Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6645/11.6TBCSC-A.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: CABEÇA DE CASAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Atenta a obrigação de administração da herança pelo cabeça-de-casal, incumbe ao mesmo que a exerça com diligência e competência, não se afastando das regras da prudência.

As despesas desnecessárias, ou seja, aquelas que não faz sentido manter, não são contas a apresentar.

As contas a prestar pelo cabeça-de-casal, por apenso a processo de inventário, só podem respeitar ao período de tempo em que, após a nomeação nesse inventário, administrou os bens da herança.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


1Relatório:


O autor, Augusto..., intentou por apenso ao processo de inventário, acção especial de prestação de contas contra a ré, Virgínia..., peticionando a prestação de contas da sua administração da herança, desde 2 de Março de 2011 até à propositura da presente acção.

Para tanto, invocou que A. e R. são irmãos e herdeiros de Helena…, falecida em 2 de Março de 2011, mantendo-se a sua herança indivisa.

A R. tem procedido à administração dos bens da herança, não tendo prestado contas.

Citada, veio a R. apresentar contas.

Notificado das contas apresentadas, veio o A. contestá-las, alegando não terem as mesmas sido apresentadas em forma de conta corrente e a existência de despesas não justificadas.

Em sede de resposta, a R. defendeu que devem as contas ser consideradas prestadas.

Por despacho de fls. 146 dos autos foi a ré notificada para apresentar as contas em forma de conta corrente, sob pena de as mesmas não serem atendidas.

Veio então a ré proceder à sua junção, de fls. 149 a 152 dos autos.

Notificado o A., veio o mesmo impugná-las.

Por despacho de fls. 171, nos termos do nº 1 do art. 945º do CPC., foi determinado que os autos passassem a seguir a forma de processo comum, tendo sido proferido despacho saneador, dispensando-se a realização de audiência prévia.

Prosseguiram os autos para julgamento.
 
Tendo sido suscitada a ilegitimidade activa, por não estarem presentes todos os interessados, foi proferido despacho a convidar o A. a sanar tal excepção dilatória.

O A. suscitou a intervenção principal provocada de Rosa…, a qual foi admitida.

Citada, a interveniente fez seus os articulados do autor.

A final veio a ser proferida sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória:
«Pelo exposto, julgando apenas boas as contas relativas às despesas com o seguro automóvel e com os honorários do Sr. Solicitador Armando…, condeno a R. a entregar à A. e à Interveniente os valores remanescentes na proporção dos seus quinhões».

