Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5842/2008-4
Relator: JOSÉ FERREIRA
Descritores: REFORMA
CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: O estatuto de reformado obtido por um trabalhador ao serviço de uma instituição (empresarial ou não), não constitui, por si só, circunstância impeditiva da celebração de um contrato de trabalho com uma empresa distinta, assim como não é impeditivo de que essa contratação se concretize sem a aposição de termo ou por tempo indeterminado.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

            I – RELATÓRIO

            A… instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a R. “B… LDª”, alegando, em síntese e com interesse, que foi admitido ao serviço da R. em 30 de Setembro de 1999, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções de instrutor/director de condução automóvel, incumbindo-lhe ministrar o ensino da teoria de condução, de mecânica automóvel, de motociclos, de ligeiros, de pesados de mercadorias e passageiros e de veículos articulados.

            Acumula ainda esta funções com as de Director da R., incumbindo-lhe a responsabilidade e orientação dos demais instrutores ao serviço da R., promover a actualização dos respectivos conhecimentos, bem como zelar pela transmissão de conhecimentos aos instruendos através de metodologias adequadas e fazer a avaliação formativa dos mesmos, dirigir a actividade da secretaria, informar o titular do alvará sobre questões respeitantes aos instrutores e ao pessoal administrativo, bem como acerca da necessidade de melhoria de instalações e apetrechamento, exercer as referidas funções nos locais determinados pela R., sendo os materiais utilizados nas aulas teóricas propriedade da mesma, o que também se verifica com os veículos utilizados nas aulas práticas.

Desde a data de admissão e até 1 de Fevereiro de 2000, praticou o horário das 10,00h às 20,00h com período de almoço das 13,00h às 15,00h.

A partir de 1 de Fevereiro de 2000, passou a ter isenção de horário de trabalho.

A retribuição mensal do A. é de € 1.228,94 composta por € 763,60 de retribuição mensal base, acrescida de € 20,60, a título de diuturnidades, de € 149,30 mensais de isenção de horário de trabalho, € 175,00 mensais de complemento de ordenado e € 5,47 de subsídio de refeição por cada dia de trabalho efectivamente prestado.

A R., por carta datada de 11 de Maio de 2004, após uma reunião entre o A. e a gerência da R., veio invocar perante aquele a caducidade do contrato individual de trabalho com efeitos a partir de 15 de Setembro de 2004, invocando ter tido conhecimento, em 15 de Março desse mesmo ano, da situação de reformado do A..

A R. veio propor ao A. a revogação do CIT por mútuo acordo das partes através de carta que lhe enviou em 11 de Maio de 2004 (doc. n.º 7). No entanto, o A. reagiu à manifestação da R. de proceder à resolução do CIT, com efeitos a partir de 15 de Setembro de 2004, através de carta que lhe remeteu em 13 de Setembro de 2004.

A R. tinha conhecimento, desde a data da sua admissão, de que o A. se encontrava reformado desde Dezembro de 1992 das Forças Armadas e que essa reforma não era por velhice.

A cessação unilateral do CIT, com efeitos a partir do dia 15 de Setembro de 2004, configura um despedimento ilícito.

Em qualquer caso, o prazo de cessação do contrato seria em 15 de Outubro de 2004 e não em Setembro.

A partir de dia 15 de Julho de 2004 a R. não deu mais trabalho ao A.

Conclui que a acção deve ser julgada procedente e, por via dela, a R. condenada:

1. A que seja declarada ilícita e de nenhum efeito a caducidade e condição resolutiva do CIT celebrado entre A. e R., bem como e consequentemente o despedimento sem justa causa efectuado ao A. conforme alegado;

2. A reintegrar o A., ou em alternativa, a pagar-lhe a indemnização legal, opção que o A. relega para momento ulterior, nos termos legais e conforme alegado;

3. a pagar ao A. o montante de € 6.518,64 a título de diferença de subsídio de isenção de horário de trabalho, transporte em viatura própria, diferença de descontos para a Segurança Social, Coima da responsabilidade da R. e complemento de retribuição relativo ao subsídio de férias de 2003, tudo conforme alegado;

4. A pagar ao a. uma indemnização a título de danos não patrimoniais a fixar em montante não inferior a € 4.500,00 conforme alegado;

5. A pagar sobre as quantias em dívida os juros moratórios calculados à taxa legal, desde a data da citação da R. até efectivo e integral pagamento do devido

Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes, contestou a R., alegando, em resumo e com interesse que, por acordo das partes o A. deixou de usufruir de isenção de horário e consequente contrapartida, desde 31 de Janeiro de 2004.

