Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | ANA RITA LOJA | ||
| Descritores: | RECURSO PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO NULIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO COMPARÊNCIA NOTIFICAÇÕES DEFENSOR | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/18/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I-O recurso em processo de contraordenação deve seguir a tramitação dos recursos em processo penal, com exceção das especialidades que resultem do Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo DL n.º 433/82 de 27 de outubro como decorre do seu artigo 74º nº4. II- Como decorre do artigo 75º nº1 do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei no 433/82 de 27 de outubro) nos processos de contraordenação o Tribunal da Relação apenas conhece de matéria de direito. III- Resulta do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal aplicável por força do disposto no art. 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27 de outubro que “(…) é nula a sentença (…) quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (…)”. IV- Se as questões suscitadas no recurso foram decididas anteriormente e definitivamente não tinha a decisão recorrida de as voltar a apreciar não se verificando, assim, qualquer omissão de pronúncia e consequentemente qualquer nulidade da decisão recorrida como invocado. V-Enquanto no processo penal a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, no processo de contraordenação a regra é a da não obrigatoriedade dessa presença, como dispõe o art.º 67.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º433/82, de 27 de outubro, ou seja, o arguido pode ser obrigado a comparecer à audiência, apenas se o Juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos. VI- Do artigo 47º nº2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro resulta que as notificações são dirigidas ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1-RELATÓRIO: Por decisão datada de 03/04/2025, proferida no âmbito do processo de contra- ordenação que correu termos na Capitania do Porto de Lisboa sob o n.°.../22, o Senhor Capitão do Porto de Lisboa condenou, ao que nos interessa, o recorrente AA pela prática das contraordenações de apanha de bivalves sem a respetiva licença de pesca exigível e com recurso a equipamento de mergulho autónomo ou semiautónomo previstas e sancionadas pelo artigo 12º nº1 alínea a), nº2 al.r) e nº6 do D.L.nº35/2019 de 11 de março numa coima única no valor de €1200,00. * Notificado da decisão administrativa apresentou impugnação judicial tendo sido proferida decisão, em 20 de outubro de 2025, pelo Juiz 2 do Juízo Marítimo do Tribunal Marítimo que julgou improcedente a antedita impugnação e manteve a decisão administrativa. * Inconformado o recorrente interpôs recurso para este Tribunal da Relação extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: A. O Arguido/Recorrente, em sede de impugnação judicial, veio alegar a nulidade da decisão administrativa proferida pela Autoridade Marítima Nacional - Capitania do Porto de Lisboa, uma vez que a mesma não continha todos os elementos de prova para o exercício cabal do seu direito de defesa. B. O artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) prevê o direito de audição e de defesa do arguido. C. No caso concreto, temos questão da falta de notificação ao Recorrente de todos os elementos de prova, questão que o tribunal a quo não analisou, como lhe competia oficiosamente, colocando em causa as garantias de defesa do arguido. D. E que geram nulidade e que desde já se invoca. E. A omissão da notificação de prova essencial ao exercício do direito de defesa configura nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, alínea e), do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo de contraordenação por força do artigo 41.º do RGCO. F. É uma nulidade de conhecimento oficioso, que o tribunal deveria ter declarado, independentemente de arguição, por afetar diretamente as garantias de defesa e o direito constitucional ao contraditório. G. O Recorrente, em 10.09.2024, foi notificado pessoalmente pela GNR, para, querendo, se pronunciar sobre os factos que quanto a si impendiam. H. Nessa notificação foi entregue o auto de notícia e auto de apreensão com o respetivo suporte fotográfico, sendo os únicos elementos que constavam no processo até àquela data. I. No dia 24.09.2024, veio o Recorrente requerer, para além do mais, a inquirição de sete testemunhas e elencou os temas de prova. J. Nos dias 03.10.2024, 07.11.2024 e 29.11.2024, foram inquiridos, como testemunhas, respetivamente, o Agente BB, o Agente CC, e o Agente DD. K. Inquirições que nunca foram dadas a conhecer ao Recorrente e que valem como prova fundamental para o exercício de direito de defesa daquele. L. Após a inquirição daquelas testemunhas apenas foi elaborado o relatório pela Autoridade Marítima Nacional - Capitania do Porto de Lisboa, em 03.05.2025, data em que foi também proferida a decisão condenatória. M. A decisão condenatória tomou em consideração o depoimento daquelas três testemunhas sem que o arguido tivesse conhecimento deles para exercer o seu direito de defesa. N. A decisão administrativa e, posteriormente, a sentença judicial, fundaram-se exclusiva mente em prova que nunca foi comunicada à defesa, impedindo o arguido de exercer o contraditório, de requerer diligências complementares, ou de confrontar as testemunhas em momento útil. O. Tal omissão retirou qualquer possibilidade ao arguido de se defender eficazmente, influenciando de forma direta o desfecho condenatório. P. Só na distribuição do processo no Tribunal Marítimo de Lisboa tais declarações foram juntas, mas a verdade é que o Recorrente nunca teve conhecimento do teor do depoimento daquelas três testemunhas porque nunca foi notificado, como deveria, para poder ter efetivo e cabal conhecimento de tais depoimentos. Q. O Recorrente, em sede de impugnação judicial invocou essa omissão, geradora de nulidade, mas foi completamente ignorada. R. Entre o requerimento apresentado pelo Recorrente a solicitar a inquirição de testemunhas e até à audiência de julgamento e posterior sentença, nunca foi dado conhecimento ao Recorrente de elementos de prova que sustentavam aquela decisão, mas que eram fundamentais para aquele exercer o seu direito de defesa. S. A sentença ora recorrida refere que o arguido não prestou declarações que contradissessem os depoimentos daquelas testemunhas. T. Se o Recorrente nem sequer tomou conhecimento, porque não foi notificado daqueles meios de prova, não podia nunca se pronunciar sobre elas, contrariando-as, o que significa que há uma clara violação do seu direito de defesa, atento o princípio do contraditório que não foi cumprido e, obviamente dos princípios constitucionais consagrados na nossa CRP. U. Foi tomado em consideração aquilo que já vinha dito na decisão administrativa condenatória e não verificou o Tribunal a quo a existência de outras questões que, a nosso ver, são determinantes à descoberta da verdade material. V. Sem prescindir, houve também violação do princípio da livre apreciação da prova e, sobretudo, violação do princípio do contraditório e das garantias de defesa do arguido. W. Há clara violação dos princípios da legalidade e da vinculação do juiz à Lei, princípio das garantias de defesa e igualdade de armas, princípio da fundamentação das decisões judiciais, e o mais importante, princípio da não discricionariedade porque o juiz não decide conforme o seu arbítrio, mas segundo a lei e a prova. X. A norma do artigo 50.