Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1981/08.1TBOER-A.L1-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento deve, por regra, ser proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo, todavia, o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva (ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana).
II. Estando-se no caso vertente em face de uma obrigação de natureza pecuniária e destinando-se a acção a exigir o cumprimento dessa obrigação e/ou indemnização pelo não cumprimento, à A. estava facultada a opção pela propositura da acção no domicílio do credor, ou seja, no tribunal recorrido.(PR).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, A, intentou acção declarativa, com processo comum ordinário, contra B, alegando, em síntese, que:
A A., no exercício da sua actividade industrial e comercial de exploração e venda de bebidas e águas minerais, transmitiu e entregou várias partidas de água mineral e respectivo vasilhame à R. que as adquiriu, também, no exercício da respectiva actividade comercial de venda de bebidas, conforme descrito nas Facturas e Notas de Crédito, que menciona;
Por outro lado, ao longo das relações comerciais, a A., com o fornecimento das águas minerais, veio fornecendo à R. o respectivo vasilhame em consignação, com a obrigação de o restituir ou de pagar o respectivo preço.
Nessa conformidade, entre A. e a R. foram lançados a débito e a crédito diversos movimentos de fornecimento de vasilhame e sua devolução, que vão discriminados na "Conta-Corrente Contabilística" e nas respectivas facturas e notas de débito e crédito no item "verbete de vasilhame (por memória)", perfazendo um saldo devedor da R. de 21.797,21€, conforme doc. 41 junto;
O prazo convencionado para o pagamento dos valores em débito foi de 30 dias após a data das facturas ou avisos de lançamento, como delas consta;
Sucedeu, porém, que a R., não obstante as instâncias da A., recusa cumprir a obrigação de pagar o preço das águas fornecidas e devolver o vasilhame fornecido ou pagar o respectivo preço.
Assim, a R deve a A.: -Preço em dívida - 10.403,67€; Preço do vasilhame não devolvido - 21.797,21€; Juros de mora vencidos até à presente data - 7.734,426, no TOTAL: - 39.935,30€;
A pretensão da A. tem a cobertura legal que lhe oferecem as disposições dos art°s. 874, alínea c) do art°. 879°, 798°. 799°, 804°, alínea a) do n° 2 do art°. 805°, 806°, n° 1 do art°. 559°. todos do Código Civil, parágrafo único 3° do art°. 102° do Código Comercial, ainda o regime de consignação previsto na port. 313/96 de 29/07;
Pediu a condenação da R. no pagamento à A. da quantia de 39.935,30€, correspondente ao preço em dívida, aos juros de mora vencidos e ao valor do vasilhame em dívida, a que acrescem juros vincendos.
A Ré contestou, entre o mais, invocando a excepção da incompetência territorial, alegando que nos termos do contrato que celebrou com a Autora, era esta quem entregava as mercadorias no armazém, onde funciona a sede da Ré, sito na comarca de Cantanhede, sendo ainda aí que se procedia ao pagamento das quantias por esta devidas, as quais eram entregues ao Inspector de Vendas da Autora; só esporadicamente é que, no que respeita aos pagamentos, foi utilizada a via postal.
A Autora replicou, dizendo que nos termos do artigo 74° n°. 1 do CPC e do artigo 774.° do CC, a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva e que se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento; a Autora optou pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida", ou seja, o da comarca de Oeiras.
A presente acção destina-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, resultantes da obrigação do pagamento do preço de mercadorias (água e respectivo vasilhame) fornecidas pela Autora à Ré.
Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, no qual se apreciou e decidiu da excepção em apreço nos termos seguintes:
A presente é uma acção em que, com base num contrato, a Autora vem pedir o pagamento de determinadas obrigações pecuniárias, resultantes da obrigação do pagamento do preço de mercadorias.
Pretende a Autora fazer valer obrigação contratualmente assumida. Está, pois, a presente causa dentro do âmbito do n° 1 do artigo 74° do Código de Processo Civil, que impõe, desde 3-5-06 (alteração do Código de Processo Civil pela Lei n.° 14/2006, de 26 de Abril), que a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.
A Ré para obstar à competência territorial deste tribunal invoca que os pagamentos eram feitos (em geral) na sede da Ré e só esporadicamente por via postal, nomeadamente em 26-3-06.
Ora, para determinar o tribunal competente releva apurar o lugar onde a obrigação deveria ser cumprida, isto é, onde as partes contrataram que se realizasse o cumprimento ou, na falta de tal convenção onde a lei supletiva determina que este se deve realizar.
Não foi invocado que as partes acordaram que o lugar de cumprimento seria a sede da Ré, mas tão só que os pagamentos ali se realizaram com a maior frequência (embora também se chegassem a realizar de outra forma).
Assim, não pode a invocação da Ré pôr em causa a aplicação ao caso da regra supletiva quanto ao local do cumprimento da obrigação (uma vez que esta não invocou qualquer estipulação contratual quanto à matéria ou uso vinculativo), a saber, o do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento (artigo 885° n° 2 do Código Civil).