Em Março de 2004 tomou conhecimento da situação de reforma do A. e pediu-lhe, por escrito, a confirmação da situação.

Informou o A. do seu descontentamento e dos prejuízos que tem sofrido, nomeadamente dos descontos excessivos que teve de liquidar perante a Segurança Social até à data da comunicação, dando a conhecer ao A. a quebra de confiança e da colaboração que nele depositava por a ter mantido na ignorância da sua situação de reformado, sendo certo de que, caso tivesse conhecimento de que o A. era reformado, nunca o teria contratado.

Em 15 de Março de 2005 comunicou ao A. a caducidade do seu contrato de trabalho celebrado em 30 de Setembro de 1999, mantendo-o ao serviço mediante contrato a termo resolutivo por seis meses.

A R. pagou ao A. o IHT até Janeiro de 2004, data em que o mesmo cessou porque deixou de existir fundamento para a referida isenção, nada devendo a R. a esse título.

Também nada lhe deve a outros títulos, sendo certo que o A. não sofreu qualquer dano moral.

O despedimento do A. não foi ilícito já que ocorreu por caducidade em 15 de Março de 2005, tendo-se mantido ao serviço da R. no âmbito de um contrato a termo resolutivo.

Concluiu pela improcedência da acção e consequente absolvição da R. do pedido.

Respondeu o A. concluindo que as excepções invocadas pela R. devem ser julgadas improcedentes.

Foi lavrado despacho saneador do processo, tendo sido dispensada a realização de audiência preliminar.

Foi fixada a matéria de facto assente e foi organizada a base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento após o que a Mmª Juíza proferiu decisão em que responde aos quesitos constantes da base instrutória.

Não foi apresentada qualquer reclamação.

Seguidamente foi proferida sentença nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, consequentemente:

a). declarado ilícito o despedimento do A. efectuado pela R. e ordeno a sua reintegração;

b) condeno a R. a pagar ao A a quantia euros 360,20, a título de diferença de subsídio de isenção de horário de trabalho e complemento de retribuição relativo ao subsídio de férias de 2003; e,

c) a pagar-lhe juros de mora à taxa legal, sobre a quantia referida em b ),desde a  data da citação da R. até efectivo e integral pagamento do devido;

d) a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde os 30 dias que precederam a propositura da presente acção, à razão mensal de € 763,60, acrescida de € 20,60, a título de diuturnidades; 175,00 de complemento de retribuição e € 5,47 de subsídio de refeição por cada dia útil (esta verba não é incluída na remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal), até á reintegração, efectuando-se as deduções previstas nos nºs 2 e 3 do art° 437 do CT.”

 

Inconformada com esta sentença, dela veio a R. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes:

Conclusões:

(…)

Contra-alegou o Apelado, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da aludida sentença.

Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO

Face às conclusões delimitadoras do objecto do recurso interposto (arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1, ambos do C.P.C.), suscitam-se, à apreciação deste Tribunal, as seguintes:

Questões:
§ Licitude ou ilicitude da cessação do contrato de trabalho celebrado entre as partes em 30 de Setembro de 1999;
§ Se é de manter ou não a condenação da R. na reintegração do A. no seu posto de trabalho e no pagamento das retribuições vencidas e vincendas até ao trânsito em julgado da sentença.

