Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3079/12.9TBCSC-M.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: SUPERIOR INTERESSE DO MENOR
RESIDÊNCIA DO MENOR
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AUDIÇÃO DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE/ALTERADA
Sumário: I.– Resulta do disposto no art. 1906.º do Código Civil que: a) quando, em situações como a presente – assinalada por grande conflitualidade, desbaratamento de recursos e energias necessárias à educação do seu descendente em termos equilibrados, serenos, harmoniosos e devidamente orientados para finalidades comuns e marcada pelo olvido de que o litígio entre os progenitores não terá nunca qualquer victória individual mas, apenas, um derrotado (o seu próprio filho) – não seja possível encontrar solução consensual relativa à fixação da residência da criança, deve o Tribunal determinar tal residência e os direitos de visita «tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes»; b) A decisão a proferir assentará sempre (e exclusivamente) na leitura que em cada caso seja feita do interesse do menor – aqui se incluindo as finalidades centrais de manutenção de «uma relação de grande proximidade com os dois progenitores» e de promover «amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».

II.– Constitui elemento decisivo para a formação da convicção do Tribunal a leitura feita pela própria criança dos afectos e das condições e perspectivas da sua vida futura;

III.– Tal leitura é de tal relevo que o próprio legislador da União Europeia considerou a audição da criança condição sine qua non da própria supressão do exequatur pela primeira vez institucionalizada no Regulamento Bruxelas II bis em sede direito de visita e «rapto parental»;

IV.– Na mesma linha, assume importância a falta de estabilidade emocional e serenidade bem como a agressividade reveladas por um dos progenitores, particularmente num contexto como o presente em que nos deparamos com uma criança disputada, desenraizada, alvo de litígio, com segura dificuldade em interpretar como amor tão denso conflito, perturbada nas suas referências em decisiva fase de crescimento, vivendo, certamente, em permanente receio de nova mudança e nova perda de referências;

V.– Perante tal quadro, é o progenitor mais sereno, estável e organizado e também menos agressivo e belicoso o que melhor serve o superior interesse da criança que a tudo deve presidir.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

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I.RELATÓRIO:

                   
PL com os sinais identificativos constantes dos autos, peticionou a «Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais» relativas ao menor TG contra JG neles também melhor identificado. Em tal âmbito, requereu nos termos reproduzidos a fl. 98 peticionando, entre outras medidas, que fosse fixada junto a si a residência do T e que se fixasse regime provisório.

Foi proferida, nesses autos, decisão judicial com o seguinte conteúdo:
Assim, tendo em atenção o supra exposto e as declarações dos progenitores, fixo o seguinte regime provisório:
1.– As responsabilidades Parentais referentes a questões de particular importância na vida do T serão exercidas por ambos os pais.
2.– O T frequentará escola púbica na área da sua residência.
No início de cada ano escolar, os pais suportarão, na proporção de 50% cada um, as despesas do T com livros e material escolar.
3.– Fixo a residência do T em casa da mãe, em Albufeira.
4.– A mãe informará o pai, mensalmente, de todas as questões e relevo na vida do T, designadamente questões de saúde e de aproveitamento escolar, e diligenciará junto da escola que o T vier a frequentar para que sejam fornecidas a este todas as informações escolares.
5.– O T falará com o progenitor com o qual não se encontrar diariamente e entre as 19 e as 20 horas, através de telefone ou Skype.
6.– O T passará com o pai fins-de-semana alternados.
Para tanto, nos fins-de-semana que cabem ao pai este irá buscar o T à escola na sexta-feira, após o termo das actividades escolares, indo a mãe busca-lo a casa do pai no Domingo seguinte às 18 horas.
7.– O T será sempre entregue com o seu cartão de cidadão, boletim de saúde e caderneta escolar.
8.– O T passará com a mãe a primeira semana das férias escolares do Natal.
A mãe irá entregar o T ao pai, em casa deste, no dia 26.12.2017, às 13 horas. O T permanecerá com o pai até à véspera do início do segundo período escolar, dia em que o pai o irá entregar na residência da mãe, às 20 horas.
9.– O T passará com o pai a interrupção escolar do Carnaval.
Para tanto, o pai irá busca-lo à escola na sexta-feira que antecede tal interrupção, após as actividades. O T permanecerá com o pai nesse fim-de-semana e nos dias da referida interrupção. A mãe irá buscar o filho a casa do pai no último dia dessa interrupção, às 18 horas.
10.– O T passará com cada um dos pais uma semana das férias escolares da Páscoa, passando com um dos pais desde o último dia de aulas do segundo período até sete dias depois e com o outro o remanescente de tais férias, passando anual e alternadamente, com cada um dos progenitores a semana em que se inclui o Domingo de Páscoa. No Ano de 2018, o T passa com o pai a semana na qual se inclui o Domingo de Páscoa.
11.– A título de alimentos para o T, o pai suportará a quantia de €110,00 euros por mês, quantia que depositará, até ao dia 8 de cada mês, em conta que a progenitora indicará nos autos em 5 dias.
12.– Os progenitores suportarão, na proporção de 50% cada um, as despesas médicas e medicamentosas do T. Os progenitores recorrerão ao SNS, excepção feita a situações de urgência.