Termos em que julgo improcedente a excepção de incompetência territorial deste tribunal
Inconformado com a decisão, veio a R interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
A) No presente caso, a presente acção foi proposta para obter duas situações: - o pagamento de quantias em dívida por fornecimentos, no valor de 10.403,67 Euros; -o pagamento de vasilhame dito não devolvido, no valor de 21.797,21 Euros.
B) Se a primeira prestação e de menor valor é uma prestação pecuniária, na qual se suscitam as dúvidas que constam do despacho saneador, com a consequência nele expressa, a segunda prestação não é uma prestação pecuniária, pois não está em causa a devolução de valor, mas a devolução de mercadoria, que a A., por sua comodidade, converte em prestação pecuniária.
C) Conforme se alcança da al. F) dos factos assentes, "a autora obrigou-se a proceder á recolha do vasilhame que se encontrava no armazém da R." e quanto a esta prestação, dúvidas não há de que o vasilhame foi sempre recolhido pela A. no armazém da R., pelo que o local do cumprimento da obrigação é o do domicílio da R., como aliás consta da documentação relativa às facturas de entrega e devolução de mercadoria juntas com a petição inicial, onde sempre foi considerado expressamente pela A. como local de entrega, a sede da R.
D) Atentos os dados de facto referidos no número anterior, temos para a prestação de menor valor um local de cumprimento de obrigação obtido supletivamente na lei civil e temos para a prestação de maior valor um local de cumprimento efectivamente seguido pelas partes na execução do contrato.
E) Face ao exposto, não se vislumbra por que razão deverá o tribunal optar pelo primeiro dos locais para o cumprimento da obrigação, em detrimento do segundo, sendo certo que, a lei civil consagra o favor debitoris, no art°. 772°., n°. 1 do Cod. Civil, sendo certo que, quanto à segunda prestação, é a própria lei civil que fixa como lugar do cumprimento da obrigação, o local onde as coisas se encontram, que é o armazém da R.- Cfr. art°. 773°., n°. 1 do Cod. Civil.
F) Não se diga, como o faz o despacho recorrido que estamos perante a contrapartida/preço de mercadoria entregue, pois isso não é verdade e resulta dos factos já considerados provados, pelo que se não aplica aqui o disposto no art°. 885° do Cod. Civil, pois isso é infirmado pelo facto constante da al. D) dos factos assentes.
G) A falta de outro critério legalmente fixado, deve seguir-se o critério do maior valor relativo dos pedidos para fixar a competência do tribunal, pois é este o critério da maior quantidade de réus, que leva o legislador a fazer a opção constante do art. 87°. n°. 1 do Cod. Proc. Civil.
H) Também é aqui aplicável, devidamente adaptada a norma do art°. 113°. do Cod. Proc. Civil, sobre a tentativa ilícita de desaforamento, pois a A., bem sabendo que tinha de levantar a mercadoria no armazém da R. (al. F) dos factos assentes) e que essa mercadoria/vasilhame era ainda sua propriedade (al. D) dos factos assentes), resolveu arbitrariamente pedir o valor desse vasilhame, para não ter de suportar a acção no Tribunal de Comarca da situação do armazém da R.
I) A quantia reclamada pelo vasilhame, sê-lo-ia como indemnização por não cumprimento - se ele tivesse acontecido -, pelo que também aqui se aplicaria a regra do art. 74°., ou seja, o local onde a obrigação deve ser cumprida ou o domicílio do R., que, neste caso, coincidem.
J) Face ao que se deixa exposto, verifica-se que: - a maior parte do valor corresponde a uma devolução de vasilhame; - a A. arbitrariamente pede o seu valor, o que só pode ser entendido como indemnização, dado que a propriedade do mesmo é sua; - no caso de pedidos independentes, não estabelecendo a lei critério sobre qual prevalece, deve aplicar-se o princípio do de maior valor, nos termos do art°. 87°., n°. 1 do Cod. Proc. Civil.
K) Deve, por isso, declarar-se o tribunal de Oeiras incompetente em razão do território, ordenando-se a remessa dos presentes autos para o Tribunal Judicial de Cantanhede, por ser a comarca em que se situa o armazém da R. e a sede desta.
A A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, com as seguintes conclusões:
a) O pedido deduzido pela A. na p.i., da "condenação da R. no pagamento à A. da quantia de 39.935,30€, correspondente ao preço em dívida" é um pedido de cumprimento de uma obrigação pecuniária.
b) Na p.i. a A. deduz um só pedido fundado numa só "causa de pedir" escorada em dois factos, a saber: incumprimento da obrigação do pagamento do preço das mercadorias fornecidas e do preço do vasilhame fornecido à consignação e não devolvido.
c) Tendo a obrigação peticionada por objecto uma prestação pecuniária, devia ser efectuada no domicilio do credor, ou seja no da A.
d) Sendo a R., ora Apelante, uma pessoa colectiva, a A. optou "pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida", ou seja, o da comarca de Oeiras.
e) As disposições invocadas pela Apelante (art°s. 772 n°. 1 e 773° n°. 1 C.Civil, 87° n°. 1 e 113° CPC) não se configuram com o pedido nos autos, nem se aplicam à factualidade em discussão, e muito menos têm aplicabilidade ao processado.
f) A decisão recorrida respeitou o preceituado nos art°s. 774° C. Civil e 74° n°. 1 CPC, pelo que deverá ser mantida, declarando-se territorialmente competente o Tribunal Judicial de Oeiras.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir.
