Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
28507/23.4 T8LSB.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
CONTEÚDO TELEVISIVO E INFORMATIVO
ACESSIBILIDADE PELA INTERNET
INTERESSE PÚBLICO
DIREITO DE PERSONALIDADE
LESÃO GRAVE
IMPOSIÇÃO DE APAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A exceção prevista na al. a) do nº 3 do artº 127º do Regulamento UE 2016/679, de 27 de abril de 2016 tem como pressuposto que o tratamento dos dados pessoais se revele necessário ao exercício da liberdade de expressão e de informação. Ou seja, a exceção não é de aplicação automática, exigindo-se uma ponderação entre, por um lado, os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, consagrados pelos artigos 7º e 8º da Carta dos Direitos Fundamentais, e, por outro, o direito fundamental à liberdade de informação, garantido pelo artigo 11º da Carta.
- A notícia/conteúdo remonta ao ano de 2001, respeita a factos ocorridos há mais de 20 anos, a requerente não é figura pública, foi absolvida do crime de homicídio por negligência que lhe era imputado no exercício da sua profissão de médica, a que a acusação veiculada pela notícia/conteúdo se referia, nenhum alarme social suscita tal imputação, dado desde logo o desfecho do julgamento.  Não lhe é atribuído o exercício de funções com exposição mediática ou papel decisório de carácter administrativo ou político. Não está em causa uma atuação em local público (a implicar eventualmente a sujeição a maior exposição).
- Atentas as referidas circunstâncias, a divulgação desse conteúdo na internet não reveste qualquer interesse público atual e causa lesão grave aos direitos de personalidade da requerente (bom nome, imagem e reputação pessoal e profissional), pelo que, em termos de juízo de proporcionalidade, mostrando-se tal divulgação absolutamente desnecessária ao exercício da liberdade de informação, prevalece o direito ao esquecimento da requerente, mediante a eliminação/apagamento da notícia/conteúdo, uma vez que afastada fica a exceção prevista na al. a) do nº 3 do artº 17º do Regulamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

AA  instaurou o presente procedimento cautelar comum contra B  [ …TELEVISÃO DE PORTUGAL, S. A. ] , pedindo a condenação da requerida a retirar, imediatamente, do acesso público de qualquer dos seus sítios de internet, qualquer informação relativa ao julgamento da requerente por homicídio negligente, bem como a pagar à requerente, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €: 300,00 (trezentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento da presente providência. Requereu, ainda, a inversão do contencioso, dispensando-se a requerente de interpor ação principal que tenha como objeto o reconhecimento do direito que aqui se pretende ver cautelarmente reconhecido.
Para o efeito, alegou, em síntese, que é médica desde 1984, exercendo tal atividade como ocupação profissional exclusiva; a requerida detém a marca RTP e é dona do sítio de internet RTP ARQUIVOS, acessível em https://arquivos.rtp.pt, e a única responsável pelos conteúdos ali disponibilizados, sendo que no ano de 1997, a requerente foi injustamente acusada da prática de um crime de homicídio por negligência no âmbito das suas funções de médica, para além de que a referência a uma acusação injusta, resulta da circunstância de ter sido proferida sentença absolutória da aqui requerente. Mais alega que a acusação em causa, o envolvimento no julgamento, toda a angústia que o mesmo causou (pelo inevitável sentimento de injustiça que experienciava), geraram um profundo sentimento de tristeza na requerente e permitem-lhe descrever o episódio como um verdadeiro trauma, no entanto, a total absolvição da ora requerente, o conforto da inequívoca prova da sua inocência e o significativo tempo entretanto decorrido, tinham tornado o sumariamente descrito episódio, apenas numa negativa memória do passado. Alega, também, que em início de julho de 2023, a requerente foi alertada para a circunstância de qualquer pessoa ao realizar uma pesquisa no motor de busca do Google, ali introduzindo o nome “Dr.ª AA” (nome e título profissional e abreviado utilizado regularmente pela requerente), imediatamente se deparava com a notícia/conteúdo da RTP (e apenas da RTP) que identifica e, a partir daquela data, a requerente passou a ser chamada à atenção por amigos, familiares e pacientes para tal circunstância. A requerente confirmou ao efetuar a respetiva pesquisa, sendo que nenhuma referência é feita à absolvição, que qualquer colega ou qualquer paciente da requerente, ou mesmo qualquer seu amigo ou conhecido que possa simplesmente ter interesse em pesquisar o nome da Dr.ª AA, o que encontra de imediato em pesquisa na internet, é a menção a tratar-se de uma homicida (ainda que por negligência), na prática da sua atividade de médica. Mais alega que apesar de ter interpelado a requerida no sentido de remover o conteúdo da desadequada “notícia”, a requerida recusou-se a tomar qualquer medida. O conteúdo disponibilizado pela requerida, gerou à requerente um profundo choque, um enorme desgosto e tristeza, avivando-lhe desnecessária e injustificadamente memórias muito negativas de uma situação em que foi muito injustiçada e, que agora continua a persegui-la como uma sombra, sem qualquer interesse noticioso, sem que exista uma verdadeira notícia, conteúdo informativo com interesse jornalístico, e sem que estejamos em face da necessidade de respeito pelo direito à informação, a requerida vem divulgando publicamente, ao abrigo do seu suposto “dever de informar”, uma informação que por um lado não tem qualquer utilidade pública ou informativa, mas que por outro lado afeta de forma muito negativa os direitos de personalidade da requerida, para além de que para a requerente é inequívoco que com a divulgação do conteúdo aqui identificado, o direito ao bom nome a uma boa imagem social a uma boa reputação, o direito até a exercer em igualdade de circunstâncias a sua profissão, com uma imagem profissional isenta, são direitos sujeitos a uma grande compressão e limitação, sem que em contrapartida se possa dizer que existe qualquer utilidade efetiva (em termos informativos) decorrente do conteúdo ora em causa e, não respeita os limites da liberdade de imprensa, e, mais, é substancialmente apto a fomentar grave lesão à consideração e reputação pessoal e profissional (o bom nome), da requerente.
A requerida, citada, deduziu oposição. Para tanto alegou, em suma, que embora aceite o conteúdo da notícia em causa, impugna o demais alegado, nomeadamente as valorações de mérito efetuadas pela requerente, sendo despropositada a providência em apreço, porque atentatória aos princípios da liberdade de informação e imprensa, uma vez que a requerente pretende apagar factos históricos, sendo que a requerente pode solicitar às empresas detentoras dos motores de busca da internet que suprimam da lista dos resultados de pesquisa efetuada a partir do nome da mesma, as ligações a páginas da interne que contenham informações sobre si.
Concluiu pela improcedência do procedimento cautelar e sua absolvição de todo o peticionado.
Realizada a audiência final foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, absolveu a requerida dos pedidos deduzidos pela requerente.
