Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3611/2008-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: COISA DEFEITUOSA
VENDA
CONSUMIDOR
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
PRAZO
ACORDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, sendo que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade, podendo, porém, tal prazo ser reduzido a um ano, contanto que se trate de coisa móvel usada e haja acordo das partes.
2 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, nomeadamente, por meio de reparação ou de substituição, sendo nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor.
3 – Assim, não se provando ter havido acordo das partes, o vendedor do veículo usado responde pelos defeitos do mesmo durante o prazo de dois anos a partir da entrega ao comprador, sendo, consequentemente, nulo o acordo firmado com o consumidor, em que este prescindiu da garantia, já que apenas poderia acordar a sua redução ao prazo de um ano mas não prescindir da totalidade do prazo face à imperatividade do regime de defesa do consumidor.
5 – Donde, ser igualmente nulo o acordo ou a cláusula contratual referida na parte em que obriga o comprador a devolver ao vendedor o montante do desconto obtido no referido veículo, para que aquele proceda à eliminação de defeitos da viatura.
6 - O vendedor não pode assim deixar de reparar o veículo, alegando a inexistência de garantia, face à referida nulidade, nem pode, posteriormente, exigir, por via disso, o montante do desconto concedido na venda do referido veículo, escudando-se na declaração que o consumidor subscreveu.
7 – Independentemente disso, não tendo o vendedor, na qualidade de garagista, fundamentado o direito de crédito sobre o recorrente em despesas que terá tido com a reparação do veículo, nem em danos por ele causados mas tão só numa declaração segundo a qual este estaria, alegadamente, obrigado a entregar àquele € 1.500 por ter reclamado a garantia do veículo, o pretenso direito do vendedor/garagista não se encontraria previsto nas condições especiais do artigo 755º CC, pelo que, também com esse fundamento, não tem o vendedor qualquer direito de retenção sobre o veículo, apesar de ter procedido à sua reparação.
GF
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
            1.
            Com o presente procedimento cautelar, o requerente [M] pretende que seja ordenado que o requerido [F] proceda à imediata devolução ao requerente do veículo ligeiro de passageiros, da marca AUDI, modelo A6, matrícula SM e que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na entrega do veículo, no montante de 75 €.
Para tanto, alega, em síntese, que adquiriu o referido veículo ao requerido, sendo certo que, dentro do prazo legal de garantia, avariou por duas ocasiões, pelo que foi solicitada a reparação ao abrigo da garantia, a que o requerido procedeu. Entretanto, quando o requerente se propunha levantar a viatura da garagem, o requerido negou-se devolver o veículo, sem que lhe fosse paga a quantia de € 1.500 pela segunda reparação, ameaçando fazer desaparecer a viatura, situação que causa ao requerente prejuízos decorrentes da privação da utilização da viatura e receio de vir a perder o automóvel ou do mesmo se depreciar pelo decorrer do tempo.

Inquiridas as testemunhas arroladas pelo requerente, foi proferida “sentença” de 5/12/2007 (fls. 32/36), tendo sido julgada procedente a providência cautelar e, em consequência, foi ordenado que o requerido procedesse à entrega do veículo ligeiro de passageiros (AUDI A6, matrícula SM) ao requerente, no prazo de três dias após a notificação da decisão. O requerido foi ainda condenado a pagar a quantia de 75 € por cada dia de atraso na restituição do veículo, a título de sanção pecuniária compulsória.

O requerido deduziu oposição, alegando, em síntese, que o requerente litigava de má fé pois comprara o veículo por menos € 1.500 do que o seu valor de mercado, por ter abdicado da garantia do veículo, facto que nunca deu a conhecer ao tribunal. Acresce que deu causa à avaria que o veículo sofreu com o exercício da condução em velocidade excessiva, tendo-lhe, por isso, efectuado a reparação do veículo a qual importou em € 4.700, tendo-lhe, não obstante, pedido, apenas, a quantia de € 1.500. Mais alegou ser falso que alguma vez se tivesse recusado a entregá-la, afirmando que “iria fazer desaparecer o veículo” e que a privação do veículo causasse prejuízos materiais e morais ao requerente.
Produzida prova, foi proferida a “sentença” de 1/02/2008, tendo sido julgada procedente a oposição ao procedimento cautelar e, em consequência, foi determinado que o [M] procedesse, no prazo de cinco dias, à restituição do referido veículo ligeiro de passageiros ao [F], por força do exercício do direito de retenção deste sobre o referido veículo, como garantia do pagamento da quantia de € 1.500, por parte do [M], mantendo-se a posse do [F] até que tal quantia se mostrasse paga, sem prejuízo do [M] poder, desde logo, proceder ao pagamento da reparação e assim evitar a entrega do veículo. Foi ainda o requerente [M] condenado como litigante de má fé, no pagamento de uma multa, fixada em € 1.000 e em indemnização ao requerido [F] consistente no pagamento de honorários que o mesmo teve de suportar com a constituição de mandatário para deduzir a presente oposição, a liquidar posteriormente dentro de critérios de razoabilidade.

