Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10913/2007-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
INTERVENÇÃO PROVOCADA
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- Sendo a responsabilidade pela reparação do acidente, em primeira linha, da empresa de trabalho temporário (ETT), entidade patronal , e da respectiva seguradora, apenas estas devem ser demandadas na acção emergente de acidente de trabalho, não sendo por isso de deferir nem o pedido de citação efectuado ao abrigo do art. 129º nº 1 al. b) do CPT, nem o pedido de intervenção principal provocada.
II -Todavia, a empresa utilizadora do trabalho temporário do sinistrado pode ser chamada à acção, através do incidente de intervenção provocada acessória, se for trazida aos autos a questão da eventual culpa da mesma na violação das normas de higiene e segurança como causa do acidente.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

No processo emergente de acidente de trabalho que A. moveu, no Tribunal do Trabalho do Barreiro contra MAPFRE – Seguros Gerais, S.A. e B…, Empresa de Trabalho Temporário, S.A. veio a primeira requerer a intervenção principal provocada da empresa utilizadora do trabalho do sinistrado, a C…, SA.
Alega para tanto que o acidente ocorreu devido à falta de condições de segurança no local de trabalho do sinistrado, as quais são exclusivamente da responsabilidade da empresa utilizadora. Mais refere que esta empresa não é um terceiro para efeitos de contrato de seguro, já que a existência do mesmo é condição essencial, senão de validade, de celebração do próprio contrato de cedência de trabalhadores.
A 2ª ré, por seu lado, invoca o disposto no art. 129º do CPT, para requerer que seja a empresa utilizadora C…, S.A. citada para a presente acção, com todos os efeitos legais.
O autor não se pronunciou sobre a matéria.
Pelo despacho de fls. 271/272 a Srª Juíza indeferiu tais requerimentos e condenou ambas as RR. nas custas do incidente, com a seguinte fundamentação:
Dispõe o nº 1 do art. 320º do C.P.C. que qualquer das partes primitivas pode provocar o chamamento a juízo do interessado com direito a intervir na causa.
Na presente acção, apenas podem ser condenados ao pagamento da pensão e indemnização decorrente do acidente em apreço as entidades referidas na Lei de Acidentes de Trabalho, a saber: a entidade patronal e/ou as instituições seguradoras que tenham para si transferida a responsabilidade emergente de acidente de trabalho.
Nesta medida, apenas é admissível a intervir na acção qualquer uma dessas entidades.
Neste sentido tem sido constante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como vê o Ac. de 9/11/1994,CJ, Ano lll, 1994, pág. 290, como anteriormente do STA,. Ac. de 4/6/66, in Acórdãos Doutrinais do STA nº 82, pag. 342.
Assim, o pedido de intervenção de um terceiro, estranho a todo o vínculo de natureza laboral existente entre os litigantes, mas podendo vir a ser sujeito passivo de uma eventual acção de regresso configurada pelo chamante, não pode proceder.
E cai nesta situação a factualidade em crise, a saber: a violação de normas de segurança por parte da empresa utilizadora. É que nestes casos o terceiro, (eventual culpado), sob a direcção de quem o trabalhador presta temporariamente a sua actividade, conforme lhe foi determinado pelo seu empregador, funciona perante o trabalhador como representante do empregador nos termos e para os efeitos do art. 18º da LAT, (mais específico e recente vide Ac STJ de 24.01.2007, processo nº 06S2711 in www.dgsi.pt).
Nesta medida a responsabilidade da entidade patronal e respectiva seguradora, mantém-se, sem prejuízo, como referimos, de eventual direito de regresso contra o responsável pelo mesmo.
A final, um parêntesis para anotar que não tem aplicação ao caso o disposto no art. 129º do CPT pois não está em causa a indicação de outra entidade responsável, como vimos.”
Inconformada, agravou a R. B…, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
(…)
O sinistrado, patrocinado pelo M.P. contra-alegou pugnando pela negação de provimento ao recurso.
Subidos os autos a este tribunal foram colhidos os vistos dos Exºs Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir, sendo que a questão principal suscitada no recurso é a de saber se a empresa utilizadora do trabalho temporário do sinistrado, eventual responsável pela inobservância das normas de segurança e higiene no trabalho, deve ser chamada à acção e, dependente desta questão, se é de manter condenação da recorrente nas custas do incidente.

Consideramos assentes, com pertinência para a apreciação, os seguintes factos:
1- O acidente dos autos ocorreu no dia 20 de Outubro de 2005 quando o sinistrado desempenhava remuneradamente funções de limpeza nas instalações e ao serviço da empresa C…, S.A., em Paio Pires.
2- O sinistrado havia sido admitido pela R. B…, através de contrato de trabalho temporário, e cedido por esta, através de um contrato de utilização de trabalho temporário, à referida C….
3- A R. B… transferira para a R. Mapfre – Seguros Gerais S.A. a responsabilidade por acidentes de trabalho através de seguro na modalidade de prémio variável titulado pela apólice nº ….