A requerente interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. O presente recurso tem como objeto a douta decisão proferida nos presentes autos (despacho final com a referência CITIUS 432817898), e que determinou, a absolvição da requerida, dos pedidos cautelares formulados pela recorrente.
2. O tribunal a quo considerou preenchidos todos os requisitos para o decretamento da providência pretendida pela ora recorrente, à exceção da adequação da providência à situação, por entender que a mesma seria supostamente desproporcional e desadequada porque a recorrida, como órgão de comunicação social que é tem um direito fundamental de Liberdade de Imprensa e informação consagrados nos artigos 37.º e 38.º da Constituição a República Portuguesa, o seu comportamento passa a ser lícito.
3. O tribunal desconsiderou em in totum que a liberdade de imprensa não é um direito absoluto e não ponderou que a dignidade constitucional (artigos 37.º e 38.º da Lei Fundamental) do princípio fundamental da liberdade de expressão e do direito de informação se deve compatibilizar com princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, e o direito à imagem e à saúde, também com a mesmo dignidade e proteção - artigo 26.º, n.º 1, da CRP.
4. Ambos os direitos em presença – Liberdade de expressão e informação e Direitos de Personalidade – se apresentam merecedores da dignidade e da mesma proteção a nível da Lei Fundamental.
5. Apesar da decisão recorrida mostrar grande sensibilidade (prática, mas não jurídica) para com a dolorosa situação em que a recorrente se encontra, não realizou uma ponderação casuística dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, no que concerne à gestão de conflitos sobre direitos fundamentais.
6. E no entender da recorrente, o direito da requerida a informar, não justifica uma tão gravosa compressão dos direitos de personalidade da ora recorrente, pois como ficou provado, a situação vertida gera à requerente, uma profunda angústia, sofrimento psicológico, prejuízo para a saúde e um nefasto efeito para a atividade profissional que desenvolve!
7. O tribunal a quo violou o artigo 18.º, n.º e 26.º, n.º 1, da CRP, o artigo 70.º, n.º 1, e o artigo 335.º, do Código Civil, que foram simplesmente desconsiderados, quando deveriam ter sido, na sua adequada concatenação, interpretados no sentido geral de que na situação em apreço, a proteção dos direitos de personalidade da recorrente, justificariam a ligeira compressão do direito a informar; ligeira, dizemos, porque na verdade trata-se apenas de remover aquele conteúdo da internet, nada mais, o conteúdo poderá obviamente ser mantido nos arquivos históricos e em outros suportes da RTP.
8. O tribunal a quo violou, também, o artigo 3.º, da Lei de Imprensa, pois desconsiderou em absoluto que “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei(…)” tendo interpretado o direito á informação e a liberdade de expressão como um direito absoluto, sem restrições, o que não é manifestamente o caso.
9. O n.º 2 do artigo 18.º da Lei Fundamental – a que o tribunal a quo não chega, sequer a fazer referência – acolheu de modo expresso o princípio da proporcionalidade, também chamado princípio da proibição do excesso, sempre que haja de ponderar a compressão de qualquer direito fundamental.
10. Se houvesse recurso aos princípios essenciais necessários a dirimir conflitos de direitos fundamentais, o tribunal a quo teria concluído que os direitos de personalidade da recorrente se deverão sobrepor ao direito da requerida divulgar na internet (e apenas aqui), os factos “noticiosos” que estão em causa nos autos, desde logo e em resumo (por referência ao que mais amplamente resulta do corpo da presente alegação) porque:
a) Há um facilitadíssimo e desnecessário acesso generalizado (à distância de um “click”) de um facto histórico, ocorrido há muito mais de 20 anos, relativo a uma acusação de homicídio por negligência o que é absolutamente desinteressante para o público em geral, não existindo um interesse público a salvaguardar.
b) A forma como a “informação” é divulgada pela B, em sítio de internet, em que indexou pesquisas (indexantes que são depois usados pelos motores de busca) ao nome profissional da recorrente, tem um nefasto efeito nos direitos de personalidade da visada, que são gravemente lesados e de uma forma manifestamente irreparável.
c) A recorrente não é uma figura pública, nem o facto noticiado gera, quando associado ao nome da recorrente, qualquer objetiva necessidade de o divulgar.
d) A forma como o conteúdo noticioso é divulgado leva a que qualquer pessoa que busque na internet o nome da recorrente, veja de imediato que ela esteve associada a um processo de homicídio.
e) Mesmo que na presente data, os resultados de pesquisa dos motores de busca já apresentem o conteúdo informativo referente à absolvição da requerente, tal facto não aduz qualquer conforto, nem por qualquer modo limita ou pazigua o efeito negativo da divulgação dos factos associados ao julgamento por homicídio negligente.
f) O direito à divulgação da informação na internet, sem regras, por parte da B, não é proporcional à lesão que daí decorre para a recorrente, e esta nunca poderá sanar o problema junto dos motores de busca, pois os motores de busca estão, obviamente, apenas a divulgar a informação que a B lhes transmite no seu site, tanto assim, que para ali se limitam a canalizar os resultados!
11. Na correta interpretação das normas jurídicas mencionadas e seguindo a corrente jurisprudencial sobre esta matéria, impunha-se ao tribunal analisar casuisticamente a situação, para ponderar se ordenar a remoção da informação que está em apreço dos sítios públicos de internet da requerida, se afigurava ou não desproporcional ao equilíbrio a estabelecer entre os dois direitos fundamentais em presença, o que não foi feito.
12. O tribunal a quo não poderia ter considerado como não provado que “1 - O referido em 8) dos factos indiciariamente provados é considerando a indexação que lhe é dada pela requerida, nos critérios de pesquisa por aquele conteúdo.”, desde logo porque é para todos evidente – sem necessidade de prova – que foi a B, obviamente, quem disponibilizou esse conteúdo na web, tanto assim, que o resultado apresentado pelos motores de busca é simplesmente o encaminhamento para o próprio site de internet da B. É a requerida quem atribui os indexantes de pesquisa e quem disponibiliza o conteúdo lesivo dos direitos da recorrente, não é Google ou qualquer outro motor de busca, estes que se limitam a triar o conteúdo disponível na Web e a disponibilizar os resultados!
13. O tribunal também não deveria ter considerado como não provado que “4 - O conteúdo referido em 8) dos factos indiciariamente provados não tem qualquer potencial informativo ou útil para o cidadão em geral, não espelha qualquer notícia no verdadeiro sentido.” , pois em termos de avaliação ponderada, a decisão sobre este facto impunha-se diversa, uma vez que atentas as características do conteúdo “noticioso” em apreço, não tem de facto qualquer interesse público ou potencial informativo para o cidadão em geral, e, atento o seu cariz meramente histórico, não tem tradução numa verdadeira notícia.