É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por JG que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
A)– A 27 de Setembro de 2017 foi proferido o despacho que fixa o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor T L... G....
B)– E que determinou que o menor passe a residir com a mãe em Albufeira, depois de aproximadamente três anos a viver com o pai, por se entender ser esta a solução que, neste momento, melhor defende os interesses do menor!
C)– Ora, vem o aqui, Recorrente deste despacho apresentar recurso, por entender que o despacho encontra-se enfermo de nulidade.
O)– A decisão ora recorrida de fixação do regime provisório, está inquinada por total ausência de fundamentação e é consequentemente violadora do superior interesse do menor.
E)– Com efeito, a fundamentação das decisões é uma imposição legal e constitucional,
F)– E está consagrada no art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa nos seguintes termos: «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
G)– A Constituição remete, para a lei, designadamente, para os art.s 154.º (...) e 607.º do C.P.C.
H)– A fundamentação destina-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme com a justiça, constituindo uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito.
I)– A fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, ou uma mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, ou remissão para os autos.
l)– O regime legal exige uma "fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma."
K)– Todavia, tal, não se verifica, no caso em apreço, em que existe uma total de ausência de fundamentação,
L)– Pois, não se encontram especificados ou sequer elencados, os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu.
M)– A decisão recorrida é totalmente omissa na referência às razões que, à luz dos princípios legais aplicáveis, - a defesa do superior interesse da criança - justificariam a mesma.
N)– O superior interesse da criança é manter laços de convivência familiar e vinculação afectiva.
O)– O pai, no caso concreto dos autos, é uma pessoa de referência da criança.
P)– A preocupação do Tribunal a quo, ao longo deste tempo (o processo já vai no Apenso L) devia ter sido, criar condições para um ambiente securizante e ausente de conflitos, indispensável à estabilidade do T.
Q)– O despacho que aqui se recorre não apresenta qualquer indicação dos fundamentos de facto e de direito.
R)– Nem efetua uma análise critica das provas que permitiram concluir pela decisão final de alteração do regime.
S)– Não discriminando os factos que considera provados.
T)– Limita-se a efetuar uma remissão genérica para os autos e sem indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
U)– O que determina de forma cabal a nulidade do despacho nos termos dos já referidos, artigos 154.º, 607.º e 615.º do CPC e 205.° da CRP .
V)– Acresce que, a decisão judicial é também nula, decorrente da violação do disposto no n.º 7 do art.º 1906.º do Código Civil que determina que" o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor" e artigo 3.º e 12.º da Convenção dos Direitos das Crianças.
W)– Uma vez que o Tribunal a quo em momento algum explicita em que termos o superior interesse do menor foi tido em conta.
X)– Nem tão pouco, esclarece como é que o novo regime provisório de regulação das responsabilidades parentais irá acautelar esse superior interesse do menor.
Y)– O Tribunal a quo limitou-se a elencar e impor um regime, sem qualquer indicação do estrito cumprimento do principio legal do superior interesse do menor.
Z)– O Tribunal a quo devia ter indicado, concretamente, em que factos, e quais as provas, que justificam a alteração do regime.
AA)– Bem como, o Tribunal deveria ter indicado de que forma o anterior regime não acautelava o superior interesse do menor.
BB)– E como o novo regime pode acautelar mais cabalmente o superior interesse do menor.
CC)– O Tribunal a quo devia igualmente especificar a razão pela qual não valoriza o facto de comprovar que o depoimento do menor foi totalmente instruído pela mãe, ignorando por completo a o superior interesse do menor.
DO)– O Tribunal a quo demonstrou total incapacidade de avaliar e ter em conta o interesse do menor, focando-se sempre no conflito parental e no recorrente e não naquilo que realmente importa, o superior interesse do menor.
EE)– Face ao exposto, o Recorrente entende que o superior interesse do menor, e tão só do menor, não foi tido em conta na ponderação de razões, nem devidamente explicitado pelo Tribunal a quo.
FF)– Atentos todos os elementos constantes dos autos e a prova produzida, facilmente se conclui pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do art.º 615.º n.º 1 b) do C.P.C., por ausência de aplicação do direito e indicação dos elementos dos autos de carreavam à aplicação do direito, violando-se assim o superior interesse do menor previsto nos artigos 1906.º n.º 7 do Código Civil e artigo 3.º e 12.º da Convenção dos Direitos da Criança.
Termos em que, deve (…) ser declarado nulo o despacho de regulação provisória do regime do exercício das responsabilidades parentais, por violação do dever legal de fundamentação nos termos dos artigos 615.° 607.° e 154.° do C.P.C e 205.º da C.R.P. e por violação do principio do superior interesse do menor previsto nos artigos 4.° e 5.º RGPTC e 3.° da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos das Crianças e 1906.° n.º 7 do Código Civil.  
O MINISTÉRIO PÚBLICO pronunciou-se no sentido da manutenção da decisão impugnada, o que fez sem apresentar conclusões.
PL respondeu a tais alegações e, também sem apresentar conclusões, terminou sustentando: «Termos em que e nos mais de direito, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente por não provado e, consequentemente, mantida a douta decisão proferida».