Apreciando
A acção foi intentada contra a ora agravante B…, empresa de trabalho temporário (ETT) que contratou o sinistrado e a respectiva seguradora de acidentes de trabalho, Mapfre, com fundamento apenas na responsabilidade objectiva.
Ambas as RR., nas respectivas contestações, suscitaram a questão de ter havido violação de regras de higiene e segurança no trabalho, cuja observância cabia à empresa utilizadora do trabalho do sinistrado – a C… - e foi com esse fundamento que requereram a intervenção desta, sendo que a ora agravante o fez indicando-a como responsável nos termos previstos no art. 129º nº 1 al. b) do CPT.
O indeferimento de tal pretensão no despacho recorrido assentou no entendimento de que a empresa utilizadora é um terceiro, estranho ao vínculo laboral existente entre os litigantes, que embora possa vir a ser sujeito passivo de uma eventual acção de regresso, não deve intervir nesta acção porque não é entidade patronal, nem seguradora e só estas podem ser demandadas em acção emergente de acidente de trabalho.
É contra este entendimento que se rebela a agravante.
Está em causa, pois, definir se a empresa utilizadora é um terceiro relativamente à relação de trabalho no âmbito da qual ocorreu o acidente ou se pode ser considerada responsável e, como tal, demandada nestes autos.
O preâmbulo do primeiro diploma que entre nós regulou o contrato de trabalho temporário (DL 358/89 de 17/10) aponta como especialidade deste contrato ser um «contrato de trabalho “triangular” em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce o poder disciplinar) e o utilizador (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra nos seus quadros e exerce em relação a ele, por delegação da empresa de trabalho temporário, os poderes de autoridade e de direcção próprios da entidade empregadora)».
Quer o art. 13º nº 1 quer o art. 20º nºs 1 a 3 de tal diploma determinam com clareza que cabe à empresa utilizadora garantir o respeito pelas regras de higiene e segurança no trabalho, cabendo-lhe informar a ETT e o trabalhador temporário sobre os riscos para a segurança e saúde do trabalhador inerentes ao posto de trabalho a que será afecto e não lhe sendo permitido utilizar trabalhadores temporários em postos de trabalho particularmente perigosos para a segurança e saúde do trabalhador.
Também o art. 273º do CT relativo às obrigações gerais do empregador em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho (que substitui o anteriormente disposto pelo art. 8º do DL 441/91 de 14/11) estabelece no nº 4 al. c) que quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, actividades com os respectivos trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os empregadores, tendo em conta a natureza das actividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da protecção da segurança da saúde, sendo as obrigações asseguradas pela empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário Sublinhado da nossa responsabilidade. ou de cedência de mão-de-obra.
No caso em apreço, se porventura se vier a provar ter existido violação de regras de higiene e segurança no trabalho e nexo de causalidade entre essa violação e o acidente, estaremos perante um caso especial de reparação dos previstos no art. 18º da L. 100/97 de 13/9, mais precisamente na 2ª parte do respectivo nº 1, que estabelece uma responsabilidade agravada.
Ora, sendo a eventual violação de regras de higiene e segurança imputável à empresa utilizadora, deverá a mesma ser chamada a intervir nos autos como responsável ou essa responsabilidade apenas pode ser imputada à empregadora ou ETT, ficando esta com direito de regresso sobre a causadora do acidente (seja nos termos do art. 18º nº 3, seja nos termos do art. 31º nº 4)?
Como bem refere a Srª Juíza, apenas podem ser condenados ao pagamento das prestações por acidente de trabalho as entidades referidas na LAT, a saber os empregadores e as entidades seguradoras para quem aqueles transfiram a responsabilidade emergente de acidente de trabalho (cfr. art. 37º da LAT e art. 11º do RLAT).
No caso especial do trabalho temporário juridicamente o empregador é a ETT.
Mas, o facto de, nos termos legais, as empresas utilizadoras assumirem uma parcela muito significativa dos poderes de autoridade e direcção típicos do empregador, permite com propriedade considerar que desempenham, de facto, o papel do “empregador real” sendo a ETT mera “empregadora formal e aparente” Vide a 3ª anotação de António José Moreira ao art. 20º da LTT na obra “Trabalho Temporário – Regime Jurídico Anotado”, Almedina. 1999. pag. 48.. Será isso bastante para que não possa ser considerada terceiro, como pretende a apelante?
Se relativamente ao vínculo jurídico entre o trabalhador temporário e a ETT, não nos parece oferecer dúvidas que o utilizador seja um terceiro, não podemos todavia ignorar que é um dos lados do triângulo que caracteriza o contrato de trabalho temporário, recebendo o trabalhador na sua empresa (embora sem que o integre no seu quadro de pessoal) e exercendo sobre ele poder de autoridade e direcção, assim partilhando com a ETT uma parcela substancial dos poderes patronais. Não é pois, de forma alguma, um estranho na relação laboral triangular que é desenhada pelo cruzamento do contrato de trabalho temporário (entre a ETT e o trabalhador) com o contrato de utilização (entre a ETT e utilizador).