14. O que a recorrente pretende com a presente providência é que a requerida seja condenada a retirar, imediatamente, apenas do acesso público de qualquer dos seus sítios de internet, qualquer informação relativa ao julgamento da requerente por homicídio negligente. Poderia, a requerida, obviamente, manter o conteúdo em questão em outros suportes, o que contribui, ainda mais para o equilíbrio justo desta solução que evitaria o perpetuar da gravíssima lesão dos legítimos interesses e dos direitos constitucionalmente protegidos, da recorrente!
15. Sendo decretada a providência requerida, como se julga ser de Direito, a fixação de uma sanção pecuniária compulsória e a inversão do contencioso, nos termos oportunamente requeridos, tem o máximo sentido e deverá ser determinado.
Nestes termos e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a identificada decisão proferida pelo tribunal a quo, sendo substituída por outra, que ordene que a requerida retire, imediatamente, do acesso público de qualquer dos seus sítios de internet, qualquer informação relativa ao julgamento da requerente por homicídio negligente, fixando-se a já requerida sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da providência, e determinando-se a inversão do contencioso, só assim sendo possível fazer sã, serena, objectiva e verdadeira JUSTIÇA.”
A requerida apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
A. A pretensão da Recorrente em ver o facto n.º 1 da matéria de facto não provada como facto provado não pode proceder uma vez que tal pretensão revela um total desconhecimento pela Recorrente sobre o modo como operam os motores de busca. Haverá que considerar, desde logo, que tais motores de busca são operados, na sua maioria, por entidades com fins comerciais e que os resultados de pesquisa que apresentam aos utilizadores finais depende de um conjunto de factores – entre os quais, mas não apenas, a indexação realizada pelos titulares dos websites – que são determinados pelo próprio operador do motor de busca verificando-se, inclusivamente, que, dependendo do motor de busca escolhido, os resultados de pesquisa apresentados ao utilizador são ordenados de forma diferente.
B. Relativamente ao facto n.º 4 da matéria de facto não provada, também não pode proceder a pretensão da Recorrente por se encontrar claramente demonstrado que o conteúdo em questão é, precisamente, um conteúdo noticioso radiodifundido pela Recorrida no serviço de notícias “TELEJORNAL”, que se limita apenas a descrever os factos ocorridos na data e que se encontra integrado no acervo histórico de conteúdos gerido pela Recorrida – “B Arquivos” – que esta, enquanto concessionária do serviço público de radiodifusão, tem como missão manter, preservar e disponibilizar ao público em geral.
C. Pelo exposto, entende a Recorrida que não assiste razão à Recorrente quanto a esta pretensão, devendo por isso o Tribunal ad quem manter o elenco de factos provados constantes da sentença, ora em crise, por serem fiéis à prova produzida nos presentes autos.
D. A Recorrida discorda em absoluto da posição defendida pela Recorrente ao pretender o apagamento do conteúdo disponibilizado pela Recorrida no sítio de internet “B Arquivos”, por entender que tal solução constitui uma afronta aos princípios gerais orientadores em matéria de conflitos de direitos fundamentais ao implicar a supressão total do direito à liberdade de expressão e informação da Recorrida em detrimento dos direitos de personalidade da Recorrente.
E. A este respeito, e como bem entendeu o Tribunal a quo, admitir a eliminação da notícia em questão teria como consequência criar uma ilusão de que os factos em questão não ocorreram, mas também admitir a criação de um precedente para que, no futuro, semelhante solução seja aceite, o que constitui uma clara afronta aos princípios fundamentais de um Estado de Direito.
F. Além do mais, a solução pretendida pela Recorrente – eliminação do conteúdo sobre o início do julgamento – não terá o resultado que a mesma pretende alcançar, uma vez que a informação sobre a sua absolvição continuará a ser visível em pesquisas nos motores de busca.
G. O artigo artigo 17.º do Regulamento Geral de Protecção de Regulamento Geral de Protecção de Dados (Regulamento UE 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Abril de 2016 – “RGPD”) não é aplicável ao caso que nos ocupa por se verificar que que este direito não é absoluto, consagrando o n.º 3 deste artigo uma restrição à aplicação deste direito nos casos em que o tratamento de dados se revele necessário: “(...) ao exercício da liberdade de expressão e de informação”.
H. Nessa medida, e uma vez que o conteúdo disponibilizado pela Recorrida, que se limita a descrever, de forma isenta e imparcial os factos ocorridos ao abrigo do exercício do seu direito de liberdade de expressão e informação, verifica-se que o direito da Recorrente em ver eliminados os seus dados pessoais não tem aplicação.
I. A jurisprudência nacional tem vindo reconhecer a necessidade de analisar casos de conflito entre direitos fundamentais com recurso ao critério da verdade, do interesse público e da proporcionalidade e adequação, sendo pacífico que, quando se encontrem verificados os dois primeiros critérios, a solução a adoptar deverá respeitar o princípio da proporcionalidade e adequação de forma a, perante o caso concreto, prejudicar o menos possível o direito que deve ceder.
J. No caso que nos ocupa, e considerando a matéria de facto provada, bem como a prova produzida em sede de articulados e audiência de julgamento, está por demais demonstrado – e a Recorrente não o nega - que o conteúdo disponibilizado pela Recorrida é verdadeiro, ou seja, descreve apenas os factos ocorridos sem fazer quaisquer juízos ou insinuações sobre a Recorrente.
K. Quanto ao interesse público do conteúdo disponibilizado, não é pelo facto de o conteúdo aqui em apreço ter cariz histórico que deixa de servir qualquer interesse público ou que deixa de poder ser qualificado como conteúdo informativo. Com efeito, haverá que considerar não só a importância do relato de factos ocorridos no passado, como também, nomeadamente, a relevância do conteúdo para fins de aprendizagem jornalística, social, ou de outra natureza para futuro.
L. Finalmente, e quanto ao critério da proporcionalidade e adequação, a Recorrida tem, desde início, vindo a apresentar uma solução que permite, precisamente, encontrar um equilíbrio entre os direitos em conflito possibilitando a maior eficácia possível dos mesmos a nível prático.
M. Com efeito, existem actualmente mecanismos que permitem à Recorrente ver os seus direitos de personalidade protegidos através da supressão dos conteúdos divulgados pela Recorrida dos resultados de pesquisa em motores de busca (o chamado “de-listing”) e que não implicam qualquer interferência ou conflito com o direito à liberdade de expressão e informação da Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.”
A decisão recorrida considerou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto:
“1 – A requerente é médica desde 1984, exercendo tal atividade como ocupação profissional exclusiva, daí retirando rendimentos para o seu sustento.
2 - A requerida detém a marca B e, é dona do sítio de internet B ARQUIVOS, acessível em https://arquivos.B.pt e, a única responsável pelos conteúdos ali disponibilizados.
3 - No ano de 1997, a requerente foi acusada da prática de um crime de homicídio por negligência, no âmbito das suas funções de médica.
