Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3528/19.5T8ALM-A.L1-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
PRESTAÇÕES MENSAIS
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–Num contrato de mútuo com fiança, fraccionado em 300 prestações mensais que incluíam capital e juros remuneratórios, a pagar em 25 anos, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

II–Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

III–Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

IV–Numa execução proposta em 15 de maio de 2019, contra o fiador, peticionando o crédito total e juros vencidos e vincendos, em que o último pagamento foi efetuado em 29 de maio de 1989, tem de concluir-se pelo decurso do prazo de prescrição de cinco anos, em relação à totalidade da dívida, com a extinção da execução.

V–Nesta matéria, aderimos ao entendimento que vem fazendo vencimento, nos últimos tempos no STJ, conforme arestos indicados no presente Acórdão, com especial enfoque no Ac. do STJ de 28-4-2021, Relatora Graça Amaral, Proc. nº 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO:

José e Maria vieram, por apenso aos autos de execução em que os mesmos são executados, deduzir a presente oposição à execução, suscitando a questão da prescrição e do abuso de direito.

Alegam que o direito da Embargada resulta da obrigação de restituição da quantia mutuada através de contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 29 de Outubro de 1987 a realizar em prestações mensais, com o acréscimo dos juros compensatórios.

Como resulta do requerimento executivo;

1–No exercício da sua actividade creditícia, a exequente celebrou com os executados, em 29-10-1987, um contrato de mútuo com hipoteca, mediante o qual emprestou à primeira executada, com a fiança dos restantes executados, aqui embargantes, a quantia de 19 951,92 €, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido (doc. nº 1).

2–Clausulou-se no mencionado contrato que o capital mutuado venceria juros à taxa inicial de 18,000%, alterável em função dos limites contratuais e legais, em vigor na data da alteração, acrescendo, em caso de mora, a sobretaxa de 4% ao ano.

3–Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, foi constituída hipoteca sobre:

Fracção autónoma designada pela letra X correspondente ao 3º A do prédio urbano sito na Rua I, nº3, freguesia de A____, concelho de S_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de A_____ sob a ficha nº…., da referida freguesia, inscrito na matriz sob o art…..

4–Os executados entraram em incumprimento conforme resulta da liquidação infra, deixando de liquidar as prestações vencidas desde a data de início do cálculo dos juros, indicada na liquidação da obrigação exequenda infra.

Valor Líquido: 49 542,86 €

Valor dependente de simples cálculo aritmético: 153 687,47 €

Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €

Total: 203 230,33 €

Empréstimo PT 0035............5

Tendo os ora executados deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato, encontram-se em dívida, à exequente, à data de 09-05-2019, as seguintes quantias:

Capital 49 542,86 €

Juros de 29-05-1989 a 09-05-2019- 152 717,08 €

Despesas 0,00 €

Comissões 970,39 €

O que perfaz o total de 203 230,33 €

A partir da mencionada data, exclusive, o débito agravar-se-á diariamente em 20,19 €, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 10,246%, acrescida das despesas extrajudiciais que a Caixa Geral de Depósitos efetue da responsabilidade do devedor. De harmonia com o Art. 8º do DL 58/2013, de 8 de Maio, aquela taxa incluiu a sobretaxa de 3% ao ano. Sobre os juros e comissões a cobrar incidirá Imposto de Selo à taxa em vigor, se aplicável.

-Á data da instauração da execução, em 15 de maio de 2019, a Embargante requer o pagamento da quantia de 49.542,86 Euros, correspondente a capital e 152.717,08 Euros, equivalente a juros de mora, vencidos desde maio de 1989.

O direito de crédito é assim composto por capital e juros de mora, estes vencidos desde maio de 1989.

No caso dos autos, decorre do texto do contrato junto com o requerimento executivo que a obrigação de restituição da quantia emprestada, resultante do celebrado contrato de mútuo com fiança, foi fracionada em 300 prestações mensais, que incluíam capital e juros remuneratórios, a pagar no prazo de 25 anos, prestações pré-determinadas e sujeitas a revisão periódica em função da taxa máxima legal em cada momento em vigor para aquele tipo de operações.

Verifica-se, portanto, o enquadramento no âmbito do disposto da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, sendo aplicável o prazo da prescrição de cinco anos ao direito de crédito exigido coercivamente pela Embargada.

Em apoio da sua defesa, alega os Acórdãos dos STJ citados nos art.4º e 7º do requerimento inicial, muito em especial do Ac. STJ de 18 de Outubro de 2018, ( Proc. nº 2483/155T8ENT-A.E1.S1, acessível em www.dgsi.p.t.

Não olvida a posição minoritária que aplica o prazo de geral de prescrição de 20 anos, nos termos do disposto no art.309º do Código civil.

Será este o entendimento do Embargante que ciclicamente e em intervalos regulares que não chegam a 20 anos, instaura uma acção executiva contra os embargantes e depois se desinteressa.