º do RGCO pretende dar a conhecer ao arguido as razões pelas quais lhe é imputada a prática de determinada contraordenação e, consequentemente, determinada sanção, de modo a que este se possa aperceber das razões pelas quais lhe é imputada tal contraordenação e assim poder defender-se. Y. Em audiência de julgamento, o depoimento das mesmas testemunhas não foi, nem mais, nem menos, do que a reprodução dos depoimentos prestados anteriormente e que, ainda assim, serviram para fundamentar a condenação do Recorrente. Z. Assim, tendo sido violado esse direito de defesa ao arguido e tendo sido arguida essa nulidade em momento próprio, o Recorrente continua a reiterar tudo o quanto foi dito em momentos anteriores, insistindo que lhe foi violado um direito que é constitucionalmente consagrado. AA. O Recorrente foi sempre alegando essa nulidade ao longo de todo o processo, mas que nunca mereceu o devido conhecimento do Tribunal a quo. BB. O tribunal a quo, ao não apreciar a nulidade invocada e ao admitir no processo prova não notificada, violou os limites legais da sua atuação, decidindo com base em elementos processuais viciados. CC. Tal atuação colide frontalmente com o princípio da vinculação do juiz à lei (artigo 203.9 da CRP) e com o princípio da não discricionariedade judicial, porquanto o juiz não pode decidir segundo o seu arbítrio, mas apenas nos termos da lei e da prova validamente produzida. DD. Sem prescindir, e caso não se entenda pela nulidade insanável, na sentença ora recorrida, o Tribunal a quo volta a fazer todo o percurso até ao momento da decisão administrativa condenatória, omitindo sempre o facto de o ora Recorrente ter referido que lhe tinha sido violado o seu direito, arguindo a respetiva nulidade. EE. Ou seja, há notória omissão de pronúncia quanto a este facto alegado pelo Recorrente. FF. Havendo omissão de pronúncia, gera nulidade da sentença proferida, nos termos dos artigos 379.º, n.º1, al. c) e 379.º, nº 2, ambos do CPP. GG. A omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, está em correspondência direta com o dever imposto ao juiz no sentido de o mesmo ter de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o que não aconteceu no caso concreto. HH. Pelo que, deve o arguido ser absolvido, por omissão de pronúncia da sentença proferida. II. A sentença recorrida padece de inconstitucionalidade material e processual, por violação dos artigos 2.º, 18.º, 20.º, 32.º, 203.º e 205.º da CRP, uma vez que o arguido foi condenado com base em prova que não lhe foi previamente notificada nem disponibilizada antes da audiência de julgamento. JJ. O tribunal a quo prosseguiu com o julgamento apesar da defesa ter invocado expressamente a nulidade resultante dessa omissão, abstendo-se de a apreciar ou sanar, e permitindo que a decisão final se fundasse exclusivamente nessa prova não comunicada e, consequentemente sem contraditório. KK. Tal atuação consubstancia uma violação direta do princípio constitucional das garantias de defesa e do contraditório (artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP), que assegura ao arguido o direito de conhecer, contestar e contrariar toda a prova que contra si seja produzida, em tempo útil e em igualdade de condições com a acusação. LL. O julgamento e subsequente condenação baseados em prova oculta à defesa equivalem, na prática, a um processo desigual e arbitrário, incompatível com o princípio da igualdade de armas (artigos 13.º e 32.º da CRP) e com o Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP), que exige decisões fundadas na legalidade, imparcialidade e transparência. MM. Ao não responder à nulidade invocada e ao decidir com base em prova irregularmente introduzida no processo, o tribunal atuou fora dos limites da lei, violando o artigo 203.º da CRP, que impõe a vinculação dos tribunais à lei, e o artigo 205.º, n.º 1, que impõe o dever de fundamentação das decisões judiciais. NN. A jurisprudência do Tribunal Constitucional é pacífica em reconhecer que o direito de defesa abrange não apenas a possibilidade formal de participar no processo, mas também o direito de ser informado de toda a prova contra si apresentada, de modo a exercer efetivamente. A condenação com base em prova não notificada representa, assim, uma violação direta da CRP e dos princípios estruturantes do processo penal justo. OO. Para além disso, o ora Recorrente nunca chegou a ser notificado para estar presente nos atos que legalmente lhe competem, como é o caso da audiência do julgamento. PP. O arguido nunca foi notificado da data designada para a audiência de julgamento, constando da respetiva ata que o mesmo estava ausente, não descrevendo se estava ou não regularmente notificado para o efeito. QQ. O que significa que o arguido foi julgado na ausência, sem ter sequer a possibilidade de se poder defender dos factos sobre os quais vinha acusado. RR. O Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se sobre esta matéria, no acórdão de 20.02.2025, no processo n.º 629/21.3GLSNT.L1-9. SS. Para além de mais uma nulidade insanável invocada, a sentença recorrida é materialmente inconstitucional, por negar ao arguido um processo justo, equitativo e contraditório, condição essencial de validade de qualquer decisão penal num Estado de Direito, valendo tudo quanto foi dito atrás a propósito das garantias constitucionais. TT. Termos em que deve a sentença ser declarada nula e inconstitucional, com a consequente revogação da decisão condenatória e remessa dos autos à autoridade administrativa, para cumprimento dos atos processuais (até agora omitidos) em conformidade com o artigo 50.º do RGCO e com os princípios constitucionais das garantias de defesa e do contraditório. Termina pugnando que a sentença seja declarada nula e inconstitucional, com a consequente revogação da decisão condenatória e remessa dos autos à autoridade administrativa, para cumprimento dos atos processuais (até agora omitidos) em conformidade com o artigo 50.º do RGCO e com os princípios constitucionais das garantias de defesa e do contraditório. * Admitido o recurso no Tribunal recorrido o Ministério Público apresentou a sua resposta de que extraiu as seguintes conclusões: 1) Foram fornecidos todos os aspetos e elementos relevantes para que o Recorrente/ arguido conhecesse todos os elementos relevantes para se defender e/ou pronunciar. 2) Não se verificando qualquer nulidade. 3) A sentença não é omissa de qualquer questão, pois a questão da nulidade invocada pelo Recorrente foi debatida à exaustão nos autos, tendo sido derradeiramente decidida a 2.9.2025. 4) No mais se o arguido nunca chegou a ser notificado para estar presente na audiência de julgamento, o certo é que tal nulidade deveria ter sido invocada na própria audiência, o que não aconteceu. 5) Pelo que, caso se tenha por verificada, se considera a mesma sanada. 6) Pelo que a sentença recorrida não padece de nenhuma nulidade, e deve ser, como é de Lei, confirmada na íntegra. * Remetido o recurso a este Tribunal da Relação foi colhido o visto do Ministério Público. * Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. * Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso interposto cumprindo, assim, apreciar e decidir. 2-FUNDAMENTAÇÃO: 2.1- DO OBJETO DO RECURSO: O recurso em processo de contraordenação deve seguir a tramitação dos recursos em processo penal, com exceção das especialidades que resultem do Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo DL n.