4 – Foi proferida sentença absolutória da requerente em relação ao referido em 3), que, confirmada por acórdão de tribunal superior, veio a demonstrar a ausência de indício da prática de crime e a determinar a absolvição.
5 – A decisão referida em 4) foi proferida no âmbito do processo n.º 649/97… – Extinto 3.º Juízo Criminal de Setúbal e, foi o Acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Évora, que já no ano 2002 a confirmou.
6 - A acusação referida em 3), o envolvimento no julgamento, toda a angústia que o mesmo causou, geraram sentimento de tristeza na requerente e, permitem-lhe descrever o episódio como um trauma.
7 - A absolvição da ora requerente, o conforto da prova da sua inocência e o tempo entretanto decorrido, tinham tornado o descrito episódio, apenas numa negativa memória do passado.
8 - Em início de julho de 2023, a requente foi alertada por uma pessoa do seu ciclo de amizades, da circunstância de qualquer pessoa ao realizar uma pesquisa no motor de busca do Google, ali introduzindo o nome “Dr.ª AA” (nome e título profissional e abreviado utilizado pela requerente), imediatamente se deparava com a seguinte notícia/conteúdo da B (e apenas da B): “B https://arquivos.B.pt › Conteúdo Início do julgamento de AA, uma médica acusada do crime de homicídio por negligência. Nome do Programa: TELEJORNAL; Nome da série: TELEJORNAL”, nos termos do link de acesso https://arquivos.B.pt/conteudos/julgamento-de-cidalia-ferreira/ que se dá por reproduzido.
9 - O conteúdo referido em 8) é disponibilizado como o primeiro resultado de pesquisa.
10 - A partir de meados de julho de 2023, a requerida passou a ser chamada à atenção por amigos, familiares e pacientes, lhe dizendo: “já tinhas reparado que se pesquisares o teu nome na internet aparece logo que vais ser julgada?!”; ou “O teu julgamento é notícia na internet, se procurar o seu nome vai ver que aparece logo a notícia da B julgamento de AA”.
11 - A primeira vez que a requerida realizou a experiência de pesquisar então o seu nome profissional, ficou aterrorizada, porque a primeira referência feita ao seu nome é um julgamento por negligência médica e, abrindo o link de internet, a notícias que imediatamente assombra o ecrã é “Inicio do julgamento de AA, uma médica acusada do crime de homicídio por negligência.”.
12 – Existe vídeo no ecrã referido em 11) onde exibe-se uma reportagem, de onde resulta a indiciação da requerente como uma médica negligente e que a sua negligência poderá ter sido a causa da morte da vítima. Nenhuma referência é feita à absolvição.
13 - Embora em pequenas letras haja a menção à data de 2001 e, vendo-se o vídeo ou lendo-se o texto se acaba por perceber que a notícia é um conteúdo muito antigo, certo é que aquele conteúdo tem impacto negativo não só na reputação da requerente, como na imagem pessoal e profissional, como mesmo no seu estado de saúde, pois vem-lhe gerando angústia e um avivar de memórias traumáticas.
14 - Qualquer colega ou qualquer paciente da requerente, ou mesmo qualquer seu amigo ou conhecido que possa ter interesse em pesquisar o nome da requerente, o que encontra de imediato em pesquisa na internet, é a menção a tratar-se de uma homicida (ainda que por negligência), na prática da sua atividade de médica.
15 - Apesar de a requerente ter interpelado a requerida no sentido de remover o conteúdo da “notícia”, a requerida não o removeu.
16 - O conteúdo disponibilizado pela requerida, gerou à requerente um choque, desgosto e tristeza, avivando-lhe memórias muito negativas e, que agora continua a persegui-la como uma sombra.
17 – Em Agosto de 2023, a requerida alterou alguns elementos de forma a possibilitar que o conteúdo informativo relacionado com a absolvição da requerente seja também visível.
18 – Na presente data, os resultados de pesquisa dos motores de buscas já apresentam o conteúdo informativo referente à absolvição da requerente, disponível em https://arquivos.B.pt/conteudos/cidalia-ferreira-absolvida-em -julgamento/ que se dá por reproduzido.”
*
A sentença recorrida considerou indiciariamente não provada a seguinte matéria de facto:
“1 - O referido em 8) dos factos indiciariamente provados é considerando a indexação que lhe é dada pela requerida, nos critérios de pesquisa por aquele conteúdo.
2 – Na sequência da interpelação referida em 15) dos factos indiciariamente provados, a requerida recusou-se a tomar qualquer medida.
3 - Sem qualquer interesse noticioso, sem que exista uma verdadeira notícia, conteúdo informativo com interesse jornalístico, e sem que estejamos em face da necessidade de respeito pelo direito à informação, a requerida vem divulgando publicamente, ao abrigo do “dever de informar”, uma informação que não tem qualquer utilidade pública ou informativa.
4 - O conteúdo referido em 8) dos factos indiciariamente provados não tem qualquer potencial informativo ou útil para o cidadão em geral, não espelha qualquer notícia no verdadeiro sentido.”
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Da adequação da providência à situação de lesão
3. Da inversão do contencioso
4. Da sanção pecuniária compulsória
1. Da impugnação da decisão de facto
A apelante impugna os factos não provados nºs 1 e 4, defendendo que “apenas pela simples contradição, quer com os factos provados, quer com as regras da experiência comum – presunções judiciais que se podem extrair das circunstâncias em presença, o tribunal a quo não deveria ter considerado como “não provados” tais factos.
Acrescenta, quanto ao facto nº 1, que “é manifesto, sem necessidade que qualquer prova, que se um motor de busca apresenta um resultado de pesquisa é porque o conteúdo está disponível na internet, e, no caso, foi a B que, obviamente, disponibilizou esse conteúdo na web, tanto assim, que, com se disse, o resultado apresentado é simplesmente o encaminhamento para o próprio site da B.
Considerar este facto como um facto não provado, é simplesmente um atentado à lógica das coisas é simplesmente um facto ostensivo que não exige qualquer prova e que o tribunal a quo, por qualquer razão não enquadrou devidamente.”
Subentende-se que pretende que os factos n ºs 1 e 4 devem ser considerados provados.
Da fundamentação da decisão recorrida consta: “quanto aos factos indiciariamente não provados, o Tribunal sedimentou a sua convicção, na falta de prova de tal factualidade.”
A imputada contradição com os factos provados não foi concretizada, como se impunha. Ainda assim, contemplando o seu elenco 18 factos, não se vislumbra existir qualquer contradição entre estes e o facto não provado nº 1. E também não se descortina que este contrarie as regras da experiência ou que resulte de qualquer presunção
Certo é que a apelante não sustentou a prova do facto nº 1 em qualquer meio probatório, como exigido pelo artº 640º, nº 1, al. b) do CPC.