Inconformado, recorreu o [M], formulando as seguintes conclusões:
1ª – Da matéria de facto dada como provada, em consequência da Oposição deduzida pelo recorrido, não ficou afastado o direito do recorrente exigir a reparação do veículo, nem foram afastados os justos e fundados receios deste.
2ª – Mantida a essencialidade do quadro fáctico inicialmente dado como assente, nunca poderia o tribunal a quo revogar a providência cautelar decretada, pelo que, ao decidir como decidiu, violou os artigos 387º e 388º, n.º 2 do CPC.
3ª – O Tribunal a quo fundamenta a revogação da providência cautelar decretada no facto do decorrente ter assinado uma “Declaração de Isenção de Garantia” e, em consequência, segundo o tribunal a quo, ter obtido um desconto de € 1.500 no veículo, em “troca” da garantia.
4ª – Na “sentença”, em crise, o tribunal a quo, com base no documento junto com a oposição, deu como provado o seguinte facto:
4 – Quando o requerente adquiriu o veículo ao requerido, assinou em 23 de Junho de 2007 um documento intitulado “declaração de isenção de garantia” mediante o qual declarou aceitar o veículo no estado em que se encontrava e prescindir por sua livre vontade de qualquer tipo de garantia, assumindo qualquer anomalia que se viesse a verificar e beneficiando por isso de um desconto no preço de € 1.500, adquirindo por € 17.500 quando o PVP era de € 19.000.
5ª – Com base no referido documento o tribunal a quo não poderia ter dado como provado aquilo que fez constar do referido ponto 4.
6ª – De facto, aquilo que o tribunal a quo, com base no referido documento, poderia ter dado como provado era tão só que:
“Com data de 23 de Junho de 2007, o requerente assinou um documento intitulado “Declaração de Isenção de Garantia” o qual refere:
«O cliente acima transcrito declara que adquiriu o respectivo veículo, no estado e uso em que se encontra, prescindindo por sua livre vontade, de quaisquer tipo de garantias de parte do Stand.
Assim foi de comum acordo qualquer possível anomalia que surja no veículo é de inteira responsabilidade do Cliente, no qual usufrui de um desconto de mil e quinhentos euros.
Caso o cliente venha a reclamar a garantia de caixa e motor terá que restituir o valor do desconto que usufrui e, nesse caso, a reparação terá que ser efectuada nas instalações do vendedor ou em local por este indicado».
7ª – Não consta da declaração junta aos autos pelo recorrido que o recorrente tivesse recebido um desconto de 1.500 € como contrapartida da isenção de garantia.
8ª – Nem foi, conforme consta da matéria de facto dada como provada, feita qualquer prova sobre essa matéria por parte do recorrido.
9ª – O referido documento não refere que o desconto a que se faz referência foi obtido em consequência do recorrente abdicar da garantia do veículo, como erradamente entendeu o tribunal a quo. Aquilo que se retira da 2ª parte da declaração é que caso o requerido reclamasse somente de caixa e motor teria que restituir o valor do desconto, ou seja, o recorrente teria sempre que pagar € 1.500 pela eliminação de qualquer defeito do veículo, o que é manifestamente ilegal.
10ª – Sendo certo que, mesmo que se admitisse que o recorrente obteve um desconto de € 1.500 no veículo em troca de ter abdicado da garantia deste, sempre estaríamos perante um acto ilegal e de clara fraude à lei.
11ª – O Recorrido, comerciante de automóveis há vários anos, não podia ignorar, como não ignorava, e exemplo disso é a declaração que elaborou para o recorrente assinar, que estava legalmente obrigado a garantir o bom funcionamento dos veículos que vendia, pelo menos, pelo período de um ano.
12ª – Ao celebrar um contrato de compra e venda com um consumidor e efectuar-lhe um desconto em troca de isenção da garantia, proposta que este tinha obrigação de saber que era ilegal, o recorrido está a actuar em manifesta má – fé, abuso de direito e fraude à lei.
13ª – Nos presentes autos não ficou minimamente indiciado que o recorrido tivesse despendido qualquer montante com a reparação do veículo, contudo, o simples facto do recorrente exigir a eliminação de um defeito, segundo o tribunal a quo, implica a imediata entrega de € 1.500.
14ª – A conduta do recorrido, tendo como propósito evidente afastar a sua responsabilidade, configura uma actuação em clara fraude à lei.
15ª – Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo incentiva que sejam criadas situações de abuso de direito e de fraude à lei.
16ª – O recorrido apenas vem exigir a restituição dos alegados € 1.500 de desconto, após o recorrente se deslocar às suas instalações para levantar o veículo, nunca lhe tendo apresentado qualquer orçamento, ou mesmo, no final, despesas da reparação.
17ª – Sendo certo que o recorrente já anteriormente tinha deixado nas instalações do recorrido o veículo para eliminação daquele mesmo defeito, como consta dos factos 7 a 12, dados como provados no despacho/sentença proferido em 5/12/2007, tendo, nessa altura, o veículo sido entregue sem ser exigido a restituição de qualquer montante, ou o pagamento de qualquer importância a título de reparação.
18ª – Tendo-se predisposto já anteriormente a reparar o veículo sem exigir qualquer montante, e estando perante o mesmo defeito, a actuação do recorrido configura um claro abuso de direito, nomeadamente, na vertente de «venire contra factum proprium».
19ª – O tribunal a quo fundamenta, ainda, a revogação da providência cautelar decretada, num alegado direito de retenção do recorrido sobre o veículo.
20ª – Resulta dos presentes autos que o recorrido fundamenta o direito de crédito sobre o recorrente numa declaração segundo a qual este estava obrigado a entregar àquele € 1.500 por ter reclamado a garantia do veículo.
21ª – O recorrido não funda o alegado direito de retenção em despesas que teve com a reparação do veículo, nem em danos por ele causados.