A 1ªAcção vem identificada em 13º a 16º, a segunda, em 17º a 20º e a terceira em 9 de maio de 2019, que corresponde à acção executiva de que os Embargos são apensos.

E vem pedir o pagamento da quantia de 49.542,86, correspondente a capital e 152.717,08, equivalente a juros de mora, vencidos desde Maio de 1989.

O montante de juros corresponde a mais do que o triplo do capital.

Esta actuação visa atingir os fiadores.

E verifica-se também uma situação de supressio.

A suppressio tem acolhimento no direito português, como o evidenciam diversas sentenças dos nossos tribunais citadas por aquele autor, designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 2000, que identifica os seguintes elementos da figura.

O primeiro elemento a verificar-se é que o titular (a Embargada, no caso dos autos) deve comportar-se como se não tivesse o direito ou como se não mais quisesse exercê-lo.

Neste âmbito, releva que, nas duas execuções anteriormente instauradas, a Embargada não deu qualquer sequência à penhora, deixando extinguir o processo judicial por falta de impulso processual da sua parte, e que, a seguir às deserções da instância, deixou passar anos (sempre mais de cinco anos) sem dar notícias, antes de avançar para nova ação de que se desinteressa.

Em segundo lugar, é necessária a previsão de confiança: a contraparte (os Embargantes) confia em que o direito não mais será feito valer.

Neste âmbito, releva que, como se referiu, os ora Embargantes, fiadores no contrato que origina as ações, confiaram sempre em que a questão se resolveria pela venda judicial da fração hipotecada, o que aconteceria se a Exequente se comportasse com um mínimo de diligência no âmbito do processo executivo por ele instaurado, o que corresponde a uma expetativa legítima do fiador.

Em terceiro lugar, exige-se uma desvantagem injusta: o exercício superveniente do direito acarretaria, para a outra parte, uma desvantagem iníqua.

Neste aspeto, é importante sublinhar que a primeira execução tinha o valor de (€ 55.287,93 (11.084.228$00), que a segunda execução tinha o valor de € 125.300,89, e que a execução principal dos presentes autos tem o valor de € 203.230,33!

A suppressio é uma modalidade de abuso de direito sujeita à disciplina do artigo 334.º do Código Civil: é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

O exercício do direito à cobrança judicial de crédito, por parte da Embargada, é feito de forma abusiva, ofendendo clamorosamente a justiça e a boa fé.

Os ora Embargantes invocam expressamente a existência de abuso de direito.

Considerando ilegítimo o exercício do direito à ação por parte da Embargada, não pode considerar-se a existência de facto interruptivo da prescrição, por estas ações de que a Embargada se desinteressa rápida e sistematicamente, pelo que também o prazo geral de 20 anos teria decorrido, o que se invoca.

Caso assim não se entenda, aceitando o abuso de direito mas não afastando eventuais factos interruptivos da prescrição (e, sem prejuízo da responsabilidade civil que possa ter lugar por abuso do direito de ação), requerem os Embargantes, na expressão de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, o exercício “moderado, equilibrado, lógico, racional” do direito da Embargada à cobrança judicial do seu crédito, limitando-o ao valor da venda judicial da fração novamente penhorada.

Concluem no sentido de que devem proceder por provados os presentes embargos, com todas as consequências legais.

Pugnam, a final, pela procedência da oposição e consequente extinção da execução.

***

Recebida a oposição deduzida, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 732.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

***

Cumprido o disposto no citado normativo legal, a exequente apresentou contestação à oposição.

Ai, aceita para não mais ser retirado o alegado nos arts.1º e 3º do requerimento inicial em que resulta amplamente comprovado que os Executados sabem ser devedores.

Quanto à invocada prescrição, alegam que a citação é um facto que interrompe a prescrição.

Por outro lado, os aqui fiadores não são desconhecedores dos valores em dívida, pelo que não se entende que assaquem sucessivas responsabilidades e deveres à Exequente Embargada, mas em momento algum referem as suas próprias responsabilidades e obrigações.

Do teor dos Embargos resulta que são claramente conhecedores da dívida e das acções que foram interpostas pela Exequente Embargada.

Ou seja, é estabelecido contratualmente um plano prestacional, sendo que, no caso, por motivos completamente alheios à Embargada, o mesmo é incumprido.

Assistia-lhe, como fez, o direito de rescindir o contrato e exigir o imediato cumprimento integral da dívida.

Ou seja, por incumprimento contratual, fica excluída a hipótese do pagamento fraccionado, passando o valor a ser um e uno.

Portanto, deixam de estar em causa quotas de amortização de capital pagáveis com os juros, passando a estar em causa a globalidade do valor mutuado.

Assim sendo, deixa de existir a base fáctica que fundamenta a aplicação do Artigo 310.º/e) do Código Civil, devendo, salvo respeito por melhor opinião, aplicar-se o prazo prescricional geral previsto no Artigo 309.º do Código Civil.