O facto não provado nº 4 assume cariz manifestamente conclusivo, pelo que se determina a sua eliminação.
Assim, improcede a impugnação da decisão de facto.
2. Da adequação da providência à situação de lesão
A requerente concluiu o requerimento inicial pedindo a condenação da requerida a retirar, imediatamente, do acesso público de qualquer dos seus sítios de internet, qualquer informação relativa ao julgamento da requerente por homicídio negligente, bem como a pagar à requerente, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €: 300,00 (trezentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento da presente providência. Pretensão que manteve em sede do presente recurso.
A sentença recorrida julgou improcedente o procedimento cautelar. Discorrendo quanto aos requisitos (cumulativos) do procedimento cautelar comum, - que enunciou, de acordo com o disposto no artº 362º do CPC, como sendo (i) a probabilidade séria da existência do direito invocado, (ii) o fundado receio de que outrem, antes da ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, (iii) a adequação da providência à situação de lesão iminente, e (iv) a não existência de providência específica que acautele aquele direito – considerou verificados os dois primeiros. E fundou a improcedência na desproporcionalidade e desadequação da providência requerida à lesão em causa, tendo considerado que a conduta da requerida, para além de não ser ilícita, se insere no âmbito da exceção prevista no artigo 17.º n.º 3, alínea a) do Regulamento UE 2016/679, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, doravante Regulamento).
O Regulamento estabelece as regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e tem por objetivo defender os direitos e as liberdades fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente o seu direito à proteção dos dados pessoais (artº 1º, nºs 1 e 2).
O Regulamento revogou a Diretiva 95/46/CE e é aplicável a partir de 25/05/2018 (artº 99º, nº 2).
Sem dúvida que a questão suscitada nos autos se prende com o tratamento de dados pessoais, uma vez que a requerida disponibilizou na Internet notícia/conteúdo pertencente aos seus arquivos, que tem por objeto acusação deduzida contra a requerente pela prática de um crime de homicídio por negligência no exercício da sua profissão de médica, acessível a qualquer utilizador pelo nome da requerente, como primeiro resultado.
Nos termos do artº 4º do Regulamento entende-se por:
“1) «Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;
2) «Tratamento», uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;
7) «Responsável pelo tratamento», a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, a agência ou outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outras, determina as finalidades e os meios de tratamento de dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios desse tratamento sejam determinados pelo direito da União ou de um Estado-Membro, o responsável pelo tratamento ou os critérios específicos aplicáveis à sua nomeação podem ser previstos pelo direito da União ou de um Estado-Membro”.
A requerente veio a tomar conhecimento em 2023 que ao realizar uma pesquisa no motor de busca do Google, ali introduzindo o nome “Dr.ª AA” (nome e título profissional e abreviado utilizado pela requerente), imediatamente se deparava com a seguinte notícia/conteúdo da B (e apenas da B): “B https://arquivos.B.pt › Conteúdo Início do julgamento de AA, uma médica acusada do crime de homicídio por negligência. Nome do Programa: TELEJORNAL; Nome da série: TELEJORNAL”, nos termos do link de acesso https://arquivos.B.pt/conteudos/julgamento-de-cidalia-ferreira/.
Este conteúdo é disponibilizado como o primeiro resultado de pesquisa.
A primeira vez que a requerida realizou a experiência de pesquisar então o seu nome profissional, ficou aterrorizada, porque a primeira referência feita ao seu nome é um julgamento por negligência médica e, abrindo o link de internet, a notícias que imediatamente assombra o ecrã é “Inicio do julgamento de AA, uma médica acusada do crime de homicídio por negligência.”. Existe vídeo no referido ecrã onde se exibe uma reportagem, de onde resulta a indiciação da requerente como uma médica negligente e que a sua negligência poderá ter sido a causa da morte da vítima. Nenhuma referência é feita à absolvição.
A notícia em causa reporta-se a uma acusação de 1997, sendo que apenas mediante reclamação da requerente junto da requerida, com vista à remoção do aludido conteúdo da internet, esta veio recentemente a disponibilizar na internet notícia referente ao desfecho do julgamento da requerente pela prática do referido crime, do qual foi absolvida (por decisão transitada em 2002).
A referida acusação, o envolvimento no julgamento, toda a angústia que o mesmo causou, geraram sentimento de tristeza na requerente e, permitem-lhe descrever o episódio como um trauma.
A absolvição da ora requerente, o conforto da prova da sua inocência e o tempo entretanto decorrido, tinham tornado o descrito episódio, apenas numa negativa memória do passado.
O conteúdo disponibilizado pela requerida, gerou à requerente um choque, desgosto e tristeza, avivando-lhe memórias muito negativas e, que agora continua a persegui-la como uma sombra.
A requerida detém a marca B, é dona do sítio de internet B ARQUIVOS, acessível em https://arquivos.B.pt, e a única responsável pelos conteúdos ali disponibilizados.
Embora a requerente não alegue conter a notícia/conteúdo elementos inexatos, acompanha-se a decisão recorrida quando refere que aquela, ao reportar uma acusação de homicídio negligente supostamente perpetrado pela requerente no exercício da sua profissão de médica, afeta de forma muito grave o direito ao bom nome, à boa reputação pessoal e profissional e à boa imagem pessoal, social e profissional, direitos de personalidade com proteção legal (artº 70º do CC) e constitucional (artºs 25º, nº 1, 26º, nº 1, 33º, 64º, nº 1 da CRP), de que é titular a requerente, estando tal notícia/conteúdo facilmente acessível, à distância de um (dois ou três) cliques num computador ou telemóvel, por via de pesquisa por qualquer cidadão efetuada em motor de busca na internet. O seu conteúdo, com acesso público, sem qualquer limitação ou restrição, através dos respetivos motores de busca da internet, em que nomeadamente surge como o primeiro resultado, na sequência de pesquisa pelo nome da requerente, causa lesão grave e dificilmente reparável ao direito ao bom nome, à boa reputação pessoal e profissional e à sua boa imagem pessoal, social e profissional.
Conclui-se, pois, pela verificação dos primeiro e segundo requisitos do procedimento cautelar – o que não vem questionado no recurso.
No polo oposto dos direitos de que a requerente é titular, e em confronto com os mesmos, temos os direitos fundamentais de liberdade de expressão e informação e de imprensa (artºs 37º e 38º da CRP e artº 1º da Lei de Imprensa) de que é titular a requerida enquanto órgão de comunicação social.
 A requerente defende que a referida notícia/conteúdo não tem qualquer interesse informativo e tendo sido absolvida das acusações que lhe eram dirigidas no julgamento está-se em presença de uma utilização abusiva dos seus dados pessoais, violando-se o Regulamento Geral da Proteção de Dados (argumento que deixou cair na apelação). Acrescenta que da generalidade da doutrina e jurisprudência sobre esta temática, a regra geral é a de admitir a divulgação de factos verdadeiros, desde que tal divulgação se efetue para assegurar um interesse público legítimo, mas tal não significa a desnecessidade de ponderação casuística dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Como já mencionado a requerente pretende que a requerida elimine o conteúdo acessível na internet – e não o constante em outros suportes.