º 433/82 de 27 de outubro como decorre do seu artigo 74º nº4. É consabido que o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação do recurso e que para além das questões aí suscitadas há uma obrigação de cognição de todas as questões de conhecimento oficioso, mormente nulidades insanáveis nos termos dos arts. 379º nº2 e 410º nº 3 do Código de Processo Penal e dos vícios previstos no art. 410º nº2 do mesmo diploma legal que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito como deflui do Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, 1ª Série A, de 28.12.1995. Como decorre do artigo 75º nº1 do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei no 433/82 de 27 de outubro) nos processos de contraordenação o Tribunal da Relação apenas conhece de matéria de direito. Tendo presente este contexto de poder de cognição e atento o teor das conclusões do recorrente as questões a dirimir neste recurso são: - se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos previstos nos artigos 379º nº1 al. c) e nº2 do Código de Processo Penal. - se ocorre nulidade por preterição de notificação do recorrente para a audiência. * 2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO: São relevantes as seguintes incidências processuais: 1-Em 2 de setembro de 2025 o tribunal recorrido proferiu nos autos a decisão que ora se transcreve: Relatório: Por decisão datada de 03/04/2025, proferida no âmbito do processo de contraordenação que correu termos na Capitania do Porto de Lisboa sob o n.° …/22, o Senhor Capitão do Porto de Lisboa condenou o arguido AA e EE, pela prática das contra-ordenações de apanha de bivalves sem a respectiva licença e com o uso de equipamento de mergulho autónomo ou semi autónomo. * Inconformado com tal decisão, AA a impugnou judicialmente, tendo formulado - em síntese - as seguintes conclusões: -Foi condenado tendo em conta elementos de prova que não lhe foram comunicados e que por isso não foi concedida oportunidade para apresentar defesa; -A entidade administrativa não apreciou o requerimento de prova apresentado pelo recorrente, sendo por isso a decisão ilegal; -A entidade administrativa condena o recorrente como reincidente, sem que que tenha anunciado anteriormente tal questão; -O auto de notícia não contem o ano em que foi elaborado; -A contraordenação terá prescrito se praticada antes de 1 de Setembro de 2022; - O arguido não cometeu nenhuma das infracções que lhe são imputadas Termina pugnado pela sua absolvição. * A Autoridade Administrativa não revogou a decisão e remeteu os autos à Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, a qual os apresentou em juízo, tendo validado tal acto como acusação e tendo pugnado pela improcedência das nulidades invocadas. Foi recebido o recurso deduzido pelo Arguido. Por novo requerimento, veio o arguido ainda invocar mais nulidades, referindo que quando foi notificado do direito de audição e defesa requereu a inquirição de todos os agentes da Policia Marítima identificados na documentação que recebeu, indicando os factos a que os mesmos deveriam ser inquiridos, sendo que a entidade administrativa não o notificou da decisão sobre o pretendido, apenas inquiriu 3 das testemunhas que indicou e não as inquiriu sobre a matéria que indicou, para além de não ter comunicado a data da inquirição das testemunhas, impedindo a sua contra inquirição, pelo que existe uma nulidade prevista no art. 120°, 2, d), do CPP e como tal a mesma deve ser declarada e os autos devolvidos à entidade administrativa para sanação. A Digna Magistrada do Ministério Público, mais uma vez pugnou pela não verificação da nova nulidade invocada. Saneamento. Mantêm-se os pressupostos da instância analisados aquando do exame preliminar da impugnação. Importa, antes de mais apreciar as nulidades invocadas no recurso apresentado pelo Arguido, as quais poderão obstar à apreciação dos factos. * As questões prévias suscitadas nas conclusões do recurso consistem basicamente em determinar se: - O procedimento administrativo e a decisão recorrida enfermam de nulidade. * A nulidade do procedimento e da decisão administrativa. O regime processual do direito de mera ordenação. Um dos segmentos em que a autonomia do direito das contra-ordenações se afirma face ao Direito Penal é o do regime processual, o qual, apesar das ligações que mantém com o processo penal, distancia-se deste, quer na estrutura do processo, quer no regime de múltiplos actos processuais. De facto, concebido o direito das contra-ordenações como um instrumento de intervenção administrativa de natureza sancionatória no sentido de dar maior eficácia à acção administrativa, o núcleo fundamental dos poderes sancionatórios, quer ao nível da iniciativa processual, quer ao nível decisório propriamente dito, é atribuído à Administração, relegando a intervenção judiciária para um nível de subsidiariedade. Incumbe deste modo à Administração o conhecimento das infracções e o respectivo sancionamento, sendo os tribunais chamados apenas a intervir, pela via do recurso de impugnação, em caso de discordância dos condenados relativamente às decisões proferidas, em primeiro nível, pela Administração. O processo contra-ordenacional é passível de se desdobrar em duas fases, sendo a primeira de verificação obrigatória. A saber: - A fase pré-judicial ou administrativa do processo, que vai da notícia da infracção à decisão proferida pela Autoridade administrativa (arts. 33.° a 58.° do RGCOC); - A fase judicial, a qual compreende o conjunto de actos processuais que vão da interposição do recurso à decisão deste nos tribunais (arts. 62.° e ss. do RGCOC). A fase administrativa do processo - a única que agora importa cuidar - pode ser dividida em três grandes etapas. A saber: - Da notícia da infracção ao cumprimento do disposto no art. 50.° do RGCOC; - Os actos subsequentes à intervenção prevista no referido art. 50.° do RGCOC; - A decisão final. De entre o conjunto de actos que integram cada um dos referidos momentos da fase administrativa do processo contra-ordenacional, merecem especial atenção aqueles que se referem aos segundo e terceiro estádios referidos, atenta a questão suscitada pelos Recorrentes. O direito à audição e ao contraditório do arguido encontra-se previsto no art. 50.° do RGCOC. Este normativo corresponde à consagração no plano ordinário do comando constitucional vertido no art. 32.°, 10, da Lei Fundamental, segundo o qual é inviável a aplicação de qualquer tipo de sanção contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade. Sem prejuízo dos demais direitos que outras normas constitucionais incluem no conjunto das garantias asseguradas aos arguidos em processos sancionatórios (cf. art. 20.° da CRP), o alcance atribuível à norma do n.° 10 do art. 32.° é, todavia, conforme tem acentuado a jurisprudência constitucional (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 344/93), o de que o processo contra-ordenacional, embora esteja envolto num conjunto de garantias inerentes à respectiva natureza sancionatória, não é equiparável, contudo, ao processo penal e, nessa medida, não conduz, no plano da aplicação do direito ordinário, à directa transposição para o primeiro de todas e quaisquer regras expressamente previstas para o segundo, designadamente em termos de os elementos que este particularmente inclui se tornarem, só por isso, comuns àquele. Ou seja, o processo contra-ordenacional, por ser sancionatório, encontra-se subordinado ao reconhecimento de um conjunto de garantias que o aproximam do processo penal; mas tais garantias não são equivalentes ou equiparáveis às garantias asseguradas no âmbito do processo criminal, designadamente em termos de viabilizar a conversão daquela aproximação numa sobreposição integral de regimes. Significa isto que a garantia constitucional dos direitos de audiência e de defesa em processo contra-ordenacional não pode comportar a consagração de um princípio da estrutura acusatória do processo idêntico ao que a Constituição reserva, no n.° 5 do seu art. 32.°, para o processo criminal. Porém, o reconhecimento da inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contra-ordenacional e processo criminal é, ainda assim, conciliável com a necessidade de serem observados determinados princípios comuns, sendo que um desses princípios, transversal a todos os processos sancionatórios, será desde logo, por directa imposição constitucional, o da audiência e correlativa defesa do arguido, inserido num desenvolvimento processual em que o contraditório deverá ser mantido, como forma de complementar a estrutura acusatória, que não dispositiva, da actuação dos poderes públicos, Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 469/97. E, sob a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido”, de facto, o art. 50 ° do RGCOC estabelece que «não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.» Está, pois, legalmente incrementado o direito de audição e de defesa do arguido no processo contraordenacional relativamente aos factos que lhe são imputáveis e a sua subsunção jurídica. Na fórmula utilizada pelo Assento n.