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) O A. foi admitido ao serviço da R. no dia 30 de Setembro de 1999, mediante o acordo junto a fls 22, cujo teor dou aqui por reproduzido, sem precedência de qualquer prazo;

B) Para sob as ordens, direcção e fiscalização da R., exercer as funções de INSTRUTOR/DIRECTOR de condução automóvel;

C) No exercício das funções referidas, incumbia ao A. ministrar o ensino de Teoria de Condução, de Mecânica Automóvel, de Motociclos, de Ligeiros, de Pesados de Mercadorias e Passageiros e de veículos Articulados;

D) Acumulava ainda o A. as referidas funções com as de Director da R., incumbindo-lhe neste particular a responsabilidade e orientação dos demais instrutores ao serviço da R., no que concerne à prossecução das funções referidas no artigo antecedente, reportando-se directamente à gerência da R. promover a actualização dos conhecimentos dos Instrutores ao serviço da R.; zelar pela transmissão de conhecimentos aos instruendos através de metodologias adequadas; fazer a avaliação formativa dos instruendos, apoiando o instrutor; analisar o registo das reclamações e propor as soluções adequadas, com conhecimento à Direcção-Geral de Viação; dirigir a actividade da secretaria, designadamente no que respeita aos elementos de registo da escola de condução; e ainda, informar o titular do Alvará sobre as questões respeitantes aos instrutores e ao pessoal administrativo, bem como acerca da necessidade de melhoria de instalações e apetrechamento.

E) A data de admissão e as funções a desempenhar pelo A., ao serviço da R., no interesse desta e sob as suas ordens e fiscalização, constam no LIVRO DE INSCRIÇÃO DE INSTRUTORES, certificado pela D.G.V., assinado por um responsável desta;

F) O A., exerce as referidas funções nos locais determinados pela R., e de propriedade desta, sendo os materiais utilizados pelo A., no exercício das suas funções igualmente de propriedade da R., quer relativos às aulas teóricas - efectivadas nas instalações da R., quer quanto às aulas práticas, no que concerne ao ensino da condução, já que os veículos onde são ministradas as referidas aulas igualmente são propriedade da R..

G) O A., desde a data da sua admissão e até dia 1 de Fevereiro de 2000, praticou o seguinte horário de trabalho:

Entrada às 10.00h;

Período de almoço: das 13.00h às 15.00h;

Hora de saída: 20.00h;

H) O A. a partir de 1 de Fevereiro de 2000, passou a ter Isenção de Horário de Trabalho, mediante a contrapartida mensal de € 145,00;

I) A R. pagava ao A. mensalmente: A retribuição mensal base de € 763,60, acrescida de € 20,60, a título de diuturnidades; Isenção de Horário de Trabalho, de € 145,00 mensais; Subsídio de refeição de € 5,47, por cada de dia de trabalho efectivamente prestado;

J) O A. é associado no SITRA - SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS E AFINS;

L) A R. remeteu ao A. a carta datada de 11 de Maio de 2004, junta a fls 29, cujo teor dou aqui por reproduzido, onde invoca ter tido conhecimento em 15 de Março desse mesmo ano de 2004, da situação de reformado do A., informando-o que o contrato que os unia caducava a 15.09.2004;

M) Na mesma carta, a R. refere ao A. que "seria do interesse da empresa e penso também do seu interesse próprio, que esta situação não se arrastasse até Setembro pelo que gostaria de acordar consigo uma resolução do seu contrato até final de Maio, podendo a empresa nesse caso propor-lhe uma indemnização de um mês de ordenado";

N) À referida carta, o A. respondeu pela carta junta a fls 30 a 32, cujo teor dou aqui por reproduzido, remetida à R. em 13 de Setembro de 2004, subscrita pelo seu advogado na altura;

O) A R. remeteu ao A. a carta junta a fls 34, cujo teor dou aqui por reproduzido, datada de 14 de Julho de 2004, onde comunica nomeadamente ao A. que põe fim imediatamente ao contrato que os unia, pagando-lhe todas as retribuições até 15 de Setembro de 2004;

P) Com a referida carta a R. remeteu-lhe o recibo de vencimento junto a fls 35 e um cheque no montante de 2.602,69;