Na alegação de recurso reitera a apelante que o acesso generalizado de um facto histórico, ocorrido há muito mais de 20 anos, relativo a uma acusação de homicídio por negligência que resultou em absolvição, em que a pessoa visada – a recorrente – não é uma figura pública, nem as particularidades do caso tem qualquer específico interesse público, não se enquadra propriamente no conceito de “dever social de informar” a que a B estará sujeita.
Por seu turno, a requerida/apelada defende que sendo os direitos em questão de igual hierarquia constitucional, não deve ser dada primazia a um direito fundamental em detrimento do outro apenas em virtude da sua natureza, dependendo a solução a adotar de uma análise caso a caso, o que se coaduna com o princípio constitucional da proporcionalidade, previsto no número 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. Mais afirma que importa considerar que, na sua petição inicial, a ora recorrente, sustentou também o seu pedido na violação pela recorrida do direito ao apagamento de dados pessoais da recorrente, conforme previsto no artigo 17.º do Regulamento Geral de Proteção de Regulamento Geral de Proteção de Dados (Regulamento UE 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016).
No confronto entre direitos fundamentais impõe-se efetuar juízo de proporcionalidade – juízo este que o tribunal a quo efetuou, concluindo que a eliminação da notícia/conteúdo da internet se revela desproporcional, com os fundamentos que enunciou.
Analisemos a questão à luz do regime da proteção de dados pessoais, designadamente ao abrigo do Regulamento UE 2016/679, fundamento invocado no requerimento inicial, Regulamento aplicado na decisão recorrida e de que a requerida também se socorre, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o tratamento de dados pessoais.   
Nos termos do artº 6º do Regulamento:
“1. O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:
a) O titular dos dados tiver dado o seu consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais para uma ou mais finalidades específicas;
b) O tratamento for necessário para a execução de um contrato no qual o titular dos dados é parte, ou para diligências pré-contratuais a pedido do titular dos dados;
c) O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;
d) O tratamento for necessário para a defesa de interesses vitais do titular dos dados ou de outra pessoa singular;
e) O tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento;
f) O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.
O primeiro parágrafo, alínea f), não se aplica ao tratamento de dados efetuado por autoridades públicas na prossecução das suas atribuições por via eletrónica. (…)
4. Quando o tratamento para fins que não sejam aqueles para os quais os dados pessoais foram recolhidos não for realizado com base no consentimento do titular dos dados ou em disposições do direito da União ou dos Estados-Membros que constituam uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar os objetivos referidos no artigo 23.o, n.o 1, o responsável pelo tratamento, a fim de verificar se o tratamento para outros fins é compatível com a finalidade para a qual os dados pessoais foram inicialmente recolhidos, tem nomeadamente em conta:
a) Qualquer ligação entre a finalidade para a qual os dados pessoais foram recolhidos e a finalidade do tratamento posterior;
b) O contexto em que os dados pessoais foram recolhidos, em particular no que respeita à relação entre os titulares dos dados e o responsável pelo seu tratamento;
c) A natureza dos dados pessoais, em especial se as categorias especiais de dados pessoais forem tratadas nos termos do artigo 9.o, ou se os dados pessoais relacionados com condenações penais e infrações forem tratados nos termos do artigo 10.o;
d) As eventuais consequências do tratamento posterior pretendido para os titulares dos dados;
e) A existência de salvaguardas adequadas, que podem ser a cifragem ou a pseudonimização.”
Nos termos do artº 85º do Regulamento:
“1. Os Estados-Membros conciliam por lei o direito à proteção de dados pessoais nos termos do presente regulamento com o direito à liberdade de expressão e de informação, incluindo o tratamento para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária.
2. Para o tratamento efetuado para fins jornalísticos ou para fins de expressão académica, artística ou literária, os Estados-Membros estabelecem isenções ou derrogações do capítulo II (princípios), do capítulo III (direitos do titular dos dados), do capítulo IV (responsável pelo tratamento e subcontratante), do capítulo V (transferência de dados pessoais para países terceiros e organizações internacionais), do capítulo VI (autoridades de controlo independentes), do capítulo VII (cooperação e coerência) e do capítulo IX (situações específicas de tratamento de dados) se tais isenções ou derrogações forem necessárias para conciliar o direito à proteção de dados pessoais com a liberdade de expressão e de informação.”
Estabelece o artº 24º da Lei nº 58/2019, de 8 de agosto (Lei da Proteção de Dados Pessoais):
“1 - A proteção de dados pessoais, nos termos do RGPD e da presente lei, não prejudica o exercício da liberdade de expressão, informação e imprensa, incluindo o tratamento de dados para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária.
2 - O exercício da liberdade de informação, especialmente quando revele dados pessoais previstos no n.º 1 do artigo 9.º do RGPD e no artigo 17.º da presente lei, deve respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição da República Portuguesa, bem como os direitos de personalidade nela e na legislação nacional consagrados.
3 - O tratamento para fins jornalísticos deve respeitar a legislação nacional sobre acesso e exercício da profissão.
4 - O exercício da liberdade de expressão não legitima a divulgação de dados pessoais como moradas e contactos, à exceção daqueles que sejam de conhecimento generalizado.”
O artº 3º da Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de janeiro) dispõe que  “a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática”
Dispõe o artigo 17º do Regulamento - Direito ao apagamento dos dados (direito a ser esquecido):
“1. O titular tem o direito de obter do responsável pelo tratamento o apagamento dos seus dados pessoais, sem demora injustificada, e este tem a obrigação de apagar os dados pessoais, sem demora injustificada, quando se aplique um dos seguintes motivos:
a) Os dados pessoais deixaram de ser necessários para a finalidade que motivou a sua recolha ou tratamento;
b) O titular retira o consentimento em que se baseia o tratamento dos dados nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea a), ou do artigo 9.o, n.o 2, alínea a) e se não existir outro fundamento jurídico para o referido tratamento;
c) O titular opõe-se ao tratamento nos termos do artigo 21.o, n.o 1, e não existem interesses legítimos prevalecentes que justifiquem o tratamento, ou o titular opõe-se ao tratamento nos termos do artigo 21.o, n.o 2;
d) Os dados pessoais foram tratados ilicitamente;
e) Os dados pessoais têm de ser apagados para o cumprimento de uma obrigação jurídica decorrente do direito da União ou de um Estado-Membro a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;
f) Os dados pessoais foram recolhidos no contexto da oferta de serviços da sociedade da informação referida no artigo 8.o, n.o 1.