22ª – O alegado direito do recorrido não se encontra previsto nas condições especiais do artigo 755º CC.
23ª – Assim, não tinha o recorrido qualquer direito de retenção sobre o veículo pelo que o tribunal a quo, ao admitir, ainda que hipoteticamente, que o recorrido teria esse direito, faz uma interpretação manifestamente errada do artigo 754º do Código Civil.
24ª – Mesmo que existisse o alegado direito de retenção, o que por mera hipótese académica se coloca, sempre o mesmo estaria excluído, nos termos da alínea b) do artigo 756º do CC.
25ª – O tribunal a quo, ao condenar o recorrente como litigante de má fé, violou clara e frontalmente o princípio do contraditório, plasmado, nomeadamente, nos artigos 3º, 3º-A do CPC.
26ª – O recorrente impugnou o pedido de condenação como litigante de má fé, contudo o tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento apresentado pelo recorrente.
27ª – O despacho/sentença sub judice fez “tábua rasa” ao requerimento apresentado pelo recorrente, em 5/12/2007.
28ª – Pelo que a referida sentença encontra-se ferida de nulidade por omissão de pronúncia, artigo 668º, n.º 1, alínea d) do CPC.
29ª – Para além disso, o tribunal a quo, para condenar o recorrente como litigante de má fé, parte, desde logo, de um facto dado erradamente como provado.
30ª – O tribunal deu como provado, no ponto 5, que “o requerente omitiu esse facto no seu requerimento inicial”;
31ª – Fundamentando essa resposta refere que “o ponto 5) verifica-se por análise do próprio requerimento inicial”.
32ª – Pela análise do requerimento inicial apresentado pelo recorrente não poderá o tribunal dar como provado que “o requerente omitiu esse facto” ao tribunal.
33ª – Aquilo que o requerimento inicial demonstra é tão só que o requerente não fez, no seu articulado, referência ao referido documento, e nunca que o omitiu.
34ª – O recorrente não teve qualquer intenção de omitir o referido documento do tribunal.
35ª – O recorrido não entregou ao recorrente aquando da compra do veículo cópia da “Declaração de Isenção de Garantia”, pelo que o recorrente, quando intentou o procedimento cautelar, não tinha na sua posse o referido documento ou cópia do mesmo.
36ª – Por outro lado, o recorrente não se recordava da assinatura da referida declaração e do seu conteúdo, nomeadamente, que, no caso de exigir qualquer reparação do veículo, qualquer que ela fosse, era obrigado a restituir ao recorrido € 1.500.
37ª – O recorrente nunca teve qualquer intenção de omitir ao tribunal qualquer facto ou documento.
38ª – O tribunal a quo fundamenta a sua condenação como litigante de má fé no artigo 456º, n.º 2, alínea b) do CPC.
39ª – Não resulta da matéria de facto dada como provada que o recorrente tivesse conscientemente omitido o referido documento do tribunal.
40ª – Não resulta da matéria de facto dada como provada qualquer facto de onde se possa retirar que o recorrente agiu de forma dolosa, ou, como refere a sentença em crise, pelo menos, com negligência grave.
41ª – Analisando a decisão proferida pelo tribunal a quo não se percebe como é que este chegou à conclusão que o recorrente actuou “senão com dolo, pelo menos, com negligência grave”.
42ª – De facto, não ficou minimamente demonstrado em que condições a referida declaração foi assinada e se ao recorrente era ou não exigível que se recordasse da declaração e, principalmente, do seu conteúdo.
43ª – Por outro lado, a referida declaração por tudo o que acima se encontra exposto por si só não é susceptível de revogar a Providência Cautelar decretada.
44ª – Ao condenar o recorrente como litigante de má fé, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 456º do CPC, nomeadamente, o seu n.º 2, pelo que deve o mesmo ser absolvido do respectivo pedido.
45ª – Mesmo que se entendesse que o recorrente actuou com má fé, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se admite, a condenação do recorrente em 1.000 €, para além de manifestamente desproporcional, é ilegal.
46ª – Nos termos do artigo 102º do CCJ, o recorrente apenas poderia ser condenado em unidades de conta, entre 2 UC e 100 UC.
47ª – O tribunal a quo, ao condenar o recorrente em multa no montante de 1.000 € e não em Unidades de Conta, violou a alínea a) do artigo 102º do CCJ.
48ª – Por outro lado, tendo em atenção o presente caso concreto, condenar o recorrente como litigante de má fé numa multa de 1.000 € e no pagamento dos honorários do mandatário do recorrido, é manifestamente desproporcional e viola o mais elementar princípio da justiça.
49ª – Pelo que, admitindo, apenas hipoteticamente e por dever de patrocínio, que o recorrente agiu de má fé, o que não se concede, e tendo o tribunal a quo entendido que o fez na sua vertente menos grave, isto é, não com dolo mas com negligência grave, sempre a multa a aplicar terá que ser no seu limite mínimo, isto é, as 2 UC, até porque, como o tribunal a quo reconheceu, o recorrente tinha todo o direito a que o seu veículo fosse reparado à custa do recorrido.
50ª – Por outro lado, o tribunal a quo, ao condenar o recorrente “no pagamento de honorários que o mesmo teve de suportar com a constituição de mandatário para deduzir a presente oposição...”, violou o disposto no artigo 457º, n.º 1, alínea a) do CPC.
51ª – Do artigo 457º, n.º 1, alínea a), resulta, desde logo, que a indemnização apenas pode consistir no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária.
52ª – Ora o recorrido não articulou sequer que foi devido ao facto do recorrente não ter feito referência à alegada “Declaração de Isenção de Garantia” que deduziu oposição.
53ª – Nem articulou quaisquer factos que demonstrem que foi por esse facto que contratou um mandatário, ou que se o recorrente tivesse feito referência a esse documento não teria contratado mandatário.
54ª – Assim, em face da matéria de facto dada como provada, nunca poderia o recorrente ser condenado a pagar os honorários do mandatário do recorrido.