Quanto à invocação do abuso de direito na modalidade de SUPRESSIO, se a expectativa dos fiadores era de que a questão seria resolvida pela “venda judicial” da fracção hipotecada, então a expectativa nunca poderia ser que a Embargada não iria exercer o seu direito, pois que sem esse exercício não há venda judicial.

E diga-se, por outro lado, que não é a primeira vez que os Embargantes deduzem Oposição.

Por outro lado, a Embargada não visa “atingir os fiadores” e, muito menos tem a Embargada qualquer intenção dolosa, planeada ou pré-concebida de prejudicar os Embargantes.

Conclui no sentido de que deverão os Embargos de Executado ser considerados improcedentes, por não provados, com as devidas e inerentes consequências legais, prosseguindo a acção executiva os seus ulteriores termos até efectivo e integral pagamento do valor total peticionado.

***

Ouvidas as partes, pronunciaram-se ambas no sentido de não se oporem a que seja proferido saneador sentença, sem a realização de audiência prévia.

Sanearam-se os autos, passando o tribunal a conhecer do mérito da causa.

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Proferido saneador sentença, no qual se apreciaram as invocadas excepções de prescrição e de abuso de direito, julgou-se a presente oposição à execução improcedente.

Fixando-se as custas a cargo dos embargantes, sem prejuízo do apoio judiciário.

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Inconformados com o teor da sentença, dela interpuseram recurso os embargantes, concluindo da forma seguinte:

A)–O não exercício de direitos durante um certo lapso de tempo pode determinar a sua extinção, que pode ocorrer em resultado da prescrição ou da caducidade, ou pode configurar uma atuação em abuso de direito, desde que o seu titular esteja, nessa atuação tardia, a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

B)–Estando em causa a alegação deste duplo efeito, logo no que respeita aos factos e fundamentação de facto, deveriam ter sido considerados provados os factos relativos à anterior conduta processual da exequente, por estar confessada na contestação (e que a sentença recorrida, apesar de não dar como provados, acaba por valorar a fls. 6 da decisão), pelo que é fundamental considerar provado que:

- Em 29 de fevereiro de 1996, a exequente instaurou ação executiva contra os aqui executados, alegando incumprimento do contrato a que se refere o facto provado n.º 1, com o valor da ação de € 55.287,93 (11.084.228$00), sendo que, em 13 de agosto de 1998 (e após penhora de imóvel da devedora principal), foi declarada interrompida a instância, por falta de impulso processual da exequente, seguindo-se a consequente deserção da instância.

- No segundo semestre de 2007, a exequente instaurou nova ação executiva nos mesmos termos, com o valor da ação de € 125.300,89, sendo que, em 12 de abril de 2011 (e após penhora de imóvel da devedora principal), foi declarada interrompida a instância, por falta de impulso processual da exequente, seguindo-se a consequente deserção da instância.

- Em 9 de maio de 2019, a exequente instaurou nova ação executiva nos mesmos termos, que constitui ação principal nos presentes autos, com o valor da ação de € 203.230,33.

C)–O prazo prescricional aplicável ao caso é de cinco anos, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, e independentemente de se ter verificado o vencimento de toda a dívida, por incumprimento do pagamento das prestações acordadas.

D)–Conforme se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2018 (processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1), acessível em www.dgsi.pt:

“o legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como no mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do CC.

Com efeito, a razão que justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.

Dada tal equiparação de regime, compreende-se que, ao caso, não possa ser aplicável o prazo ordinário da prescrição de vinte anos, previsto no art. 309.º do CC.

A circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do CC.”

E)–O referido prazo de cinco anos está largamente ultrapassado, devendo declarar-se extinto, por prescrição, o direito da exequente.

F)–Independentemente da questão da verificação, ou não, da prescrição, verifica-se abuso de direito - na modalidade da suppressio - na atuação da exequente que, pela terceira vez e a espaços sempre superiores a cinco anos, instaura uma execução contra os recorrentes, considerando que, nas duas ações anteriores, após realizar a penhora, desinteressou-se de qualquer outro impulso processual subsequente (incluindo a venda da fração penhorada), deixando que se verificasse a deserção da ação, visando com tal conduta, em vez da cobrança judicial do seu crédito, apenas garantir a interrupção da prescrição (que entende ser de vinte anos), e aumentar o total em dívida (a exequente mutuou € 19.951,92, a primeira execução tinha o valor de € 55.287,93, a segunda execução tinha o valor de € 125.300,89, e a execução principal dos presentes autos tem o valor de € 203.230,33). – cfr. artigo 334.º do Código Civil.

G)–Com efeito, verificam-se no caso, todos os elementos da figura: o comportamento do titular (a exequente), como se não quisesse cobrar o seu crédito, a previsão de confiança da contraparte (os embargantes, que já perceberam a estratégia da exequente) e a desvantagem injusta: o exercício superveniente do direito acarreta, para a contraparte, uma desvantagem iníqua.