Inconformada recorreu a ré, concluindo as suas alegações:
A) A R. discorda da sentença recorrida porque, em seu entender e com apoio na quase unanimidade da jurisprudência {ver acima transcrições dos arestos: Ac. STJ 2003.04.03 (Moreira Alves); Ac. RL 2004.01.20 (Azadinho Loureiro); Ac. RC 2010.05.25 (Virgílio Mateus); Ac. RL (Graça Amaral) 2012.12.13; Ac. STJ 2017.02.22 (Silva Gonçalves); Ac. RL 2017.04.06 (Maria Manuela Gomes) defende, contra o conceito do dispositivo, que, na acção de prestação de contas apensa ao inventário, não há lugar jurisdicional à crítica interna de boa ou má administração dos gastos levados a débito das contas prestadas pela cabeça-de-casal.
B) E também, embora argumento subsidiário, que devem ser tidas, na apreciação jurisdicional, apenas as contas da administração da herança que digam respeito ao tempo que medeia entre o juramento e a apresentação pela cabeça-de-casal {ver acima Ac. RL 2015.05.28 (Tomé Ramião)
C) Pelo contrário, a sentença recorrida eliminou verbas no montante de € 32.496,95 a débito, inscritas na conta-corrente da administração da herança de Helena…, apresentada pela R.: julgando apenas boas as contas relativas às despesas com o seguro automóvel e com os honorários com o Sr. Solicitador... condeno a [recorrente] a entregar ao A. e à interveniente [recorridos] os valores remanescentes na proporção dos seus quinhões.
D) Do mesmo modo, não restringiu o âmbito temporal da apresentação dessas contas às balizas entre o juramento como cabeça-de-casal da R. e o tempo e data das contas que apresentou.
E) Por conseguinte, ao abrigo do disposto no artigo 941º ss e, quanto ao aspecto secundário, no artigo 947º CPC, deve a sentença recorrida ser revogada no sentido de aprovação das despesas de administração, contadas do juramento e presentes nos autos, pela recorrente, com excepção das verbas relativas ao atraso na rescisão da cláusula de fidelização do contrato de telecomunicações e aos honorários e despesas com advogado, estas das quais acima se prescindiu.
F) Não concedendo, a recorrente, perante a matéria de facto dada como provada, argui a sentença de carência do fundamento que invocou, porque a simples data das despesas relativas à "Indemnização - Ocupação Rua… Carcavelos (de Março de 2011 a Março de 2015) - 49 meses * € 646,92€ = €31.699,08", com a expressa menção de que "não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa", não permite concluir o desajustamento social e simbólico da despesa, portanto, num excesso de julgamento em manifesto deficit de autorização legal.
G) De qualquer modo, as transcrições das declarações e depoimentos prestados em audiência, com indicação da ordem e tempos da documentação da prova (que se transcrevem em notas de rodapé com os números 1, 2, 3, 4. 5) permitem identificar, no julgamento da matéria de facto, uma carência inconsistente, porque essas mesmas transcrições dos depoimentos permitiriam respostas congruentes, que faltam, a quesitos necessários sobre os motivos não estritamente economicistas (da ordem do luto da recorrente) ou forçosos (estratégia negativa do Recorrido).

H) E a matéria de facto a julgar como provada, para que indicam as transcrições aludidas, deve ser a seguinte:
(i)- A permanência, na casa da falecida Helena…, de todos os bens móveis da herança (adereços pessoais e a decoração do lar) fundou-se num motivo de luto;
(ii)- por um lado, prevenindo assim a integralidade da memória e desses bens, associando-os à recordação da irmã falecida;
(iii)- por outro, amorteceu, ou quis amortecer, o sentimento de perda da de cujus;
(iv)- e foi nesta direcção que também o Recorrido não prescindiu da partilha, simbólica e material, desses adereços e decorações do lar da irmã mais velha: não tinham preço de mercado, como bem sabia;
(v)- os recorridos Augusto e Rosa nunca consentiram na alienação das coisas que integravam o património doméstico da de cujus, ainda que viessem posteriormente alegar o pouco interesse que tinham nessas coisas;
(vi)- o Recorrido Augusto, vendo frustrada a sua tentativa de "liderar [o] processo", retalia com o bloqueio da recorrente, remetendo-a, como quis e preveniu, para o difícil sentimento e saída do luto;
(vii)- todas as outras despesas, cujos movimentos foram à prestação de contas pela recorrente, ancoraram neste motivo da permanência (pré-ordenada, também, pelo recorrido), decidida e simbólica, tanto quanto possível, do lar da falecida.

I) Nestes termos, mesmo do ponto de vista, que a recorrente não aceita, insiste, de uma aprovação crítica que não, meramente, de ordem das despesas inscritas na conta-corrente da administração da herança que apresentou, deveriam ter sido aprovadas todas as verbas a débito, com excepção daquelas de que, aqui, prescindiu.
J) Por conseguinte, também destes dois pontos de vista - que a recorrente não concede -, isto é, de um deficit de justificação, em face da matéria em concreto dada como provada, ou de um julgamento em deficit de factos provados, deve a sentença ser reformada, sob as normas legais já citadas, para que todas as verbas inscritas a débito pela R. cabeça-de-casal sejam aprovadas, com eliminação apenas das que dizem respeito à revogação do contrato de comunicações (166,05€) e com os mandatários, advogados no inventário (2.200 €+ 239,30 €).

Foram apresentadas contra-alegações, as quais foram julgadas extemporâneas.

Foram colhidos os vistos.