2. Quando o responsável pelo tratamento tiver tornado públicos os dados pessoais e for obrigado a apagá-los nos termos do n.o 1, toma as medidas que forem razoáveis, incluindo de caráter técnico, tendo em consideração a tecnologia disponível e os custos da sua aplicação, para informar os responsáveis pelo tratamento efetivo dos dados pessoais de que o titular dos dados lhes solicitou o apagamento das ligações para esses dados pessoais, bem como das cópias ou reproduções dos mesmos.
3. Os n.os 1 e 2 não se aplicam na medida em que o tratamento se revele necessário:
a) Ao exercício da liberdade de expressão e de informação;
b) Ao cumprimento de uma obrigação legal que exija o tratamento prevista pelo direito da União ou de um Estado- -Membro a que o responsável esteja sujeito, ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que esteja investido o responsável pelo tratamento;
c) Por motivos de interesse público no domínio da saúde pública, nos termos do artigo 9.o, n.o 2, alíneas h) e i), bem como do artigo 9.o, n.o 3;
d) Para fins de arquivo de interesse público, para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos, nos termos do artigo 89.o, n.o 1, na medida em que o direito referido no n.o 1 seja suscetível de tornar impossível ou prejudicar gravemente a obtenção dos objetivos desse tratamento; ou
e) Para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo judicial.”
“Este preceito regula o direito ao apagamento em sentido lato, o qual engloba o direito ao apagamento em sentido estrito (nº1) e o direito ao esquecimento previsto no nº 2. Este Artigo 17º dirige-se a todos os responsáveis que procedam ao tratamento de dados pessoais, apesar de o direito ao apagamento em sentido lato estar pensado, em primeira linha, como um meio de tutela contra os perigos do tratamento de dados na internet.
Nos termos do nº1, o titular tem direito a que sejam apagados os seus dados, invocando um dos motivos enunciados nas als. a) a f), sendo que «A questão de se saber se o tratamento gera danos, reais ou potenciais, é totalmente irrelevante no direito ao apagamento» (Barreto Menezes Cordeiro (coord.), Comentário ao Regulamento Geral de Protecção de Dados e à Lei nº 58/2019, Almedina, 2022, p. 190; cf. também § 96 do caso Google Spain SL e Google Inc.).
O direito ao esquecimento previsto no nº 2 tem dois requisitos cumulativos: que o responsável tenha tornado os dados públicos e que seja obrigado a apagá-los nos termos do nº1 (cf. Barreto Menezes Cordeiro, Op. Cit., p. 194).
Nos termos da al. c), do nº1, o responsável deve apagar os dados se o titular exercer o seu direito de oposição, nos termos do Artigo 21º, nºs 1 e 2, quando o tratamento seja necessário à prossecução de interesses legítimos (Artigo 6º, nº1, al. f)), disposição já analisada supra.
Porém, no que tange ao tratamento necessário à prossecução de interesses legítimos, o direito ao apagamento não é aplicável caso existam interesses legítimos que prevaleçam, designadamente o exercício da liberdade de expressão e de informação (al. a), do nº3). «Estarão aqui em causa tanto os interesses do responsável, como de terceiros. Terceiros serão todos aqueles cujo exercício da liberdade de expressão e de informação se revele importante, tenha este um cariz profissional ou privado (neste último caso, p. ex., utilizadores de redes sociais).» (cf. Barreto Menezes Cordeiro, Op. Cit., p. 195).” [i]
O presente caso relaciona-se com o disposto na al. c) do nº 1 do artº 17º do Regulamento (e artº 6º, nº 1, al. f), ex vi do artº 21º).
Importa determinar se está afastada a aplicação dos nºs 1 e 2 deste preceito em virtude da exceção mencionada na al. a) do nº 3. A exceção tem como pressuposto que o tratamento dos dados pessoais se revele necessário ao exercício da liberdade de expressão e de informação. Ou seja, a exceção não é de aplicação automática, exigindo-se uma “ponderação entre, por um lado, os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, consagrados pelos artigos 7º e 8º da Carta, e, por outro, o direito fundamental à liberdade de informação, garantido pelo artigo 11º da Carta.” (ponto 69 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 24/09/2019, C-136/17).
No acórdão de 08/12/2022, processo nº C-460/20, o Tribunal de Justiça esclareceu que:
“58 O RGPD, nomeadamente o seu artigo 17.o , n.o 3, alínea a), consagra assim expressamente a exigência de uma ponderação entre, por um lado, os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, consagrados nos artigos 7.o e 8.o da Carta, e, por outro, o direito fundamental à liberdade de informação, garantido no artigo 11.o da Carta [Acórdão de 24 de setembro de 2019, GC e o. (Supressão de referências a dados sensíveis), C-136/17, EU:C:2019:773, n.o 59].
59 Há que acrescentar que o artigo 7.o da Carta, relativo ao direito ao respeito pela vida privada e familiar, consagra direitos correspondentes aos garantidos no artigo 8.o , n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e que a proteção dos dados pessoais desempenha um papel fundamental no exercício do direito ao respeito pela vida privada e familiar consagrado no artigo 8.o da CEDH (TEDH, 27 de junho de 2017, Satakunnan Markkinapörssi oy e satamedia oy c. Finlândia, CE:ECHR:2017:0627JUD000093113, § 137). Por conseguinte, em conformidade com o artigo 52.o , n.o 3, da Carta, há que dar ao referido artigo 7.o o mesmo sentido e o mesmo alcance que o sentido e o alcance conferidos ao artigo 8.o , n.o 1, da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. O mesmo é aplicável em relação ao artigo 11.o da Carta e ao artigo 10.o da CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Buivids, C-345/17, EU:C:2019:122, n.o 65 e jurisprudência referida).
60 Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que, no que respeita à publicação de dados, para efetuar a ponderação entre o direito ao respeito pela vida privada e o direito à liberdade de expressão e de informação, deve ser tomado em consideração um determinado número de critérios pertinentes, como a contribuição para um debate de interesse geral, o grau de notoriedade da pessoa afetada, o objeto da reportagem, o comportamento anterior da pessoa em causa, o conteúdo, a forma e as consequências da publicação, o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas, bem como a veracidade das mesmas (v., neste sentido, TEDH, 27 de junho de 2017, Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finlândia, CE:ECHR:2017:0627JUD000093113, § 165).
61 A este respeito, importa salientar, antes de mais, que, embora, regra geral, os direitos da pessoa em causa protegidos pelos artigos 7º e 8º da Carta prevaleçam sobre o interesse legítimo dos internautas potencialmente interessados em aceder à informação em questão, este equilíbrio pode, todavia, depender das circunstâncias pertinentes de cada caso, nomeadamente da natureza dessa informação e da sua sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa, bem como do interesse do público em dispor da referida informação, o qual pode variar, designadamente, em função do papel desempenhado por essa pessoa na vida pública [Acórdãos de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google, C-131/12, EU:C:2014:317, nº 81, e de 24 de setembro de 2019, GC e o. (Supressão de referências a dados sensíveis), C-136/17, EU:C:2019:773, nº 66].