H)–Por mera cautela de patrocínio, caso se conclua pela verificação de abuso de direito, mas se considere que o prazo prescricional é, no caso, de vinte anos, não afastando eventuais factos interruptivos da prescrição, deve o direito da exequente ser limitado ao exercício “moderado, equilibrado, lógico, racional” do direito da Embargada à cobrança judicial do seu crédito, correspondente ao valor da venda judicial da fração novamente penhorada (a venda da fração na primeira ação teria, de resto, liquidado a dívida e todos os seus acréscimos).

I)–A sentença recorrida faz errada interpretação e incorreta aplicação do disposto na alínea e) do artigo 310.º, e no artigo 334.º, ambos do Código Civil.

Conclui no sentido de que deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo a sentença recorrida ser substituída por outra que, decrete procedentes por provados os embargos deduzidos.

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A Habilitada E... & O...., S.A, Recorrida, veio apresentar contra-alegações, concluindo nos termos seguintes:

1.–No exercício da sua actividade creditícia, a Caixa Geral de Depósitos, S. A. celebrou com Maria C., em 29-10-1987, um contrato de mútuo com hipoteca, mediante o qual emprestou a esta a quantia de 19 951,92 €, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido.

2.–Clausulou-se no mencionado contrato que o capital mutuado venceria juros à taxa inicial de 18,000%, alterável em função dos limites contratuais e legais, em vigor na data da alteração, acrescendo, em caso de mora, a sobretaxa de 4% ao ano.

3.–Para garantia do referido mutuo, os Recorrentes constituíram-se individual e solidariamente fiadores e principais pagadores, com expressa renúncia do benefício da excussão prévia.

4.–A mutuária e os Recorrentes deixaram de cumprir as obrigações emergentes do contrato em 29-05-1989.

5.–Conforme admitiram os Recorrentes, foram citados para três acções executivas.

6.–Em termos de interrupção da prescrição relativamente ao devedor e ao fiador, existe agora a regra de autonomia entre a obrigação principal (do devedor) e a acessória (do fiador), como decorre do disposto no art. 636.º, n.º 1, do CC. Só assim não será se o credor der conhecimento ao fiador do facto que consubstancia a interrupção da prescrição, como, por exemplo, a citação para execução, tornando-se este um facto gerador de interrupção de prescrição.

7.–É entendimento da Recorrida que ao contrato de empréstimo já resolvido é aplicável o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º, do Código Civil), pelo que o direito de crédito dos Recorrentes não se mostra prescrito.

8.–Da celebração do contrato de empréstimo e fiança outorgado por escritura pública que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, resulta uma única obrigação: de reembolso do capital e juros convencionados.

9.–Sendo que o plano de pagamento do contrato de empréstimo em prestações mensais e sucessivas acordado deixou de estar em vigor com a resolução do contrato comunicada aos intervenientes.

10.–A perda de benefício do prazo aplicável, quer aos mutuários, quer aos fiadores, dado o não pagamento das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital, cujo reembolso estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações, pelo que, o plano prestacional a que o contrato de empréstimo faz referência convolou-se noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida, o qual não poderá estar sujeito ao prazo prescricional de 5 anos.

11.–Por consequência, a obrigação exequenda não é subsumível à alínea e) do artigo 310.º do Código Civil mas, outrossim, aos artigos 309.º e 311.º, do Código Civil.

12.–Resulta do Acórdão exarado pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do Processo n.º 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1 que: “O abuso do direito – art. 334.º do CC – na modalidade da supressio, se com o decurso de um período de tempo significativa susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido.”

13.–Conforme é dito pelos Recorrentes nos seus Embargos, “o primeiro elemento é que o titular deve comportar-se como se não tivesse o direito ou como se não mais quisesse exercê-lo.” Um credor desinteressado ou que se comporta como se não tivesse o direito não interpõe acções executivas que visam, justamente obter o pagamento do seu crédito. O segundo elemento, conforme se retira da passagem acima citada, é a criação de uma expectativa de que o direito não mais será exercido.

14.–Assim, a sanção natural pela falta de cumprimento do contrato de mutuo e fiança, será, caro está, o expediente judicial ao dispor do credor, que neste caso é a acção executiva.

15.–Não se vendo portanto, que a interposição da presente acção pela ora Recorrida, configure qualquer excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do respectivo direito.

Conclui no sentido de dever o presente Recurso de Apelação ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a Quo.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

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Questões a decidir:

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC), impõe-se conhecer as seguintes questões:

-Da impugnação da matéria de facto

-Da prescrição

-Do abuso de direito

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FUNDAMENTAÇÃO:

Dos factos e fundamentação de facto

Foi tida como assente a seguinte matéria de facto relevante para a decisão da causa:

1-No exercício da sua actividade creditícia, a exequente celebrou com os executados, em 29-10-1987, um contrato de mútuo com hipoteca, mediante o qual emprestou à primeira executada, com a fiança dos restantes executados a quantia de 19 951,92 €, cujo conteúdo aqui se dá por inteiramente reproduzido (doc. nº 1).