Q) O A. recepcionou a referida no dia 15 de Julho de 2004;

R) O A encontra-se aposentado das FORÇAS ARMADAS, onde prestou serviço, como Capitão, desde Dezembro de 1992, tendo sido aposentado ao abrigo da Lei 15/92, de 5 de Agosto;

S) O A. em 1992 encontrava-se na situação de militar na reserva há pelo menos 8 anos;

T) De Fevereiro de 2000, até Janeiro de 2004, o A. beneficiou de IHT e a partir dessa data a R. não mais lhe pagou qualquer quantia a título de isenção de horário de trabalho;

U) A R. efectuava descontos no vencimento que pagava ao A. para a Segurança Social na percentagem de 11 %;

V) A diferença entre os descontos efectuados pela R. à taxa de 11 % e a taxa de 7,8% nas remunerações auferidas pelo A. importam em € 2.192,45;

X) O A., em Abril de 2004, foi notificado pela DGV, de um AUTO DE CONTRA-ORDENAÇÃO, em virtude de aqueles serviços, terem detectado na R., não ter sido ministrado o ensino em simultâneo de aulas teóricas com aulas práticas;

Z) O A. como director da R. foi sancionado com a coima de 250,00 que pagou.

Da base instrutória:

1º- a partir do dia 15 de Julho de 2004 a R. não deu mais trabalho ao A.;

4º- Nos últimos meses em que trabalhou para a R. o A. percorria com a sua viatura cerca de 58 km diariamente (ida e volta);

8º- O A. já por várias vezes tinha alertado a gerência da R. para o facto de não estarem a ser ministradas simultaneamente as aulas teóricas e as aulas práticas;

9º- A R. pagava ao A. todos os meses um complemento à sua remuneração no montante de € 175,00

18º- A R. só teve conhecimento de que o A. se encontrava aposentado das Forças Armadas posteriormente à data da sua contratação;

20º- A R. deixou de pagar ao A. subsídio de isenção de horário porque se deixou de justificar tal isenção.

Com excepção da matéria contida neste ponto 20º, de cariz nitidamente conclusivo, para mais quando já se encontrava assente a matéria contida na supra mencionada alínea T), mantém-se aqui como assente a restante matéria de facto enunciada e que o Tribunal a quo considerou como provada, por não ter sido objecto de impugnação e não haver fundamento para a respectiva alteração, nos termos do art. 712º do C.P.C.

Posto isto e passando, agora, à apreciação das suscitadas questões de recurso, ficou provado que o A. foi admitido ao serviço da R. no dia 30 de Setembro de 1999 mediante o acordo junto a fls. 22, sem a precedência de qualquer prazo.

Na verdade, perante o documento junto pelo A. a fls. 22 do processo, verificamos que entre este e a R. foi estabelecido, em 30 de Setembro de 1999, para ter início em 1 de Outubro do mesmo ano, um contrato, denominado por “contrato de trabalho” mediante o qual aquele se comprometeu a prestar a esta os seus serviços, com a categoria profissional de instrutor de condução automóvel nas categorias A, B, C, D e E, acumulando o desempenho dessas funções com as de Director da escola da R., cabendo-lhe, no desempenho deste cargo, a execução das tarefas referidas em D) dos factos assentes, mediante o percebimento de uma determinada retribuição, sobre a qual incidiriam os descontos legais para a Segurança Social, tendo ainda direito a um prémio de Director, ao subsídio diário de alimentação em senhas, tudo nos valores ali indicados, bem como o direito a férias pagas (22 dias úteis) a partir de 2000.

No mesmo contrato estipulou-se que o A. desempenharia as aludidas funções nas instalações da R., num período de trabalho de 40 horas durante um horário de 2ª a 6ª feira entre as 10 e as 13 horas e entre as 15 e as 20 horas e que não haveria qualquer período experimental.

Por outro lado também se provou que o A. exercia as referidas funções no interesse e sob as ordens e fiscalização da R., em locais determinados por esta e com materiais e veículos a ela pertencentes.