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É a seguinte a questão a avaliar:
Deve ser declarado nulo o despacho de regulação provisória do regime do exercício das responsabilidades parentais por violação do dever legal de fundamentação  e do princípio do superior interesse do menor?

II.FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.
Apesar de fazer menção difusa mas persistente a erros de avaliação instrutória, o Recorrente não deu cumprimento ao disposto no  art. 640.º do Código de Processo Civil pelo que nada há a ponderar quanto à adequação da cristalização dos factos demonstrados.

Constam da decisão posta em crise os seguintes factos relevantes para a decisão a proferir, que não foram validamente impugnados:
1.Tg, nascido em 28.8.2008, é filho do Recorrente e da Recorrida;
2. Em 22.2.2013, o regime provisório foi alterado e, considerando "… a grande conflitualidade entre os pais... " e “a grande instabilidade emocionai ..." do pai, foi estabelecido o seguinte regime provisório: " ... determino que provisoriamente as visitas do pai ao menor se processem exclusivamente no jardim de infância João de Deus, semanalmente, à segunda e terças feiras, das 16:00 horas às 18:30 Horas.";
3. Em 8.10.2013, foi proferido despacho a alterar o regime provisório, mantendo-se a residência do T com a mãe mas alterando-se o local das visitas, passando as mesmas a decorrer na Associação VA;
4. Em 22.9.2014, em sede de conferência de pais, face ao facto de a progenitora se ir ausentar para o Qatar, foi determinado que o menor ficasse aos cuidado da avó materna, mantendo-se o regime de visitas;
5. Em 13.11.2014, em sede de julgamento, foi, provisoriamente fixada a residência do menor com o pai, tendo o T sido entregue ao pai em 14.11.2014;
6. Em 27.11.2014, foi proferida sentença, de que se transcreve o dispositivo:
1.-o menor deverá continuar a residir com o pai, a quem cabe a decisão sobre as questões da vida corrente do menor; 2.- o exercício das responsabilidades parentais no que tange às questões de particular importância para a vida do menor caberá, em conjunto, a ambos os progenitores; 3.- A requerida (progenitora) poderá visitar o menor e estabelecer contato, por telefone ou internet, com o menor, sempre que assim o entenda, sem prejuízo dos respetivos horários de descanso e escolares; 4.- A requerida (progenitora), enquanto se encontrar a residir no estrangeiro, sempre que venha a Portugal, poderá ter o menor consigo até um mês seguido, desde que avise o requerido (progenitor) com 15 dias de antecedência e sem prejuízo dos horários escolares do menor;  5.- A requerida (progenitora) deverá contribuir com o valor mensal, a título de alimentos, de €250, 00, a pagar até ao último dia de cada mês, com início no corrente mês de Novembro.  6.- A pensão de alimentos fixada será atualizada anualmente (em Janeiro de cada ano) de acordo com a evolução do índice de inflação publicado pelo INE, com início em Janeiro de 2015. 7.- A progenitora deverá suportar metade das despesas escolares, médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada, mediante exibição do competente recibo/fatura pelo progenitor e a liquidar com a prestação alimentícia do mês seguinte ao da exibição;
7.De tal decisão foi interposto recurso, tendo o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra negado provimento ao recurso e confirmado a sentença proferida, por acórdão datado de 6.10.2015:
8.Em 19.10.2015, no Tribunal da Figueira da Foz, PL intentou contra JG acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, referentes ao supra referido menor T. Pediu se alterasse o regime estipulado, fixando-se a residência do menor com a mãe no Qatar, devendo o menor passar com o pai um mês de férias de Verão, podendo o pai contactar com o menor diariamente através de Skype. Sem prescindir, caso não se autorizasse a mãe a fixar residência no Qatar, pediu se fixasse a residência do menor com a mãe na Figueira da Foz, passando o mesmo com o pai fins-de-semana alternados e passando alternadamente com cada um dos progenitores os dias 24 e 25 de Dezembro. Pede, ainda se fixe uma pensão de alimentos em favor do menor. Pediu a fixação de regime provisório, consagrando uma das soluções que preconizou;
9. Os autos foram remetidos ao Tribunal «a quo» em 30.12.2015;
10. A referida acção foi julgada improcedente, por sentença proferida em 1.8.2016;
11. No que toca ao pedido principal foi o mesmo indeferido, em síntese porque: - Quando a mãe se ausentou para o Qatar, o menor sofreu grande perda, dado que mantinha com a mesma forte ligação afectiva. Tal perda foi sendo mitigada pelas constantes deslocações da mãe a Portugal para ver o filho. - Estando o menor integrado em casa do pai e na escola que frequentava e tendo forte ligação também como pai, uma deslocação para o Qatar corresponderia a outra perda. E, não teria o pai capacidade económica para se deslocar ao Qatar. No que toca ao pedido subsidiário: - Estando o menor estável e integrado em casa do pai e na escola que frequentava, se e quando a mãe viesse para Portugal, após um período em que se reTsem os convívios de forma regular e progressiva, entre mãe e filho, após esta ter organizado a sua vida em Portugal, então se aferiria (...), sem alterações bruscas, com qual dos pais deveria o menor residir;
12. Da decisão proferida, não foi interposto recurso;
13. A progenitora regressou a Portugal e encontra-se a viver e a trabalhar em Albufeira;
14. Foi reatado o convívio regular entre mãe e filho;
15. No ano lectivo em curso no momento da prolação da decisão recorrida, o T deixou de frequentar o colégio da Boa Nova;
16. O conflito entre os pais não diminuiu;
17. Os pais são ambos inflexíveis, prejudicando o menor;
18. Este tem plena consciência do conflito entre os pais;
19. O T já não frequenta a escola onde se encontrava integrado desde o ano lectivo de 2014/2015 e que constituía uma âncora para o mesmo, um espaço de segurança face ao conflito entre os pais;
20. Ambos  pais mantêm forte ligação com o filho;
21. A mãe mostra-se mais organizada e estável;
22. No tribunal «a quo», por várias vezes, foi determinado que o progenitor se ausentasse das diligências por não se conter, apesar de avisos vários;
23. Na diligência realizada em 14.7.2017 o progenitor, por várias vezes, interrompeu de forma descontrolada quem se encontrava a falar, pelo que foi advertido de que, caso persistisse nesse comportamento, teria que se retirar do gabinete. Não obstante, dirigiu-se à Ilustre Advogada da progenitora em voz alta o tom ameaçador, o que motivou que o seu Advogado lhe dissesse: "Se continuar com este comportamento, arrumo o meu dossier e vou-me embora" e que fosse determinado que se ausentasse do gabinete;
24. Também na escola o pai tem atitudes intempestivas e fala de forma agressiva;
25. A direcção da escola tenta que os pais não se cruzem com medo que o pai se dirija à mãe de forma agressiva;
26. No dia 26.5.2017, num espaço comum da escola do menor, na presença de outros pais, o progenitor descontrolou-se, falou alto e referiu-se à progenitora como "esta merda";
27. O T já assistiu a algumas atitudes de descontrolo do pai;
28. Ouvido, o T disse que gostaria de ficar uma semana com cada um dos pais mas, dado que tal não é possível, quer viver com a mãe e passar fins-de-semana com o pai.

Fundamentação de Direito.