2-No caso dos autos, decorre do texto do contrato junto com o requerimento executivo que a obrigação de restituição da quantia emprestada, resultante do celebrado contrato de mútuo com fiança, foi fracionada em 300 prestações mensais, que incluíam capital e juros remuneratórios, a pagar no prazo de 25 anos, prestações pré determinadas e sujeitas a revisão periódica em função da taxa máxima legal em cada momento em vigor para aquele tipo de operações.

3-Clausulou-se no mencionado contrato que o capital mutuado venceria juros à taxa inicial de 18,000%, alterável em função dos limites contratuais e legais, em vigor na data da alteração, acrescendo, em caso de mora, a sobretaxa de 4% ao ano.

4-Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, foi constituída hipoteca sobre: Fracção autónoma designada pela letra X correspondente ao 3º A do prédio urbano sito em Rua I, nº3, freguesia de A_____, concelho de S_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de A_____ sob a ficha nº…, da referida freguesia, inscrito na matriz sob o art…..

5-Os executados entraram em incumprimento conforme resulta da liquidação infra, deixando de liquidar as prestações vencidas desde a data de início do cálculo dos juros, indicada na liquidação da obrigação exequenda infra.

A mutuária e os Recorrentes deixaram de cumprir as obrigações emergentes do contrato em 29-05-1989.

6-Empréstimo PT 0035............5: tendo os ora executados deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato, encontram-se em dívida, à exequente, à data de 09-05-2019, as seguintes quantias: Capital 49 542,86 € Juros de 29-05-1989 a 09-05-2019 152 717,08 € Despesas 0,00 € Comissões 970,39 €, o que perfaz o total de 203 230,33 €.

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Fundamentação de Facto

A convicção do Tribunal em relação aos factos considerados provados assentou na prova documental junta aos autos bem como na confissão da existência do contrato e do incumprimento do mesmo.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para o conhecimento da causa.

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DE DIREITO:

I-Da Impugnação da decisão de facto:

No ponto B) das conclusões de recurso, defendem os recorrentes que deveriam ter sido considerados provados os factos relativos à anterior conduta processual da exequente, por estarem confessados na contestação (e que a sentença recorrida, apesar de não dar como provados, acaba por valorar a fls. 6 da decisão), pelo que é fundamental considerar provados os factos aí indicados.

Os factos em causa estão confessados pela embargada, na contestação, que assume a existência de três acções executivas também nas contra-alegações e também a sentença, na fundamentação de direito, refere as três acções executivas.

O certo é que se trata de matéria de prova documental obrigatória e não consta nenhum documento relativo às duas primeiras acções, nem nestes autos de embargos, nem na acção executiva.

Tal exigência impõe-se desde logo da conjugação dos arts.10º, nºs 5 e 6 e 703º, do CPC.

Assim sendo salvo o devido respeito, não pode o tribunal dar como provada a existência das duas acções anteriores à presente, por não estarem provadas por documento, nem ser nesta fase possível requerer oficiosamente tal documentação.

Improcede a apelação com este argumento, não se aditando os factos referidos.

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II–Da prescrição:

Está em causa um contrato de mútuo com hipoteca e fiança em que os Embargantes, aqui Recorrentes, intervieram como fiadores e principais pagadores, nos termos dos quais o pagamento do capital mutuado e juros convencionados era feito em prestações mensais constantes.

“O vencimento imediato de todas as prestações ainda em dívida, por falta de pagamento de uma dela, é justificado com a quebra da relação de confiança em que assenta o plano de pagamento calendarizado.”

Ou seja, é estabelecido contratualmente um plano prestacional, sendo que, no caso, por motivos completamente alheios à Embargada, o mesmo é incumprido. Assistia-lhe, como fez, o direito de rescindir o contrato e exigir o imediato cumprimento integral da dívida.

Incumprido o contrato pelos devedores principais, a Exequente, entidade mutuante, instaurou execução contra os fiadores visando obter o pagamento do crédito correspondente ao capital não amortizado dos empréstimos contraídos e respectivos juros

Entendeu o tribunal A Quo, seguindo alguma jurisprudência, que cita, que, por incumprimento contratual, fica excluída a hipótese do pagamento fraccionado, passando o valor a ser um e uno. Portanto, deixam de estar em causa quotas de amortização de capital pagáveis com os juros, passando a estar em causa a globalidade do valor mutuado. Assim sendo, deixa de existir a base fáctica que fundamenta a aplicação do Artigo 310.º/e) do Código Civil, devendo, salvo respeito por melhor opinião, aplicar-se o prazo prescricional geral previsto no Artigo 309.º do Código Civil”, não ocorrendo por isso o prazo prescricional.