63 Em especial, quando a pessoa em causa desempenha um papel na vida pública, essa pessoa deve demonstrar um grau de tolerância acrescido, dado que está inevitavelmente e com pleno conhecimento de causa exposta ao escrutínio público (v., neste sentido, TEDH, 6 de outubro de 2022, Khural e Zeynalov c. Azerbaijão, CE:ECHR:2022:1006JUD005506911, § 41 e jurisprudência referida).
64 A questão do caráter exato ou não do conteúdo apresentado constitui igualmente um elemento pertinente no âmbito da apreciação das condições de aplicação previstas no artigo 17º, nº 3, alínea a), do RGPD, a fim de apreciar se o direito à informação dos internautas e a liberdade de expressão do fornecedor de conteúdos podem prevalecer sobre os direitos do requerente de supressão de referências.
65 A este respeito, e como salientou, em substância, o advogado-geral no nº 30 das suas conclusões, embora, em certas circunstâncias, o direito à liberdade de expressão e de informação possa prevalecer sobre os direitos à proteção da vida privada e à proteção dos dados pessoais, nomeadamente quando a pessoa em causa desempenha um papel na vida pública, essa relação inverte-se, em todo o caso, quando pelo menos uma parte das informações mencionadas no pedido de supressão de referências, que não apresentam um caráter menor relativamente à totalidade conteúdo, se revele inexata. Com efeito, nessa hipótese, o direito de informar e o direito de ser informado não podem ser tidos em conta, uma vez que não podem incluir o direito de difundir e de aceder a tais informações.
66 Importa acrescentar que, embora a questão de saber se as afirmações que figuram no conteúdo apresentado são ou não exatas é pertinente para a aplicação do artigo 17º, nº 3, alínea a), do RGPD, há que distinguir entre afirmações de facto e juízos de valor. Com efeito, embora a materialidade das primeiras se possa provar, os segundos não se prestam a uma demonstração da sua exatidão (v., neste sentido, TEDH, 23 de abril de 2015, Morice c. França, CE:ECHR:2015:0423JUD002936910, § 126).”
Revertendo ao caso dos autos.
A notícia/conteúdo em causa remonta ao ano de 2001 e integra o espólio dos arquivos da requerida.
A notícia/conteúdo diz respeito a factos ocorridos há mais de 20 anos, a requerente não é figura pública, foi absolvida do crime de homicídio por negligência que lhe era imputado no exercício da sua profissão de médica, a que a acusação veiculada pela notícia/conteúdo se referia, nenhum alarme social suscita tal imputação, dado desde logo o desfecho do julgamento.  Não lhe é atribuído o exercício de funções com exposição mediática ou papel decisório de carácter administrativo ou político. Não está em causa uma atuação em local público (a implicar eventualmente a sujeição a maior exposição).
Atentas as referidas circunstâncias, a divulgação desse conteúdo na internet não reveste qualquer interesse público atual e causa lesão grave aos direitos de personalidade da requerente (bom nome, imagem e reputação pessoal e profissional), pelo que, em termos de juízo de proporcionalidade, mostrando-se tal divulgação absolutamente desnecessária ao exercício da liberdade de informação, prevalece o direito ao esquecimento da requerente, mediante a eliminação/apagamento da notícia/conteúdo, uma vez que afastada fica a exceção prevista na al. a) do nº 3 do artº 17º do Regulamento.
Acresce que a notícia em si, a sua divulgação à época, em sede de serviço noticioso da requerida, que faz parte do seu arquivo, não é minimamente beliscada – apenas a sua disponibilização na internet, cujo acesso aos internautas se revela manifestamente gravoso para a requerente.
3. Da inversão do contencioso
A requerente do procedimento cautelar, ora apelante, requereu a inversão do contencioso, mantendo tal pretensão no recurso.
Estabelece o nº 1 do artº 369º do CPC que “mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.”
“Entende-se, pois, que nos casos em que no procedimento cautelar é produzida prova suficiente para que se forme convicção segura sobre a existência do direito acautelado - (prova stricto sensu do direito que se pretende tutelar) - e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio, não haverá razões para que não se resolva a causa de modo definitivo (evitando-se a “duplicação da prova”), ficando o requerente dispensado do ónus de propor a acção principal; aquela prova stricto sensu do fundamento dessa providência determina, necessariamente, uma inversão do contencioso. O requerido poderá obstar à consolidação daquela tutela como tutela definitiva através de uma acção de impugnação (cf. os art.ºs 369º, n.º 1e 371º, n.º 1.” [ii]
Atenta a factualidade adquirida e a prova segura da existência do direito, sendo a providência decretada adequada à realização da composição definitiva do litígio – sem prejuízo da possibilidade de impugnação que assiste à requerida –, uma vez que não possui sentido meramente conservatório, mostram-se reunidos os pressupostos da inversão do contencioso.
4. Da sanção pecuniária compulsória
A requerente/apelante solicitou a condenação da requerida, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento da quantia de € 300,00 (trezentos euros), por cada dia de atraso no cumprimento da providência.
Nos termos do arº 365º, nº 2 do CPC “é sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência decretada.”
A providência em causa constitui prestação de facto infungível (artigo 829-A nº 1 do Código Civil).
 O critério fundamental da fixação da sanção pecuniária compulsória é constituído pela solvabilidade ou a capacidade económica do devedor, devendo a mesma ser adequada a vencer eventual resistência do obrigado e levá-lo a optar, resignado ou não, pelo cumprimento.
Mostra-se, face ao valor dos direitos em causa, razoável e adequada a fixação de uma sanção pecuniária compulsória no valor peticionado, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de eliminação/apagamento dos dados imposta pela condenação.

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, e julga-se o procedimento cautelar procedente e, em consequência:
a) Condena-se a requerida a retirar, no prazo de 10 dias, do acesso público de qualquer dos seus sítios de internet, qualquer informação relativa ao julgamento da requerente por homicídio negligente, designadamente os descritos nos factos provados 8, 11 e 18.
b) Condena-se a requerida a pagar a quantia de trezentos euros por cada dia de atraso no cumprimento do referido em a), a título de sanção pecuniária compulsória.
c) Dispensa-se a requerente do ónus da propositura da ação principal e declara-se invertido o contencioso, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 369º, nº 1 do CPC.
Custas a cargo da apelada.

Lisboa, 18 de abril de 2024
Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
_______________________________________________________
[i] Ac. RL de 02/05/2023, proc. nº 12234/21.0T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt
[ii] Ac. RC de 12/09/2017, proc. nº 157/16.9T8LSA.C1, in www.dgsi.pt