2Cumpre apreciar e decidir:

As conclusões de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608º, nº2, 5º, 635º e 639º, todos do CPC.

As questões a dirimir consistem em aquilatar sobre:
- Da apreciação das contas apresentadas.
- Da data do início da prestação de contas.
- Do aditamento de factos.
- Da nulidade por carência de fundamentos de facto e de direito justificativos da decisão.

A matéria de facto delineada na 1ª. instância foi a seguinte:
1. Helena … faleceu, em 2 de Março de 2011, sendo seus herdeiros Virgínia..., Augusto... e Rosa…;
2. A R. tem procedido à administração dos bens da herança deixada por Helena…;
3. Após o óbito de Helena..., a R. continuou a proceder ao pagamento da quantia mensal devida pelo arrendamento do andar onde esta habitava, na Rua Gonçalves Crespo, n.º …, o que fez até à sua entrega em Julho de 2015;
4. A R. manteve, desde o óbito até Julho de 2012, os serviços de comunicações telefónicas e, até Julho de 2015, aquando da vacatura do imóvel, os serviços de água, todos custeados pela conta no Banco Millenium BCP, nº 45…;
5. O seguro do automóvel indicado na Relação de Bens foi custeado até ao ano de 2013;
6. Após o falecimento da irmã Helena…, a R. diligenciou para recolha da documentação necessária à participação do óbito, à formalização da respectiva habilitação de herdeiros e ainda ao apuramento do acervo de bens que deveriam integrar a referida herança, tendo, para o efeito, contratado o Sr. Solicitador Dr. Armando…, que no exercício do respectivo mandato efectuou os serviços necessários, cobrando a quantia de € 3 910,42;
7. A R. beneficiou de patrocínio judiciário no âmbito do processo de inventário que constitui o processo principal, o qual se traduziu na prática dos actos discriminados na conta do respectivo advogado, bem como as despesas incorridas, totalizando a importância de € 2 200,00;
8. Em Maio de 2015, a R. despendeu € 184,50 com a limpeza do apartamento da falecida;
9. Em Julho de 2015, a R. despendeu € 39,20 com a aquisição de comando da garagem do apartamento da falecida.

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.

Vejamos:

Atento o disposto no nº. 1 do art. 608º do CPC., as questões suscitadas pela apelante serão conhecidas não pela ordem em que foram apresentadas, mas antes, em conformidade com o preceito legal enunciado.

Entende a apelante que a sentença proferida padece da nulidade constante da alínea b) do nº. 1 do art. 615º do CPC.

Para tanto, alega que perante a matéria de facto dada como provada, há falta de fundamentos de facto e de direito justificativos da decisão.

Ora, dispõe concretamente o nº1 do art. 615º do CPC. que é nula a sentença quando:
b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Como alude, Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 221 «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais. Apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão; a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso».
Como refere, Lebre de Freitas, in CPC., pág. 297, «…há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
Ora, uma coisa é a matéria de facto apurada e outra coisa diferente, a especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
O art. 615º do CPC., não se aplica ao julgamento da matéria de facto, reportando-se exclusivamente às causas de nulidade da sentença.
A apelante invoca o circunstancialismo de os factos provados pecarem por defeito, conduzindo a um julgamento de direito infundamentado.  
Ora, à indagação e apreciação da matéria de facto, se reportam os nºs 3, 4 e 5 do art. 607º do CPC., os quais têm por objecto a análise crítica das provas e a especificação dos fundamentos.
A apreciação da correcta ou incorrecta interpretação das provas, sua análise e fundamentação, não fazem parte das taxativas causas de nulidade da sentença.
Compulsada a sentença proferida verificamos que especificou os fundamentos de facto e de direito que a suportaram.
Pode-se concordar ou discordar da posição adoptada na sentença, porém, não se pode é arguir que seja nula, com este fundamento, que inexiste.
Assim, improcede este segmento do recurso.