Tratando-se de matéria que não mereceu controvérsia pelas partes e que neste âmbito não cabe sindicar, importará levá-la em linha de conta para efeitos de considerar que a Embargante, tendo intervindo nos contratos como fiadora e na qualidade de principal pagadora, assumiu, também, contratualmente, em detrimento da norma supletiva do artigo 782.º, do Código Civil, a responsabilidade pela amortização do mútuo no caso de perda do benefício do prazo em relação aos devedores principais.

Consequentemente, a perda de benefício do prazo perante o não pagamento das prestações do capital mutuado, conferindo ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital, mostra-se aplicável quer aos mutuários, quer à fiadora, aqui Embargante, a partir da data atrás referida, estando demonstrado que;

A mutuária e os Recorrentes deixaram de cumprir as obrigações emergentes do contrato em 29-05-1989.

Em 15 de Maio de 2019, mas com liquidação de 9 de maio de 2019, a exequente instaurou ação executiva, que constitui ação principal nos presentes autos, com o valor da ação de € 203.230,33, sendo Capital 49 542,86 € Juros de 29-05-1989 a 09-05-2019 152 717,08 € Despesas 0,00 € Comissões 970,39 €, o que perfaz o total de 203 230,33 €.

A questão relativa à aplicação do prazo de prescrição, nestas situações de vencimento do contrato de mútuo, por incumprimento, com resolução do contrato, não tem obtido uma resposta uniforme, embora o STJ, principalmente no decurso do presente ano, venha a aderir a uma nova corrente, que passo a expor:

- O Ac STJ de 28-4-2021, Relatora Graça Amaral, Proc. nº 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1, cujo entendimento sufragamos, refere que …”o entendimento do acórdão recorrido de considerar aplicável no caso o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, mostra-se consentâneo com o posicionamento que este tribunal tem vindo reiteradamente a defender em situações similares às dos presentes autos. (Cfr. entre outros, acórdãos de 09-02-2021 (Processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1), de 12-11-2020 (Processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1) e de 18-10-2018 (Processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1), acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.), dado estarem em causa contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fraccionada (prestações) o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), não relevando para o enquadramento em termos de prescrição a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento.

Com efeito, o que releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é a forma por que a obrigação exequenda se mostra titulada como defende a Recorrente nas suas alegações (cfr. conclusões i), mas a estrutura do direito de crédito da Embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.

Refere este respeito o recente acórdão de 09-02-2021 supra indicado “o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.”.

Nestes casos, conforme salienta Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º, do Código Civil, Coimbra editora, 2ª edição, Junho de 2014, p. 127, citada acima indicado o acórdão deste tribunal de 09-02-2021,  “não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.”

Como explicita ainda o mesmo acórdão de 09-02-2021, “desde há muito, que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspetivada de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos, para a verificação da prescrição.

Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).

Neste âmbito, o legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como no mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do CC.

Com efeito, a razão que justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.

Dada tal equiparação de regime, compreende-se que, ao caso, não possa ser aplicável o prazo ordinário da prescrição de vinte anos, previsto no art. 309.º do CC.

A natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato com a perda do benefício do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual.

A tal propósito explica o acórdão deste tribunal de 09-02-2021 (Referenciando o acórdão do STJ, de 10-09-2020, Processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1), que a perda do benefício do prazo traduzida no vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas não altera a natureza da dívida, mas repristina “a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (in DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.

(…) O fundamento da prescrição quinquenal não deixa de subsistir com tal vencimento, continuando a verificar-se a necessidade da sua aplicação, por forma a evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.”.

Assim sendo, levando ainda em linha de conta que, no caso dos autos, a apreciação do direito da Exequente se mostra analisado à luz do pedido em sede de requerimento executivo - vencimento antecipado das prestações nos termos previstos no artigo 781.º, do Código Civil - não merece acolhimento o entendimento da Embargada de pretender ver aplicável à situação dos autos (que agora integra em termos de contrato de empréstimo já resolvido) o prazo ordinário de prescrição de vinte anos ao abrigo do artigo 309.º, do Código Civil.

Entendemos ainda, que se afigura errónea a posição adoptada na sentença objecto de recurso, que considerou deixar de existir a base fáctica que fundamenta a aplicação do Artigo 310.º/e) do Código Civil.

O Ac. do STJ de 28-4-2021, Relatora Conselheira Graça Amaral, Proc. nº 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1, atrás citado, publicado no site do ITIJ, tem o seguinte sumário:

I–O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fraccionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

II–Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as fracções.

Ac. do STJ de 29-04-2021, Relator Conselheiro Cura Mariano, Proc. nº 723/18.8T8OVR-A.P1.S1.

I.–O disposto no artigo 781.º do Código Civil aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente.

II.–Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações.

III.–As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo.