O recorrido não contra – alegou.

O despacho/sentença foi tabelarmente sustentado.
2.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, são as seguintes questões nele suscitadas que importa decidir:
1ª – Se a matéria de facto dada como provada, nomeadamente, nos “quesitos” 4 e 5 deve ser alterada.
2ª – Se os pressupostos em que assentou o decretamento da providência cautelar se mantêm.
3ª – Se existe fundamento para o direito de retenção.
4ª – Se a condenação do recorrente como litigante de má fé assenta em:
a) – Violação do princípio do contraditório e omissão de pronúncia;
b) – Errada apreciação da matéria de facto;
5ª – Se, a admitir-se a condenação do recorrente como litigante de má fé, a condenação em 1.000 €, para além de manifestamente desproporcionada, é ilegal.
3.
A sentença de 5/12/2007, tendo em conta os factos então provados, julgou procedente a providência cautelar requerida, decretando, além do mais, a entrega ao requerente do veículo ligeiro de passageiros AUDI A6, retido pelo requerido, na sequência de uma reparação a uma avaria por ele efectuada, pois que se verificavam todos os requisitos para o decretamento da providência.
Porque a providência havia sido decretada, sem que o requerido tivesse sido ouvido, este deduziu oposição, oferecendo as provas que, uma vez produzidas, foram suficientes, no entender do Tribunal a quo, para colocar em crise o juízo de prognose que levou a que a aludida providência tivesse sido decretada, pois que o requerente teria “omitido ao tribunal o facto de ter assinado uma declaração em que havia prescindido da garantia do veículo e, em consequência, ter beneficiado de um desconto de €.1.500”.
De facto, com base num documento junto com a oposição (fls. 59), o tribunal a quo deu como provado que, “quando o requerente adquiriu o veículo ao requerido, assinou em 23 de Junho de 2007 um documento intitulado “declaração de isenção de garantia” mediante o qual declarou aceitar o veículo no estado em que se encontrava e prescindir por sua livre vontade de qualquer tipo de garantia, assumindo qualquer anomalia que se viesse a verificar e beneficiando por isso de um desconto no preço de € 1.500, adquirindo por € 17.500 quando o PVP era de € 19.000”.
E deu ainda como provado que “o requerente omitiu esse facto no seu requerimento inicial” (Ponto 5).