Deve ser declarado nulo o despacho de regulação provisória do regime do exercício das responsabilidades parentais por violação do dever legal de fundamentação  e do princípio do superior interesse do menor?
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

A ponderação da existência deste vício processual faz-se mediante avaliação do conteúdo da decisão cuja nulidade se invoque o que se concretiza através da busca da total rarefação de fundamentos de facto e de Direito (já que só de absoluta falta de fundamentação cura o preceito).

Realizada tal operação, extraímos da decisão criticada que a mesma contém a indicação de um largo acervo de factos em que se esteou (os acima transcritos em sede de fundamentação de facto). Não revela, consequentemente, falta de fundamentação de facto.
Contém a mesma, também, menção a razões da cristalização fáctica.

Já não é assim quanto ao Direito. Com efeito, nesse âmbito, nem uma referência se colhe na área tendencialmente destinada à subsunção jurídica.

Essa situação fere a decisão com a nulidade brandida.

Isto não basta, porém, por si só, para determinar a procedência do recurso com o conteúdo visado de supressão da regulação lida como desfavorável já que cumpre a este Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 665.º do encadeado normativo sob referência, ponderar a necessidade e contornos da regulação provisória, o que envolve a avaliação da eventual justificabilidade da reafirmação do regime definido.

A este respeito, a norma axilar de subsunção é o art. 1906.º do Código Civil. Dela resultam as seguintes noções estruturantes da decisão que se impõe:
a)- quando, em situações como a presente – assinalada por grande conflitualidade, desbaratamento de recursos e energias necessárias à educação do seu descendente em termos  equilibrados, serenos, harmoniosos e devidamente orientados para finalidades comuns e marcada pelo olvido de que o litígio entre os progenitores não terá nunca qualquer victória individual mas, apenas, um derrotado (o seu próprio filho) – não seja possível encontrar solução consensual relativa à fixação da residência da criança, deve o Tribunal determinar tal residência e os direitos de visita «tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes»;
b)- A decisão a proferir assentará sempre (e exclusivamente) na leitura que em cada caso seja feita do interesse do menor – aqui se incluindo as finalidades centrais de manutenção de «uma relação de grande proximidade com os dois progenitores» e de promover «amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
No caso em apreço, dispõe o Tribunal de um elemento decisivo para a formação da sua decisão, atenta a idade da criança em relação à qual se visa definir os contornos das responsabilidades parentais, a saber: a sua própria leitura dos afectos e das condições e perspectivas da sua vida futura. Tal leitura é de tal relevo que o próprio legislador da União Europeia considerou a audição da criança condição sine qua non da própria supressão do exequatur pela primeira vez institucionalizada no Regulamento Bruxelas II bis em sede direito de visita e «rapto parental» – vd. al. c) do n.º 2 do  art. 41 e al. a) do n.º 2 do  art. 42.º do REGULAMENTO (CE) N.º 2201/2003 DO CONSELHO de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000 e DE MELO MARINHO, Carlos M. G., in Textos de Cooperação Judiciária Europeia, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág. 70.

E que disse o menor, no caso em apreço? Disse justamente que é na companhia da sua mãe que quer viver. E fê-lo de forma insofismável e em termos que não podem ser postos em crise face aos elementos fixados e disponíveis.

Na mesma linha, assume relevo a falta de estabilidade emocional e serenidade bem como a agressividade reveladas pelo progenitor, particularmente num contexto como o presente em que nos deparamos com uma criança disputada, desenraizada, alvo de litígio, com segura dificuldade em interpretar como amor tão denso  conflito, perturbada nas suas referências em decisiva fase de crescimento, vivendo, certamente, em permanente receio de nova mudança e nova perda de referências (como se vê do que se provou). Perante tal quadro, é o progenitor mais sereno, estável e organizado e também menos agressivo e belicoso o que melhor serve o superior interesse da criança que a tudo deve presidir.

Aliás, conforme adequadamente assinalado pela Recorrida, o Recorrente em ponto algum das suas alegações construiu argumentação no sentido de corresponder ao superior interesse do seu filho manter residência consigo, não indicando factos dos quais se possa extrair tais vantagens. Tais factos também não se divisam.

O quadro descrito aponta, sem a menor sombra de dúvida, para a necessidade de repristinar o regime regulatório incluído na decisão anulada.

III.DECISÃO
Pelo exposto, anulamos a decisão impugnada mas renovamos a fixação do regime transitório de exercício de responsabilidades parentais aí contido, assim julgando improcedente a apelação face à frustração do objectivo central por ela visado.
Custas pelo Apelante.
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Lisboa, 15.02.2018



Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)