Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS ALMEIDA | ||
Descritores: | NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO INEFICÁCIA PROCESSO-CRIME | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – De acordo com o n.º 5 do artigo 283.º do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a acusação deve ser comunicada às pessoas indicadas no n.º 3 do artigo 277.º, «prosseguindo o processo quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes». II – O campo de aplicação da parte final desta disposição legal não se restringe, de forma alguma, nem se vê qualquer razão para se restringir, aos casos em que essa ineficácia se ficou a dever ao desconhecimento do paradeiro da pessoa a notificar. III – Uma tal interpretação restritiva deixaria por resolver parte dos casos que a alteração legislativa visou precisamente solucionar. IV – Diferente entendimento das coisas facilitaria, injustificadamente, a prescrição do procedimento criminal uma vez que, não ocorrendo a interrupção do respectivo prazo com a constituição de arguido – artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal –, nem com a notificação da acusação – artigo 121.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma –, nem tendo este mesmo acto efeito suspensivo da prescrição – artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do Código –, não obstante a clara manifestação da intenção de exercer a acção penal por parte do Ministério Público, a extinção do procedimento criminal viria a ocorrer logo que decorresse o prazo previsto no artigo 118.º do Código Penal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa 1 – No dia 16 de Maio de 2011, foi proferido o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve: Em sede de encerramento de inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de acusação do arguido Joel. Vieram os autos remetidos à distribuição e, nessa sequência, foi-nos dado verificar que o arguido não prestou Termo de Identidade e Residência, em virtude de se encontrar em «coma profundo no TMG, Residência para Seniores, Lda., situada na Rua Ourém» (folhas 21) e na sequência de diligências efectuadas em vista à notificação do arguido através de entidade policial competente, na referida morada/estabelecimento, resultou esta negativa, porquanto «Por informação da assistente social (...) o arguido encontra-se em estado de saúde muito grave, de tal modo que não se encontra em condições de compreender ou assinar qualquer documento». Vê-se que o arguido não está notificado do despacho de encerramento de inquérito, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a signatária que não estão verificados os pressupostos para a remessa a distribuição. De resto, com tal acto, ocorre a preterição de formalidade legal que consubstancia uma irregularidade processual, a qual pode afectar o valor do acto de recebimento dos autos (cf. artigos 311.º, n.º 1, e 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), por implicar a preterição da faculdade de que o arguido goza, ainda, de requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal. Considerando o que ficou dito, impõe-se a reparação da irregularidade apontada, mediante o integral cumprimento do disposto no artigo 277.º, n.º 3, do Código de Processo Penal ex vi do art. 283.º, n.º 5, do mesmo diploma legal. Em face do exposto, dê baixa à distribuição, remetendo os autos aos Serviços do Ministério Público. 1. Interpõe-se o presente recurso da douta decisão proferida a fls. 40 e 41 dos autos, com fundamento em violação, por errada interpretação, do disposto nos artigos 123.º, 283.º, n.º 5, parte final, e 311.º, todos do Código de Processo Penal. 6. No caso, o acto ferido de invalidade seria o acto de notificação da acusação, da estrita esfera de competência do Ministério Público a praticar em sede de inquérito e em cujo âmbito de intervenção não se vislumbra intervenção do Juiz de Julgamento, tanto que é uma faculdade que não se encontra prevista no artigo 311.º do Código de Processo Penal. 7. Em todo o caso, a questão que releva e se pretende equacionar no presente recurso prende-se com a concreta viabilidade do acto de notificação pretendido pela Mma Juiz pois que os autos foram remetidos para julgamento por não se ter logrado a notificação do arguido nem se vislumbrar êxito na realização de outras diligências de notificação, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 5, 2.ª parte, do Código de Processo Penal. 8. Na verdade, como se referiu, o arguido encontra-se em coma profundo desde a data do acidente – 26 de Junho de 2010 – e, embora com paradeiro localizado, não se encontra capaz de compreender a notificação. 9. Esta situação configura, quanto a nós, uma impossibilidade de notificação sendo que a lei não distingue se a impossibilidade decorre de ausência por paradeiro desconhecido ou, como no caso, de uma objectiva incapacidade para receber a notificação, superveniente aos factos. 10. Em sede de inquérito, indiciando-se a prática do crime e face à incapacidade superveniente, não existe alternativa de procedimento que não seja a dedução da acusação prosseguindo os autos perante a ineficácia dos procedimentos de notificação – artigo 283.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. 11. Nesta conformidade, entende-se não existir qualquer irregularidade tendo o douto despacho recorrido violado o disposto nos artigos 123.º, 283.º, n.º 5, e 311.º, todos do Código de Processo Penal. 12. O artigo 283.º, n.º 5, do Código de Processo Penal foi interpretado no sentido de restringir a impossibilidade de notificação às situações de paradeiro desconhecido do arguido, quando a letra e o espírito da lei não permitem essa restrição e deveria ter sido interpretado no sentido de entender que a impossibilidade de notificação não se restringe às situações de paradeiro incerto mas, também, qualquer outra impossibilidade de notificação, designadamente a que resulta de incapacidade superveniente, devendo, consequentemente, ser proferido despacho de recebimento de acusação e designação de dia para julgamento. 16. O artigo 311.º foi interpretado no sentido de viabilizar ao Juiz de Julgamento a possibilidade de proferir despacho não compreendido no âmbito do artigo 311.º do Código de Processo Penal quando deveria restringir-se ao conhecimento das questões ali enunciadas, pois que não se vislumbra, como o douto despacho recorrido reconhece, qualquer nulidade de que cumprisse conhecer. Termos em que, revogando a douta decisão sob recurso e substituindo-a por outra que considerando verificada a situação prevista no artigo 283.º, n.º 5, parte final, do Código de Processo Penal receba a acusação e designe dia para julgamento farão V.a Ex.a a costumada justiça. ² Lisboa, 14 de Março de 2012 (Carlos Rodrigues de Almeida) (Horácio Telo Lucas) ___________________________________________________ [1] Veja-se, nomeadamente, a jurisprudência citada por SANTOS, Manuel Simas, LEAL-HENRIQUES, Manuel, e PINHO, David Borges de, in «Código de Processo Penal Anotado», 2.º volume, Rei dos Livros, Lisboa, 1996, p. 132 e ss. [2] Para resolver esta questão, um Anteprojecto de revisão do Código de Processo Penal elaborado em meados dos anos 90 por uma comissão presidida por Figueiredo Dias, aditava ao artigo 283.º um n.º 6 cujo texto era o seguinte: «É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 113.º, n.º l, alíneas a) e b), prosseguindo o processo quando, depois de se terem utilizado as duas vias de notificação, elas se tenham revelado ineficazes». [3] O primeiro Projecto da Comissão presidida por Germano Marques da Silva (1996/97) propôs que a declaração de contumácia pudesse ocorrer, neste tipo de casos, antes de o processo ser remetido para a fase de julgamento, sendo para esse efeito competente o juiz de instrução criminal, alternativa que veio posteriormente a ser abandonada (vejam-se os artigos 285.º a 285.º-C desse projecto). |