O Recorrente impugna estes dois factos, pretendendo que a Relação proceda à reapreciação da matéria de facto, pois que, em seu entender, o tribunal a quo, com base no referido documento, que não consta do requerimento inicial, não poderia ter dado como provado aquilo que fez constar do pontos 4 e 5 da matéria de facto considerada provada, pretendendo que a Relação reaprecie estes factos
Como se sabe, a Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar (e, portanto, substituir) a decisão da 1ª instância em três situações: - se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A com base neles proferida; - se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; - se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
In casu, constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, pelo que pode a Relação proceder à sua reapreciação.

E, desde já, se adianta que, em nosso entender, assiste razão ao recorrente.

Quanto ao quesito 4º:
De facto, aquilo que o tribunal a quo, com base no referido documento, poderia ter dado como provado era tão só que, “com data de 23 de Junho de 2007, o requerente assinou um documento intitulado “Declaração de Isenção de Garantia” o qual refere:
«O cliente acima transcrito declara que adquiriu o respectivo veículo, no estado e uso em que se encontra, prescindindo por sua livre vontade, de quaisquer tipo de garantias de parte do Stand.
Assim foi de comum acordo qualquer possível anomalia que surja no veículo é de inteira responsabilidade do Cliente, no qual usufrui de um desconto de: Mil e quinhentos euros.
Caso o cliente venha a reclamar a garantia de caixa e motor terá que restituir o valor do desconto que usufrui e, nesse caso, a reparação terá que ser efectuada nas instalações do vendedor ou em local por este indicado».

Analisando a referida declaração, dela não consta que o recorrente tivesse recebido um desconto de 1.500 € como contrapartida da isenção de garantia, sendo certo que, conforme consta da matéria de facto dada como provada, não foi feita qualquer prova sobre essa matéria por parte do recorrido.
Por outro lado, o referido documento não refere que o desconto a que se faz referência foi obtido em consequência do recorrente abdicar da garantia do veículo, como erradamente entendeu o tribunal a quo. Aquilo que se retira da 2ª parte da declaração é que caso o comprador reclamasse somente de caixa e motor teria que restituir o valor do desconto, ou seja, o recorrente teria sempre que pagar € 1.500 pela eliminação de qualquer defeito do veículo.
Face ao exposto, altera-se a redacção do quesito 4º, substituindo-a pelo teor do documento de fls. 59, acima transcrito e que ora se reproduz.
Quanto ao quesito 5º:
O tribunal deu como provado que “o requerente omitiu esse facto no seu requerimento inicial”.

Fundamentando essa resposta, refere que a prova da mesma se verifica por análise do próprio requerimento inicial.
Ora, pela análise do requerimento inicial apresentado pelo recorrente, cremos que não poderia o tribunal a quo dar como provado o quesito, tal como se encontra redigido.
O requerimento inicial demonstra apenas que o requerente não fez, no seu articulado, referência ao referido documento, e nunca que o omitiu.
Tal como se configura a resposta ao quesito, deixa transparecer que o recorrente tinha o documento em seu poder e que intencionalmente o escondeu do tribunal, para desse modo ver satisfeita a sua pretensão.
Ora, o recorrido nem sequer alegou que tivesse entregue ao recorrente aquando da compra do veículo cópia da “Declaração de Isenção de Garantia”, não se encontrando, por isso, provado que o recorrente, quando intentou o procedimento cautelar, tivesse na sua posse o referido documento ou cópia do mesmo.
Por outro lado, é perfeitamente aceitável que o recorrente não se recordasse da assinatura da referida declaração e do seu conteúdo, nomeadamente, que, no caso de exigir qualquer reparação do veículo, qualquer que ela fosse, era obrigado a restituir ao recorrido € 1.500.