Ora, ao tempo da outorga deste contrato, vigorava o regime jurídico de contrato individual de trabalho instituído através do Dec. Lei n.º 49.408 de 24-11-1969, estabelecendo-se no respectivo art. 1º (em consonância com o que se estipulava já no art. 1152º do Cod. Civil aprovado pelo Dec. Lei n.º 47.344 de 25-11-1966) que «Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta».

Não há, pois, dúvida alguma que entre o A. e a R., foi estabelecido, em 30 de Setembro de 1999 e para vigorar a partir do dia 1 de Outubro seguinte, um contrato de trabalho sem prazo ou por tempo indeterminado, para o desempenho das funções discriminadas nas alíneas C) e D) dos factos provados, contrato que as partes pacificamente aceitam e que, ao que tudo indica, foi normalmente executado, até que, em 11 de Maio de 2004, a R. remeteu ao A. a carta que se mostra junta a fls. 29 dos autos e na qual refere que, desde 15 de Março de 2004, tinha conhecimento da situação de reformado do A. e que, de acordo com o art. 392º do Código do Trabalho, Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, fora aposto ao contrato um termo resolutivo.

Acrescentava ainda que, dada a grave situação económico-financeira da empresa, realizava o aviso prévio determinado na referida Lei, de modo que o contrato de trabalho caducaria em 15 de Setembro de 2004.

Finalmente, transmitia ao A. que seria do interesse da empresa e dele próprio que a situação se não arrastasse até Setembro e que, por isso, gostaria de acordar com o A. uma resolução do contrato até ao final de Maio, propondo-se pagar-lhe uma indemnização de um mês de ordenado.

Por outro lado, provou-se que, datada de 14 de Julho de 2004, a R. remeteu ao A. uma outra carta, na qual lhe comunicava que fazia cessar imediatamente o contrato de trabalho, sendo-lhe pagas todas as retribuições até ao dia 15 de Setembro de 2004, data em que caducava o aludido contrato, juntando recibo de vencimento e cheque no valor de € 2.602,69, provando-se, também, que o A. recebeu esta carta em 15 de Julho de 2004 e que, a partir dessa data, a R. não lhe deu mais trabalho.

Ora, perante esta matéria de facto demonstrada, desde já diremos que a situação em apreço, configura o efectivo despedimento do A. levado a cabo pela R., despedimento que se concretizou em 15 de Julho de 2004 e que se não pode deixar de reputar como ilícito, na medida em que não foi precedido de processo disciplinar em que se verificasse a existência de qualquer justa causa para a assunção de uma tal forma de resolução do contrato de trabalho existente entre ambas as partes.

Vejamos, no entanto, qual o fundamento desta conclusão.

Como já referimos e ante a matéria de facto provada a que, começamos por fazer alusão, não há dúvida que as partes envolvidas no presente litígio, ao celebrarem, entre si, o contrato de trabalho que outorgaram, por escrito, em 30 de Setembro de 1999, nos termos que constam do documento que foi junto a fls. 22 dos autos, celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, uma vez que, do mesmo não consta a aposição de qualquer prazo ou termo resolutivo.

É certo que se demonstrou que o A., desde Dezembro de 1992 e ao abrigo da Lei n.º 15/92 de 05-08, se encontrava aposentado das forças armadas, onde prestara serviço como capitão e que, aquando da outorga do referido contrato de trabalho, em 30 de Setembro de 1999, a R. desconhecia que o A. se encontrava nessa situação de aposentação, ou, melhor dizendo, de reforma[1], pois demonstrou-se que apenas teve conhecimento desse facto depois da data da aludida contratação.

Todavia, entendemos que esse estatuto de reformado das forças armadas – equivale ao estatuto de reformado obtido por um qualquer trabalhador por conta de outrem e cuja atribuição é da competência do Centro Nacional de Pensões – não constituía, por si só, circunstância impeditiva da celebração do contrato de trabalho efectivamente outorgado entre ambas as partes, assim como não era impeditivo de que essa contratação se concretizasse sem a aposição de termo ou por tempo indeterminado.