°1/2003, de 16/10/2002, do Supremo Tribunal de Justiça, os direitos de defesa e audiência assegurados no âmbito do processo contra- ordenacional implicarão, em síntese, que ao arguido seja dada previamente a conhecer «a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito.» A intervenção prevista no art. 50.° do RGCOC surge, assim, como um momento fulcral do processo, situado entre a investigação preliminar e a decisão, assumindo-se como o espaço natural da defesa e do contraditório. O regime geral das contra-ordenações não especifica a forma através da qual a audição deva ser efectuada: o que exige é que ao arguido seja dado conhecimento da factualidade que lhe é imputada e da respectiva qualificação jurídica. Tal conhecimento tanto pode ser levado a cabo numa audição formal, como através da notificação de uma peça processual - uma acusação - que integre aqueles elementos, ou da notificação dos elementos do processo que os contenham. Na sequência dessa audição, o arguido pode requerer quaisquer diligências probatórias que repute de relevantes para a sua defesa e ponham em causa a factualidade que lhe é imputada, pedido esse que deve passar pelo crivo da autoridade administrativa, que as deferirá, salvo no caso de manifesta impertinência das mesmas. Nesse contexto, e por forma a salvaguardar a integridade do princípio contido no mencionado art. 32.°, n.°10, da CRP, o arguido beneficia do direito de participar na produção dos meios de prova por si solicitada, quer pessoalmente, quer através do seu defensor. * No caso vertente, a análise dos autos evidencia a seguinte realidade processual relevante: a) Com data de … foi lavrado o auto de notícia de fls. 2, donde consta que o Agente autuante de 1a Classe, FF, acompanhado pelos Agentes GG, HH, II e JJ, e os estagiários KK e LL, nas coordenadas GPS (Datum WGS 84) - ..., em acção de fiscalização/patrulha verificaram a chegada da embarcação ..., com o conjunto de identificação n° ..., propriedade de MM, com 3 tripulantes: NN (comandante), AA e OO. Mais verificaram que a bordo estavam 3 equipamentos de mergulho com duas garrafas cada, 2 reguladores de mergulho, 3 fatos de mergulho semi-secos, envergados pelos indivíduos a bordo e cerca de 140 Kg de ameijoa japónica; Indagados pelo motivo de estarem com o equipamento de mergulho e ameijoa a bordo, os mesmos declararam que tinham estado a praticar a actividade de apanha da ameijoa com o auxilio do equipamento de mergulho. Ao auto de notícia foi junto o auto de apreensão o qual foi confirmado pelo capitão do porto e ficando o material apreendido à ordem do processo no dia 02/02/2022 - (doc. de fls.- 3 b) O Arguido NN, a 05/08/2022, requereu o pagamento voluntário e procedeu ao seu pagamento. Doc. fls. 24 e 25 c) Houve várias tentativas de notificação do ora arguido AA, tendo as mesmas sido infrutíferas atento o facto de ter deixado de residir na morada constante dos autos, cfr. fls. 47. d) A 10/09/2024 foi AA notificado pessoalmente pelo Cabo … da GNR, cfr. fls. 67, onde para além de referir os factos imputados refere: «(...) nos termos dos artigos 47° e 50.°, do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo DL 433/82, de 27 de outubro, na actual redacção do D/L n° 244/95, de 14 de setembro, de 14 de setembro, (...) dispõe de 10 (dez) dias úteis, para se pronunciar por escrito sobre os factos imputados e sanções em que incorre, podendo em alternativa fazê-lo oralmente (...). Deverá facultar documentação probatória de que disponha, indicando a sua identificação completa, incluindo morada, data e hora do ocorrido, e testemunhas, se as tiver, até um número de três (...).» (Doc. de fls. 67) Daqui se constata que durante a fase administrativa dos autos foram participados à Recorrente todos os elementos de facto e de direito que lhes permitiriam gizar a sua defesa relativamente a uma actuação objectivamente muito específica, sendo que embora do auto de noticia não conste o ano da infracção, o certo é que do auto de apreensão se verifica que as contraordenações imputadas terão ocorrido no ano de 2022, aliás, como o arguido bem sabe, já que tal decorre expresso do teor da notificação pessoal efectuada e junta a fls. 67 e entregue ao arguido. e) O arguido apresentou a sua defesa em 25/09/2024, referindo não ter praticado a infracção em causa e a referir a ilegalidade do auto de notícia por não mencionar o ano da ocorrência. Doc. fls. 68 a 69v. Indicou 7 testemunhas, todas identificadas no auto de notícia e sendo agentes de polícia marítima. Doc. fls. 68 a 69v. f) Das 7 testemunhas indicadas foram inquiridas três delas. Docs. De fls. 71, 72 e 73. g) A 03/04/2025 foi proferida a decisão condenatória. Fls. 77 a 81v. Ora, constando da notificação pessoal efectuada ao arguido o dia, mês e ano da prática dos factos, é totalmente irrelevante que o ano civil não conste do auto de notícia, ainda para mais quando resulta claro, do auto de apreensão, o ano da ocorrência dos factos. Também é irrelevante, não sendo sequer legalmente obrigatório ouvir todas as testemunhas indicadas pelo arguido, quando, ainda para mais, do auto de notificação expressamente se refere que pode indicar penas 3 testemunhas. E, 3 testemunhas das 7 indicadas foram ouvidas. Todas as 3 indicadas confirmar o teor do auto de notícia, presumindo-se que as demais 4 também o iriam fazer. Como escreve Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2ª ed., p. 281 “o arguido não tem o direito de impugnar o despacho de indeferimento de diligências de prova por si requeridas, nem tem o direito de impugnar o despacho de indeferimento da assistência à diligência de prova por si requeridas (acórdão do TRE, de 8.6.2021, processo 675/20.4T9STB.E1)”. Isto porque cabe no “poder de direcção do processo administrativo o poder de a autoridade administrativa praticar ou não praticar os atos de investigação e as diligências probatórias que entender adequadas aos fins do processo contraordenacional e, designadamente de não realizar as diligências requeridas pelo arguido (...)’ cfr. mesmo autor, ob citada, p. 280. Conforme se escreve no Ac. do TRE de 08/06/2021 «O art. 41°, n° 1, do RGCO, que estabelece que sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal, não legitima a adopção sistemática para as contra-ordenações dos procedimentos do Código de processo Penal, porque senão teríamos um processo-contraordenacional bem mais denso e complexo do que o próprio processo penal em si, por duplicarem os preceitos legais aplicáveis, que passaria assim a serem os de dois códigos. Na fase investigatória do processo contra-ordenacional vigora o principio do inquisitório, pelo que não viola o direito de defesa a não notificação do arguido para estar presente na realização de uma perícia a uma máquina de jogo, tal como não viola por exemplo a sua não notificação para a inquirição de testemunhas por si arroladas na fase administrativa ou o não adiamento da inquirição de testemunhas por si arroladas na fase administrativa do processo contra-ordenacional por falta do defensor do arguido e quer ele tenha sido notificado para a diligência, quer não o tenha sido (...)» Como se referiu o arguido teve acesso a todo o processo administrativo e foi notificado para apresentar defesa, o que o fez e foi notificado da decisão condenatória para, querendo, a impugnar. E, foi precisamente isso que fez, foi, pois, cumprido o determinado pelo art. 50° e 59° do RGCO. Tal como se refere no Acórdão a que vimos fazendo referência «O respeito pelo estabelecido no n°10 do art. 32° da Constituição, que estabelece que nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa, fica satisfeito com o cumprimento do disposto no art.° 50°. Do RGCO, que determina que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre, bem como com a possibilidade de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa prevista no art.° 59° e ss. do RGCO, fase esta que realmente passa a vigorar o princípio do contraditório, não sendo, pois, constitucionalmente imposto que o arguido seja notificado para estar presente em qualquer perícia realizada na fase investigatória pela entidade atoinisfrativa (...)». Assim, a não inquirição de todas as testemunhas indicadas pelo arguido não implica qualquer nulidade, pois tal decisão cabe exclusivamente ao poder de direcção do inquérito por parte da autoridade administrativa. Conforme decorre do AC do TRP de 28/06/2023, disponível em www.dgsi.pt, relator Moreira Ramos, inexiste qualquer imposição legal que obrigue a autoridade administrativa a realizar todas as diligências de prova requeridas em sede de defesa. No mesmo sentido Ac. do TRE de 07/05/2024, relatora Margarida Bacelar Também a não indicação do ano civil no auto de notícia não implica qualquer nulidade, já que o mesmo decorre do auto de apreensão junto, da notificação do arguido para apresentar defesa e da decisão condenatória. O mesmo se diga no que respeita à reincidência, a qual consta dos autos a fls. 59 a 61 e bem conhecida do Arguido. Por outro lado, mesmo que assim se não considerasse, tendo o Arguido impugnado a factualidade que lhe é imputada, a nulidade invocada ter-se-á de considerar sanada, conforme decorre do Assento do STJ n°1/2003, de 25/01, do qual consta expresso da conclusão IV «Se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283°, n°3, do Código de Processo Penal e 41°, n° 1, do regime geral das contra-ordenações), arguível, pelo interessado/notificado (artigos 120°, n° 1, do Código de Processo Penal e 41°, n°1, do regime geral das contra-ordenações), no prazo de 10 dias após a notificação (artigos 105°, n°1, do Código de Processo Penal e 41°, n°1, do regime geral das contra-ordenações), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto da impugnação [artigos 121°, n°3, alínea c), e 41°, n.°1, do regime geral das contra-ordenações) (53). Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 121° n°s 2, alínea d),e 3, alínea c),e 122°, n° 1, do Código de Processo Penal e 41°, n° 1, do regime geral das contra-ordenações]. Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121°, n° 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41° , n° 1, do regime geral das contra- ordenações].». O mesmo pensamento é seguido por Paulo Pinto de Albuquerque, cfr. nota 25 ao art. 50°, p.260, em Comentário do Regime Geral das Contraordenações, 2a edição. E ainda Ac Do TRP de 21/11/2007, relatado por Jorge Jacob, p. n° 0744369, disponível em www.dgsi.pt. No que respeita à posterior nulidade arguida de não notificação do arguido para se encontrar presente na data das inquirições, vejamos: O art. 50° do RGCOC não refere na necessidade dessa notificação, apenas exige que o se dê conhecimento ao arguido da contraordenação que lhe é imputada a fim de o mesmo poder apresentar defesa, antes de lhe ser aplicada uma coima. Conforme decorre do Ac. do TRP de 01/10/2008, relatado por Olga Maurício, disponível em www.dgsi.pt «I - Não viola os direitos de defesa e de audiência do arguido a sua não notificação da data designada para uma inquirição de testemunhas por si requerida, na fase administrativa do processo de contra-ordenação. II - A lei não exige, para a inquirição de uma testemunha, na fase administrativa de um processo de contra-ordenação a presença do arguido ou do seu defensor» Mas, mesmo que se admita a existência desse direito, tal como o Ac. do TRE de 24/01/2023 o considerou (disponível em www.dgsi.pt) o certo é que conforme nele é referido «(...) Daí que a preterição da convocação para participar na inquirição das testemunhas arroladas constitua irregularidade procedimental que só se poderá considerar sanada se não for reclamada pelo arguido logo que dela tome conhecimento, em conformidade com o que dispõem os arts. 121°, §1. E 123°, §1 CPP, ex vi artigo 41° §1. Regime Geral das Contraordenações». Refere ainda o arguido que se a contraordenação tiver sido praticada antes de 01/02/2022 se encontra prescrita. Em primeiro lugar a contraordenação não foi praticada antes da referida data, mas precisamente naquele mencionado dia. E, tal como bem refere a digna Procuradora Adjunta, não se verifica a prescrição das contraordenações em causa. Em causa estão contraordenações cuja coima ascendem a €25.000,00 e a €18.750,00. Assim, nos termos do disposto no art. 27°,b), do RGCOC o prazo de prescrição é de 3 anos, sendo que nos termos do disposto no art. 28° do mesmo diploma a prescrição do procedimento por contraordenação se interrompe com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação (alínea a), ou com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa (alínea b). Ainda com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito (alínea c) e com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima (alínea d). O n° 3 do citado preceito dispõe que “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”. Como é bom de ver o prazo a que se refere este n° 3, do art. 28° não se verificou ainda, atento a que os factos terão ocorrido a 01/02/2022, pelo que apenas 01/08/2026 se verificaria a alegada prescrição. Por outro lado, bem antes da decorrência do prazo de prescrição de 3 anos, foi o arguido notificado para se pronunciar sobre as contraordenações imputadas (10/09/2024), pelo que aí o prazo foi interrompido. Também com as diligências de prova realizadas em 29/11/2024 foi, de novo o prazo em curso interrompido, assim como o voltou a ser com a prolação da decisão administrativa em 03 de Abril de 2025. Assim sendo, também é julgada improcedente a prescrição alegada * Decisão: Atento o que ficou dito, julgo improcedentes todas as nulidades do procedimento e da decisão administrativa arguidas na impugnação judicial em apreço, bem como a excepção da prescrição. Notifique. Uma vez que o arguido pretende produção de prova quanto à matéria constante da decisão administrativa, designa-se para audiência final o dia 07 de Outubro de 2025, pelas 10:30 horas. A data ora designada tornar-se-á definitiva caso a Digna Magistrada do Ministério Público a tanto não se opuser no prazo de 5 dias ** Notifique a entidade administrativa em causa para os termos previstos no artigo 70°, 1 e 3 do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, e para, querendo, indicar meios de prova que considera relevantes no prazo de 10 dias. Nos termos do aludido normativo, a autoridade administrativa, através de representante legal, poderá, querendo, participar na audiência designada. ** Notifique o Ministério Público para os termos previstos no artigo 72.°, n.°1 do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro. Notifique. 2- A supracitada decisão incluindo a data designada para a audiência foi notificada quer à mandatária do recorrente quer a este por carta registada com aviso de receção que foi devolvida por não ter sido reclamada e relativamente a tal decisão nada foi requerido nem interposto qualquer recurso. 3- Em 7 de outubro de 2025 foi realizada a audiência em que o recorrente não esteve presente nada tendo sido requerido ou arguido pela sua mandatária presente. 4- Em 20 de outubro de 2025 foi lida a decisão recorrida constando da respetiva ata que quer o recorrente quer a sua mandatária foram dispensados de comparecer a tal leitura. 5- A referida decisão recorrida tem o teor que a seguir se transcreve: I- Relatório: Por decisão datada de 03/04/2025, proferida no âmbito do processo de contra- ordenação que correu termos na Capitania do Porto de Lisboa sob o n.° 070.40.01 - 43/22, o Senhor Capitão do Porto de Lisboa condenou o arguido AA e EE, pela prática das contra-ordenações de apanha de bivalves sem a respectiva licença e com o uso de equipamento de mergulho autónomo ou semiautónomo. * Inconformado com tal decisão, AA impugnou-a judicialmente, tendo formulado - em síntese - as seguintes conclusões: - Foi condenado tendo em conta elementos de prova que não lhe foram comunicados e que por isso não foi concedida oportunidade para apresentar defesa; - A entidade administrativa não apreciou o requerimento de prova apresentado pelo recorrente, sendo por isso a decisão ilegal; - A entidade administrativa condena o recorrente como reincidente, sem que que tenha anunciado anteriormente tal questão; - O auto de notícia não contem o ano em que foi elaborado; - A contraordenação terá prescrito se praticada antes de 1 de Setembro de 2022; -O arguido não cometeu nenhuma das infracções que lhe são imputadas Termina pugnado pela sua absolvição. * A Autoridade Administrativa não revogou a decisão e remeteu os autos à Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, a qual os apresentou em juízo, tendo validado tal acto como acusação e tendo pugnado pela improcedência das nulidades invocadas. Foi recebido o recurso deduzido pelo Arguido. Por novo requerimento, veio o arguido ainda invocar mais nulidades , referindo que quando foi notificado do direito de audição e defesa requereu a inquirição de todos os agentes da Policia Marítima identificados na documentação que recebeu, indicando os factos a que os mesmos deveriam ser inquiridos, sendo que a entidade administrativa não o notificou da decisão sobre o pretendido, apenas inquiriu 3 das testemunhas que indicou e não as inquiriu sobre a matéria que indicou, para além de não ter comunicado a data da inquirição das testemunhas, impedindo a sua contra inquirição, pelo que existe uma nulidade prevista no art. 120°, 2, d), do CPP e como tal a mesma deve ser declarada e os autos devolvidos à entidade administrativa para sanação. A Digna Magistrada do Ministério Público, mais uma vez pugnar pela não verificação da nova nulidade invocada. E, por despacho proferido a 02/09/2025, fls. 118 foram as nulidades invocadas julgadas improcedentes, assim como a excepção da prescrição. * Saneamento final dos autos. Mantêm-se os pressupostos da instância analisados aquando do exame preliminar da impugnação. Inexistem quaisquer outras questões prévias ou nulidades de conhecimento oficioso sobrevindas na fase judicial dos autos que obstem à apreciação do recurso apresentado pelo Arguido, pois que foram anteriormente decididos. Questões a decidir. As questões suscitadas nas conclusões do recurso consistem basicamente em determinar se: - O Arguido cometeu as contra-ordenações imputadas e, em caso afirmativo, se a coima aplicada pela Autoridade recorrida é proporcional à gravidade dos factos e culpa do infractor. * II- Fundamentação de facto: Factos provados: No caso vertente, a análise dos autos evidencia a seguinte realidade processual relevante: a) Com data de … foi lavrado o auto de notícia de fls. 2, donde consta que o Agente autuante de 1ª Classe, FF, acompanhado pelos Agentes GG, HH, II e JJ, e os estagiários KK e LL, nas coordenadas GPS (Datum WGS 84) - …, em acção de fiscalização/patrulha verificaram a chegada da embarcação …, com o conjunto de identificação n° …, propriedade de MM, com 3 tripulantes: NN (comandante), AA e OO. b) Verificou-se que a bordo estavam 3 equipamentos de mergulho com duas garrafas cada, 2 reguladores de mergulho, 3 fatos de mergulho semi-secos, envergados pelos indivíduos a bordo e cerca de 140 Kg de ameijoa japónica. c) Indagados pelo motivo de estarem com o equipamento de mergulho e ameijoa a bordo, os mesmos declararam que tinham estado a praticar a actividade de apanha da ameijoa com o auxílio do equipamento de mergulho. d)Ao auto de notícia foi junto o auto de apreensão o qual foi confirmado pelo capitão do porto e ficando o material apreendido à ordem do processo no dia 02/02/2022, sendo que duas das garrafas de mergulho e um regulador pertenciam ao ora AA e as outras duas e o outro regulador pertenciam a NN - (doc. de fls.- 3) e) O Arguido NN, a 05/08/2022, requereu o pagamento voluntário e procedeu ao seu pagamento. Doc. fls. 24 e 25 f) Houve várias tentativas de notificação do ora arguido AA, tendo as mesmas sido infrutíferas atento o facto de ter deixado de residir na morada constante dos autos, cfr. fls. 47. g) A 10/09/2024 foi AA notificado pessoalmente pelo Cabo 351 da GNR, cfr. fls. 67, onde para além de referir os factos imputados refere: «(...) nos termos dos artigos 47° e 50.°, do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo DL 433/82, de 27 de outubro, na actual redacção do D/L n° 244/95, de 14 de setembro, de 14 de setembro, (...) dispõe de 10 (dez) dias úteis, para se pronunciar por escrito sobre os factos imputados e sanções em que incorre, podendo em alternativa fazê-lo oralmente (...). Deverá facultar documentação probatória de que disponha, indicando a sua identificação completa, incluindo morada, data e hora do ocorrido, e testemunhas, se as tiver, até um número de três (...).» (Doc. de fls. 67) h) O arguido apresentou a sua defesa em 25/09/2024, referindo não ter praticado a infracção em causa e a referir a ilegalidade do auto de notícia por não mencionar o ano da ocorrência. Doc. fls. 68 a 69v. Indicou 7 testemunhas, todas identificadas no auto de notícia e sendo agentes de polícia marítima. Doc. fls. 68 a 69v. i) Das 7 testemunhas indicadas foram inquiridas três delas. Docs. De fls. 71, 72 e 73. j) A 03/04/2025 foi proferida a decisão condenatória. Fls. 77 a 81v. k) Os três arguidos, na data da acção de fiscalização assumiram a prática dos factos. l) Os fatos de mergulho não foram apreendidos porque os 3 arguidos estavam com os mesmos vestidos, sendo que se tratava de uma noite de muito frio. m) A amêijoa foi devolvida ao rio. Cfr. fls. 4 n) O AA, conhecia as proibições legais do seu comportamento, tendo, ainda assim, agido nos termos supra descritos de modo livre e deliberado, bem sabendo que tais comportamentos eram proibidos. o) O Arguido tem antecedentes contraordenacionais. Cfr. fls. 111. ** Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir. ** Motivação. O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada no âmbito dos presentes autos, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127.° do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do artigo 41.°, 1, do DL n.°433/82, de 27/10, na sua actual redacção - doravante RGCO). Os factos que se julgaram provados, em relação ao concreto comportamento do arguido que aqui se aprecia, resultam da apreciação, crítica e conjunta, dos autos de notícia juntos a fls. 2, do auto de apreensão de fls. 3, do suporte fotográfico de fls. 4, do auto de exame directo de fls. 5 a 10 e inquirição dos agentes da Policia Marítima ouvidos em audiência de julgamento, que corroboraram o conteúdo do auto de noticia e a acção de fiscalização que esteve na génese do auto de noticia e destes autos contraordenacionais, tendo os três agentes inquiridos, afirmado com total credibilidade que os Arguidos confessaram de imediato a prática de apanha dos bivalves com recurso a equipamento de mergulho autónomo. Aliás, se assim não fosse, seguramente que NN não teria pago, voluntariamente, o montante da coima a que foi condenado. O registo contraordenacional de AA consta do teor de fls. 111. Como se sabe, da conjugação do que se dispõe nos artigos 243°, 99.° e 169.° do Código de Processo Penal e 363.° e 371°, n° 1, do Código Civil, resulta clara a qualificação do auto de noticia como um documento autêntico, configurando-se, assim, como um instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, permitindo que se considerem provados os factos materiais constantes daquele documento enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa. Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque, o auto de notícia vale como documento autêntico quando levantado por autoridade judiciária, órgão de policia criminal ou outra entidade policial que presenciou o crime, fazendo prova dos factos materiais nele constantes, podendo até esse auto fundamentar a sentença, mesmo que o seu autor tenha falecido antes da audiência (in “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 642). Entendimento partilhado pelos Conselheiros Leal Henriques e Simas Santos (in “Código de Processo Penal Anotado”, II volume, pág. 16), que referem que os autos de notícia desde que obedeçam às prescrições legais gozam da força probatória que é conferida aos documentos autênticos e autenticados, isto é fazem prova plena dos factos que documentam, enquanto a sua autenticidade ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa. O mesmo sentido interpretativo tem sido seguido, sem divergências, pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores (vide, por todos, acórdão do Tribunal da Relação de 31.10.2017, acessível in www.dgsi.pt). Na situação dos autos, o auto de notícia, o auto de apreensão e os autos de exame directo, bem como as fotografias, descrevem o que os dois autuantes, que o subscrevem (agentes da PM em exercício de funções), percepcionaram directamente, descrevendo, com o necessário pormenor, a conduta dos arguidos que aqui (e na decisão impugnada) se considerou provada. Por outro lado, a veracidade daqueles relatos, documentados em auto de notícia, não foi minimamente colocada em causa pela versão do arguido AA, ou qualquer dos outros. Os factos julgados provados e referentes essencialmente ao conhecimento do arguido sobre a proibição do seu comportamento e à forma deliberada como o adoptou, sustenta-se na apreciação, crítica e conjunta, da sua comprovada conduta, na medida em que, de acordo com as mais elementares regras de experiência comum, não poderia o Arguido deixar de conhecer a proibição do seu comportamento, só deliberadamente o podendo ter adoptado. Aliás, o seu registo contraordenacional demonstra bem o conhecimento que o Arguido tem da contraordenação em causa. ** III- Fundamentação de direito: De acordo com o disposto nos artigos 9.° 1, e 6.°, 1, da Lei n.°24/2013, de 20/03, a prática do mergulho é proibida em canais de navegação, portos e barras, sendo permitida em águas abertas apenas a quem for detentor de certificação válida. Por outro lado, a alínea c), ponto 2, Capítulo VIII, do Edital n.°1/2017, da Capitania do Porto de Lisboa, de 15/09, proíbe a prática do mergulho amador no estuário do rio Tejo, em toda a área de jurisdição da Capitania do Porto de Lisboa. Por sua vez, de acordo com o artigo 9.°, n.°2, do Regulamento da Apanha (aprovado pela Portaria n.°1102-B/2000, de 22/11 com as alterações introduzidas pelas Portarias n.°477/2001, de 10/05, n.°144/2006, de 20/02, e n.°1228/2010, de 6/12), a apanha por mergulho só é permitida desde que efetuada em apneia, isto é, sem auxílio de qualquer equipamento autónomo ou semiautónomo de respiração. Por fim, importa ainda referir que o exercício da atividade da pesca marítima e da cultura de espécies marinhas (cujo quadro legal foi fixado no DL n.°278/87, de 7/07, na sua atual redação, dada pelo DL n.°383/98, de 27/11), teve como objetivo assegurar, através da definição de medidas adequadas à conservação e preservação a longo prazo, a gestão e o aproveitamento sustentável dos recursos da fauna e da flora existentes nas águas sob soberania e jurisdição portuguesas, estabelecendo os princípios básicos para a gestão dos recursos e fixando um regime de contraordenações. Aqui chegados e em face da matéria de facto apurada, nenhuma dúvida subsiste de que o Arguido violou todas estas prescrições legais, incorrendo na prática das respectivas contraordenações. Efectivamente, tal como se refere na decisão impugnada, o arguido foi condenado: Por ter praticado a apanha de bivalves sem ser detentor de licença para o efeito, pelo que cometeu uma contraordenação (prevista e punida pelos artigos 5°, 2º, 13° e 15° do Regulamento da Apanha, aprovado pela Portaria n° 1102-B/2000, de 22/11, na redacção dada pela Portaria n° 1228/2010, de 06/12,), sancionada com coima a graduar entre €375,00 e €25.000,00, nos termos do disposto no art. 12°, 1, a), e n°6, do DL n° 35/2019, de 11/03. E ainda Por ter exercido a apanha de bivalves com a utilização de equipamento de mergulho autónomo cometeu uma outra contraordenação. De acordo com o disposto nos artigos 9.°, 1, e 6.°, 1, da Lei n.°24/2013, de 20/03, a prática do mergulho é proibida em canais de navegação, portos e barras, sendo permitida em águas abertas apenas a quem for detentor de certificação válida. Por outro lado, a alínea c), ponto 2, Capítulo VIII, do Edital n.°1/2017, da Capitania do Porto de Lisboa, de 15/09, proíbe a prática do mergulho amador no estuário do rio Tejo, em toda a área de jurisdição da Capitania do Porto de Lisboa. Por sua vez, de acordo com o artigo 9.°, 2, do Regulamento da Apanha (aprovado pela Portaria n.°1102-B/2000, de 22/11 com as alterações introduzidas pelas Portarias n.°477/2001, de 10/05, n.°144/2006, de 20.02, e n.°1228/2010, de 6/12), a apanha por mergulho só é permitida desde que efetuada em apneia, isto é, sem auxílio de qualquer equipamento autónomo ou semiautónomo de respiração. Por fim, importa ainda referir que o exercício da atividade da pesca marítima e da cultura de espécies marinhas (cujo quadro legal foi fixado no DL n.°278/87, de 7.07, na sua atual redação, dada pelo DL n.°383/98, de 27.11), teve como objetivo assegurar, através da definição de medidas adequadas à conservação e preservação a longo prazo, a gestão e o aproveitamento sustentável dos recursos da fauna e da flora existentes nas águas sob soberania e jurisdição portuguesas, estabelecendo os princípios básicos para a gestão dos recursos e fixando um regime de contraordenações. Esta actividade é punida como contrordenação nos termos do disposto no art. 12°,2, r), e n° 6, do DL 35/2019, de 11/03, em coima que se situa entre €300,00 e €18.750,00. Em suma, atenta toda a prova produzida, é indubitável que o Recorrente cometeu as contra-ordenações que conduziram à sua condenação pela autoridade administrativa, por decisão isenta de reparo no tocante à constatação e qualificação do comportamento infractor do arguido. Determinação da sanção concreta. A determinação da medida da coima relativamente à infracção cometida faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação (art. 18.°, n.° 1, do RGCOC). A este respeito importa assinalar que as condutas ou comportamentos contra- ordenacionais, em si mesmos, isto é, independentemente da sua proibição legal, são, em regra, axiologicamente neutros. Daí que a coima surge enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma jurídica violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral. Por referência ao caso dos autos, a gravidade das contra-ordenações é mediana, pois o comportamento do arguido colocou em causa a sua segurança e a segurança da navegação e atentou contra os mecanismos reguladores da atividade de mergulho e da apanha (neste caso também frustrando a protecção das espécies em causa no local em que desenvolvia a actividade). Desta feita, serão relevantes as necessidades de prevenção. A culpa é igualmente relevante já que o Recorrente agiu com dolo directo e intenso, não depondo a seu favor a conduta que adoptou, mesmo tendo anteriormente praticado factos idênticos, conforme decorre do seu registo contraordenacional. A favor do arguido importará ter em conta que: não retirou benefício económico com a comissão da infracção, já que os bivalves foram devolvidos ao rio. Desconhece-se a sua condição socio-económica. Tudo visto, e tendo em conta as demais exigências de natureza preventiva geral e especial, ter-se-á de ao Arguido uma coima por cada uma das infracções cometidas. Apesar de entender que, no caso, e atento o registo contraordenacional do Arguido, se deveriam ter aplicado coimas superiores às aplicadas pela Autoridade Administrativa, já que as anteriores condenações não foram suficientes para que o Arguido não voltasse a incorrer em práticas similares, o certo é que nos termos do disposto no art.72°-A, 1, do RGCO, tal não se mostra legalmente possível. Assim, mais não resta do que manter a condenação do Arguido nas coimas em que já havia sido condenado pela Autoridade Administrativa: coima de €500,00 por não possuir licença de pesca e coima de €800,00 por se encontrar a apanhar bivalves com recurso a equipamento de mergulho autónomo. Tal como se preceitua no artigo 19.°, n.°1, do RGCO, quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso. Por sua vez, estatui-se no artigo 19.° 2 e 3, do RGCO, que a coima única aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso e não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra- ordenações. Ora, ponderados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido (nos termos já acima descritos e considerando especialmente: em desfavor do arguido a acentuada intensidade da culpa, a evidenciar ponderosas exigências de prevenção especial; e em seu favor a circunstância das contraordenações terem sido praticadas em simultâneo, sendo instrumentais entre si, e no mesmo momento temporal, entende-se que, em face da moldura aplicável, a coima única fixada na decisão impugnada até peca por defeito, pelo que mais não resta que manter a coima única aplicada de €1.200,00, por inexistir impossibilidade legal para a aumentar, cfr. citado art. 72-A, 1, do RGCO. A gravidade das infracções cometidas e a intensidade da culpa do arguido, obviamente que obstam a que seja ponderada a aplicação da sanção de admoestação (artigo 51.° do RGCOC). IV- Decisão: Por todo o exposto e de harmonia com os preceitos legais citados, julga-se improcedente o presente recurso de impugnação e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida de condenação do Arguido no pagamento da coima única no valor de €1.200,00 (mil e duzentos euros). Custas a cargo do Recorrente, fixando-se em 2 (duas) UC’s a taxa de justiça (artigo93.° 3, do RGCO), descontando-se o valor já pago. Após trânsito, comunique à autoridade administrativa recorrida (artigo 70.°, 4, do RGCO). Deposite e notifique. (…) Esclarecido o teor da decisão recorrida impõe-se proceder ao conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente lembrando que pugna, desde logo, pela nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia. Resulta do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal aplicável por força do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27de outubro, que “(…) é nula a sentença (…) quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (…)”. Este normativo refere-se a nulidades da sentença sendo essa a cominação decorrente da omissão de pronúncia que se traduz em não apreciação de questões que deviam ter sido apreciadas porque suscitadas ou porque de conhecimento oficioso. Como deflui do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de novembro de 20111: «(…) como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença (…)» aduzindo ainda «(…) A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum) e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas. A doutrina e jurisprudência distinguem entre questões e razões ou argumentos; a falta de apreciação das primeiras consubstancia a verificação da nulidade; o não conhecimento dos segundos, será irrelevante (…)». No caso vertente o recorrente suscita tal omissão de pronúncia, mas olvidou desde logo que a matéria a que suscita a omissão de pronúncia e a que se refere nas conclusões A a NN do seu recurso fora apreciada e decidida na decisão proferida em 2 de setembro de 2025, decisão essa relativamente à qual não reagiu e que transitou em julgado. Aliás, tal resulta expressamente da decisão recorrida porquanto nesta se refere quer que «por despacho proferido a 02/09/2025, fls.118 foram as nulidades invocadas julgadas improcedentes (…)» quer que «Inexistem quaisquer outras questões prévias ou nulidades de conhecimento oficioso sobrevindas na fase judicial dos autos que obstem à apreciação do recurso apresentado pelo Arguido, pois que foram anteriormente decididos.» Ora, tendo sido as questões suscitadas decididas anteriormente e definitivamente não tinha a decisão recorrida de as voltar a apreciar não se verificando, assim, qualquer omissão de pronúncia e consequentemente qualquer nulidade da decisão recorrida como invocado. Assim e neste segmento soçobra o recurso do recorrente. Invoca, ainda, o recorrente que ocorre uma nulidade por ter sido preterida a notificação do recorrente para a audiência. Ora, antes de mais, impõe-se esclarecer que a jurisprudência invocada pelo recorrente não tem aplicação a este caso porque enquanto no processo penal a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, no processo de contraordenação a regra é a da não obrigatoriedade dessa presença, como dispõe o art.º 67.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, ou seja, o arguido pode ser obrigado a comparecer à audiência, apenas se o Juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos. Acresce que, em processo de contraordenação não é obrigatória a constituição de advogado, nem sequer a nomeação de defensor, nada impondo tal constituição para a interposição do recurso em 1.ª instância. Por outro lado, do artigo 47º nº2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro resulta que as notificações são dirigidas ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado. Assim e não tendo sido nada ordenado quanto à obrigatoriedade de comparência do recorrente à audiência do julgamento este não tinha de comparecer e existindo mandatário constituído cabia-lhe a este representar o recorrente nos termos previstos no artigo 67º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro sendo que tudo se passa como se o arguido estivesse presente através do seu advogado. Ora, na audiência esteve o recorrente representado por mandatária sendo que a mesma nada requereu ou suscitou relativamente à ausência de notificação do recorrente pelo que qualquer eventual vício de tal notificação, que ao contrário do invocado não consubstancia qualquer nulidade insanável nos termos do artigo 119º do Código de Processo Penal, sempre se teria de considerar sanado nos termos do artigo 120º nº1 e nº3 al. a) do Código de Processo Penal por não ter sido arguida até o ato estar terminado. Por último e uma vez que o recorrente apelida a decisão recorrida de inconstitucional importa, ainda, esclarecer que, em bom rigor, não existem decisões judiciais inconstitucionais posto que no nosso sistema de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, tal como é jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional. Acresce que não pode este tribunal apreciar matéria que foi apreciada nos autos em decisão prévia transitada em julgado nem está em causa qualquer nulidade insanável nos termos sobreditos. Destarte improcede na sua totalidade o recurso. 3- DECISÓRIO: Nestes termos e em face do exposto acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência, confirmar na íntegra a decisão recorrida. Custas da responsabilidade do recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último). Notifique. * Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra. * Tribunal da Relação de Lisboa, 18 de dezembro de 2025. Ana Rita Loja Lara Martins Francisco Henriques _______________________________________________________ 1. Proferido no Proc. n.º17/09.0TELSB e acedido em www.dgsi.pt |