Refere este Acórdão, em termos que aderimos, que “Com estas prescrições de médio prazo pretendeu-se evitar que, devido à inércia do credor, se dilate excessivamente o valor de uma dívida que, devido às prestações acumuladas, possa atingir uma dimensão tal que provoque a insolvência do devedor [5], nelas se tendo incluído, expressamente (alínea e) do artigo 310.º), as prestações relativas à amortização periódica de capital quando combinada com os juros que remuneram o adiantamento desse capital, abrangidos pela previsão da alínea anterior.

Como denunciam os trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, da autoria de VAZ SERRA, adotou-se a solução na altura consagrada no B.G.B. [6]: com os juros devem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão § 197), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros [7].

Outra não podia ser a solução, uma vez que seria, no mínimo, estranho, o concurso de duas prescrições com prazos distintos sobre as mesmas prestações compósitas (uma quanto aos juros e outra quanto à amortização do capital).

Anteriormente, no domínio do Código de Seabra, apesar de se prever um prazo de prescrição de cinco anos para as prestações vencidas que se costumam pagar em certos e determinados tempos (artigo 543.º), defendia-se que tal previsão, por ser excecional, deveria ser interpretada de forma restritiva, não abrangendo as anuidades de capital e juros convencionadas para a lenta amortização duma dívida [8].

As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem, assim, inequivocamente, as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo [9], como sucede com o crédito exequendo.

O Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 18.10.2018, Proc. n.º 2483/15 (Rel. Olindo Geraldes); de 23.01.2020, Proc. n.º 4518/17 (Rel. Nuno Pinto Oliveira); de 3.11.2020, Proc. n.º 8563/15 (Rel. Fátima Gomes); de 10.09.2020, Proc. n.º 805.16 (Rel. Rijo Ferreira); e de 26.01.2021, Proc. n.º 20767/16 (Rel. Maria João Vaz Tomé), também tem considerado que é aplicável este prazo de prescrição de cinco anos, mesmo quando o credor tenha já exigido o pagamento antecipado de todas as prestações, com fundamento na falta de pagamento de uma delas, o que parece contrariar a opinião de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. V, cit., pág. 215, e Código Civil Comentado, vol. I, cit., pág. 893, quando refere que, nestes casos, já não se trata de ... quotas de amortização.

-O Ac. do STJ de 06-07-2021, Relatora Conselheira Fátima Gomes, Proc. nº 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, defendeu o seguinte:

I.–Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

II.–Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

III.–A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil.

Também o Ac. do STJ de 14-7-2021, Relator Conselheiro Ilídio Martins, Proc. nº 1249/18.5TMMN-A.E1.SL, publicado in www.dgsi, entendeu o seguinte:

Seguindo de perto o acórdão do STJ 27.03.2014, Proc.º nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj, diremos, em síntese, que, “desde há muito tempo que a doutrina e a jurisprudência vêm explicitando que a razão da “prescrição” se vai buscar à praticada negligência do titular de discriminado direito, consubstanciada na omissão do seu exercício durante certo tempo, que o legislador contabiliza e durante o qual se faz presumir a renúncia ao direito, ou, torna aquele indigno de protecção jurídica (Prof. Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica; II; pág. 445-446).

A prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador (Ac. STJ de 19.06.2012; Relator o Ex.mo Cons. Dr. Fonseca Ramos; www.dgsi.pt). O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil).

Todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.

Esta prescrição legal, compreendida nas designadas prestações periodicamente renováveis, é comummente defendida pela circunstância de, através dela, se obviar a que o credor, adiando a exigência do pagamento de prestações de abreviado quantitativo, deixe amontoar o seu crédito a tal ponto que torne demasiado dificultada a prestação do devedor - Prof. Manuel de Andrade; ob. Citada; pág. 452.

Nos termos do que está proposto no n.º 1 do art.º 304.º do C.Civil, verificada a prescrição pelo decurso do prazo prescricional, é conferida ao devedor, seu beneficiário, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito; e estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298.º, n.º 1 do C.Civil)”.

“Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil (…).

“Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

“O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição” (Cfm. Ac STJ de 18.10.2018, Proc.º nº 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, in www.dgsi.pt/jstj)

“Os empréstimos bancários para aquisição de habitação própria cujo pagamento, por acordo das partes, foi fracionado em prestações que incluem o pagamento de juros, prescrevem no prazo de cinco anos, por aplicação do artigo 301.º, alínea e), do Código Civil”.

AC RE de 21.5.2020, Proc.º nº 8563/15.0T8STB-A.E1,citado no acórdão recorrido (fls 158 vº) e alcançável in www.dgsi.pt/jtre

Neste Acórdão do STJ, entendeu-se que o débito dos executados se concretizou desde a subscrição do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca operada em 26.08.1998, concedido pelo prazo de 25 anos numa quota de amortização mensal de 300 prestações de capital e juros, a primeira com vencimento no dia cinco do mês seguinte ao do início do contrato.

E concluiu que:

A atitude da exequente enquadra-se na previsão legal do disposto no artigo 310º, alínea e), do Código Civil, e, por isso, assiste aos executados o privilégio de poderem recusar o cumprimento da prestação pedida na execução contra eles movida.