Na verdade, importa, por um lado, ter presente que o estatuto de reformado não retira às pessoas que o obtenham o direito de trabalhar ou de continuar a trabalhar, pois a obtenção da reforma por um trabalhador apenas atinge ou tem reflexos jurídicos sobre o contrato de trabalho em vigor ao tempo em que seja alcançada, já que faz caducar esse contrato. Era o que resultava do disposto no art. 4º, al. c) da anterior Lei de Cessação de Contratos de Trabalho (LCCT) aprovada pelo Dec. Lei n.º 64-A/89 de 27-02 e resulta hoje do art. 387º, al. c) do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 e em vigor desde 1/12/2003.

Por outro lado, nada na lei proíbe que qualquer pessoa, mormente um trabalhador por conta de outrem, que, entretanto, tenha alcançado o estatuto ou a condição de reformado, celebre um novo contrato de trabalho com a mesma entidade patronal ou com qualquer outra entidade patronal.

A questão que se coloca é a de saber se a celebração de um novo contrato de trabalho nessas circunstâncias, implica que o contrato seja celebrado a termo ou se, porventura, pode ser celebrado sem termo ou por tempo indeterminado.

Ora, não oferecia dúvida, aquando da vigência do art. 5º n.º 1 da mencionada LCCT e não oferece hoje dúvida face ao disposto no art. 392º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho que, se um trabalhador por conta ou ao serviço de uma entidade patronal alcança o estatuto de reformado, nada impede que continue a trabalhar ao serviço da mesma entidade patronal mas a sua permanência ao serviço decorridos trinta dias sobre o conhecimento, por ambas as partes contratantes, da situação de reforma daquele, faz com que ao contrato seja aposto um termo resolutivo, ficando sujeito, com as necessárias adaptações, ao regime previsto para o contrato a termo resolutivo, embora com as especialidades ali previstas.

Por outro lado, também se nos afigura que se o trabalhador se reforma enquanto ao serviço de uma entidade patronal – caducando o contrato de trabalho que até então entre eles existia – e, posteriormente, pretende celebrar com a mesma entidade um novo contrato de trabalho, este não poderá deixar de obedecer ao regime jurídico definido para o contrato de trabalho a termo resolutivo, sob pena de se desvirtuar, por completo, o sentido ou melhor a ratio do disposto naqueles normativos legais, mormente do, agora em vigor, art. 392º do Código do Trabalho, como que permitindo-se que entre pela janela aquilo que se obstou a que entrasse pela porta.

A questão já se apresenta mais duvidosa se um trabalhador alcança o estatuto de reformado, enquanto ao serviço de uma determinada entidade patronal, e, posteriormente, na medida em que deseja continuar a trabalhar, obtém um novo emprego por conta ou ao serviço de uma outra entidade patronal. Será que este novo contrato de trabalho fica, também ele, sujeito ao regime jurídico do contrato de trabalho a termo resolutivo, ou poderá ser celebrado, se as partes contratantes assim o pretenderem, sem a aposição de termo ou por tempo indeterminado?

Esta questão mereceu já a atenção de alguma doutrina.

Assim, escrevem Pedro Romano Martinez e outros no seu “Código do Trabalho Anotado” 6ª Ed. – 2008, pagª 721, em anotação ao referido art. 392º que; «Apesar de não resultar directamente do preceito, deve entender-se que se pode aplicar o disposto no n.º 2 aos contratos celebrados ab initio com um trabalhador reformado. Estas situações incluem-se no espírito da norma. Dito de outro modo, deste preceito resulta que, além do regime geral previsto no artigo 129.º, pode ajustar-se um contrato a termo com um trabalhador reformado» e acrescenta logo de seguida; «Seria estranho e determinaria desigualdade se o trabalhador que se reforma por idade ao serviço de outra entidade pudesse ser contratado sem termo, quando o trabalhador que se reforma estando a trabalhar numa empresa passa a ter obrigatoriamente um contrato a termo. A interpretação contrária permitiria que dois trabalhadores com 70 anos numa empresa tivessem um regime contratual diverso: aquele que se reformou ao serviço da sua empresa teria (obrigatoriamente) um contrato a termo; o que, depois de reformado ao serviço de outra entidade, foi contratado por aquela empresa poderia ter um contrato sem termo».