Deste modo, o quesito 5º passará a ter a seguinte redacção:
“O aludido documento foi junto pelo requerido, quando deduziu oposição”.
4.
Face às alterações introduzidas às respostas aos quesitos 4º e 5º da oposição e à demais matéria da sentença de 5/12/2007, consideram-se provados os seguintes factos:
SENTENÇA DE 5/12/2007
1º - O requerido dedica-se à compra e venda de veículos automóveis, nomeadamente usados, utilizando para o efeito a designação “STAND XICO GOMES”.
2º - No dia 23 de Junho de 2007, o requerente comprou ao requerido um veículo ligeiro de passageiros, usado, matrícula SM, da marca AUDI A6, a gasóleo, pelo preço de € 17.500.
3º - Para pagamento do respectivo preço, o requerente entregou ao requerido o cheque n.º 5325796950, sob o Banco Português de Investimento, no montante de 10.000 € e entregou o veículo de marca VOLKSWAGEN, modelo PASSAT, ao qual foi atribuído o valor de 7.500 €.
4º - No dia 23 de Junho de 2007, o requerido emitiu o respectivo recibo.
5º - O requerido entregou ao requerente o veículo SM bem como os respectivos documentos.
6º - O veículo SM encontra-se já registado em nome do requerente
7º - Alguns dias após o requerente ter adquirido o veículo SM, quando circulava com o mesmo, constatou que aquele não acelerava, ou seja, não dava resposta quando o requerente colocava o pé no acelerador.
8º - Por outro lado, o veículo começou a tremer bastante, pelo que, em face dessa situação, o requerente parou imediatamente o veículo e, ao abrir o capot, constatou que o óleo tinha saltado pela vareta do motor.
9º - Em consequência da referida avaria, o veículo SM foi rebocado para as instalações do requerido, para eliminação do defeito.
10º - O requerido aceitou o referido veículo e o referido defeito e predispôs-se a proceder à reparação do mesmo.
11º - Após o requerido ter informado o requerente que o veículo SM estava reparado, em meados de Agosto de 2007, este dirigiu-se às instalações daquele e procedeu ao levantamento do mesmo.
12º - Ao contrário daquilo que o requerido havia afirmado, o veículo SM não estava devidamente reparado.
13º - De facto, aquele emitia um imenso fumo branco pelo escape.
14º - O requerente viu-se obrigado a, mais uma vez, ter que entregar o veículo ao requerido para reparação.
15º - Após ter procedido à respectiva reparação, o requerido informou o requerente que o veículo estava reparado, ou seja, já não apresentava qualquer defeito.
16º - O requerente deslocou-se às instalações do requerido para proceder ao levantamento do seu veículo.
17º - O requerido recusa-se a entregar o veículo ao requerente.
18º - O requerido exige para entregar o veículo ao requerente que este lhe pague o montante global de 1.500 €, montante que este alega ter despendido com a reparação do veículo.
19º - Devido às insistências do requerente, o requerido começou a ameaçá-lo de que, caso não pague os 1.500 €, sujeita-se a nunca mais ver o veículo, porque ele irá fazê-lo desaparecer.
20º - O requerente adquiriu o veículo para efectuar as suas deslocações diárias para o trabalho e para os seus passeios de lazer pelo que actualmente vê-se na contingência de ter que pedir a amigos e familiares que o transportem.
SENTENÇA DE 30/01/2008
1º - O requerido comprou um lote de veículos AUDI ao LIDL, entre os quais o referido "SM" e que não podiam, isoladamente, ser adquiridos pela testemunha Felisbela e/ou pelo requerente.
2º - A [S] trabalha no Supermercado LIDL e tinha conhecimento dessa aquisição.
3º - A viatura AUDI "SM" era conduzida pelo Director do L (sede).
4º - Quando o requerente adquiriu o aludido veículo ao requerido, assinou, com a data de 23 de Junho de 2007, um documento intitulado “Declaração de Isenção de Garantia” o qual refere:
«O cliente acima transcrito declara que adquiriu o respectivo veículo, no estado e uso em que se encontra, prescindindo por sua livre vontade, de quaisquer tipo de garantias de parte do Stand.
Assim foi de comum acordo qualquer possível anomalia que surja no veículo é de inteira responsabilidade do Cliente, no qual usufrui de um desconto de: Mil e quinhentos euros.
Caso o cliente venha a reclamar a garantia de caixa e motor terá que restituir o valor do desconto que usufrui e, nesse caso, a reparação terá que ser efectuada nas instalações do vendedor ou em local por este indicado».
5º - O aludido documento foi junto pelo requerido, quando deduziu oposição.
6º - O veículo esteve em reparação na oficina do requerido, tendo este procedido à sua reparação.
7º - No final da reparação, o requerido comunicou ao requerente que devia pagar, pelo menos, 1.500 €.
8º - O requerente quis levantar a viatura sem pagar a referida quantia.
9º - O requerido é reputado como comerciante sério, cumpridor e conceituado no ramo automóvel.
5.
O Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, procedeu à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
Assim, nos termos do n.º 3 do aludido artigo, o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, sendo que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.

Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (artigo 4º, n.º1, do citado DL).
Tal direito pode ser exercido quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel. Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes (artigo 5º).

Dispõe o artigo 10º do referido DL. que é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente diploma, sendo que essa nulidade apenas pode ser invocada pelo consumidor ou seus representantes, o qual pode optar pela manutenção do contrato quando apenas algumas das suas cláusulas forem nulas (artigo 16º, n.os 2 e 3 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, ex vi do n.º 2 do referido artigo 10º).
Assim, não se provando ter havido acordo das partes, o requerido não podia deixar de responder pelos defeitos do veículo durante o prazo de dois anos a partir da entrega do mesmo, sendo, consequentemente, nulo o acordo firmado com o requerente no qual o mesmo prescindiu da garantia, já que apenas poderia acordar a sua redução ao prazo de um ano mas não prescindir da totalidade do prazo face à imperatividade do regime de defesa do consumidor supra referido.

Donde, ser igualmente nulo o acordo ou a cláusula contratual referida na parte em que obriga o recorrente a devolver ao recorrido o montante do desconto obtido no referido veículo, para que aquele proceda à eliminação de defeitos da viatura.
O recorrido, comerciante de automóveis há vários anos, não podia ignorar, como não ignorava, e exemplo disso é a declaração que elaborou para o recorrente assinar, que estava legalmente obrigado a garantir o bom funcionamento dos veículos que vendia, pelo menos, pelo período de um ano.
Ao celebrar um contrato de compra e venda com um consumidor e prometer-lhe um desconto se este prescindisse da garantia, proposta que este tinha obrigação de saber que era ilegal e lesiva dos interesses do cliente, o recorrido está claramente a actuar em manifesta má – fé, abuso de direito e fraude à lei.
O requerido não podia assim deixar de reparar o veículo alegando a inexistência de garantia, face à referida nulidade nem podia, posteriormente, exigir, por via disso, o montante do desconto concedido na venda do referido veículo, escudando-se na referida declaração.
Aliás é esclarecedor o facto do recorrido não juntar qualquer orçamento nem factura, indicando as despesas havidas com a reparação do veículo.
E fê-lo, naturalmente, pois sabia que as reparações, em consequência de vícios ou defeitos daquele veículo, estavam cobertas pela garantia.
Não se compreende, por isso, que a reparação efectuada para eliminar um defeito daquele veículo, em período de garantia, implicasse a imediata entrega de € 1.500.
Aliás, o recorrido apenas vem exigir a restituição dos alegados € 1.500 de desconto, após o recorrente se deslocar às suas instalações para levantar o veículo, sendo certo que o recorrente já anteriormente tinha deixado nas instalações daquele o veículo para eliminação daquele mesmo defeito, como consta dos quesitos 7 a 12, dados como provados na sentença proferida em 5/12/2007. E, nessa altura, o veículo foi entregue sem ser exigido a restituição de qualquer montante, ou o pagamento de qualquer importância a título de reparação.
Assim, atenta a data de aquisição do veículo, o mesmo encontrava-se ainda no período coberto pela garantia legalmente imposta ao vendedor pelo que lhe cabia efectuar a expensas suas a avaria, sem que houvesse lugar ao pagamento por parte do comprador, ora recorrente, de qualquer quantia.
Mais. Não tendo o recorrido fundamentado o direito de crédito sobre o recorrente em despesas que terá tido com a reparação do veículo, nem em danos por ele causados mas tão só numa declaração segundo a qual este estaria, alegadamente, obrigado a entregar àquele € 1.500 por ter reclamado a garantia do veículo, o pretenso direito do recorrido não se encontraria previsto nas condições especiais do artigo 755º CC.
Assim, não tinha o recorrido qualquer direito de retenção sobre o veículo pelo que o tribunal a quo, ao admitir esse direito, fez uma interpretação errada não só da aludida cláusula contratual mas também do artigo 754º do Código Civil.

Não tendo o requerido o direito de retenção sobre o veículo e mantendo-se a essencialidade dos factos inicialmente dados como provados, não poderia o tribunal a quo revogar a providência cautelar decretada.
6.
O tribunal a quo fundamenta a condenação do recorrente como litigante de má fé no artigo 456º, n.º 2, alínea b) do CPC.

Segundo a referida disposição legal, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a boa decisão da causa.
Segundo o tribunal a quo, a condenação do recorrente estaria no facto de, no requerimento interposto pelo requerente, onde o mesmo veio alegar as normas legais constantes do aludido diploma para fundamentar o seu direito à reparação do veículo, ter omitido por completo o facto de ter assinado a referida declaração e de ter beneficiado de um desconto de € 1.500,00 em função da mesma.
Ora, como vimos, o aludido facto não ficou provado.

Não consta da matéria de facto dada como provada que o recorrido tivesse entregue ao recorrente, aquando da compra do veículo cópia da aludida declaração de isenção de garantia como também não consta que o recorrente tivesse consciência da assinatura do referido documento ou do seu conteúdo, nem resulta que o mesmo tivesse conscientemente omitido o referido documento.
Não resulta, pois, da matéria de facto dada como provada qualquer facto de onde se possa inferir que o recorrente agiu de forma dolosa ou sequer, como refere a sentença, com negligência grave.
O simples facto do recorrente não ter feito qualquer referência a uma declaração que havia assinado alguns meses antes não poderia levar o tribunal a quo, como o fez, a presumir que o mesmo actuou, pelo menos, com negligência grave.

Assim, não pode o recorrente deixar de ser absolvido, neste segmento da sentença.
Concluindo:
1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, sendo que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade, podendo, porém, tal prazo ser reduzido a um ano, contanto que se trate de coisa móvel usada e haja acordo das partes.
2 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, nomeadamente, por meio de reparação ou de substituição, sendo nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor.
3 – Assim, não se provando ter havido acordo das partes, o vendedor do veículo usado responde pelos defeitos do mesmo durante o prazo de dois anos a partir da entrega ao comprador, sendo, consequentemente, nulo o acordo firmado com o consumidor, em que este prescindiu da garantia, já que apenas poderia acordar a sua redução ao prazo de um ano mas não prescindir da totalidade do prazo face à imperatividade do regime de defesa do consumidor.
5 – Donde, ser igualmente nulo o acordo ou a cláusula contratual referida na parte em que obriga o comprador a devolver ao vendedor o montante do desconto obtido no referido veículo, para que aquele proceda à eliminação de defeitos da viatura.
6 - O vendedor não pode assim deixar de reparar o veículo, alegando a inexistência de garantia, face à referida nulidade, nem pode, posteriormente, exigir, por via disso, o montante do desconto concedido na venda do referido veículo, escudando-se na declaração que o consumidor subscreveu.
7 – Independentemente disso, não tendo o vendedor, na qualidade de garagista, fundamentado o direito de crédito sobre o recorrente em despesas que terá tido com a reparação do veículo, nem em danos por ele causados mas tão só numa declaração segundo a qual este estaria, alegadamente, obrigado a entregar àquele € 1.500 por ter reclamado a garantia do veículo, o pretenso direito do vendedor/garagista não se encontraria previsto nas condições especiais do artigo 755º CC, pelo que, também com esse fundamento, não tem o vendedor qualquer direito de retenção sobre o veículo, apesar de ter procedido à sua reparação.
7.
Pelo exposto, concedendo provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida, mantendo-se a sentença de 5 de Dezembro de 2007 e as providências aí decretadas, nos seus precisos termos e absolve-se o recorrente da condenação como litigante de má fé.
Custas pelo recorrido.
Lisboa, 8 de Maio de 2008
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Olindo dos Santos Geraldes