A questão a resolver é a de saber se o tribunal recorrido é, ou não, competente para a acção.
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II. FUNDAMENTOS DE FACTO.
Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os que decorrem do relatório acima inscrito.
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III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Importa, desde já, deixar claro que à questão que se coloca no presente recurso foi dada resposta de forma acertada no despacho recorrido, que na análise da questão em apreço invocou com rigor a lei aplicável, interpretando-a de acordo com o melhor entendimento da doutrina e da jurisprudência, para concluir, convincentemente, pela competência do tribunal recorrido para conhecer do objecto da presente acção.
Mostrando-se o despacho sindicado devidamente fundamentado, este Tribunal considera dever seguir a fundamentação doutamente deduzida pelo tribunal recorrido, sem necessidade de explanar mais convincentes argumentos, pelo que, nos termos do art. 713º, n.º 5 do C. P. C., se remete, pois, para os fundamentos da decisão impugnada, que, no todo, se acolhem.
Aliás, a Apelante vem produzir uma douta alegação, a apresentar o seu dissentimento em relação à decisão recorrida, batendo-se, assim, por uma solução diferente da seguida na mesma, mas, com o devido respeito, entende-se não lhe assistir razão.
No despacho recorrido defendeu-se a solução que nos parece mais acertada em face da situação concreta, pelo que bastaria reproduzir o que na decisão recorrida se encontra exarado, mas, por respeito pela douta alegação da recorrente que, em todo o caso, representa notável esforço argumentativo se acrescentam as seguintes notas:
A A. formula na presente acção um único pedido, que é o da condenação da R. no pagamento à mesma A. da quantia de 39.935,30€, que é o somatório correspondente ao valor da mercadoria em dívida - 10.403,67€; ao preço do vasilhame não devolvido - 21.797,21€ e a juros de mora vencidos - 7.734,426.
O pedido da A., como configurado se mostra na petição, consubstancia uma obrigação de natureza pecuniária que, a ser devida, deve ser efectuada, nos termos do art. 774º do CC, no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
Por outro lado, conforme art. 74°/1 do CPC, a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento devendo, por regra, ser proposta no tribunal do domicílio do réu, pode, todavia, o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva (ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana).
Estando-se no caso vertente em face de uma obrigação de natureza pecuniária e destinando-se a acção a exigir o cumprimento dessa obrigação e/ou indemnização pelo não cumprimento, à A. estava facultada a opção pela propositura da acção no domicílio do credor, ou seja, no tribunal recorrido.
A recorrente na sua douta alegação invoca que à falta de outro critério legalmente fixado, deve seguir-se o critério do maior valor relativo dos pedidos para fixar a competência do tribunal, por em seu entender ser este o critério da maior quantidade de réus, que leva o legislador a fazer a opção constante do art. 87°/1 do Cod. Proc. Civil.
Ora, não se perfilha o entendimento de que no caso vertente esteja em causa uma cumulação real de pedidos e muito menos com uma pluralidade de réus, mas antes um único pedido, ainda que complexo por dizer respeito a uma soma de prestações emergentes da mesma causa de pedir, o incumprimento de determinada relação contratual. Não tem, por isso, aplicação a regra do art. 87º/1 do CPC.
Mas se estivéssemos em presença de uma cumulação de pedidos teria antes aplicação a norma do art. 87º/2 do CPC, que não favorece a tese da recorrente mas antes a seguida no despacho recorrido, pois que estabelece o princípio de que se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais pode escolher qualquer deles para a propositura da acção.
Do que se conclui que à recorrida era legítima a opção de intentar a presente acção no tribunal da comarca de Oeiras, por ser o tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, pelo que a decisão recorrida, que respeitou o preceituado nos art°s. 774° do C. Civil e 74°/1 do CPC, terá de ser mantida.
Em Sumário:
I. A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento deve, por regra, ser proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo, todavia, o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva (ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana).
II. Estando-se no caso vertente em face de uma obrigação de natureza pecuniária e destinando-se a acção a exigir o cumprimento dessa obrigação e/ou indemnização pelo não cumprimento, à A. estava facultada a opção pela propositura da acção no domicílio do credor, ou seja, no tribunal recorrido.
Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
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IV. DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas nas instâncias pela apelante.
Lisboa, 23 de Abril de 2009.
Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela Gomes
Olindo Santos Geraldes