Por seu turno, escreve Júlio Manuel Vieira Gomes no seu livro “Direito do Trabalho”, Vol. I – Relações Individuais de Trabalho – pagª 932º e reportando-se àquele entendimento, que «Não são, na nossa opinião, convincentes os argumentos aduzidos por Pedro Romano Martinez no sentido de que a norma também se aplicaria caso se celebrasse um contrato de trabalho com um trabalhador reformado», acrescentando, depois de transcrever o trecho da obra deste autor e a que acabámos de fazer referência expressa, que «Temos, no entanto, sérias dúvidas quanto a esta interpretação. Em primeiro lugar, ela não tem, na nossa opinião, o mínimo de apoio no teor literal da norma, mínimo de apoio que deve ter qualquer interpretação para se manter dentro dos quadros das regras sobre interpretação da lei previstas no Código Civil. O n.º 1 do artigo 392º fala expressamente da permanência do trabalhador ao serviço após a sua reforma por velhice e o n.º 3 refere a circunstância de o trabalhador atingir os 70 anos de idade sem que, no entanto, o seu vínculo tenha caducado por reforma; não se menciona pois a situação do trabalhador que é contratado quando já tem 70 anos ou já está reformado por velhice. Mas, e sobretudo, não é pacífica a teleologia destas normas. Haverá razões para que o Código só contemple a situação do trabalhador que se reforma por velhice ou atinge uma certa idade ao serviço de uma empresa e para que só nesse caso o seu contrato se converta em contrato a termo? Na nossa opinião, pode responder-se pela afirmativa. A idade avançada não tem os mesmos efeitos sobre todos os indivíduos e as suas repercussões no contrato de trabalho dependem de múltiplos factores, entre os quais, as próprias funções exercidas e os riscos que elas envolvem, bem como o grau de aptidão física e de concentração e rapidez de reflexo que pressupõem», acrescentando, noutro passo, que «quando o empregador decide contratar um trabalhador “externo” que já tem 70 anos ou que já está reformado por velhice: aqui a empresa expõe-se ao risco, sendo certo que poderá frequentemente reduzir tal risco, seja através da contratação a termo pelas regras gerais, seja porque também para isso existe o período experimental.

Subsiste, é certo, aquela desigualdade a que se refere Pedro Romano Martinez de poderem coexistir numa empresa trabalhadores que por terem atingido os 70 anos ao serviço desta ficam contratados a termo por força da lei e trabalhadores que porque já tinham, por hipótese, 70 anos quando foram contratados poderão sê-lo por tempo indeterminado. Mas resta saber se essa desigualdade não será antes consequência do artigo 392º ser, ao que tudo indica, e à luz do disposto no artigo 383º, n.º 1, absolutamente imperativo, sem que vislumbremos um interesse público tão forte que o justifique.

De qualquer modo, estabelecer um regime segundo o qual qualquer contrato de trabalho celebrado com trabalhador com 70 ou mais anos é forçosamente um contrato a termo, dá o flanco à acusação de discriminação. E mesmo aceitando que tal discriminação não existiria porque a diferenciação visaria um fim de ordem pública – por exemplo a criação de emprego para os mais jovens – tal medida haveria que ser necessária e proporcional, não se podendo pois atingir o mesmo escopo através de uma medida menos drástica. Questão que também nos suscita as maiores dúvidas...».

Ora, perante estes dois entendimentos doutrinais sobre uma tal questão e com todo o respeito pelo contrário, propendemos em aceitar o defendido por Júlio Manuel Vieira Gomes e a que acabámos de fazer referência, na medida em que se nos afigura ser o que leva em linha de conta a letra da lei (art. 392º do C.T.) como também o próprio pensamento legislativo, para além de ser o que se nos afigura mais equilibrado e conforme com outros princípios igualmente vigentes no nosso ordenamento jurídico, designadamente o da liberdade contratual previsto no art. 405º n.º 1 do Cod. Civil.

Na verdade, pode parecer estranho que numa mesma empresa labore um trabalhador que, por nela haver atingido a idade de 70 anos, veja o seu contrato de trabalho “convertido” num contrato de trabalho a termo, por força da lei, ao lado de um outro que, porque foi contratado com aquela idade, labore em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado. No entanto, afigura-se-nos que, em face da lei, nada o proíbe e, por outro lado, poder-se-ia questionar se, sendo do conhecimento da entidade patronal que o trabalhador que pretende contratar – por razões curriculares ou outras que entenda como justificáveis – tem 70 ou mais anos de idade, não seria colocar injustificadamente em crise o referido princípio de liberdade contratual, impor-se a limitação da sua contratação a termo?

Ora se assim é em face de trabalhadores nessas circunstâncias, mais se evidencia essa injustificabilidade ante a situação de um trabalhador que apenas adquiriu o estatuto de reformado ao serviço de uma outra entidade patronal distinta. Nada impede, a nosso ver, que seja, posteriormente, contratado sem termo ou por tempo indeterminado por uma outra entidade patronal, como se verificou no caso vertente, sendo pouco relevante a circunstância de a aqui R. desconhecer, ao tempo da contratação, que o A. era reformado das forças armadas. Aliás, esse desconhecimento só a si será de imputar, na medida em que se isso assumiria relevância na contratação, deveria ter indagado sobre esse facto junto  do próprio A. antes de com ele celebrar o contrato, não deixando, por outro lado, de ser patente o interesse manifestado pela R. em, ab initio, pretender contratar o A. mediante contrato sem termo ou por tempo indeterminado, pois, para além de estabelecer com ele esse tipo de contrato de trabalho, não apondo no mesmo qualquer prazo ou termo resolutivo, prescindiu, desde logo e expressamente, de qualquer período experimental como resulta do contrato firmado entre ambos em 30 de Setembro de 1999.

Assim, concluindo-se, como se concluiu, pela existência, entre as partes, de um contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado sem que nada na lei impusesse que nele fosse aposto qualquer termo resolutivo, a respectiva cessação apenas se poderia alcançar mediante acordo entre as mesmas ou mediante a verificação, em processo disciplinar, de qualquer causa justificativa para despedimento e isso não se verificou no caso em apreço.

Acresce que, mesmo que se tivesse concluído pela legalidade da “conversão” do referido contrato em contrato a termo resolutivo de seis meses renováveis, ainda assim, não poderia a R. pôr-lhe termo, unilateralmente, como o fez, em 15 de Julho de 2004, mediante carta que expediu ao A. em 14 de Julho de 2004 e ainda que com o envio de cheque para pagamento das remunerações que, porventura, fossem devidas até 15 de Setembro de 2004.

Tal comportamento unilateral da R., também não poderia deixar de constituir despedimento ilícito.

Posto isto e tendo-se concluído pela ilicitude do despedimento do A. no âmbito de contrato de trabalho por tempo indeterminado existente entre ele e a R., não há dúvida que lhe assistia o direito à reintegração no seu posto de trabalho, bem como às retribuições vencidas e vincendas até ao trânsito da sentença, sem prejuízo das deduções legalmente estabelecidas, tal como foi decidido na sentença recorrida, pois isso mesmo resulta do disposto nos arts. 436º n.º 1 al. b) e 437º, ambos do Cod. Trabalho.

Improcedem, pois, as conclusões do recurso interposto pela R.

III – DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, na parte em que foi objecto de impugnação.

Custas a cargo da Apelante.

Registe e notifique.

   Lisboa, 2008/10/01


         José Feteira
         Filomena Carvalho
         Ramalho Pinto

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[1] O Estatuto dos Militares das Forças Armadas aprovado pelo Dec. Lei n.º 34-A/90 de 24-01 e alterado pela Lei n.º 15/92 de 05-08 fala, claramente, em reforma e não em aposentação.