Entende também a apelante que perante as transcrições das declarações e dos depoimentos testemunhais prestados em audiência, deveria ser aditada à factualidade assente, ainda a seguinte:
(i)- A permanência, na casa da falecida Helena…, de todos os bens móveis da herança (adereços pessoais e a decoração do lar) fundou-se num motivo de luto;
(ii)- por um lado, prevenindo assim a integralidade da memória e desses bens, associando-os à recordação da irmã falecida;
(iii)- por outro, amorteceu, ou quis amortecer, o sentimento de perda da de cujus;
(iv)- e foi nesta direcção que também o Recorrido não prescindiu da partilha, simbólica e material, desses adereços e decorações do lar da irmã mais velha: não tinham preço de mercado, como bem sabia;
(v)- os recorridos Augusto e Rosa nunca consentiram na alienação das coisas que integravam o património doméstico da de cujus, ainda que viessem posteriormente alegar o pouco interesse que tinham nessas coisas;
(vi)- o Recorrido Augusto, vendo frustrada a sua tentativa de "liderar [o] processo", retalia com o bloqueio da recorrente, remetendo-a, como quis e preveniu, para o difícil sentimento e saída do luto;
(vii)- todas as outras despesas, cujos movimentos foram à prestação de contas pela recorrente, ancoraram neste motivo da permanência (pré-ordenada, também, pelo recorrido), decidida e simbólica, tanto quanto possível, do lar da falecida.
 
Para tanto, invoca a apelante que não há justificação para não considerar elegíveis as despesas inerentes à permanência da residência da falecida, na medida em que, o prazo decorrido pode, segundo as regras da experiência comum ou do bom senso, estar ancorado em concretas práticas sociais, referenciáveis em acontecimentos tão relevantes como a condição e estatuto familiares e inerentes a tradições simbólicas de luto.

E, por tal motivo, as transcrições do teor dos depoimentos prestados por Rosa …, Juvelina…, João…, Paulo… e Albertino…, permitiriam respostas congruentes à matéria de facto apurada.

Porém, não lhe assiste qualquer razão, pois, não só os depoimentos prestados e concretamente transcritos pela apelante, não permitem dar cobertura ao aditamento dos factos pretendidos, como sempre se dirá que, ao longo dos autos, nunca a apelante veio mencionar o motivo de luto para a manutenção do arrendamento da residência da falecida.

O fundamento invocado e narrado pela cabeça-de-casal, ora apelante, foi no sentido de que, a manutenção do arrendamento tinha por objectivo, a preservação dos bens móveis que pertenciam à herança, enquanto o processo de inventário não chegasse ao seu termo, sendo essa solução menos dispendiosa, visto que também existia um automóvel para guardar.

Diga-se que, o tribunal a quo, não atendeu ao depoimento prestado por Rosa…, dado a mesma ter sido admitida nos autos na qualidade de interveniente principal provocada e ainda, porque das declarações das restantes testemunhas, não resultou o apuramento daquele circunstancialismo de ordem moral.

Os factos apurados estão conformes à prova testemunhal e documental produzida.

A factualidade pretendida aditar, não tem qualquer suporte de apoio, pelo que, nunca seria passível de qualquer acolhimento.

Os factos apurados têm que resultar da sua demonstração objectiva e não de qualquer subjectivação sem substrato.

Assim sendo, não se aditarão quaisquer factos, decaindo também esta pretensão.

Discorda também a apelante da sentença proferida, na medida em que entende que, na prestação de contas, o tribunal tem apenas supervisão formalista das contas apresentadas e não um conhecimento do mérito das mesmas.

Ora, no caso vertente, a prestação de contas apresentada foi deduzida por apenso a processo de inventário e teve por finalidade que a cabeça-de-casal prestasse contas dos bens que constituem a herança.

Com efeito, nos termos do disposto no art. 941º do CPC., a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

Por seu turno, dispõe o art. 2079º do Código Civil, que a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.

Os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos, como o estatui o art. 2097º do C. Civil.

O cabeça-de-casal tem fundamentalmente poderes de administração ordinária sobre os bens hereditários.

No caso vertente, a cabeça-de-casal e ora apelante, apresentou as contas, as quais, foram nalguns itens contestadas.

Na sentença proferida, apenas foram julgadas como boas, as contas relativas às despesas com o seguro automóvel e com os honorários do Sr. Solicitador.

As despesas concernentes à manutenção do arrendamento da casa que foi da falecida, os consumos de água, telefone, limpeza da casa, comando de garagem, despesas e honorários de Advogados e comissão pela gestão do programa Prestige, não foram admitidas.

Porém, a apelante apenas admite a eliminação das despesas inerentes ao contrato de comunicações e dos honorários e despesas dos Advogados, entendendo que o tribunal a quo, relativamente ao demais, não procedeu a uma aprovação ou não das contas, mas antes, procedeu a uma apreciação do mérito das despesas, o que não devia.

Ora, o que está em causa é a prestação de contas respeitante às receitas e despesas que sejam da responsabilidade da herança.

Como aludiu Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, volume III, Almedina, pág. 72-75, «Se as contas são contestadas, no todo ou em parte, o respectivo processo adquire feição nitidamente contenciosa e daqui resulta que vai pôr-se em movimento a actividade judiciária em ordem a perscrutar a exactidão delas através dos mais variados meios de prova que a lei põe à disposição dos contendores.

(…) Em primeiro lugar só haverá que atender às receitas e despesas daqueles bens de que o cabeça-de-casal tomou efectivamente conta.

Mas o que devem considerar-se despesas da herança ou encargos dela?

Necessariamente que como tais devem reputar-se as inerentes à administração da herança, despesas de amanho e conservação, contribuições, obras indispensáveis, dívidas do autor da herança contra terceiros e demais obrigações próprias duma administração prudente.

Mas naquilo que exceda essa prudência, designadamente em negócios arriscados ou benfeitorias voluntárias, no pagamento de dívidas não aprovadas ou litigiosas, cessa a obrigação da herança custear tais despesas que se reputam da exclusiva responsabilidade de quem as efectuou.

Todas aquelas despesas que sejam provenientes do descuido ou negligência do cabeça-de-casal no cumprimento das obrigações que a lei lhe comete, não podem levar-se a débito da herança para serem pagas pelos rendimentos dela».

Colocados estes parâmetros, incumbe ao julgador, nos termos do disposto no nº. 5 do art. 945º do CPC., realizadas todas as diligências indispensáveis, decidir segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, as verbas de receita ou de despesa.

Com efeito, foi esta a actividade preconizada pelo tribunal a quo, quando analisou a prova e ponderou sobre se as despesas apresentadas seriam ou não da responsabilidade da herança, ou ao invés, se deviam imputar a uma imprudente gestão desta.

Ora, resulta da factualidade assente, nomeadamente, que:
-Helena… faleceu, em 2 de Março de 2011.
-A R. tem procedido à administração dos bens da herança deixada por Helena…
-Após o óbito de Helena…, a R. continuou a proceder ao pagamento da quantia mensal devida pelo arrendamento do andar onde esta habitava, na Rua …, em Carcavelos, o que fez até à sua entrega em Julho de 2015.
-A R. manteve, desde o óbito até Julho de 2012, os serviços de comunicações telefónicas e, até Julho de 2015, aquando da vacatura do imóvel, os serviços de água.
-Em Maio de 2015, a R. despendeu € 184,50 com a limpeza do apartamento da falecida.
-Em Julho de 2015, a R. despendeu € 39,20 com a aquisição de comando da garagem do apartamento da falecida.

Do supra mencionado resulta, que a manutenção da casa durante anos após o óbito da de cujos, bem como, as inerentes despesas com consumos de água, limpeza e comando da garagem, não reflectem uma administração prudente, na medida em que não há qualquer explicação para este arrastar da situação, ou seja, estas despesas não deverão ser suportadas pela herança.

Efectivamente, não se demonstrou que os herdeiros tivessem dado a sua aquiescência para a manutenção do locado, com os seus inerentes encargos.

Deste modo, entendemos que a apreciação do tribunal a quo, se mostra adequada, enquadrando-se no seu dever de apreciação das contas.

De igual modo, não merece reparo, a não admissão da despesa com a comissão pela gestão do programa Prestige, nem com a aquisição do comando da garagem, já que, não foi apresentada qualquer justificação ou necessidade para as mesmas.

Atenta a obrigação de administração da herança pelo cabeça-de-casal, incumbe ao mesmo que a exerça com diligência e competência, não se afastando das regras da prudência.

As despesas desnecessárias, ou seja, aquelas que não faz sentido manter, como seja, o pagamento de uma renda referente a um imóvel desocupado e o pagamento de consumos inerentes a essa mesma habitação, incluindo a limpeza, bem como, a despesa com um comando de garagem, não são contas a apresentar à herança, pois, apenas se deveram a uma inércia da cabeça-de-casal, na entrega da casa ao senhorio.

O pagamento de uma despesa e a necessidade da despesa são aspectos diferentes.

Com efeito, na situação concreta, nenhumas justificações foram apresentadas para a verificação das despesas não aceites.   
 
Assim, também nesta parte, não merece provimento o recurso.

Por último, entende a apelante que só deveria prestar contas após o juramento como cabeça-de-casal e não a partir do óbito ocorrido em 2-3-2011, como vem peticionado nos autos.

Ora, no caso em apreço, estamos perante uma acção de prestação de contas intentada na pendência de um processo de inventário e apensada ao mesmo.

Nos termos plasmados no art. 2079º do Código Civil, a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.

E nos termos do nº. 1 do art. 2093º do C. Civil, o dever de prestar as contas incide sobre o cabeça-de-casal.

A relação jurídica que se estabelece entre todos os interessados e o cabeça-de-casal, leva que este seja obrigado a prestar as contas e àqueles o direito de receberem o que lhes pertencer nos rendimentos da herança, enquanto se mantiver indivisa.

A prestação de contas aqui pedida só deverá respeitar ao período temporal em que, após a nomeação para o exercício do cargo, a cabeça-de-casal administrou os bens da herança, como aliás resulta do disposto no art. 947º do CPC.

Como aludia Vaz Serra, in RLJ ano 85º, pág. 339 «Certo que estas funções de administração não aparecem necessariamente ligadas à existência do inventário, o que equivale dizer que, em bom rigor, a lei não exige nomeação judicial para que a pessoa legítima se considere investida no exercício delas. Mas, claro está, no seu aspecto de direito e em referência ao processo de inventário, as contas a prestar pelo cabeça-de-casal, por apenso a esse processo, só podem respeitar ao período de tempo em que, após a nomeação nesse inventário, administrou os bens da herança».

Também o Ac. do STJ. de 9-6-2009, in http://www.dgsi. seguindo a mesma orientação, dispõe que, as contas a prestar pelo cabeça-de-casal, por apenso a processo de inventário, só podem respeitar ao período temporal em que, após a nomeação para o exercício desse cargo, administrou os bens da herança.

Assim, assiste razão à apelante, pelo que, há que balizar a condenação da apelante, a partir da data da sua investidura como cabeça-de-casal e não da data do falecimento da Helena...
Destarte, só neste segmento procederá a apelação.

Em síntese:
-Atenta a obrigação de administração da herança pelo cabeça-de-casal, incumbe ao mesmo que a exerça com diligência e competência, não se afastando das regras da prudência.
-As despesas desnecessárias, ou seja, aquelas que não faz sentido manter, não são contas a apresentar.
-As contas a prestar pelo cabeça-de-casal, por apenso a processo de inventário, só podem respeitar ao período de tempo em que, após a nomeação nesse inventário, administrou os bens da herança.


3Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em alterar parcialmente a sentença proferida, condenando-se a ré a entregar ao autor e à interveniente os valores remanescentes na proporção dos seus quinhões, desde a data da sua investidura como cabeça-de-casal, no mais se mantendo a mesma.

Custas da apelação a cargo da apelante e do réu, na proporção de 2/3 para a primeira e de 1/3 para este.



Lisboa, 24-04-2018



Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos
Manuel Marques