***

Aplicando as ideias defendidas genericamente quanto ao prazo prescricional, ao caso dos autos.

No caso dos autos, decorre do texto do contrato junto com o requerimento executivo que a obrigação de restituição da quantia emprestada, resultante do celebrado contrato de mútuo com fiança, foi fracionada em 300 prestações mensais, que incluíam capital e juros remuneratórios, a pagar no prazo de 25 anos, prestações pré determinadas e sujeitas a revisão periódica em função da taxa máxima legal em cada momento em vigor para aquele tipo de operações.

Estamos perante um contrato de mútuo oneroso, sendo que, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil (…).

“Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

Dentro do contexto legal descrito, tendo em consideração que a execução foi proposta em 15 de maio de 2019 e que o último pagamento foi efetuado em 29 de maio de 1989, tem de concluir-se pelo decurso do prazo de prescrição de cinco anos.

Assim sendo, assiste razão ao embargante no que concerne à prescrição da divida, na sua totalidade.

Procedem os embargos, com a extinção da execução.

***

Em face do exposto, fica prejudicada a apreciação da excepção de abuso de direito.

***

DECISÃO

Nos termos vistos, Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a Apelação, julgando extinta a execução, por prescrição divida exequenda.

Custas a cargo da Embargada.

Lisboa, 30 de Setembro de 2021

Maria Amélia Ameixoeira

Rui Moura

(#)Maria do Céu Silva, (voto vencido conforme declaração infra).

***

(#) Voto de vencido

Discordo da decisão de julgar extinta a execução por prescrição da divida exequenda por considerar que aplicável era o prazo de prescrição de 20 anos.

Nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25 de março de 2009, “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art. 781º do C.C. não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporadas”.

No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 12 de novembro de 2020, processo 927/14.2TBALM-A.L1-8, publicado em www.dgsi.pt, no qual foi relatora, elaborei o seguinte sumário:

1-Verificando-se a falta de pagamento de uma prestação e, em consequência, o vencimento imediato das prestações por força do art. 781º do C.C., não tem o mutuário de pagar os juros remuneratórios originariamente incorporados no montante das prestações, pelo que as prestações em falta não se enquadram no art. 310º al. e) do C.C. e, portanto, aplica- -se o prazo ordinário da prescrição.

2- O art. 781º do C.C. não é uma norma imperativa.

3- Assim, se, por força do regime convencionado pelas partes, não houver vencimento imediato das prestações, as prestações continuam a incorporar juros remuneratórios e, portanto, as prestações enquadram-se no art. 310º al. e) do C.C., sendo que a prescrição de 5 anos operará em relação a cada uma das prestações em falta, começando a correr a partir da data do respetivo vencimento.”

Na fundamentação de tal acórdão, pode ler-se:

«No art. 310º do C.C., estão previstas prescrições de curto prazo, “destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao art. 310º).»

Mais adiante, consta:

«É quando se verifica a falta de pagamento de uma prestação que a dívida da responsabilidade do mutuário se torna pesada e isso é consequência do vencimento imediato das prestações. A partir desse momento, a inércia do mutuante na recuperação do seu crédito leva apenas ao avolumar da dívida pela acumulação dos juros moratórios.»

O devedor está protegido da inércia do credor que leva à acumulação dos juros moratórios com a prescrição de curta duração prevista na alínea d) do art. 310º do C.C.

***

Maria do Céu Silva                                                                    

[5]VAZ SERRA, Prescrição Extintiva e Caducidade, B.M.J. n.º 106, pág. 119, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, pág. 280, FILIPA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 124-125, JÚLIO GOMES, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 755, e RITA CANAS DA SILVA, Código Civil Anotado, Almedina, 2017, pág. 382.

[6]Dispunha, na altura, o § 197 do B.G.B. que os créditos relativos a estas prestações compósitas prescreviam em quatro anos. Todas as prescrições de médio prazo vieram, contudo, a desaparecer, com a reformulação do regime da prescrição operada pela Reforma do B.G.B., ocorrida em 2001/2002.

[7]Est. cit., pág. 113-114.

[8]CUNHA GONÇALVES, Tratado de direito civil em comentário ao Código Civil Português, vol. III, Coimbra Editora, 1930, pág. 749.

[9]FILIPA MORAIS ANTUNES, ob. cit., pág. 128-129, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. V, 3.ª ed., Almedina, 2018, pág. 214, e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.03.2014, Proc. n.º 189/12 (Rel. Silva Gonçalves); de 29.09.2016, Proc. n.º 201/13 (Rel. Lopes do Rego); de 06.06.2019, Proc. n.º 902/14 (Rel. Abrantes Geraldes); de 12.11.2020, Proc. n.º 7214/18 (Rel. Maria do Rosário Morgado); e de 14.01.2021, Proc. n.º 6238/16 (Rel. Tibério Nunes da Silva).