Como vem entendendo o STJ Ac. de 22/11/2004 (proc. Nº 1918/05), de 24/1/2007 (proc. Nº 2711/06). nos casos em que o terceiro (culpado) tem uma especial relação quer com o sinistrado, quer com a entidade patronal, designadamente quando incumbe a esse terceiro a direcção e orientação da actividade do trabalhador/sinistrado e também a responsabilidade legal pela observância das condições de segurança, continua a ser o empregador - entidade que paga a remuneração ao trabalhador e exerce (pelo menos em parte, designadamente a nível disciplinar) o poder de autoridade sobre o trabalhador - o responsável directo perante este, já que foi ele que determinou a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança. “Nestes casos, o terceiro (empreiteiro, empresa utilizadora, ou cessionário, no caso de cedência ocasional de trabalhadores…), sob a autoridade de quem o trabalhador presta temporariamente a sua actividade, conforme lhe foi determinado pelo seu empregador, funciona perante o trabalhador como “representante” da entidade patronal nos termos e para os efeitos do art. 18º da LAT.”
Está aqui em causa um conceito amplo de “representante”, que não se confina ao sentido jurídico de representante legal ou estatutário das pessoas colectivas (art. 163º do CC), mas abrange as pessoas em quem a entidade patronal (mesmo a pessoa singular) delegou o seu poder de autoridade e direcção Neste sentido vide, do Prof. Menezes Leitão “A Reparação de Danos Emergentes de Acidente de Trabalho”, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Almedina, I vol. pag. 577 e, no âmbito da anterior LAT, Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas, Rei dos Livros, 1984, pag. 231/232.. Ora, como vimos, o poder de direcção sobre o trabalhador temporário que cabe à empresa utilizadora, foi-lhe conferido por delegação da ETT, ao celebrar com ela o contrato de utilização.
Na opinião do Prof. Menezes Leitão (obra e local citados) a responsabilidade da entidade patronal pelos actos do seu representante é um caso de responsabilidade pelo risco e funda-se em razões de prevenção: “pretende-se evitar que a entidade patronal ponha os seus trabalhadores ao serviço de empresários pouco diligentes, que eles não escolheram ao celebrar o contrato de trabalho.”
Nestes casos a lei (art. 18º nº 3 da LAT) confere ao empregador direito de regresso.
Ora, sendo a responsabilidade pela reparação do acidente, em primeira linha, da entidade patronal (ETT) e respectiva seguradora, apenas estas devem ser demandadas na acção emergente de acidente de trabalho, não sendo por isso de deferir nem o pedido de citação efectuado pela ora agravante, ao abrigo do art. 129º nº 1 al. b) do CPT, nem o pedido de intervenção principal provocada, formulado pela R. seguradora.
Todavia, apesar de se reconhecer que a empresa utilizadora, C…, S.A., não tem legitimidade para intervir na acção como parte principal, importa atentar que, trazida aos autos a questão da eventual culpa da mesma na violação das normas de higiene e segurança como causa do acidente, do que, a provar-se, resultará a condenação da R. B… nos termos agravados resultantes do art. 18º( Já que a seguradora responderá nesse caso apenas subsidiariamente e pelas prestações normais (cfr. art. 37º nº 2).), com direito de regresso sobre a C…, pode ser muito útil ao esclarecimento dos factos pertinentes (relativos ao alegado incumprimento das regras de higiene, saúde e segurança no trabalho) a intervenção desta, ainda que como parte acessória (assistente) da R. B…, conforme permitido pelo art. 330º do CPC. Por isso se nos afigura dever ser convolado o incidente requerido para o de intervenção provocada acessória, aproveitando os actos praticados, uma vez que deles não nos parece que resulte diminuição de garantias das partes.
Assim sendo, mostrando-se viável a acção de regresso e a respectiva conexão com a causa principal (art. 331º nº 2 CPC), entendemos ser de deferir a intervenção da referida C…, como auxiliar na defesa da R. B….
E deferido o incidente de intervenção provocada, se bem que após a convolação para o de intervenção acessória, deixa de existir fundamento para a condenação das RR. em custas do incidente, pelo que nessa parte o recurso procede.

Decisão
Pelo que antecede se acorda em dar parcial provimento ao agravo, alterando o despacho recorrido no sentido de convolar o incidente de intervenção provocada para o de intervenção acessória, deferindo o chamamento aos autos da empresa utilizadora do trabalho temporário do sinistrado, a C…, S.A, para intervir como auxiliar da defesa da R. B…, Empresa de Trabalho Temporário, S.A. e, por outro lado, revogando a condenação das RR. nas custas do incidente.
Custas do recurso pela agravante na proporção de ½.
Lisboa, 20/2/2008

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira