibilitasse assegurar a saída dessa droga do aeroporto. s) Perante isso, a testemunha disse ao arguido ia ver o que podia fazer, tendo então decidido contar o que se passara ao Inspetor R…, da Polícia Judiciária; e passado algum tempo, dois agentes da mesma Polícia Judiciária dirigiram-se à testemunha e deram-lhe um n° de telefone para a testemunha fornecer ao arguido J… como sendo o n° de um tal "Hugo", que trabalharia no aeroporto, e que o arguido poderia contactar para a finalidade que pretendia. t) E que a partir daí não mais falou com o J… sobre este "negócio", passando (ao que julga) todos os contactos respeitantes ao transporte e recebimento da droga a ser efetuados diretamente entre o arguido J… e o dito "Hugo". u) Confirmou ainda a testemunha M… que esta sua "colaboração" tanto existiu efetivamente que foi considerada no âmbito do julgamento do processo-crime pelo qual se encontrava (e encontra ainda) detido, levando a que beneficiasse em termos da pena que lhe foi aplicada. v) O que se confirma, aliás, pelo teor do Acórdão do processo respetivo, que é o n° 401/07.3 JELSB, da 7ª Vara Criminal de Lisboa, e que foi junto a fls. 1402 e segs. dos autos. Aí se consigna expressamente, e no rol dos factos provados, e sob o ponto 77., que a ora testemunha M…, ali arguido, "colaborou com a Polícia Judiciária logo após a sua detenção, levando à captura de um grupo internacional de traficantes que também operavam em Portugal e à apreensão de razoável quantidade de produto estupefaciente"; e mais adiante, em sede de motivação da decisão de facto, refere-se que a testemunha José A… - que nos presentes autos depôs também como testemunha - esclareceu "que o arguido M… colaborou com a Polícia Judiciária. Dessa colaboração resultaram várias detenções e apreensões de droga. Existem outras investigações que se encontram a decorrer tendo por base a colaboração do arguido. Existiram resultados públicos: apreensão de 10 kgs de cocaína e 5 detenções, processo que se encontra neste momento para julgamento". w) Ora, a testemunha M… confirmou que tal colaboração e detenções são, efetivamente, as levadas a cabo no âmbito dos presentes autos. x) Assinale-se que a testemunha R… referiu também que de facto, a determinada altura, a testemunha M…, quando já estava detido, se lhe dirigiu, dizendo que queria colaborar com a Polícia Judiciária, tendo-o a testemunha encaminhado para o departamento daquela corporação policial próprio para gerir tais situações - sendo muito provavelmente, conclui o Tribunal, nessa sequência que foi desencadeada a ação de agente encoberto dos autos. y) O que de fundamental e essencial importa retirar daqui é que terá sido, afinal, o arguido J… quem teve a iniciativa de procurar contactar a testemunha M…, no sentido de saber se este teria meios de o ajudar a concretizar a importação da droga que o arguido "tinha para meter" na Europa, via Portugal. z) Quanto aos contactos posteriores entre o arguido J… e o "Hugo", pessoa que passou a atuar como agente encoberto sob a supervisão da Polícia Judiciária, os mesmos verificam-se posteriormente àquele primeiro contacto do J… com o M…, ocorrido por iniciativa do primeiro, e depois de ter formado a sua prévia deliberação criminosa, para cuja execução já só procurava um meio mais fácil e seguro. a1) Alegou o arguido, em sede de audiência, que não faria sentido ser ele a tomar a iniciativa de procurar contactar a testemunha M…, porque este estava preso e, por um lado, se não teria tido sucesso na sua atividade de tráfico, dificilmente poderia ter meios seguros e eficazes de ajudar o arguido a concretizar qualquer ação similar àquela em que ele próprio, ora testemunha, falhara; e por outro, nunca o arguido iria contactar uma pessoa detida, sabendo dos riscos que tal acarretaria em termos de possibilidade de a sua ação ser detetada pelas autoridades policiais. b1) Porém, não pode colher tal argumento. c1) Desde logo porque o facto de a testemunha estar presa não invalida que o mesmo não tivesse contactos que permitissem ajudar o arguido na concretização dos seus desígnios. A circunstância de, por qualquer motivo, a testemunha não ter tido sucesso numa qualquer atividade de tráfico, não a impediria de conhecer meios que, noutras circunstâncias, permitissem o sucesso de uma operação de tráfico. Por outro lado, o argumento do arguido é reversível: o risco de se expor à vigilância e intervenção das autoridades policiais era tão grande sendo o arguido a contactar o amigo detido, como no caso de ser este a contactá-lo. Ou seja, se tal risco seria inibidor da ação do arguido, então nunca o mesmo arguido haveria de ter atuado sequer nos termos que alega tê-lo feito a partir do contacto de alguém que está preso por factos relacionados com o tráfico de droga. d1) Entre os termos de tal dialética, afigura-se afinal bem mais coerente a versão apresentada pela testemunha, de acordo com a qual, após um contacto do arguido J…, ele o encaminhou para o contacto com o dito "Hugo", passando os contactos a propósito deste assunto a ser mantidos entre estes últimos, e não mais com o M…. De facto, e usando o argumento "inibidor" do próprio arguido, mal se entenderia que o mesmo fosse e aceitasse ser contactado tantas vezes pelo próprio M…, sempre com insistências num tráfico de droga, sem nada objetar a tais contactos, sabendo que o mesmo estava preso e possivelmente sob influência policial. e1) E a verdade é que, como depois o próprio arguido admite, é ele quem estabelece os contactos com via à concreta encomenda e importação da droga, ainda que em circunstâncias e em termos negociais concretamente não apurados. f1) E, de facto, quanto ao teor dos contactos entre o arguido e o aludido Hugo, o que se deu por provado nessa parte é o que resulta da própria alegação do arguido J…, à exceção, naturalmente, e por evidente imperativo de lógica, daquilo que se refere à circunstância de haver sido o "Hugo" e o M… a "insistirem" o arguido a praticar os factos - na verdade, considerando-se provado que foi o arguido J… quem adotou a iniciativa e a resolução criminosa em causa nos autos, é lógica a conclusão de que não pode ter-se por assente que depois tenham sido o M… e o "Hugo" a "instigarem-no" à prática dos mesmos factos. Aliás, e como se disse, a testemunha M… negou tal circunstancialismo, referindo que depois de dar ao arguido o contacto do "Hugo", não mais falou com ele sobre este negócio de importação de droga, não lhe indicando sequer ter qualquer interesse no mesmo. g1) A existência dos contactos entre o arguido J… e o "Hugo", através do n° de telemóvel 91... - como o arguido J… confirmou - resultam também dos exames aos telemóveis apreendidos ao arguido, determinados em sede de audiência, e que constam de fls. 1284 e segs. dos autos - não resulta integralmente (desde logo porque tal exame, nomeadamente no que respeita ao registo de chamadas recebidas e efetuadas, apenas foi possível até determinado período temporal prévio à sua apreensão), mas verifica-se a existência de alguns desses contactos, sendo de assinalar que, ainda que neste período temporal reduzido dos exames, são mais as chamadas telefónicas efetuadas e mensagens escritas enviadas pelo arguido para o "Hugo", do que as recebidas da parte deste último. h1) Os agentes da Polícia Judiciária D…, JF…, R… e N…, aludiram às vigilâncias efetuadas aos arguidos nos dias 2 de Agosto e 3 de Setembro, no Centro Comercial Vasco da Gama e imediações - nos termos dados por provados, sendo que, aliás, o arguido J… admitiu a sua presença naqueles locais naquelas ocasiões. i1) Quanto às circunstâncias em que se deu a entrega da droga ao arguido J…, atendeu-se mais uma vez às declarações deste, sendo que pelas testemunhas agentes da Polícia Judiciária foi confirmado que a abordagem ao arguido se deu na Av. de Berlim, nas imediações do posto de abastecimento de combustíveis da BP, junto do Aeroporto de Lisboa. j1) Nesta parte fez-se fé nas declarações do arguido, nomeadamente na parte em que o mesmo referiu que, no momento em que o dito "Hugo" colocou a mala com a droga dentro do veículo, o arguido JP… se encontrava no exterior do mesmo, não tendo sido feita suficiente prova contrariando a sua versão de que este último não se terá apercebido dessa circunstância. k1) No que respeita ao que se provou quanto ao momento da abordagem e detenção dos arguidos, atendeu-se não só às declarações do arguido J..., como também dos agentes Inspetores da Polícia Judiciária que intervieram nessa operação policial, levada a cabo na Avenida de Berlim, junto ao aeroporto de Lisboa - designadamente as testemunhas D…, JF…, R…, N… e José A…. l1) Com relação em concreto aos €3.000 apreendidos no interior do veículo Seat Ibiza (ponto 38. da matéria de facto provada), o arguido J… assumiu em audiência que tal quantia lhe pertencia, destinando-a a efetuar um eventual pagamento que fosse pedido pelo "Hugo" naquele dia. m1) Evidentemente que, na sequência de tudo o que se provou anteriormente ao momento desta intervenção policial, na altura da mesma os agentes da Polícia Judiciária já tinham conhecimento de que o arguido estava na posse daquela cocaína, pelo que também se deu esse facto como assente - em conformidade, aliás, com o que naturalmente também disse o arguido. n1) E é chegados a este ponto da exposição sobre a motivação da decisão da matéria de facto provada, que se crê surgir o momento oportuno em que se impõe a seguinte referência e reflexão. o1) Como já reiteradamente se aludiu nesta exposição, é evidente que aquilo que o arguido J… (e, aliás, a defesa dos restantes arguidos) expressamente defende nos autos é à existência, não de uma mera ação encoberta, mas sim de uma verdadeira e própria ação de provocação ao crime, designadamente por parte da Polícia Judiciária por via daquele M… e do aludido `agente' "Hugo". p1) Considera-se, porém, que tal não sucedeu. q1) Defendem os arguidos (e particularmente logo em sede de contestação o arguido J…) que o que aqui se verificou foi uma situação em que a conduta do arguido J…, ao intervir nesta transação e recebimento de droga em causa no processo, de essa conduta, dizia-se, haver sido determinada pela intervenção de terceiros - nomeadamente da testemunha M… e depois do "Hugo", sempre sob orientação da Polícia Judiciária. Teriam sido estes últimos, através dos contactos mantidos com o arguido J..., a fazer surgir neste a decisão de diligenciar pela encomenda desta droga e de recebê-la, incentivando essa decisão através de uma série de "apelos" à consideração de um eventual perigo que afetava a testemunha M…, seu amigo, caso o arguido assim não decidisse e assim não procedesse. r1) Alega-se, pois, que a conduta do arguido J… terá sido determinada por aquilo que usualmente se designará por “agente provocador” - o que se traduziria em que a prova processual assim obtida o teria sido por métodos proibidos, estando, por isso, ferida de nulidade. […] * As conclusões do recurso do arguido, quanto a parte destes factos – provados (1 e 2) e não provados (13 a 23) – e fundamentação são as seguintes: 19. Entendeu o Tribunal a quo condenar o recorrente em sete anos de prisão, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes […] 20. Para tanto, deu o Tribunal a quo como provado de que o recorrente, decidiu estabelecer contactos em Lisboa, a fim de efetuar importação de produto estupefaciente, cocaína, vindo da América do Sul com destino à Europa, por via aérea. 21 Contacto esse efetuado com a testemunha M…, à data preso no Estabelecimento Prisional da Policia Judiciária. 22. Que tendo a Polida Judiciária em sede de investigação, obtido tal informação, desencadeou uma operação policial vulgarmente designada de ação de agente encoberto, visando o controlar o acesso do recorrente à droga que o mesmo viesse a importar. 23. Operação policial esta, que entendeu o Tribunal a quo dar como provado a sua validação, tendo obedecido ao regime legal previsto na Lei 101/2001, de 25/08. 24. Na formação da sua convicção, deu o Tribunal a quo relevância ao depoimento da testemunha M…, parte das declarações do recorrente em sede de audiência e julgamento, a confirmação da existência de um processo de agente encoberto, conforme ofício de fls. 1283. 25. Através do qual foi junto relato referente a tal ação policial, relato contudo e, pelos motivos exarados a despacho de fls. 1361 a 1363, não ficou junto aos autos. 26. Ainda teve em consideração a apreensão do produto estupefaciente, revistas, outras apreensões, descrições e avaliações de objetos autuadas no processo. 27. Ainda, para formar a sua convicção, o Tribunal a quo sustentou esta nas regras de experiência. 28. Ora, salvo devido respeito, o acórdão ora recorrido enferma do vício previsto no artigo 410/2c) do CPP, ou seja, erro notório na apreciação da prova. 29. A questão fundamental colocada nos presentes autos, é, comprovada a existência de uma ação encoberta, esta foi legal, ou, insere-se numa ação provocada e, como tal proibida no nosso ordenamento jurídico. 30. Entendeu o Tribunal a quo dar como provado, que esta atuação fora legal. 31. Para tanto, baseou a sua convicção exclusivamente da testemunha M…, que afirmou ter contactado o recorrente a pedido deste. 32. E que na sequência desse contacto o recorrente solicitou-lhe forma de conseguir retirar produto estupefaciente do aeroporto. 33. Contactos esses que foram sempre efetuados na cabine telefónica do Estabelecimento Prisional onde o mesmo estava preso. 34. Que na sequência desse contacto, o M… em colaboração com a Policia Judiciária, fala com o Inspetor R…, o que o mesmo, envia seus colegas com um número de telefone, do indivíduo que retiraria o produto estupefaciente, “Hugo”, para o fazer chegar ao recorrente. 35. Que após ter dado o contacto do Hugo, apesar de contraditório o seu testemunho que inicialmente disse, não mais ter tido contactos com o recorrente, mas posteriormente afirmou que sim, parte do depoimento que não foi transcrito dada a impercetibilidade da gravação da prova. 36. Que tal atuação foi ao abrigo de uma colaboração com a Policia Judiciária, no âmbito do seu processo, conforme transcrição do seu depoimento supra. 37. Foram estes os factos que levou o Tribunal a quo a dar como provado que a iniciativa da operação em apreço não partiu da testemunha M…, mas sim do recorrente. 38. E como tal, face a este facto, não houve nos presentes autos uma ação provocadora. 39 Tendo, não valorado em absoluto as declarações prestadas pelo recorrente, que desde já se refere foram, claras, objetivas, respondendo a tudo o que lhe fora perguntado sem quaisquer reservas e, numa estreita colaboração com o Tribunal a quo a fim de alcançar a verdade material dos autos. 40. Aliás, declarações essas, de tal forma credíveis, que colocou em crise toda a prova produzida em sede de audiência e julgamento pelas testemunhas de acusação, Inspetores da Policia Judiciária, que levou o Tribunal a quo averiguar se tinha ou não havido ação encoberta. 41. Assim, afirmou o recorrente em sede das suas declarações, que fora contactado por A…, namorada da testemunha M…, solicitando o seu contacto telefónico, pois este último necessitava de falar consigo. 42. Ao que o recorrente acedeu. 43. Contacto esse, que veio a ser estabelecido pela testemunha M…, que apelando à grande amizade existente entre ambos e, alegando estar com problemas de saúde, económicos correndo sério risco de vida, precisava do auxílio do recorrente. 44 Auxilio esse, que se traduzia em arranjar alguém que quisesse enviar produto estupefaciente, pois teria um amigo de nome Hugo que trabalhava no aeroporto de Lisboa e a retirava sem qualquer problema. 45. Perante a hesitação do recorrente relativamente à prática de tal facto, quer a testemunha M…, quer posteriormente “Hugo”, insistiam com o mesmo, através de constantes contactos telefónicos para o mesmo aceder à ajuda solicitada, transmitindo uma segurança certa quanto à ausência de risco que o recorrente poderia incorrer, nomeadamente no que concerne a vigilância e atuação por parte das autoridades policiais. 46. O que, perante a insistência supra referida e, o desespero de um amigo, considerado como um irmão, o recorrente acabou por praticar os factos constantes nos autos, que levou à sua detenção. 47. Ora, salvo o devido respeito, tinha o Tribunal a quo, elementos probatórios suficientes para ter dado credibilidade às declarações do recorrente em detrimento da testemunha M… e, ter dado como provado que houvera uma ação provocadora. 48. Primeiro o facto de a testemunha M… ter colaborado com a Policia Judiciária, colaboração essa que levou à detenção do recorrente e respetivos coarguidos, a fim de beneficiar em termos de pena no Processo n° 401/07.3.JELSB que correu termos na 7ª Vara Criminal, pela prática de tráfico de estupefacientes, cujo acórdão encontra-se junto aos presentes autos. 49. Logo, nunca, tendo em conta as regras de experiencia, tal depoimento seria isento. 50. Aliás, depoimento esse que confrontado com a gravação da prova denota-se, que o mesmo tem preocupação extrema em não sair do âmbito para o qual tinha sido previamente instrumentalizado, mostrando receio, e tendo o cuidado nas palavras que usava, ser incoerente. 51. Segundo, não será credível que, sabendo o recorrente que a testemunha M…, estava presa por tráfico de estupefacientes, fosse contactar o mesmo para conseguir meios de retirar a droga do aeroporto. 52. Se não logrou para si, muito menos teria êxito para o recorrente. 53. Ao contrário de como deu provado o Tribunal a quo, afirmando tal facto irrelevante. 54. Terceiro, compulsado a listagem das chamadas e, mensagens efetuadas nos telemóveis do recorrente, verifica-se que existe um elevado e constante contacto entre este A… e “Hugo” com o mesmo. 55. Quarto, ficou provado em sede de audiência e julgamento, que o “Hugo” pertence à Policia Judiciária, conforme reconhecimento efetuado pela testemunha D… aquando da confrontação da fotografia junta aos autos pelo recorrente. 56. Quinto, apesar de inaudível parte do depoimento da testemunha M…, este confrontado com a questão pelo Sr. juiz adjunto se, caso a Policia Judiciária não tivesse fornecido os meios para retirar o produto estupefaciente do aeroporto, o mesmo os teria, a resposta foi categoricamente que não. 57. Por último de referir que, ficou provado em sede de audiência e julgamento, que o contado dado pela testemunha M…, ao recorrente do “Hugo”, foi previamente fornecido ao primeiro, por dois policias em sequência de conversa com o Inspetor da Policia Judiciária, R…. 58. Assim, face o exposto claramente andou mal o Tribunal a quo na sua interpretação dada aos elementos probatórios carreados para os autos. […] 65. Mas a não se entender desta forma, sempre se dirá que o Tribunal a quo violou claramente o principio norteador do processo penal - in dubio pro reo. 66. Pois na verdade, existindo nos autos, duas versões contraditórias dos factos em apreço, atentando que uma delas é a do ora recorrente e, a outra de uma testemunha, cuja parcialidade está adquirida nos autos, já que a mesma visou com o seu comportamento vir a beneficiar como aliás veio de uma redução de pena, e, inexistindo elementos probatórios suficientes para dar uma delas como provada, em obediência a tal princípio, sempre se entende que o Tribunal a quo deveria ter absolvido o ora recorrente da prática dos factos. […] 70. Assim, face ao exposto, deveria o Tribunal a quo ter dado como não provados os factos elencados nos pontos 1 e 2 da matéria dada como provada e, a contrario, ter dados como provados os factos elencados nos pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23 da matéria dada como não provada. * Em suma, o arguido entende que o tribunal recorrido apreciou mal a prova, por ter baseado a sua convicção exclusivamente no depoimento da testemunha M…. E isso apesar da forma como o contacto entre ela e o arguido J… se iniciou e da diferença de modos de depor da testemunha e arguido, sendo que foram as declarações deste que levaram à desocultação da ação levada a cabo pela PJ (oculta até quase ao fim da produção da prova em julgamento); para além da evidente parcialidade/falta de isenção da testemunha, que visou, através da colaboração, conseguir, como conseguiu, uma atenuação extraordinária da sua pena pelo crime de tráfico de 120 de cocaína. Pelo que, o arguido entende que está provado, sem dúvidas, que a testemunha M… e a PJ o “provocaram” à prática do crime; mas, havendo dúvidas, estas deviam levar à prova dessa provocação por força do in dubio pro reo. Posto isto: Assinale-se desde já o seguinte: a questão crucial, para o tribunal coletivo recorrido, foi saber quem é que tinha iniciado os contactos que estiveram na origem do crime em causa nestes autos: se teria sido o arguido J…, já depois de ter decidido cometer o crime, a contactar a testemunha M…, ou se, ao contrário, teria sido a testemunha M… a contactar o arguido J… para o convencer a cometer um crime [de modo a que o arguido J... viesse a ser preso pela PJ para que a testemunha M… – que tinha acabado de ser preso por estar envolvido no tráfico de 120 kg de cocaína - viesse a beneficiar de uma atenuação da pena em que viria a ser condenado, atenuação com base na colaboração com a PJ]. Ora, a fundamentação do tribunal coletivo para dar como provados os factos que têm a ver com esta questão e a dar como não provados os factos que consubstanciam a versão do arguido J..., baseia-se, apenas e tão só, no depoimento da testemunha M…. Que isto é assim pode ver-se do seguinte: as alíneas a) e b) da fundamentação dizem respeito a outros factos; a al. c) refere-se à versão do arguido, dizendo-se que a mesma foi aceite parcialmente; a al. d) faz-se uma análise preliminar e fala-se na referida divergência, no caso vista como entre a versão do arguido e os factos provados e estendida não só ao início mas também ao desenrolar dos contactos; nas als. e) e f) descreve-se a versão do arguido; na al. g) fala-se novamente nos factos provados nessa parte; na al. h) refere-se de novo a divergência, agora já limitada à questão do início dos contactos; na al. i) diz-se que se vai ver porque é que não se aceitou a versão do arguido; nas als. j) e k) diz-se como é que a ação encoberta foi-se descoberta pelo tribunal… devido à versão dos arguidos; nas als. l) a n) fala-se na ação encoberta e anuncia-se, de novo, que se analisará o porquê de o tribunal estar convencido de como os factos se passaram; na al. o) repete-se, pela 3ª vez, a divergência, limitada à questão de quem partiu a iniciativa do crime; na al. p) diz-se expressamente que o tribunal se convenceu que tal iniciativa partiu efetivamente do arguido J… essencialmente com o depoimento da testemunha M…; nas als. q) a t) descreve-se a versão da testemunha M…; nas als. u) a x) fala-se na prova da colaboração da testemunha M… e na parte final tira-se uma conclusão quanto ao desencadear da ação encoberta; na al. y) diz-se que, do que antecede, retira-se que a iniciativa partiu do arguido J… – note-se que, até aqui, não foi referida qualquer outra prova de tal iniciativa para além do depoimento da testemunha M…; na al. z) fala-se nos factos – não se está a fundamentar a prova; na al. a1) descreve-se um argumento da versão do arguido; nas als. b1) e c1) rebate-se este argumento; na al. d1) diz-se que a versão da testemunha M… é mais coerente e argumenta-se nesse sentido; na al. e1) diz-se que o arguido aceita determinados factos; na al. f1) diz-se que foi com base na versão do arguido J… que se deram como provados os contactos com o “Hugo”, exceto, logicamente, quanto à “insistência” do M… e “Hugo” para que ele praticasse os factos, o que a testemunha M… negou…; na al. g1) refere-se outra prova dos contactos do arguido J… com o “Hugo” e diz-se, a final, que foram mais os contactos do arguido J… para o “Hugo” do que os deste para aquele, mas reconhece-se que só se teve acesso a poucos dados [porque só quase no fim da produção da prova é que se tentou averiguar esses contactos e por isso não puderam ser obtidos mais dados]; as als. h1) a m1) da fundamentação dizem respeito a outros factos; na al. n1) anuncia-se uma reflexão; na al. o1) faz-se uma consideração sobre a alegação do arguido J…; na al. p1) diz-se que não procede, sem se dizer porquê; nas als. q1) e r1) volta a resumir-se a argumentação do arguido J…; a partir daí fazem-se extensas considerações doutrinárias sobre o agente provocador, não sem antes se ter novamente reproduzido – com duas ou três alterações de ordem – os factos provados - e depois aplicam-se os factos provados a estas considerações. Note-se que o que consta da al. x), que poderia parecer dizer respeito a um elemento de prova que corroboraria a versão da testemunha M… quanto à iniciativa dos factos, não tem, na lógica da argumentação do tribunal coletivo recorrido, esse fim, nem o podia ter, como se verá a seguir [pois que, pelo contrário, é um elemento de prova de que a iniciativa não partiu do arguido mas da testemunha M…… Pois que é com base nesse depoimento, nessa parte, que se pode ter a certeza de que só depois da testemunha M… ter falado com o inspetor R… e lhe ter dito que queria colaborar com a PJ e de este o ter passado a outro departamento da PJ, é que se iniciaram os factos da ação encoberta, como o próprio tribunal recorrido concluiu]. Assim, como se começou por dizer, apesar da extensão da fundamentação poder levar a pensar que não era assim, a verdade é que o tribunal recorrido, para os factos relevantes para a questão que considerou crucial – da iniciativa do crime: do arguido ou da testemunha – se baseou apenas e tão só no depoimento da testemunha M…. Pelo que se pode aceitar que a questão está corretamente colocada pelo arguido no seu recurso, tal como aliás também o dizia o acórdão recorrido: de um lado temos uma versão, a do arguido J…, e do outro lado temos outra versão, a da testemunha M…. O tribunal recorrido escolheu a da testemunha M… e o arguido J… entende que o tribunal recorrido não tinha razões para o fazer. Por isso, trata-se de saber se se pode acompanhar o tribunal recorrido na escolha feita. A testemunha M… é um indivíduo que tinha sido preso preventivamente por ter praticado um crime de tráfico de 120 kg de cocaína. No dia seguinte, ou dois dias depois dessa prisão (segundo contou a testemunha R… no outro processo, segundo lhe foi lido expressamente pelo juiz-presidente neste, e ela não negou), a testemunha M…, arguido nesse processo, contacta com o Inspetor R… e diz-lhe que quer colaborar com a PJ. É só isso que lhe diz, a acreditar na versão da testemunha R… que nega ter tido qualquer outro conhecimento, da intervenção da testemunha M… neste processo 281 (ou do agente “Hugo” nessa qualidade). Quer colaborar, obviamente que, para obter uma atenuação extraordinária da pena, como de facto vem obter, num processo cujo julgamento vem a decorrer quase em simultâneo com o julgamento destes autos (o acórdão do outro processo é de 19/06/2009; o julgamento deste 281 teria início a 20/05/2009, mas acabou por só se iniciar a 16/09/2009). Neste julgamento, a testemunha conta que foi o arguido J… a estabelecer contacto com ele para lhe pedir ajuda na prática de um crime que decidiu cometer, mas reconhece ter sido ele a telefonar-lhe para o efeito, desde o EP da PJ. Ora, a simples exposição destes elementos aponta claramente para a existência de uma contradição na versão da testemunha M…. Antes ainda, diga-se que não é aceitável a coincidência de a testemunha M… ter tido a sorte de, no dia a seguir, ou dois dias a seguir, a ter sido presa por ter sido apanhada com 120 kg de droga, uma outra pessoa, em Espanha, se lembre de tentar entrar em contacto com ele, no EP da PJ (e consiga obter o contacto dele para o efeito), para lhe pedir ajuda na prática de um outro crime que esta pessoa quer cometer. As situações benéficas não caem de bandeja do céu. Mas nem sequer é necessário ir por aqui. A verdade é que, ao contrário do que a testemunha M… diz, o Inspetor R… conta que a testemunha apenas lhe disse que quer colaborar e perante isso o põe em contacto com outro departamento da PJ. Ou seja, o Sr. Inpector R… desmente a versão da testemunha M… de que, ele, M…, lhe contou o contacto com o arguido J… e que foi nessa sequência que se iniciou a ação encoberta. Ou seja: não é: 1. Início da atividade do arguido J…; => 2. Contacto do arguido J… com a testemunha M…; => 3. Contacto da testemunha M… com o Inspetor R…; => 4. Passagem para a ação da PJ; => 5. Contacto da test. M… com o arguido J… com subsequente desenrolar da atividade. Mas é: 1. Desejo da testemunha M… em colaborar manifestado ao Sr. Inspetor R…; => 2. Passagem da test. M… para outro departamento da PJ; => 3. Início da ação da PJ; => 4. Contacto da test. M… com o arguido J…; => 5. Início da atividade do arguido J…. Sendo isto assim, pode-se concluir, sem dúvida, que a versão da testemunha M… não tem qualquer credibilidade, nem é minimamente coerente com outros elementos de prova. E, por outro lado, não tem quaisquer elementos de prova que a corroborem. E, assim sendo, o tribunal recorrido não lhe devia ter dado qualquer valor. Aliás, por muito menos do que isto, sempre se deveria ter logo recusado qualquer valor probatório ao depoimento desta testemunha – testemunha que, já agora lembre-se, nem sequer tinha sido arrolada pela acusação, mas que acaba por ser, no acórdão recorrido, o elemento de prova que salva o processo. É que a situação da testemunha – mesmo sem ter em conta a contradição descoberta – já era, em termos materiais (embora não formais), a de um coarguido a prestar declarações contra outro, para obter a atenuação especial da pena. Ora, sempre se tem recusado valor probatório às declarações de um coarguido contra outro arguido se não forem minimamente corroboradas por nenhum elemento objetivo [e não se invoque, repete-se, a questão de formalmente esta testemunha não ser um arguido, já que de facto ela era-o noutro processo, e o fim de beneficiar da colaboração tem a ver com essa qualidade de arguido, para além de que à testemunha se impunha convencer o tribunal de que não era um instigador do crime, sob pena de poder vir a ser considerado coautor do crime do arguido J...…]. É o que lembram os acórdãos do STJ [relatados por Armando Leandro, de 31/10/2001 (01P2630) e de 12/2/2003 (02P4524) ambos no sítio do STJ/ITJI) (pondo o assento tónico na apreciação do valor probatório das declarações tendo o cuidado de procurar toda a "corroboração" possível]; Teresa Beleza, em estudo publicado na Rev. do MP, nº 74, pág 58 (recusando a possibilidade da suficiência de apenas as declarações de um coarguido para a condenação de outro); António Alberto Medina de Seiça, na sua tese de mestrado, O conhecimento probatório do coarguido, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade, Coimbra, Studia Juridica, 1999, págs. 205 e 228, por exemplo: “o conhecimento probatório do coarguido só deverá servir de fundamento à decisão final a tomar em relação ao outro, caso esteja corroborado”; no acórdão do STJ (referido no ac. do TC 622/2006) cita-se um parecer de Figueiredo Dias (junto ao Proc. n.º 967/06) em que se defende: As declarações desfavoráveis aos demais coarguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova. E diz-se ainda: como nos dá conta Figueiredo Dias ainda naquele parecer, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do coarguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar ‘a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem diretamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta’. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente. Significa que as declarações do coarguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe ‘alguma prova adicional a tornar provável que a história do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações’. Ou, noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos coarguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante. Exige-se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que ‘fale’ no mesmo sentido, em abono daquele facto’; O acórdão do TRL de 26/04/2007, publicado sob o nº. 3318/07-9, lembra: que ainda que o art. 344/3 do CPP não preveja qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido, tem-se vindo a entender que as declarações do coarguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações; Bem como o acórdão do STJ de 12/06/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº. 08P1151: A prova por declarações de coarguido, não sendo uma prova proibida no sentido do art. 126 do CPP, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação; Germano arques da Silva, na pág. 209 da nova edição (de Abril de 2008) do seu Curso de Processo Penal, da Verbo, Vol. II, depois de citar a posição de Teresa Beleza, referida acima, acrescenta: O Código Italiano dispõe a propósito do valor probatório das declarações dos coarguidos (co-imputado no mesmo crime ou em processo conexo) que as declarações prestadas pelo coarguido são valoradas juntamente com os outros elementos de prova que lhe confirmem a atendibilidade. Ou seja, exige-se que por via de outras provas se obtenha a credibilidade das declarações do coarguido. Parece-nos que deve ser essa também a orientação do sistema português. Isto sem se ir tão longe como Rodrigo Santiago, nas suas Reflexões sobre as declarações do arguido como meio de prova no Código de Processo Penal de 1987, estudo publicado na RPCC 4 (1994) pág. 27 e ss: "as declarações prestadas...por um ou mais coarguidos... não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros"... No acórdão do TRC, de 13/3/2002, publicado na CJ.2002.II.45, no sumário afasta-se expressamente a tese da necessidade de corroboração. Mas este mesmo acórdão diz que “igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objetivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação”. E cita Carlos Clement Durant: “porém, pelo seu próprio peso específico, já que as possibilidades defensivas do incriminado são reduzidas, importa um juízo crítico rigoroso sobre o valor de tal imputação e que permita concluir que a incriminação que a mesma contém não corresponde a um interesse espúrio. Compreende-se, assim, a importância que se atribui ao facto de tais manifestações incriminatórias estarem acompanhadas de algum dado ou elemento de caráter objetivo que lhes dê credibilidade e devam ser uniformes e reiteradas, evidenciando a credibilidade do acusado que as realiza”. E este acórdão acaba sem que, no caso, se chegue a saber se houve ou não corroboração, mas parece que sim, como decorre da expressão também usada na seguinte frase: “no caso vertente a convicção dos julgadores formou-se de forma livre tendo também por fundamento o depoimento de um coarguido”. Aliás, o acórdão tem um voto de um dos Srs. juízes desembargadores, que diz ter apenas votado a decisão. E a questão acaba por não ser conhecida no Tribunal Constitucional no único acórdão que a teria por objeto (até recentemente) - acórdão 135/02, proferido a 3/4/2002, no Proc. nº 17/02, a 3/4/2002, sendo relator o Cons. Sousa e Brito, - porque, diz-se, seguindo a posição do MP, que perante a linha argumentativa utilizada na decisão recorrida, "é evidente que não foi feita pelo acórdão recorrido a interpretação, pretensamente inconstitucional, que o recorrente refere na sua alegação perante o Tribunal Constitucional, já que o critério normativo acolhido em tal acórdão não implicou, nem o reconhecimento de que as declarações do coarguido não devem merecer especiais cautelas na sua livre valoração pelo coletivo, nem que – no caso dos autos – não tenha ocorrido «suficiente corroboração por outros meios de prova válidos»". O mesmo acontece no acórdão do TC nº. 622/2006 (os acórdãos do TC estão todos publicados no sítio do TC na internet), de 16/11/2006, rejeita uma reclamação para a conferência, por entender que o ac. recorrido do STJ expressamente aderiu ao critério segundo o qual o depoimento de coarguido só pode constituir suporte da condenação de outro coarguido desde que corroborado objetivamente. Num acórdão do STJ relatado por Carmona da Mota, na parte em que se faz o resumo da posição tomada pelo MP nesse processo: 03P2293, JSTJ000) refere-se uma tese de doutoramento - El co/imputado, de Maria Paula Diáz Pita, Valencia, Tirant, 2000 - na qual, esclarecendo embora que é conveniente corroborar as declarações do coarguido através de outros meios de prova, se defende que as mesmas podem, dentro de certos limites e com algumas reservas, ser suficientes. Para o efeito, elenca-se uma série de critérios intrínsecos tais como a personalidade do delator, as relações anteriormente mantidas com o visado, a existência de fins espúrios, o ânimo de auto-exculpacão ou a reiteração de versão inculpatória, capazes de convencer o julgador da credibilidade daquelas declarações. Ora, no caso, a testemunha M... tem graves razões para não ser isenta. É, no entanto, algo diferente a forma como as coisas são postas no acórdão do STJ de 12/03/2008, publicado naquela base de dados sob o nº. 08P694 - mas note-se que foi tendo em atenção este acórdão que acima se formulou o argumento -: II - As declarações de coarguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125 do CPP, podem e devem ser valoradas no processo. III - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada. IV - Por isso, dizer em abstrato e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei. […]. VIII - É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do coarguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados. IX - Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objetivas, é razoável que o coarguido transmita algum dado externo que corrobore objetivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objetivada e superadora de um eventual défice de credibilidade inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstratos, uma exigência adicional ao depoimento do coarguido quando este incrimine os restantes, antes de uma questão de fiabilidade. X - A credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão direta da ausência de motivos de incredibilidade subjetiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação. Em suma, e tendo em conta a tese menos restritiva de todos os acórdãos citados acima, que é a do último acabado de referir, dir-se-á, parafraseando-o, que estando a credibilidade de um depoimento incriminatório na razão direta da ausência de motivos de incredibilidade subjetiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação, no caso deste PCC 281 nenhum crédito devia ter merecido o depoimento da testemunha M… naquilo que disse de contrário à versão do arguido J…, pois que a testemunha M… tinha razões graves para tentar convencer que a iniciativa do crime não tinha partido de si. Ou seja, tinha razões para tentar convencer do contrário do que tinha sido dito pelo arguido J…. Não se estava também a incriminar, mas antes a desresponsabilizar-se. * Posto isto, e como já se viu que os elementos de prova apontam inequivocamente para a sequência relatada pelo arguido J… - 1. Desejo da testemunha M… em colaborar manifestado ao Sr. Inspetor R…; => 2. Passagem da testemunha M… para outro departamento da PJ; => 3. Início da ação da PJ; => 4. Contacto da testemunha M… com o arguido J…; => 5. Início da atividade do arguido J… – conclui-se que para além de se terem que afastar, por não provados, os dois primeiros pontos dos factos provados, é de dar como provados o essencial dos factos dados como não provados de 13 a 23 (com exceção dos sob 21 e 23 por o arguido nada ter dito sobre isso nas conclusões do recurso completadas pelas motivações), ao menos com base no princípio do in dubio pro reo, visto que a versão dada pelo arguido J… não está contraditada validamente e até está indiciada como verdadeira por outros elementos (já referidos, principalmente aquilo que consta da al. x) da fundamentação do acórdão recorrido, lido nos termos já referidos). * Já esclarecido o sentido daquilo que vai ser decidido e as razões para ser assim decidido, há, a título meramente adjuvante, uma série de outras considerações que apontam para que, no caso dos autos, não houve, de facto, uma investigação de um crime que estaria decidido pelo arguido J... e que, por isso, apontam ainda para a confirmação da versão deste arguido: Ouvidos os depoimentos das testemunhas da PJ, D…, JF… e R…, na sessão de 28/09/2009, deles resulta a sugestão de que a “investigação” se inicia e se faz com base em informações dadas por telefone e por faxes da DEA americana em Espanha. Ora, da prova produzida e atentos os factos provados devido à desocultação da ação encoberta pelo tribunal coletivo – já depois de terem sido inquiridas toda as testemunhas (note-se que, segundo o despacho proferido pelo juiz-presidente a 16/10/2009, fls. 1247, estava o julgamento quase no fim, ainda se refere que o Inspetor-chefe da PJ J… B… negou a existência de tal procedimento [ação encoberta]; note-se ainda que nesse despacho também se refere que “não pode deixar de se assinalar que resulta evidente e claro […] que diligências terão eventualmente sido levadas a cabo nessa fase [de inquérito] que não encontram, todavia, suporte em pertinentes e adequadas informações expressas no processo. Acresce que, quanto ao próprio resultado de tais diligências, não são também os testemunhos [dos inspetores da PJ] integralmente coincidentes”) -, resulta que não foi assim, que as informações em causa foram antes obtidas por esta ação encoberta, levada a cabo pela PJ em resultado da atuação da testemunha M… e do agente “Hugo”. Quer isto dizer, pelo menos, que os elementos de prova que estão nos autos e que foram levados a julgamento, não correspondem, minimamente, à investigação feita no inquérito respetivo. E que, por isso, durante o julgamento, aquilo que esteve a ser servido ao tribunal como prova dos factos foi, em grande parte, correspondente a algo que não se tinha passado realmente. Estamos, pois, perante uma situação que tem aquilo que se tem dito ser inerente as todas as ações encobertas – alguma deslealdade (nos termos do ac. do TC 578/98: "tem que reconhecer-se que o recurso a uma tal técnica de investigação representa sempre o emprego de alguma deslealdade. E isso leva certa doutrina a apodar de imoral e desonesto o comportamento das instâncias da justiça criminal que lançam mão desse método oculto de investigação, sublinhando que ele é capaz de pôr em causa a dignidade, a cultura jurídica e a legitimação do processo penal"). E se, por isto, o tribunal se viu colocado perante, em parte, uma encenação, esta encenação não pode deixar de inquinar toda a prova produzida contra os arguidos, com os inevitáveis reflexos no julgamento destes. Neste contexto, aliás, compreende-se muito facilmente a absolvição de 4 dos cinco arguidos. Exemplos, apenas exemplos, disto tudo são [com remessa para o que foi dito durante a inquirição daqueles três Inspetores da PJ no dia 28/09/20009]: i) referir-se que se obtiveram as informações por telefonema da DEA, que seriam confirmadas por faxe, mas depois dizer-se que não se sabe quem atendeu o telefonema, para se acabar por dizer que afinal foi o próprio que atendeu um telefonema e que lhe falaram em espanhol (e depois diz-se que não se sabe quem foi que telefonou e argumenta-se no sentido de que nem valeria a pena perguntar o nome, porque de certeza que se receberia uma informação que não corresponderia à verdade); ii) invocarem-se faxes da DEA confirmativos daquelas informações (embora não de todas…) e depois descobrir-se que os faxes não vêm assinados nem com o remetente identificado (um deles vem da PJ do Aeroporto, o outro não se sabe), para além de um deles só ser enviado 3 dias depois por suposta avaria da máquina…, e para além de que apenas referem o “recebimento de informações” (assim, sem mais nada), que, assim sendo, não passam de informações anónimas (e transmitindo crenças – “creemos” - e não indícios); iii) referirem-se telefonemas feitas para um telemóvel de um suspeito, para investigação deste, e depois invocarem-se resultados contraditórios: um elemento diz que o telefonema foi para um telemóvel desativado, afirmação que logo a seguir corrige dizendo que afinal não estava desativado; outro diz que o telemóvel deu sinal de estar impedido mas escreveu que foi para um voice mail; iv) dizer-se que se fizeram estas investigações e se cotaram as mesmas no processo, e afinal não constar qualquer cota nesse sentido; v) não haver qualquer prova de qualquer investigação minimamente consistente em relação ao indivíduo que consegue tirar do aeroporto 10 kg de cocaína e entregá-la ao arguido J… sem que a equipa da PJ veja tal entrega – se estes elementos da PJ não sabiam da ação encoberta, não se entende, minimamente, que tal tenha acontecido; aliás, já no dia 02/08/2008 estão cinco Inspetores da PJ a fazer a vigilância aos arguidos, num local onde mais tarde fazem uma reportagem fotográfica com inúmeras fotografias focando os arguidos nos mais diversos locais, veem o arguido J... a falar com aquele que se sabe agora ser o agente “Hugo” e não lhe conseguem tirar qualquer fotografia e durante o julgamento diz-se que o CD de onde retiraram outras fotografias da ocasião já terá sido destruído…; vi) o Inspetor R… ainda “esclarece” que teve “conversas informais” com o arguido J… e que algumas dessas conversas fez constar do processo e que não fez constar outras porque este arguido não quis que ficassem a constar do processo…, o que é surpreendente a diversos títulos: quer o haver “conversas informais” que constam do processo quer o facto de o constarem ou não do processo depender do querer de um arguido… quer, por último, pela figura de conversas informais que não existe no CPP. Note-se ainda que aqueles Inspetores da PJ dizem que foi por suspeita de que os arguidos já estariam na posse da droga que abordaram o veículo onde estes se faziam transportar e falam nesta suspeita porque dizem que não viram o “Hugo” a entregar a droga (apesar de estarem a vigiar os arguidos… e da entrega ter ocorrido na bomba da BP já suficientemente referenciada); mas, como é evidente, o tribunal recorrido não acreditou nisto e por isso dá como provado o contrário, como se vê dos pontos 29, 30 e 33 dos factos provados, dizendo depois expressamente, na fundamentação [em m1)]: Evidentemente que, na sequência de tudo o que se provou anteriormente ao momento desta intervenção policial, na altura da mesma os agentes da Polícia Judiciária já tinham conhecimento de que o arguido estava na posse daquela cocaína, pelo que também se deu esse facto como assente - em conformidade, aliás, com o que naturalmente também disse o arguido. Ora, se tudo isto é assim, se toda a prova produzida tem de ser lida tendo em conta que muito do que se passou foi encoberto, escondido [ainda a 15/10/2009, dizia o MP que “se analisarmos o processo da 1ª à última linha, não encontramos qualquer alusão, por mínima que seja, a uma eventual atuação policial encoberta no âmbito dos presentes autos” – fls. 1239 (o que aliás, não é inteiramente exato, pois que o arguido J… no decurso da instrução já tinha sugerido a existência da mesma, mesmo na forma de ação provocatória)], e que o que foi produzido não corresponde à realidade – só com grande dificuldade (devido aos obstáculos existentes) tendo o tribunal recorrido chegado à descoberta de parte da mesma, o que inclui a necessidade de desocultação da ação encoberta -, nesse sentido não podendo deixar de se entender que se esteve perante uma encenação, então mais razões existem para que se dê credibilidade acrescida à versão do arguido [como o tribunal recorrido faz por várias vezes, uma delas sendo a que se acabou de ver no parágrafo anterior]. Por último, o tribunal recorrido assinala em g1) da sua fundamentação que dos exames aos telemóveis apreendidos ao arguido, não resulta integralmente que […]. Ora, se não resulta, isso deve-se, como também aí se diz, “desde logo porque tal exame, nomeadamente no que respeita ao registo de chamadas recebidas e efetuadas, apenas foi possível até determinado período temporal prévio à sua apreensão”. Ora, essa falta de elementos probatórios decorre do facto de só terem sido pedidos muito depois de os factos terem ocorrido, por só quase no fim do julgamento se ter desocultado a ação encoberta. Por isso, essa falta não pode prejudicar o arguido, que a ela não deu causa, mas antes à atividade da instrução do processo. E, por isso, na dúvida, sempre se terá de decidir a favor da versão do arguido. Como última nota adjuvante da posição assumida, note-se ainda que a testemunha M… foi detida a 24/03/2008 (segundo resulta do acórdão proferido no outro processo) e o Sr. Inspetor R… disse no julgamento desse outro processo [mas foi confrontado neste com o aí declarado] que ele falou em colaborar 1 ou 2 dias depois de ser detido, tendo-o então encaminhado para outro departamento da PJ. Ora, neste acórdão, no ponto 1 dos factos provados diz-se que o arguido J… iniciou os contactos em Maio de 2008. Ou seja, quando o arguido J… teria iniciado esses contactos, já há mais de 1 mês (pelo menos) que a testemunha M… tinha sido enquadrada pela PJ para colaboração (e a testemunha M… disse que a colaboração só se referia a este processo). Não tem o mais pequeno sentido, assim, pretender-se que foi o contacto do arguido J… com a testemunha M… que deu origem à colaboração deste com a PJ para este caso. Um facto não pode ser causa de um efeito anterior… * Em suma, consideram-se agora não provados os factos dos pontos 1 e 2 dos factos dados como provados pelo tribunal recorrido e consideram-se como provados os factos sob 13 a 20 e 22 dos pontos de facto dados como não provados pelo mesmo tribunal, pelo que, na parte que interessa, os factos têm a seguinte sequência, introduzindo-se um outro relativo à ação encoberta levada a cabo pela PJ, que resulta da conjugação do anterior ponto 2 dos factos com aquilo que entretanto aqui se concluiu ter acontecido: 1. Em 24/03/2008, M… foi detido pela PJ por estar implicado no tráfico de 120 kg de cocaína. No dia a seguir a essa detenção, ou dois dias depois, M... disse ao Inspetor da PJ R… que queria colaborar com a PJ, o que queria fazer com o fim de beneficiar de uma atenuação especial da pena. Aquele Inspetor da PJ pôs M… em contacto com outro departamento da PJ e a partir daí M… passou a desenvolver, sob o controlo da PJ, no âmbito de uma ação encoberta, os atos que se seguem: (13) Em Maio de 2008, o arguido J… foi contactado por A…, companheira de M… que à data se encontrava detido no Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária, tendo-o ela informado que este último precisava de falar consigo. (14) A partir dessa altura o arguido começou a receber chamadas telefónicas do M…. no seu telemóvel, dizendo-lhe que estava com sérios problemas e que necessitava da sua ajuda - contactos feitos primeiro por um telefone identificável, passando mais tarde a ser anónimo. (15) Na sequência de um desses telefonemas efetuados ao arguido, M…, reiterando que estava com graves dificuldades económicas e que corria sério risco de vida se não os resolvesse, apelou mais uma vez à amizade existente entre ambos, pedindo-lhe para conseguir alguém para fornecer produto estupefaciente. (16) O arguido, perante tal pedido, hesitou e comunicou ao M… que não se queria envolver nessa situação, (17) M… continuou a telefonar para o arguido insistindo para este o ajudar, alegando os motivos referidos. Perante tal situação, e por M… o haver ajudado em momentos difíceis da sua vida, o arguido acabou por lhe dizer que ia falar com algumas pessoas para ver se conseguia alguém que lhe fornecesse produto estupefaciente. (3) [Então,] o M… disse ao arguido que conhecia uma pessoa, de nome "Hugo", que trabalhava no aeroporto de Lisboa e que podia retirar a mercadoria vinda por via aérea, no seguimento do que foram estabelecidos vários contactos telefónicos entre o arguido J… e o citado “Hugo” que era um agente da PJ que adotou nesses contactos, no âmbito da ação encoberta, o nome de "Hugo" e utilizou o telemóvel com o n° 91.... (18) Foi o "Hugo" quem inicialmente contactou o arguido J…, e nos contactos entre ambos o "Hugo" disse ao arguido que o M… estava a passar por graves problemas económicos, correndo risco de vida se não os resolvesse quanto antes, e que para além disso estava gravemente doente, necessitando da sua ajuda. (19) Quer o M…, quer o "Hugo", continuaram a insistir com o arguido para que agisse rapidamente se não queria que algo de mal acontecesse ao primeiro. (20) Perante tal insistência o arguido estabeleceu contactos em e desde Espanha para terceiros lhe fornecerem cocaína. (22/4) O arguido manifestou ao "Hugo" que estava com medo de se envolver em tal situação e perante isso o "Hugo" disse-lhe que não havia qualquer risco e que poderia retirar do aeroporto de Lisboa, onde trabalhava, a quantidade de 5, 10, 15 ou 20 kg de produto estupefaciente. A partir daqui, os factos continuam como em 5 e seguinte dos pontos de factos dados como provados pelo acórdão recorrido e por isso não se reproduzem de novo. * Perante estes factos, coloca-se agora a questão de quais as consequências a tirar dos factos dados como provados. Entende o arguido, nas suas conclusões: 59. D[os elementos probatórios carreados para os autos], infere-se sem margem de dúvidas que houve nos presentes autos uma provocação ao crime, uma vez que foi o recorrente instigado, induzido à prática dos factos em apreço, sendo proporcionado a este os meios que de outra forma não disporia e, como tal não os praticaria. 60. Na verdade houve claramente uma precipitação do crime. 61. Provocação essa, que violou os princípios democrático e da lealdade processuais, cuja violação, a lei jamais poderia admitir, em obediência ao estado de direito democrático português, baseado na dignidade da pessoa humana, no respeito e garantia da efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, vide arts 1 e 2 da CRP. 62. Ora a atuação do agente provocador, não pode deixar de ser considerada ilícita e, por isso, desde logo a consequência daí extraída é a não admissibilidade da prova obtida, nos termos do artigo 125 do CPP. 63. Acresce, que as provas obtidas por este meio, são ainda recondutíveis aos métodos proibidos de prova, face ao disposto no art. 126/2a) do CPP - utilização de meios enganosos, sendo por isso nulas, não podendo ser utilizadas, vide art. 32 da CRP. 64. E em consequência, ser declarado nulo todo o processado, absolvendo o recorrente da prática dos factos O tribunal recorrido, pelo contrário, entendeu, face aos factos por ele dados como provados, que: […] a questão aqui deve passar pela tentativa de determinar exatamente até que ponto a vontade e deliberação criminosa do arguido, no que ao crime de tráfico de estupefacientes respeita, se mostra determinada apenas e só pela atuação policial. E isso só pode resolver-se por recurso aos factos que se têm por provados, e que atrás se recordaram. Ora, o que dos mesmos resulta é que, ao contrário do alegado pelo arguido J…, foi este quem tomou a iniciativa de contactar a testemunha M…, por pretender introduzir em Portugal determinado produto estupefaciente, sendo exatamente esse o motivo porque pretendeu estabelecer tal contacto: o arguido pretendia saber se o M… conhecia algum meio que permitisse em segurança ao arguido receber essa droga que ele, arguido, pretendia e iria trazer desde a América do Sul. E que foi perante esse contacto, e depois do mesmo, que o M… contactou a Polícia Judiciária, informando o que se passava, sendo então montada uma operação policial onde veio já a intervir o aludido "Hugo", sob orientação daquela polícia, assinalando-se que já depois de estar já em contacto com o "Hugo", foi o arguido J… quem tratou de todos os aspetos relacionados com a importação da droga em causa, sendo a intervenção do mesmo "Hugo" a de referir ao arguido que lhe possibilitaria um meio de retirada da droga do aeroporto. Ou seja, foi perante uma pessoa que se apresentou como ligado ao negócio de tráfico de drogas, dizendo que iria introduzir droga na Europa através de Portugal, que a autoridade policial resolveu atuar da forma que se descreveu acima. Perante este conjunto de circunstâncias, poderá considerar-se que o processo de formação da vontade do arguido J… no que respeita à prática de atos de tráfico de estupefacientes foi em absoluto condicionado e exclusivamente determinado pela atuação de M…, do dito "Hugo" e da Polícia Judiciária? Não se crê que assim deva considerar-se. Perante os factos dados por assentes, antes se deve entender que o arguido J… era pessoa com plena capacidade de avaliação e determinação para a prática de atos ilícitos como os dos autos, e que, mais, se mostrava claramente predisposta a praticá-los, fosse com intervenção e a ajuda do M… e do "Hugo", ou de outra forma que viesse a julgar oportuna e adequada. Como se escreveu no Acórdão do STJ de 15/01/1997 (in BMJ 463, pág. 226), "tem de distinguir-se entre o provocar uma ocasião para descobrir um crime, que já existe, da em que se suscita uma intenção criminosa que ainda não existia, como sucede quando, não havendo qualquer elemento que referenciasse o arguido a anteriores actividades de tráfico, é a atividade policial que o impele enganosamente uma atividade pontual e desgarrada". No caso dos presentes autos, o arguido J… apresentou-se claramente como uma pessoa com prévio intuito e decisão de diligenciar (circunstância confirmada, aliás, pelo seu modo de atuação) pela concretização de um transporte de droga desde a América do Sul para Portugal, configurando a atuação da testemunha M… e do "Hugo", ainda que em colaboração com a polícia, como que o mero proporcionar de meios logísticos que permitiriam - como permitiram - a descoberta de uma atividade ilícita a que o agente previamente se apresentava livremente disposto. A atuação aqui em causa ter-se-á limitado a revelar uma já subsistente propensão para o cometimento do crime em causa. Assim, não se tem aqui por verificada a apontada deficiência ou vício processual de nulidade das provas, afigurando-se terem sido cumpridos, nesta parte, todos os requisitos e exigências legalmente previstas. Ora, perante a inversão de sentido operada com a decisão tomada neste acórdão do TRL, a conclusão contrária quase se impõe por si só, sem necessidade de outros considerandos. É que, agora, o que decorre dos factos provados, em termos sintéticos, é que a testemunha M…, agindo no âmbito de uma ação encoberta organizada pela PJ, sob controlo desta, convenceu, dolosamente, o arguido J…, seu amigo de há muitos anos, a cometer um crime de tráfico, fazendo-lhe crer que teria os contactos necessários (um agente da PJ, atuando sob identidade falsa, supostamente a trabalhar no aeroporto de Lisboa) para facilmente e sem perigo passar uma grande quantidade de cocaína através do aeroporto de Lisboa, e que o fez com o fim de vir a beneficiar de uma atenuação especial da pena por ter colaborado com a PJ, como de facto veio a beneficiar. E tudo isto passou-se assim, sem que haja qualquer notícia de uma predisposição anterior, minimamente atual, do arguido J…, para cometer o crime em causa. Diz-se minimamente atual, pois que no facto 47e) fala-se na detenção do arguido J..., por factos relacionados com o tráfico de droga, nos EUA, aparentemente há mais de 10 anos, facto revelado por ele próprio, sem qualquer outra prova nestes autos; mas tal facto não pode ser aproveitado para se fazer qualquer construção sobre uma eventual tendência do arguido J… para a prática deste crime, tanto mais que aquela detenção não quer dizer necessariamente condenação e os factos em causa são imprecisos, nem sequer se sabendo a respetiva data. São assim aplicáveis as considerações tecidas pelo acórdão recorrido quanto à questão jurídica, embora conduzindo em sentido diretamente contrário ao que nele se chegou: “A questão que se coloca é saber se esta atuação policial consubstanciou um método proibido de obter prova nos autos. A questão do "agente provocador" como método proibido de prova tem vindo a ser progressivamente debatida desde logo na doutrina. No que ao nosso país diz respeito, podem ver-se com grande interesse Manuel da Costa Andrade, ‘Sobre as proibições de prova em Processo Penal’ (Coimbra Editora) e Manuel Augusto Meireis, ‘O regime das provas obtidas pelo agente provocador em Processo Penal’ (Almedina). Ambos os autores se mostram, por princípio, contrários à admissibilidade das provas obtidas mediante a intervenção do chamado ‘agente provocador’, distinguindo-a da atuação de outras figuras próximas como é o caso do ‘agente infiltrado’ ou do ‘agente encoberto’ como graus mais ‘atenuados’ de intervenção policial na obtenção de meios de prova contra os agentes de crimes, e já permitidos em certas condições. Muito em resumo, concluem estes autores que está em causa na atuação do ‘agente provocador’ a salvaguarda de direitos fundamentais da pessoa humana, imperativo que se impõe também no âmbito da situação processual de qualquer arguido, aqui na vertente de que qualquer prova obtida contra o mesmo deve sê-lo com base numa atuação voluntária plenamente livre e esclarecida, algo que é ferido ‘de morte’ com a ‘provocação ao crime’. Assim, as provas obtidas pelo ‘agente provocador’ em Processo Penal devem considerar-se nulas de acordo com a exigência constitucional do art. 32/8 da CRP, corroborada pelo art. 126 do CPP, visto que tais provas são obtidas através de meios enganosos, pois a declaração ou a atuação resultantes da provocação não serão já a exteriorização de uma vontade esclarecida e ponderada, mas sim a consequência do engano ardiloso em que o agente é induzido. No que respeita às ações de agente encoberto, e em termos de lei ordinária, a Lei 101/2001, de 25/08, veio revogar expressamente os arts. 59 e 59-A do Dec.-Lei 15/93, de 22/01, estabelecendo o Regime Jurídico das Ações Encobertas para Fins de Prevenção e Repressão Criminal, definindo-se no art. 1/2 desse diploma que se consideram ações encobertas ‘aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro atuando sob o controlo da Polícia Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados neste diploma, com ocultação da sua qualidade ou identidade’ - sendo que entre os crimes elencados está, exatamente, o de tráfico de estupefacientes, cfr. art. 2/j) da Lei 101/2001. É, pois, na ponderação do respeito pela linha divisória entre a existência ou não, por parte do agente que atua sob orientação e direção da autoridade policial, de uma provocação ao crime, que estará a decisão sobre a validade processual penal da intervenção daquele. Da análise que se faz desta questão, o que se descortina a cada passo é que na mesma se faz sentir com enorme veemência a existência de um conflito de valores entre o dever de administração da justiça e da correspondente investigação criminal no sentido de que se exige sempre a descoberta da verdade material dos factos capazes de fazer perigar a ‘sociedade livre, justa e solidária’ prevista no art. 1/1 da CRP, dever que é também constitucionalmente atribuído aos tribunais (cfr. art. 202/1 da CRP), e que surge cada vez mais dificultado em casos de criminalidade progressivamente mais perigosa, violenta e/ou organizada, por um lado, e o assegurar de um conjunto de direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, mesmo os criminosos, e que se reconduzem à essencialidade do respeito pela dignidade da pessoa humana, que obtém a consagração atrás indicada de serem proibidos todos os meios de prova obtidos em desses direitos fundamentais. Como escreve Manuel Meireis (ob. citada, pág. 169), ‘há um conjunto de direitos constitucionalmente consagrados e um interesse constitucionalmente protegido mas por uma questão de impossibilidade prática, é impossível o exercício absoluto e simultâneo dos dois’. É, pois, no difícil equilíbrio entre estes valores que aqui surgem conflituantes que deverá procurar-se a resposta à questão concreta colocada pelos arguidos. E é para esse equilíbrio que procura contribuir o art. 126 do CPP, sendo, pois também pela análise do mesmo que a mesma resposta deverá passar. Tudo se resume, afinal, mais do que a uma questão de nomen iuris ou designação concreta da atuação policial aqui em questão, de saber antes se a mesma atuação configura um método de prova proibido nos termos e para os efeitos do art. 126 do CPP. Ou seja, mais do que saber se a supra descrita atuação da testemunha M... e do agente "Hugo", em colaboração e sob orientação da autoridade policial, pode chamar-se de ‘provocação ao crime’, importa apreciar se a essa atuação salvaguardou satisfatoriamente todos os valores jurídicos aqui implicados em ‘co-habitação’, como vimos, pouco pacífica. Dispõe o art. 126 do CPP, sob a epígrafe Métodos proibidos de prova, e no seu n°1, que ‘são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas’. E depois, procurando concretizar esta previsão genérica, prevê o n°2 os casos em que os métodos de obtenção das provas –‘mesmo que com consentimento’ dos agentes dos factos – ‘devem considerar-se ofensivos da integridade física ou moral das pessoas’. Prevê ainda o n°3 que, ‘ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular’. Desde logo cumprirá afastar, por não se afigurarem de modo algum relevantes para a decisão, as possibilidades previstas no n° 3 agora transcrito e também, com relação às possibilidades previstas no n° 2, aquelas das na alínea b), ‘perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação’, na al. c), ‘utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei’, na al. d), ‘ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legal-mente previsto’, e na al. e), ‘promessa de vantagem legalmente inadmissível’. A atuação investigatória aqui em crise não poderá, julga-se, de forma alguma configurar o preenchimento de qualquer destas hipóteses fáticas. Poderá estar em causa sim, e é isso que vem alegado, o disposto na alínea a) do art. 126/2 do CPP, que prevê como sendo nulas as provas obtidas mediante ‘perturbação da liberdade de decisão através de utilização de meios enganosos’ - não está também em causa uma perturbação dessa liberdade de decisão através de utilização de ‘maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose’ ou por meios ‘cruéis’. Já se procurou enunciar acima quais os objetivos e valores que se visam proteger com esta previsão normativa. Retomando para o que aqui agora importa concretamente considerar, dir-se-á que o que aqui se visa evitar são as manifestações não livres de vontade na prática do ilícito que se visa investigar e punir. Serão proibidos todos os meios de obtenção de prova que assentem numa perturbação inadmissível da vontade do agente, de tal forma que, a não ser essa perturbação enganosa externamente induzida, nunca ele teria atuado daquele modo. A vontade criminosa do agente deve ser determinada única e exclusivamente pela intervenção enganosa de terceiro. No caso da ‘provocação ao crime’, há um convencimento à prática do crime, que por isso será proibido na medida em que faça surgir do nada a propensão daquele agente à prática daquele ilícito, em termos que configurariam uma quase instigação. O agente do crime é levado a praticar um facto que nunca estaria na disponibilidade de praticar não fora essa provocação. Onde não havia nada, em termos de vontade ou disposição à prática de um crime, surge uma tal vontade. Tudo estará, pois, em analisar, perante cada situação concreta, qual o animus do agente, e de que forma ou até que ponto o mesmo, no que à prática criminosa diz respeito, dependeu da atuação de terceiros mediante engano ou não. No caso dos autos, o engano que aqui estaria em causa, e na alegação do arguido J…, seria o facto de o M… não ter, afinal, qualquer necessidade premente e urgente de realizar um transporte de droga, não precisando assim da intervenção do arguido, nem de conhecer, afinal ninguém que permitisse ao arguido J… introduzir qualquer droga em Portugal, e, por outro lado, de o "Hugo" não ser, afinal a pessoa que referia ser, isto é, não ser funcionário do aeroporto, numa situação que lhe permitiria receber ali (no aeroporto) essa droga, e a retirá-la dali sem qualquer risco. A vontade do arguido J… mostrar-se-ia afetada na medida em que, se soubesse que a testemunha M… e o "Hugo" não estavam de facto empenhados, interessados e colaborantes naquela importação de droga, não a teria efetuado em concreto. O arguido, por sua vez, cita nas suas motivações, para apoiar as suas conclusões, desde logo o acórdão do Tribunal Constitucional, nº. 578/98, publicado no DR, Iª Série, nº 48, de 26/02/1999, págs. 2950 e segs): “ […] é inquestionável a inadmissibilidade da prova obtida por agente provocador, pois seria imoral que, num Estado de Direito, se fosse punir aquele que um agente induziu ou instigou a delinquir. Uma tal desonestidade seria de todo incompatível com o que, num Estado de Direito, se espera que seja comportamento das autoridades e agentes da justiça penal, que deve pautar-se pelas regras gerais de ética”. […] o que verdadeiramente importa para assegurar essa legitimidade [constitucional do agente infiltrado], é que o funcionário de investigação criminal não induza ou instigue o sujeito à prática de um crime que doutro modo não praticaria ou que não tivesse já disposto a praticar, antes se limite a ganhar a sua confiança para melhor o observar, e colher informações a respeito das actividades criminosas de que ele é suspeito. E, bem assim, que a intervenção do agente infiltrado seja autorizada previamente ou posteriormente ratificada pela competente autoridade judiciária". Cita ainda a lição do Prof. Germano Marques da Silva, que se pode ver também no seu Curso de Processo Penal, II, 4ª edição, 2008, págs. 191/193: “[…] Numa conceção não democrática da sociedade pode considerar-se a provocação ao crime como método legítimo para combater a criminalidade, ao aceitar-se que há pessoas que por natureza são inaptas para o bem e para o respeito da lei e, por isso, que a provocação atua como uma espécie de laboratório para as descobrir. A apetência para o mal, para o crime, estaria de tal forma radicada na personalidade do indivíduo que a provocação seria apenas uma causa secundária da sua prática. O agente do crime, criminoso por natureza, acabaria sempre por cometê-lo, sendo apenas questão de tempo e de ocasião, pelo que a provocação apenas precipitaria a atuação criminosa. ‘A ocasião faz o ladrão’ porque a pessoa já teria tendência para o mal e aproveitaria todas as oportunidades para praticá-lo. Não assim numa conceção democrática que, admitindo a fraqueza humana, considera que a ocasião, na forma da provocação, não revela apenas apetência natural ou intrínseca para o crime, mas pode fazer vacilar aquele que, como grande maioria de nós, sendo capaz de roçar os limites do ilícito, não os ultrapassa espontaneamente, não comete o crime senão por causa da provocação. A capacidade para o bem ou para o mal está em cada um de nós como uma possibilidade que as circunstâncias estimulam – ‘a ocasião faz o herói e o ladrão’. Raros são os que merecem a veneração devida aos Santos e aos Heróis! Por isso que é de excluir liminarmente como método de investigação criminal a provocação ao crime. É que a provocação não é apenas informativa, mas formativa; não revela o crime e o criminoso, mas cria o próprio crime e o próprio criminoso. A provocação, causando o crime, é inaceitável como método de investigação criminal, uma vez que gera o seu próprio objeto. Há que ponderar que a ordem pública é mais perturbada pela violação das regras fundamentais da dignidade e da retidão da atuação judiciária, pilares fundamentais da sociedade democrática, do que pela não repressão de alguns crimes, por mais graves que sejam, pois são sempre muitos, porventura a maioria, os que não são punidos, por descobertos, sejam quais forem os métodos de investigação utilizados. Alguns autores e a jurisprudência de certos países socorrem-se também do princípio da lealdade para fundamentar a ilegitimidade do recurso aos agentes provocadores e consequente proibição da prova obtida por esse meio. […] A lealdade pretende imprimir a priori toda uma atitude de respeito pela dignidade das pessoas e da justiça e nessa perspetiva é o fundamento de proibição de prova. [Os agentes provocadores] são sempre inadmissíveis, porque agentes do próprio crime e em circunstância alguma se pode admitir que a justiça atue por meios ilícitos e que o combate à criminalidade se possa fazer por meios criminosos […]”. No comentário de Ana Rita de Melo Justo ao acórdão do STJ de 30/10/2002, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal 2006, ano 16, págs. 497 a 512, defende-se que: Se está perante um caso de agente provocador quando um particular, por sugestão da PSP, se propõe comprar uma determinada quantidade de droga a alguém conotado como fazendo parte do mundo da droga, com a intenção de proceder, de seguida, à detenção. E, por isso, consideram-se nulas as provas obtidas [arts. 126/2a) do CPP e 32/8 da CRP] e, por efeito-à-distância, também as provas subsequentes de outras transações, pois, caso contrário, proibir-se-ia a utilização de determinados métodos (o agente provocador) e valorar-se-ia aquilo que de novo trariam ao processo, incentivando-se o recurso aos métodos proibidos. Ou seja, considera-se que fica prejudicada quer a prova do flagrante delito na 1ª transação, quer das transações subsequentes. Sublinha-se que a específica intenção de cometer o crime foi formada após e na sequência da conduta provocatória e que o entender-se, no caso, que a vontade já estaria pré-formada por constar no meio uma ligação com o tráfico de drogas, equivale a pôr em causa o princípio do in dubio pro reo. Aproveitando o ac. do STJ de 15/01/1997, já referido acima, repisa que no caso não houve a formação de uma vontade livre, pois a atuação do arguido não foi decidida de acordo com uma vontade real formada conscientemente, antes por haver caído no artifício preparado, em circunstâncias de inequívoco envolvimento no crime. E sublinha-se também que seria diferente, e legítima, a situação do agente que se propõe comprar droga a um suspeito de tráfico, enquanto operação instrumental para ganhar a confiança do criminoso e, assim, poder recolher informações e provas da sua atividade criminosa, e para o vir a acusar, não pela venda que lhe fez, mas por crimes que ele mais tarde viesse a cometer. Neste acórdão do STJ já foi muito citado, de 15/01/1997 (Ribeiro Coelho), decidiu-se pela nulidade da atuação policial e dos resultados obtidos, dizendo-se que a justiça não pode ser feita à custa da moral; se o for, é uma falsa justiça. E confirmou a absolvição do arguido pelo acórdão da 1ª instância, no qual já se citava o ac. do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 16/07/1992, em que se considerou inadmissível que um agente infiltrado atue, não quando se assegurou de que sem a sua participação a conduta criminosa investigada teria lugar por forma análoga ou parecida à que com ele reveste, mas antes de forma a ser por ele próprio o motor da prática de uma atividade criminosa que sem ele não teria lugar. No caso d ac. do STJ de 15/01/1997 estava em causa a atuação de dois agentes da PSP que foram ter com um indivíduo e lhe perguntaram se tinha droga para vender; tendo ele dito que não mas que sabia onde arranjá-la, um dos agentes pediu-lhe que lhe obtivesse 1g de cocaína. O indivíduo negou-se a tal, e o agente insistiu, acabando o indivíduo para aceder, tendo ido obter a droga para o agente. Lembra o ac. do STJ que é preciso atentar que o desvio aos métodos clássicos de investigação só é consagrado no sentido de tolerar aquilo que, aparentemente, é uma colaboração com uma atividade criminosa em curso; não veio a lei tolerar que o agente investigador adotasse uma conduta de impulso ou instigação dessa atividade. E continua o acórdão: “Esta falta de espontaneidade e liberdade existe nos casos em que o arguido é induzido a atuar no pressuposto, dolosamente criado, de que o seu desígnio criminoso pode resultar conforme os seus fins; a sua atuação não foi decidida de acordo com uma vontade real formada conscientemente, antes o foi por haver caído no artifício preparado para o surpreender em circunstâncias de inequívoco envolvimento no crime. Temos aqui duas perspetivas diferentes em que são de formular juízos críticos: não só o agente do crime é levado a consumar a sua prática por erro em que foi feito cair dolosamente, como também esse logro foi levado a cabo por quem tem a missão de contribuir para que se faça justiça”. Sandra Pereira, no seu trabalho sobre A recolha de prova por agente infiltrado, publicado nos Estudos Sobre Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Penal, Almedina, 2010, diz que: “[…] o agente provocador comportar-se-á na essência, como um instigador, tendo um papel determinante na ocorrência do crime. A sua atuação, em maior ou menor medida, precipita a ocorrência do crime, pois sem a sua intervenção o mesmo não se teria verificado. Aliás, mesmo que a vontade criminosa possa já existir (algo, no mínimo, difícil de aferir), se o agente apoiar decisivamente essa vontade, fazendo com que ela se manifeste e se concretize efetivamente, então, nesse caso, estaremos perante um agente provocador” (pág. 143). E, logicamente, defende a inadmissibilidade da sua utilização e dos resultados obtidos, pois que, aquilo que discute e admite restritivamente, é a admissibilidade da utilização do agente infiltrado. No caso de TC, a Comissão EDH adotou, em 25/02/1997, um relatório, por maioria de 30 contra 1, considerando que “Portugal” tinha violado o art. 6/1 da Convenção EDH, neste caso (a decisão está publicada na revista Scientia Ivridica 265/267, págs. 183 e segs): Dois agentes da PSP, infiltrados, declararam a VS querer comprar haxixe, isto com o fim de identificar e localizar o seu fornecedor. VS aceitou mas não conseguiu encontrar haxixe. Os dois agentes da PSP então, a 30/12/1992, disseram-lhe que estavam interessados na compra de heroína. VS mencionou um nome de um fornecedor, mas como não sabia o seu endereço, tentou obtê-lo através de FO. Os dois agentes da PSP, VS e FO, fazem então uma visita a TC e os dois agentes da PSP exibem-lhe 200.000$, declarando querer comprar heroína. TC aceita fornecer a heroína e desloca-se a casa de outra pessoa e compra-lhe 20 g. De volta ao pé dos agentes, TC mostra-lhes a heroína e é então preso. A Comissão achou importante, no caso, o seguinte: não foi alegado que os agentes da PSP tenham agido no quadro de uma operação de repressão do tráfico controlado por magistrado, mas por sua própria iniciativa; num acórdão dos tribunais portugueses que recaiu sobre o caso os agentes da PSP foram qualificados como agentes provocadores; não se fez prova de um comportamento do TC, anterior à sua detenção, que pudesse levar a concluir que ele estaria disposto a cometer a infração em causa; e a condenação do TC baseou-se, no essencial, nos depoimentos dos agentes da PSP. Este conjunto de circunstâncias levou a Comissão a considerar que a atuação dos agentes da PSP esteve na origem, de maneira essencial, senão exclusiva, da prática dos factos e da condenação do TC a uma pena bastante pesada (6 anos de prisão). Fazendo-o, eles provocaram uma atividade criminosa que sem uma tal intervenção não teria, talvez, tido lugar. Na opinião da Comissão, esta situação afetou de maneira irremediável o caráter equitativo do processo. A 09/06/1998, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pronuncia-se quanto a este caso (a decisão está publicada em http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?item=8&portal=hbkm&action=html&highlight=&sessionid=54040898&skin=hudoc-en; tal como em http://www.gddc.pt/direitos-humanos/portugal-dh/acordaos/teixeiradecastro.pdf; tal como na RMP 81/155, comentado Eduardo Maia Costa a pág. 162, que não se teve a oportunidade de consultar neste momento, tal como um outro comentário de Eduardo Maia Costa ao ac. do STJ de 30/10/2002, sobre a questão dos agentes provocadores, publicado no nº. 93 da RMP), condenando o Estado Português, por 8 votos contra 1 (que não foi o juiz português), por violação do art. 6 §1 da CEDH, a pagar 10.000 contos de indemnização a TC. A decisão está assim sumariada naquele sítio: L'intervention d'agents infiltrés doit être circonscrite et entourée de garanties même lorsqu'est en cause la répression du trafic de stupéfiants – l'intérêt public ne saurait justifier l'utilisation d'éléments recueillis à la suite d’une provocation policière = A intervenção de agentes infiltrados deve ser circunscrita e rodeada de garantias mesmo quando está em causa a repressão do tráfico de estupefacientes – o interesse público não justifica a utilização de elementos recolhidos na sequência de uma provocação policial. En l'occurrence, il n'a pas été allégué que l'intervention des deux policiers se situait dans le cadre d'une opération de répression du trafic de drogue ordonnée et contrôlée par un magistrat – les autorités ne disposaient pas non plus de bonnes raisons de soupçonner que le requérant était un trafiquant – des circonstances de l'espèce, il faut déduire que les deux policiers ne se sont pas limités à examiner de manière purement passive l'activité délictueuse de l'intéressé mais ont exercé une influence décisive de nature à l'inciter à commettre l'infraction. L'activité des deux policiers a donc outrepassé celle d'un agent infiltré – leur intervention et son utilisation dans la procédure pénale litigieuse ont privé ab initio et définitivement le requérant d'un procès équitable. = No caso, não foi alegado que a intervenção dos dois polícias se situasse no quadro de uma operação de repressão do tráfico de droga ordenado e controlado por um magistrado – as autoridades também não dispunham de boas razões para suspeitar que o requerente fosse um traficante – das circunstâncias do caso, tem que se deduzir que os dois polícias não se limitaram à examinar de maneira puramente passiva a atividade delituosa do interessado, mas exerceram uma influência decisiva suscetível de induzi-lo a cometer a infração. A atividade destes dois polícias ultrapassou, portanto, a de um agente infiltrado – a intervenção deles e a sua utilização no processo penal litigioso privaram, ab initio e definitivamente, o requerente de um processo equitativo. Paulo Pinto de Albuquerque, na parte final da anotação 15 ao art. 126 do seu Comentário do CPP, UCP Dez2007, pág. 330, cita 6 acórdãos do STJ (mas um é do TRL) sobre esta questão, entre eles o de 1997 já referido, mas apenas num outro foi considerado que se verificava a situação de agente provocador: É o ac. do TRL de 29/11/2006, publicado na CJ do STJ (certamente por lapso e por isso naquele comentário é referido como sendo do STJ) de 2006. Tomo III, págs. 240 e segs, declarando nulas todas as provas obtidas, porquanto o foram através de agente provocador, e, em consequência, também nulo todo o processado, excepto para os efeitos do disposto no art. 126/4 do CPP (cita também o caso TC, referido já a seguir). Um daqueles acórdãos do STJ – de 20/02/2003, publicado na CJSTJ.2003.2.210 e segs (Sima Santos – que lembra ter participado no caso na qualidade de perito do governo português) - que considera que, no caso, não se verifica a atuação do agente provocador, tece longas considerações sobre a figura, com inúmeras citações doutrinárias e jurisprudenciais e chama a atenção que o acórdão do TEDH do caso TC, para além de demasiado rigoroso, rigor que já teria moderado num outro caso que cita, não é considerado como tendo particular autoridade (e invoca, em nota, um artigo doutrinário inglês nesse sentido). Compreende-se, assim, que entretanto tenham surgido duas outras posições que podem ser consideradas mais “amigas” do agente provocador: É o caso de Susana Aires de Sousa, no seu artigo sobre Agent provocateur e meios enganosos de prova. Algumas reflexões, publicado no "Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias", vários, 2003, Coimbra Editora, nota 81, pág. 1232, que considera que: para que a provocação constitua um meio enganoso de prova, não basta, sem mais, a existência de erro criado pelo agente policial. É ainda necessário que entre o engano e a prática do crime ou da prova do crime se estabeleça um nexo de causalidade. Todavia, será de excluir este nexo de causalidade, quando o suspeito já tinha a intenção de praticar o crime, na medida em que ele sempre viria a praticar o facto. Mas, adverte a autora, mesmo que, nesta hipótese, não constitua um meio enganoso de prova, tal não quer dizer que a prova obtida seja válida. Mesmo que se aceitasse a posição desta autora, a verdade é que no caso existe um nexo de causalidade entre os erros, na formação da vontade do arguido, criados pelo conjunto da ação encoberta, levada a cabo sob controlo da PJ (e por isso sendo-lhe imputável tudo que nela se passou) e a prática do crime, não havendo o mínimo de factos que permitam dizer que o arguido já tivesse a intenção de praticar o crime, mesmo sem a intervenção da “ação encoberta” da PJ. E é o caso também de Mário Ferreira Monte, no seu artigo sobre a Relevância da Atuação dos Agentes Infiltrados ou Provocadores no Processo Penal, publicado na revista Scientia Ivridica 265/267, págs. 196 e segs, em anotação à decisão da Comissão EDH no caso TC, respectivamente, concluindo este autor que: em regra é de aceitar o homem de confiança mas não o agente provocador. Excepcionalmente, porém, o agente provocador será de aceitar se respeitados certos pressupostos, quais sejam, o da sua actuação ser necessária em concreto, justificada por razões de política criminal e teleológicamente fundada na prevenção, desde que inviolável o princípio da dignidade da pessoa humana. Ora, também aqui, mesmo que fosse de aceitar a posição deste autor, no caso dos autos não se mostram minimamente verificados estes pressupostos, pois o arguido J… estava a viver em Espanha, sem que nada indique que se dedicasse a qualquer actividade criminosa, muito menos ligada ao tráfico de droga – pelo que não estava minimamente em causa qualquer fim de prevenção – e passou a ser instigado pela testemunha M… (ajudado pelo agente policial oculto “Hugo”), sob falsos pretextos e com falsos dados, à prática de um crime, com o fim de conseguir, ele, testemunha, que a sua colaboração na “descoberta” e represssão desse crime, lhe viesse atenuar especialmente – como veio - uma pena por um crime de tráfico de droga gravíssimo que tinha acabado de cometer. * Posto tudo isto, e tendo em conta os factos dados agora como provados, a situação corresponde a um caso nítido de ação encoberta que conduziu à provocação de um crime, já que um particular, preso, para vir a beneficiar de uma atenuação especial da pena por um crime grave de tráfico de 120 kg de cocaína, se propôs colaborar com a PJ numa ação encoberta, no decurso da qual, agindo sob o controlo desta – e por isso sendo objetivamente imputável a esta toda a atividade por ele desenvolvida – convenceu dolosamente o arguido J… à prática de um crime, fazendo-lhe crer que teria os contactos necessários (um agente da PJ, atuando sob identidade falsa, supostamente a trabalhar no aeroporto de Lisboa) para facilmente e sem perigo passar uma grande quantidade de cocaína através do aeroporto de Lisboa. E tudo isto sem que haja qualquer notícia de uma predisposição anterior, minimamente atual, do arguido J…, para cometer o crime em causa, ou que ele já tivesse a intenção de praticar o crime, mesmo sem a intervenção da “ação encoberta” da PJ, ou que esta fosse, a título excecional, necessária em concreto, justificada por razões de política criminal e teleológicamente fundada na prevenção.* E por isso são nulas todas as provas obtidas neste processo, deixando, por isso, de haver qualquer prova dos factos dados como provados neste processo, o que acarreta a impossibilidade de se concluir pela prática de qualquer crime por parte do arguido, e, por isso, impondo-se a sua absolvição, com a consequente revogação da decisão condenatória e decisões conexas. São assim procedentes, neste parte, as conclusões do arguido J…. * Como se conclui que pelo menos à testemunha M… pode ser imputada uma atuação de instigação do crime de tráfico de droga que foi imputado aos arguidos destes autos, impõe-se a comunicação deste entendimento ao MP, através da notificação deste acórdão, na pessoa da Srª Procuradora-Geral-Adjunta. * Pelo exposto, declaram-se, por força dos arts. 126/2a) do CPP e 32/8 da CRP, nulas todas as provas obtidas (exceto para os efeitos do disposto no art. 126/4 do CPP), consideram-se não provados todos os factos e absolve-se o arguido J…, revogando-se a decisão condenatória e ordem de expulsão, bem como a condenação em custas e a declaração de perda dos dois telemóveis e 3000€ que lhe foram apreendidos (e também os pontos 4 e 5 da parte final do acórdão recorrido). Passe mandados de libertação imediata do arguido J…. Sem custas. Lisboa, 25/05/2010. Pedro Martins (relator por vencimento). José Pulido Garcia Carlos Espírito Santo (Vencido). DECLARAÇÃO DE VOTO A questão fulcral, no presente recurso tem a ver com a pretensão do recorrente em que se considere ter inexistido uma acção encoberta por parte da PJ, mas antes uma acção provocadora por parte daquela polícia, tendo por base, fundamentalmente, as declarações do arguido, em detrimento dos meios de prova que o tribunal a quo decidiu valorizar. Assim, entende o recorrente, que foi a testemunha M... que, em conluio com a PJ, decidiu contactar o recorrente, alegando encontrar-se numa situação dramática em termos económicos e de saúde (o que mais ninguém aflorou ou corroborou), pedindo-lhe para providenciar pelo transporte de cocaína da América do Sul para Lisboa, para o que contaria com a colaboração de um suposto funcionário do aeroporto de Lisboa (um tal “Hugo”, que se constatou ser agente da PJ), tendo o arguido actuado por pura amizade para com o M.... Conclui o recorrente que sem a actuação do que denomina agente provocador jamais teria agido como o fez, pelo que não é admissível a prova assim obtida, por violação do disposto nos arts. 1º, 2º e 32º da C. R. Port. e 125º e 126, 2, a), C. P. Pen., devendo ser considerado nulo todo o processado e absolvido o recorrente da prática dos factos. Ora, a prova dada como assente pelo tribunal a quo é substancialmente diversa daquela que o recorrente pretendia ver consagrada, dando antes como provado que a ideia de transportar a cocaína da América do Sul para Lisboa partiu do arguido, que terá tomado a iniciativa de contactar telefonicamente o M... e, só após, é que este decidiu colaborar com a PJ, dando conta das pretensões do recorrente, em face do que foi montada a acção encoberta, com a colaboração do agente da PJ”Hugo” actuando sob o disfarce de funcionário do aeroporto de Lisboa, perante o qual decorreram as conversações com o arguido tendo em vista a operacionalidade e consecução daquele transporte de droga. Ora, a fundamentação do tribunal recorrido relativamente à conclusão probatória a que chegou é deveras elucidativa e convincente neste particular. Efectivamente, afirma-se no acórdão recorrido que o tribunal recorrido firmou a sua convicção nas declarações do recorrente (que apenas não admite ter sido ele a tomar a iniciativa de contactar o M... para “importar” a cocaína para Portugal); na apreensão do estupefaciente; na perícia toxicológica ao mesmo; às revistas, buscas, apreensões , descrições e avaliação de objectos; bem como – fundamentalmente - no depoimento do M...; para além dos testemunhos dos agentes da PJ J... (que corroborou a colaboração do M... no presente e noutro processo, também por tráfico de droga), R... (que também disse que o M... o abordou no sentido de querer colaborar com a PJ, após o telefonema do recorrente); e, finalmente a análise das chamada de telemóvel havidas entre o recorrente e o agente “Hugo” (embora neste particular não se tenha logrado abarcar todo o período de tempo relevante para os factos em causa). Saliente-se que o tribunal a quo foi extremamente cuidadoso e prolixo na explicitação da credibilidade do depoimento da testemunha M..., em detrimento das declarações do arguido, sublinhando a coerência daquele, as suas afirmações em face das regras da experiência e a sua conjugação com a restante prova produzida, supra mencionada. Preocupou-se ainda o tribunal recorrido em sublinhar as contradições, argumentos não sustentados e inveracidades detectadas nas declarações do recorrente. Assim, desde logo, não se demonstrou que tenha sido o M... a contactar o recorrente; que aquele tenha invocado o auxílio daquele devido a prementes necessidades de saúde e económicas, que a maioria dos contactos tenham sido depois estabelecidos entre a companheira do M... (de nome A...) e o recorrente (pelo contrário, os contactos estabelecidos foram essencialmente entre o recorrente e o “Hugo”, por iniciativa daquele); e que só após o contacto do M..., o recorrente tenha formulado o seu desígnio criminoso. Por outro lado, o tribunal a quo rebate, e bem, o argumento do recorrente de que não teria lógica contactar alguém (o M...) que tinha fracassado numa operação de tráfico de droga e estava presa, uma vez um mero fracasso não impediria futuros sucessos, nem invalidaria que o M..., mesmo preso, dispusesse de contactos que permitissem ajudar o arguido na concretização dos seus desígnios. Acresce que o perigo para o recorrente em contactar e colaborar com um indivíduo que se encontrava preso, possivelmente sob vigilância das autoridades, constitui um argumento reversível, dado que o perigo de se expor à vigilância das autoridades policiais era tão grande sendo o arguido a contactar o amigo detido, como no caso de ser este a contactá-lo, aceitando colaborar com aquele. Não se nos oferece, assim, qualquer dúvida a bondade e acerto da decisão do tribunal a quo relativamente à matéria de facto assente, nomeadamente, que foi o recorrente quem tomou a iniciativa de contactar o M... com vista a solicitar o seu auxílio no transporte de cocaína da América do Sul para Portugal, tendo sido a resolução criminosa do recorrente tomada em momento anterior ao estabelecimento de tal contacto. Aprofundemos, contudo, a questão que vem de ser referida. Dúvidas não nos restam de que existiu uma acção policial prévia à concretização da actuação delituosa do recorrente, pelo que se impõe apurar se a mencionada acção policial consubstanciou um método proibido de obtenção de prova. Acerca da questão do agente provocador como método proibido de prova conta já com largo debate na doutrina e na jurisprudência, pelo que remetemos para o proficientemente expendido a tal respeito no acórdão recorrido, sublinhando a referência à importante obra do Prof. Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, ed. Coimbra Editora; para além do livro de Manuel Augusto Meireis, O Regime das Provas Obtidas Pelo Agente Provocador em Processo Penal, ed. Almedina, com que só agora tomámos contacto; onde claramente se faz a distinção entre a actuação do agente encoberto ou do agente infiltrado da figura do agente provocador. Citando o acórdão recorrido: “… está em causa na actuação do "agente provocador" a salvaguarda de direitos fundamentais da pessoa humana, imperativo que se impõe também no âmbito da situação processual de qualquer arguido, aqui na vertente de que qualquer prova obtida contra o mesmo deve sê-lo com base numa actuação voluntária plenamente livre e esclarecida, algo que é ferido `de morte' com a `provocação ao crime'. Assim, as provas obtidas pelo "agente provocador" em Processo Penal devem considerar-se nulas de acordo com a exigência constitucional do Art. 32°/8 da Constituição da República, corroborada pelo Art. 126° do Cód. de Processo Penal, visto que tais provas são obtidas através de meios enganosos, pois a declaração ou a actuação resultantes da provocação não serão já a exteriorização de uma vontade esclarecida e ponderada, mas sim a consequência do engano ardiloso em que o agente é induzido. No que respeita às acções de agente encoberto, e em termos de lei ordinária, a Lei 101/2001, de 25 de Agosto, veio revogar expressamente os arts. 59° e 59°-A do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, estabelecendo o Regime Jurídico das Acções Encobertas para Fins de Prevenção e Repressão Criminal, definindo-se no art-. 1°/2 desse diploma que se consideram acções encobertas "aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro actuando sob o controlo da Polícia Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados neste diploma, com ocultação da sua qualidade ou identidade" - sendo que entre os crimes elencados está, exactamente, o de tráfico de estupefacientes, cfr. art. 2°/j) da Lei 101/2001. E, pois, na ponderação do respeito pela linha divisória entre a existência ou não, por parte do agente que actua sob orientação e direcção da autoridade policial, de uma provocação ao crime, que estará a decisão sobre a validade processual penal da intervenção daquele. Da análise que se faz desta questão, o que se descortina a cada passo é que na mesma se faz sentir com enorme veemência a existência de um conflito de valores entre o dever de administração da justiça e da correspondente investigação criminal no sentido de que se exige sempre a descoberta da verdade material dos factos capazes de fazer perigar a "sociedade livre, justa e solidária" prevista no Art. 1°/1 da Constituição da República, dever que é também constitucionalmente atribuído aos Tribunais (cfr. Art. 202°/1 da Constituição da República), e que surge cada vez mais dificultado em casos de criminalidade progressivamente mais perigosa, violenta e/ou organizada, por um lado, e o assegurar de um conjunto de direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, mesmo os criminosos, e que se reconduzem à essencialidade do respeito pela dignidade da pessoa humana, que obtém a consagração atrás indicada de serem proibidos todos os meios de prova obtidos em desses direitos fundamentais. Como escreve Manuel Meireis (ob. citada, pág. 169), "há um conjunto de direitos constitucionalmente consagrados e um interesse constitucionalmente protegido mas por uma questão de impossibilidade prática, é impossível o exercício absoluto e simultâneo dos dois". É, pois, no difícil equilíbrio entre estes valores que aqui surgem conflituantes que deverá procurar-se a resposta à questão concreta colocada pelos arguidos. E é para esse equilíbrio que procura contribuir o Art. 126° do Cód. de Processo Penal, sendo, pois também pela análise do mesmo que a mesma resposta deverá passar. Tudo se resume, afinal, mais do que a uma questão de nomen iuris ou designação concreta da actuação policial aqui em questão, de saber antes se a mesma actuação configura um método de prova proibido nos termos e para os efeitos do Art. 126° do Cód. de Processo Penal”. Estabelece o art. 125º, C. P. Pen., que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Por seu turno, estipula o art. 126º, 1, C. P. Pen., que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas; acrescentando-se na al. a) do nº 2 do aludido preceito que são ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos. Como expressou o tribunal a quo “o que aqui se visa evitar são as manifestações não livres de vontade na prática do ilícito que se visa investigar e punir. Serão proibidos todos os meios de obtenção de prova que assentem numa perturbação inadmissível da vontade do agente, de tal forma que, a não ser essa perturbação enganosa externamente induzida, nunca ele teria actuado daquele modo. A vontade criminosa do agente deve ser determinada única e exclusivamente pela intervenção enganosa de terceiro. No caso da "provocação ao crime", há um convencimento à prática do crime, que por isso será proibido na medida em que faça surgir do nada a propensão daquele agente à prática daquele ilícito, em termos que configurariam uma quase instigação. O agente do crime é levado a praticar um facto que nunca estaria na disponibilidade de praticar não fora essa provocação. Onde não havia nada, em termos de vontade ou disposição à prática de um crime, surge uma tal vontade. Tudo estará, pois, em analisar, perante cada situação concreta, qual o animus do agente, e de que forma ou até que ponto o mesmo, no que à prática criminosa diz respeito, dependeu da actuação de terceiros mediante engano ou não. No caso dos autos, o engano que aqui estaria em causa, e na alegação do arguido J..., seria o facto de o M... não ter, afinal, qualquer necessidade premente e urgente de realizar um transporte de droga, não precisando assim da intervenção do arguido, nem de conhecer, afinal ninguém que permitisse ao arguido J... introduzir qualquer droga em Portugal, e, por outro lado, de o "Hugo" não ser, afinal a pessoa que referia ser, isto é, não ser funcionário do aeroporto, numa situação que lhe permitiria receber ali (no aeroporto) essa droga, e a retirá-la dali sem qualquer risco. A vontade do arguido J... mostrar-se-ia afectada na medida em que, se soubesse que a testemunha M... e o "Hugo" não estavam de facto empenhados, interessados e colaborantes naquela importação de droga, não a teria efectuado em concreto. Mas, como se disse, a questão aqui deve passar pela tentativa de determinar exactamente até que ponto a vontade e deliberação criminosa do arguido, no que ao crime de tráfico de estupefacientes respeita, se mostra determinada apenas e só pela actuação policial. E isso só pode resolver-se por recurso aos factos que se têm por provados”. É que, no caso da "provocação ao crime", há um convencimento à prática do crime, que por isso será proibido na medida em que faça surgir do nada a propensão daquele agente à prática daquele ilícito, em termos que configurariam uma quase instigação. O agente do crime é levado a praticar um facto que nunca estaria na disponibilidade de praticar não fora essa provocação. Onde não havia nada, em termos de vontade ou disposição à prática de um crime, surge uma tal vontade. Perscrutando a factualidade assente, resulta indubitável a conclusão de que foi o recorrente quem tomou a iniciativa de contactar o M..., com o fito de obter deste apoio para introduzir em Portugal produto estupefaciente, encontrando-se já previamente capacitado e determinado à prática do ilícito em apreço, não tendo o M... contribuído para a avaliação e predisposição do recorrente para a prática do crime, anteriormente intuídos e formulados (v. Ac. STJ, de 15-1-97, BMJ, 463, pg. 226). Impõe-se, pois, concluir que o recorrente formulou livremente a sua intenção criminosa, previamente à sua decisão de contactar o M... e de este ter denunciado a situação à PJ que, só então se decidiu por desencadear um acção de agente encoberto, nos termos do DL 101/2001, de 25-8 Deve, assim, entender-se que o recorrente era pessoa com plena capacidade de avaliação e determinação para a prática de actos ilícitos como os dos autos, e que, mais, se mostrava claramente predisposta a praticá-los, fosse com intervenção e a ajuda do M... e do "Hugo", ou de outra forma que viesse a julgar oportuna e adequada. O recorrente apresentou-se claramente como uma pessoa com prévio intuito e decisão de diligenciar (circunstância confirmada, aliás, pelo seu modo de actuação) pela concretização de um transporte de droga desde a América do Sul para Portugal, configurando a actuação da testemunha M... e do "Hugo", ainda que em colaboração com a polícia, como que o mero proporcionar de meios logísticos que permitiriam - como permitiram - a descoberta de uma actividade ilícita a que o agente previamente se apresentava livremente disposto. A actuação aqui em causa ter-se-á limitado a revelar uma já subsistente propensão para o cometimento do crime em causa. Não se verifica, assim, em nosso entender, qualquer nulidade da prova, decorrente da utilização de método proibido da sua obtenção, tendo sido observados os arts. 1º, 2º e 32º, da C. R. Port.; 125º e 126º, 1 e 2, a), C. P. Pen., e o DL 101/2001, de 25-8. Resulta do exposto que a impugnação da matéria de facto referenciada pelo recorrente não pode colher, do nosso ponto de vista, pelo que se imporia a manutenção dos pontos nºs 1 e 2 dos factos provados, quais sejam, que: Em data não concretamente apurada, mas situada por volta do mês de Maio de 2008, o arguido J... , também conhecido por "Jimmy", residente em Madrid, pretendendo proceder à “importação” de estupefacientes da América do Sul com destino à Europa, via Aeroporto de Lisboa, decidiu estabelecer contactos em Lisboa com tal objectivo, contactando designadamente M..., na altura detido no Estabelecimento Prisional da Polícia Judiciária; Tendo obtido tal informação, e em sede de investigação, pela Policia Judiciária - com a supervisão das autoridades judiciárias competentes e ao abrigo do regime previsto na Lei 101/2001, de 25 de Agosto - foi desencadeada uma operação policial vulgarmente designada de acção de agente encoberto, visando controlar o acesso do arguido J... à droga que o mesmo viesse a “importar”. Assim como se deveriam manter como factos não provados os elencados sob os pontos nºs. 13 a 23 da matéria de facto não provada, a saber: - nem que o arguido J... tenha sido contactado em Maio de 2008 por A... , esposa de M... que à data se encontrava detido no Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária, tendo-o ela informado q este último precisava de falar consigo, - nem que a partir dessa altura o arguido começou a receber chamadas telefónicas do referido M... no seu telemóvel, dizendo-lhe que estava com sérios problemas e que necessitava da sua ajuda, nem que esses contactos hajam sido feitos primeiro por um telefone identificável, passando mais tarde a ser anónimo, - nem que na sequência de um desses telefonemas efectuados ao arguido, o M..., reiterando que estava com graves dificuldades económicas e que corria sério risco de vida se não os resolvesse, haja apelado mais uma vez à amizade existente entre ambos, pedindo-lhe para conseguir alguém para fornecer produto estupefaciente, - nem que o arguido, perante tal pedido, haja hesitado, e comunicado ao M... que não se queria envolver nessa situação, - nem que o M... continuou a telefonar para o arguido insistindo para este o ajudar, alegando os motivos referidos, nem que haja sido perante tal situação, e por o M... o haver ajudado em momentos difíceis da sua vida, que o arguido acabou por lhe dizer que ia falar com algumas pessoas para ver se conseguia alguém que lhe fornecesse produto estupefaciente, - nem que haja sido o "Hugo" quem inicialmente contactou o arguido J..., nem que nos contactos entre ambos aquele "Hugo" tenha dito ao arguido que o M... estava a passar por graves problemas económicos, correndo risco de vida se não os resolvesse quanto antes, e que para além disso estava gravemente doente, necessitando da sua ajuda, - nem que quer o M..., quer o "Hugo", continuaram a insistir com o arguido para que agisse rapidamente se não queria que algo de mal acontecesse ao primeiro, - nem que haja sido perante tal insistência que o arguido estabeleceu contactos em e desde Espanha para terceiros lhe fornecerem cocaína, - nem que alguma vez a referida A..., mulher do M...m haja entregue ao arguido J... qualquer dinheiro para custear as suas deslocações a Lisboa para se encontrar com o "Hugo", - nem que o arguido alguma vez haja manifestado ao "Hugo" que estava com medo de se envolver em tal situação, nem que perante isso o "Hugo" lhe tenha dito que não havia qualquer risco e que poderia retirar a quantidade de 5, 10, 15 ou 20 kgs. de produto estupefaciente, - nem que haja sido o "Hugo" a dizer ao arguido que a cocaína tinha de vir acondicionada numa mala pequena, que por sua vez deveria vir dentro de uma outra mala, nem que lhe haja dito que essa mala deveria ter uns distintivos na esquina, de forma a que pudesse identificá-la. Tendo em conta a matéria de facto assente, dúvidas não nos restam acerca da prática pelo arguido do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual veio a ser condenado – art. 21º, 1, do DL 15/93, de 22-1, com referência à tabela I-B a ele anexa, posto que para além da verificação de toda a factualidade típica objectiva inerente, o recorrente actuou com plena liberdade de determinação da vontade, com perfeita consciência da ilicitude, conhecendo e querendo a verificação dos elementos objectivos do tipo (dolo). Observam-se, pois, em nossa opinião, in casu, todos os elementos objectivos e subjectivos do crime em análise, pelo que decidiríamos em conformidade com o tribunal a quo. Carlos Espírito Santo |