Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9221/2007-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTE COMUM
CONDOMÍNIO
RESPONSABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – O colector geral de esgotos de edifício em regime de propriedade horizontal é parte comum do prédio, pelo que são da responsabilidade dos condóminos as despesas com a sua conservação e fruição, as quais subsistem mesmo nos casos em que tais despesas tenham sido originadas por facto imputável apenas a um deles ou a terceiros.
2 – Se, após a aquisição da fracção, os autores começaram a ter problemas com inundações cuja origem estaria no entupimento do colector geral dos esgotos, tendo – se os condóminos escusado a proceder à realização das obras necessárias à eventual reparação do colector e ao pagamento das indemnizações solicitadas, incidia sobre os autores o ónus da prova do mau funcionamento ou das anomalias desse colector e de que as alegadas inundações na sua fracção resultaram dessas deficiências.
3 – Não se tendo provado no Tribunal a quo que as inundações na fracção dos autores se ficaram a dever a um problema no colector geral e não tendo sido, nessa parte, impugnada a decisão sobre a matéria de facto, as pretensões dos autores não podem ser satisfeitas, face às regras do ónus da prova.
GF
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
[José] e [Ana] instauraram contra Condomínio do Prédio (...), a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, alegando, em síntese, que a fracção de que os Autores são proprietários sofreu inundações devido a um problema no colector geral de esgotos, tendo estes procedido a parte das reparações para colocar a fracção nas devidas condições de habitabilidade. Pedem, por isso, a condenação da Ré a proceder à realização de obras necessárias com vista à reparação do problema que provoca as inundações na fracção dos Autores; ao pagamento da quantia de € 4.798,14 pelos danos causados, acrescida de juros vincendos até integral pagamento, devendo a taxa ser acrescida de 5% desde o trânsito em julgado da sentença condenatória por força do artigo 829°-A do Código Civil.

A Ré contestou alegando que as infiltrações podem ter origem nos esgotos públicos.

Foi proferido despacho saneador. Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo o Tribunal respondido à matéria de facto, não tendo havido reclamações (cfr. fls. 295/296) e, seguidamente, proferiu a sentença, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformados, recorreram os Autores, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Os Apelantes interpuseram acção declarativa de condenação contra a Apelada, pedindo a sua condenação na realização de obras necessárias com vista à reparação do problema que provoca inundações na fracção dos mesmos bem como no pagamento da quantia de € 4.798,14, acrescida de juros vincendos até integral pagamento, devendo a taxa ser acrescida de 5% desde o trânsito em julgado da sentença condenatória por força do artigo 829º-A do Código Civil, custas e procuradoria.
2ª – A acção foi julgada improcedente, por não provada, com o fundamento de que, “do confronto da matéria de facto alegada pelos autores com a matéria de facto provada, verifica-se que os Autores não lograram provar – como lhes competia nos termos do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil – que as inundações verificadas na sua fracção foram causadas por problemas de funcionamento/anomalia do colector geral de esgotos, tal não resultando da factualidade descrita sob os quesitos 8º, 15º, 29º e 30º”.
3ª – Da matéria de facto dada como provada e da decisão proferida resulta, de forma manifesta, uma errada valoração.
4ª – Atendendo aos factos dados como provados, nomeadamente os constantes dos n. os 7º e 15º da sentença recorrida, outra conclusão não pode retirar-se senão que estamos perante uma confissão, de acordo com o disposto nos artigos 352º e 358º, ambos do Código Civil.
5ª – Os documentos juntos à petição inicial sob os n. os 1 e 6 consubstanciam uma declaração de confissão efectuada aos Apelantes e não mereceram qualquer oposição da Apelada.
6ª – Tais documentos têm força probatória plena, pelo que a sentença recorrida violou o artigo 358º do Código Civil.
7ª – A sentença recorrida violou também o disposto no n.º 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil por não ter tomado em consideração factos admitidos por confissão que, por si só, por constituírem fundamento para responsabilização da Apelada, implicariam a procedência parcial da acção, nomeadamente no que concerne ao pedido dos Apelantes, para que a Apelada fosse condenada a efectuar as obras necessárias para as inundações não voltassem a verificar-se na sua fracção.
8ª – Nos termos do artigo 712º do CPC, “a decisão do tribunal da 1ª Instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação” e, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo citado, tal alteração deve ser tomada, quando “os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.
9ª – As actas juntas como documentos n. os 1 e 6 da petição inicial não foram declaradas nulas ou anuladas em qualquer processo, nem houve qualquer reacção da Apelada contra a junção desses documentos ou do seu conteúdo.
10ª – A M. ma Juiz a quo, na sentença recorrida, decide em notória contradição com a matéria de facto dada por si como provada, atendendo aos pontos 30º e 33º da matéria de facto dada como provada.
11ª – Da matéria dada como provada resulta que as sucessivas inundações na fracção dos Apelantes se ficam a dever a problemas resultantes do colector geral dos esgotos do prédio e, consequentemente, da responsabilidade da Apelada.
12ª – Os Apelantes provaram que as inundações ocorridas na sua fracção são da responsabilidade da Apelada pelo que a decisão é manifestamente injusta atendendo à inapropriada valoração da prova efectuada.
13ª – A matéria dada como provada não poderá ser posta em causa, mas deve ser posta em causa a conclusão retirada pela Exc. ma Juiz ao julgar a acção improcedente por não provada.
14ª – Nos termos do artigo 1424º do Código Civil, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
15ª – A sentença recorrida violou o disposto no artigo 1424º do Código Civil.
16ª – Houve uma errada valoração da prova, devendo a Apelada ter sido na parte do pedido, nomeadamente no que concerne à realização de obras.
17ª – O presente recurso deve ser julgado procedente por provado e consequentemente ser alterada a decisão recorrida com a condenação da Apelada à realização das obras necessárias para que as inundações não voltem a verificar-se na fracção dos Apelantes.

A Apelada contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.
2.
Na 1ª Instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - Os Autores são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra "N", correspondente ao 1 º andar direito do prédio urbano sito (...) em Alverca do Ribatejo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº 545 e inscrita na respectiva matriz sob o artigo 5258, freguesia de Alverca do Ribatejo.
2º - Como condóminos, os Autores mantêm as suas quotas em dia, cumprindo com tudo o mais a quanto estão obrigados, decorrente dessa qualidade.
3º - Alguns anos após a aquisição da fracção, os Autores começaram a ter diversos problemas, porquanto, em princípios de 1997, a fracção sofreu uma inundação proveniente de água de esgotos, saída da sanita.
4º - Nessa data a fracção não se encontrava habitada, atendendo a que os Autores são emigrantes, pelo que quem ocorreu à situação foi a mãe da Autora, acompanhada pelo Administrador do prédio de então, o Sr. [José], condómino do 1.º andar esquerdo.
5º - A inundação ocorreu com águas vindas dos esgotos, ou seja, águas escuras e com mau cheiro, que tinham saído da sanita da casa de banho, e que causaram, nomeadamente, levantamento do soalho de madeira e danificação de várias carpetes.
6º - O Administrador comprometeu-se a apresentar o problema em Assembleia de Condóminos, o que aconteceu.
7º - Assim, na Assembleia de Condóminos de 9/05/1997, acta n.º 13, está escrito: “... o Administrador que informou os presentes do entupimento, num passado recente, dos tubos de esgotos que resultou a descarga pelo sanitário do condómino do 1.º direito resultando prejuízos cujo valor não foi ainda conhecido, deduzindo-se que as causas do entupimento tenham sido originadas pela colocação de pensos higiénicos nos sanitários, pelo que pedimos uma melhor atenção e responsabilidade sobre o assunto”.
8º - Em 28/10/1998, a Companhia de Seguros, que efectuou peritagem ao local, respondeu dizendo que, “das averiguações feitas pelo perito, constatou-se que a ocorrência se ficou a dever à saída de água do esgoto da casa de banho do andar seguro, facto que a apólice não garante (...)”.
9º - A casa encontrava-se arrendada desde Agosto de 1999.
10º - A factura junta a fls. 18 foi cedida à Administração.
11º - No dia 4/08/2000, data para que foi agendada a assembleia de condóminos, não foi possível reunir a mesma por estarem presentes apenas três condóminos.
12º - Ficou o Administrador de marcar uma nova reunião.
13º - Em Maio de 2000, sofreram os Autores uma nova inundação.
14º - Mais uma vez os Autores informaram o sucedido à Administração, pressionando para que houvesse uma rápida resolução da situação.
15º - No dia 6/11/2000, reuniram-se os condóminos em Assembleia tendo deliberado nada pagar aos Autores, constando da respectiva acta, nomeadamente, o seguinte: “REFERENTE AO PONTO N.º 1, OS CONDÓMINOS PRESENTES, DEPOIS DE CONVERSAREM, CHEGARAM À CONCLUSÃO DE QUE, EMBORA TIVESSE RAZÃO, O CONDOMÍNIO NÃO IRIA PAGAR AS DESPESAS DOS CONDÓMINOS AFECTADOS, REFERENTE AO 1.º DTO, QUE BENEFICIOU DOS ANOS DE 1993 A 1998 COM O NÃO PAGAMENTO DA TOTALIDADE DAS DESPESAS CORRENTES QUE TOTALIZARAM A QUANTIA DE 136.000$00, CONSTATA-SE QUE AS DESPESAS DAS OBRAS FOI DE APENAS 119.000$00, QUANTO ÀS OBRAS DO CONDÓMINO DO 5.º DTO, DISSERAM QUE NADA TINHAM A RECEBER”.
16º - O pagamento inferior foi acordado em Assembleia de Condóminos pelo facto dos Autores não residirem na fracção nem dela fazerem utilização, atendendo a que são emigrantes, não tendo nunca esta situação sido imposta pelos Autores.
17º - Quando em Assembleia de Condóminos foi proposta a alteração do pagamento das quotas dos Autores, estes de imediato acederam.
18º - Os Autores escreveram uma carta em 20/11/2000 ao Administrador do condomínio, esclarecendo o seu ponto de vista e solicitando mais uma vez a resolução da situação.
19º - Em 23/01/2001, em reunião de Assembleia de Condóminos, o Administrador informa os condóminos que recebeu uma nova carta dos Autores, relatando a nova inundação e mais uma vez foi votado o não pagamento dos prejuízos.
20º - Os Autores estiveram presentes numa outra Assembleia de Condóminos onde lhes foi proposto o pagamento de 60 000$00.
21º - Os Autores recusaram-se a aceitar tal valor.
22º - Os Autores comunicaram ao Administrador do prédio, a intenção de resolver judicialmente o problema.
23º - O mesmo prontificou-se então a falar pessoalmente com cada um dos condóminos para que se tentasse chegar a um acordo razoável e justo.
24º - Passados alguns dias, o Administrador do prédio contactou com os Autores, tendo-lhes comunicado estarem os condóminos na disposição de pagar metade dos prejuízos, solicitando a entrega de um orçamento por parte destes.
25º - Embora não satisfeitos com o ressarcimento parcial dos prejuízos, os Autores acederam por forma a solucionar extra - judicialmente tal situação.
26º - Assim sendo, apresentaram orçamento ao Administrador que, de imediato, referiu ter quem efectuasse o trabalho por valor inferior e que não se preocupassem pois iria tratar de tudo, ao que os Autores acederam mediante a garantia de que, até ao final do ano tudo estaria resolvido.
27º - Em princípios de 2002, a fracção sofreu uma nova inundação.
28º - Dessa inundação decorreram, nomeadamente, levantamento no soalho nos quartos e corredor e rodapé do móvel da casa de banho danificado.
29º - Os Autores recorreram a um Engenheiro Civil, para que o mesmo se pudesse pronunciar sobre os motivos da inundação bem como dos prejuízos por ela causados.3
30º - Do relatório subscrito pelo mesmo. o qual se encontra junto a fls. 36/37, consta. designadamente, o seguinte:
“Do exposto conclui-se ter existido um entupimento do colector predial que serve a caixa que assiste ao tubo de queda do W.C., pois se a origem fosse no ramal predial, ou colector que sirva várias caixas de visita, apareceriam igualmente águas, noutros aparelhos sanitários de outros W.C. do mesmo ou de outros apartamentos do 1º andar.
Outra hipótese será a do entupimento da prumada ao nível do troço horizontal, pela razão exposta.
Numa ou noutra situação a causa terá origem na característica dos detritos de despejo, muito possivelmente por sólidos de grandes dimensões, insufláveis, etc, proibidos pelo Regulamento Municipal de Saneamento.
Esta situação poderá ter sido provocada por qualquer um dos condóminos servidos pela prumada em questão”.
31º - Do referido documento consta ainda o seguinte: “Os prejuízos provocados são e serão certamente os seguintes: - Empolamento do lamparquet nos quartos e corredor; Humidificação da betonilha de assentamento do lamparquet com a consequente coloração e “aromatização” óbvia; - Empenamento do rodapé de madeira maciça; - Humidificação com coloração da base das paredes (junto aos rodapés) nos quartos e corredor; Amolecimento e desfragmentação do rodapé do móvel de casa de banho; Entupimento do sifão de pavimento e ramais de descarga individuais e colectivo”.
32º - Mais uma vez os Autores recorreram á sua Companhia de Seguros.
33º - A Companhia mandou efectuar uma peritagem ao local, constando da mesma, designadamente, o seguinte: “(...) vimos informar que a situação de entupimento da prumada geral de esgotos no troço que envolve o v/ andar sito na Rua da Indústria, 5 – 1º D. to e que por via de refluxo dos mesmos provocou danos no parquet dum dos quartos, é uma situação que tem a ver com as Partes comuns do Edifício e portanto como responsáveis a Administração do Condomínio conforme o estipulado no Regime da Propriedade Horizontal”.
34º - Face á resposta da Companhia de Seguros, mais uma vez, os Autores escreveram á Ré solicitando a resolução da situação.
35º - Ao que a Ré respondeu, dizendo: “No que diz respeito á situação do 1º direito, não houve evolução de posições (...)”.
36º - Os Autores pediram o orçamento junto a fls. 44/45, o qual é de € 1.155,00 (mil cento e cinquenta e cinco euros), a acrescer IVA á taxa legal o que perfaz a quantia de € 1.374,45.
37º - O facto referido em 20 ocorreu no dia 3/09/2001, constando da respectiva acta, nomeadamente. o seguinte: “(...) Quanto ao ponto n° 1 foi decidido por maioria não pagar os prejuízos por danos causados não devendo responsabilidade directa ou indirecta do condomínio, uma vez que os danos ocorreram numa sala que se encontrava fechada e não foi possível aos arrendatários resolverem a situação Contudo o condomínio aceitaria a título excepcional contribuir com 50% (...).
38º - Foi entregue pelos Autores, representados por [Norberto], na Assembleia de Condóminos que se realizou em 29/042003, um orçamento do valor da reparação dos estragos, no valor total de 240.000$00 (€ 1.197,11), tendo os condóminos aceitado pagar metade deste valor.
39º - A Assembleia de Condóminos realizada em 22/01/2004 aprovou o relatório de Contas de 2003 (1 de Abril a 31 de Dezembro), tendo sido despendido pelo Condomínio do prédio em questão € 773,50 (setecentos e setenta e três euros e cinquenta cêntimos) em despesas extraordinárias para a realização de desentupimento e aspiração de águas sujas, relativamente às condutas das máquinas de lavar loiça e de lavar roupa das cozinhas, que são separadas das dos esgotos.
40º - A Ré escreveu duas cartas ao Presidente do Conselho de Administração dos S.M.A.S de Vila Franca de Xira, datadas de 16 de Outubro e 3 de Dezembro, ambas de 2003, a solicitar que averiguasse sobre as causas dos entupimentos nos esgotos domésticos do prédio em questão, demonstrando a preocupação enquanto moradores daquele, da circunstância de existir algum mau funcionamento do sistema de esgoto principal.
41º - Por ofício de 06/01/2004, a Directora delegada, a Engenheira Civil Maria (...) dos S.M.A S de Vila Franca de Xira, respondeu às duas missivas da Ré, informando que o colector de esgotos da Rua da Indústria junto ao prédio nº 5 entra, por vezes, em sobrecarga, em particular quando ocorre uma elevada pluviosidade, porquanto a rede que alimenta o colector geral é uma parte unitária.
42º - Informando ainda de que iriam “(...) proceder a um levantamento topográfico do colector e da rede de esgotos a juzante até à estação elevatória da Quinta das Drogas, de modo a que as anomalias que se vierem a detectar, possam depois ser corrigidas através de uma empreitada de remodelação da rede de saneamento”.
43º - A referida habitação tem sido arrendada a jogadores de futebol do Futebol Clube de Alverca, em número variável e em grupos que se vão revezando.
44º - Já houve mau ambiente no prédio relativamente ao barulho que faziam a altas horas da madrugada.
3.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões dos Apelantes, interessa saber se as inundações, e os prejuízos daí derivados, havidas na fracção dos Recorrentes se deve a qualquer anomalia ou deficiência do colector geral dos esgotos.

O artigo 1420º, n.º 1 do Código Civil enuncia o princípio basilar de que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.

O artigo 1421º enumera as partes comuns do edifício. A enumeração feita no n.º 1 é imperativa, no sentido de que os elementos nela incluídos são necessariamente comuns a todos os condóminos. Outras coisas podem entrar na comunhão, como as que constam da discriminação feita no n.º 2, mas não entram nela forçosamente.

O n.º 2 presume, de facto, que são comuns outros elementos do prédio. Mas essa presunção pode ser ilidida, desde que se prove que os referidos elementos foram atribuídos pelo título constitutivo da propriedade horizontal a um ou a alguns dos condóminos, ou adquiridos por estes através de actos possessórios.

Assim, há partes do prédio que são comuns por força de disposição imperativa da lei (artigo 1421º, n.º 1) e há outras que são comuns quando os condóminos não declarem o contrário (artigo 1421º, n.º 2). Só quanto aos elementos imperativamente comuns se verifica uma compropriedade necessária e permanente. Relativamente às partes comuns enumeradas no n.º 2 do artigo 1421º, a comunhão poderá cessar em qualquer momento, por acordo dos condóminos.

Os elementos imperativamente comuns ou fazem parte da estrutura essencial do prédio ou estão afectados, numa relação de instrumentalidade necessária, ao serviço de todas as fracções autónomas. Eles são imprescindíveis na totalidade, ao uso e fruição destas fracções, pelo que a lei não permite a sua divisão, nem a sua subordinação a regime diverso da compropriedade.

Nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1421º são imperativamente comuns as instalações gerais de água.

Dispõe o artigo 1424º, n.º 1 que, “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.

“Nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns devem incluir-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam, independentemente do montante a que, em cada caso, ascendam. Tanto pode tratar-se de pequenas despesas de manutenção ordinária, como de despesas impostas por qualquer evento que tenha provocado danos extensos nas coisas a reparar.

A responsabilidade dos condóminos pelas despesas de conservação e fruição é uma responsabilidade ex lege e subsiste mesmo nos casos em que tais despesas tenham sido originadas por facto imputável apenas a um deles ou a terceiro. É evidente, no entanto, que, nestes caos, aos condóminos será lícito agir contra o autor do dano, de acordo com os princípios gerais da responsabilidade civil”(1).

Portanto, “as obrigações do condómino concorrer para os encargos de conservação e fruição do edifício e a obrigação do condomínio de reparar os danos causados numa fracção por infiltrações de água provenientes de uma parte comum não dimanam de contrato, mas da natureza real do instituto da propriedade horizontal (2)”.

In casu, alguns anos após a aquisição da fracção, os Autores começaram a ter diversos problemas com inundações cuja origem estaria no entupimento do colector geral dos esgotos. Assim, em princípios de 1997, a fracção sofreu uma inundação com águas vindas dos de esgotos, ou seja, águas escuras e com mau cheiro, que tinham saído da sanita da casa de banho e que causaram nomeadamente levantamento do soalho de madeira e danificação de várias carpetes. Em Maio de 2000 e em princípios de 2002, sofreram os autores novas inundações, danificando a fracção.

Perante isto, houve diversas reclamações dos Autores perante o Administrador, pretendendo que os condóminos lhes pagassem as despesas suportadas por força de tais inundações, tendo a questão sido colocada em diversas assembleias do condomínio.

Os Recorrentes baseiam todo o seu recurso no facto de o Tribunal a quo, em face dos factos provados, não ter retirado a conclusão que se impunha, ou seja a de que a causa das inundações se deveu ao mau funcionamento desse colector geral dos esgotos.

E isto, desde logo, porque, no entender dos Recorrentes, são os próprios Réus que o reconhecem, ao confessarem os factos articulados sob os n. os 7 e 15.

De facto, a confissão é uma declaração de ciência pela qual uma pessoa reconhece a realidade dum facto que lhe é desfavorável – dum facto cujas consequências jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à outra parte nos termos do artigo 342º do Código Civil. Cfr. artigo 352º do mesmo Código.

No entanto, no que se refere ao ponto 7º, não é possível da sua leitura concluir-se que existiu uma confissão da Ré. Esta limita-se a colocar a hipótese de que a inundação registada em 1997 se possa ter ficado a dever a uma colocação de pensos higiénicos nos sanitários. A Ré limita-se a colocar essa possibilidade, suspeita que o problema possa ter sido esse, mas não assume esse facto como imperativo ou adquirido, tanto assim que, verificada a inundação de 2002, os próprios Autores recorreram a um Engenheiro Civil, para que o mesmo se pudesse pronunciar sobre os motivos das inundações bem como dos prejuízos por ela causados.

Por outro lado, no que se refere ao ponto 15º dos factos provados, não houve uma assunção de responsabilidades por parte da Ré. A conclusão que daí se pode retirar é que a Ré apenas tentou chegar a um acordo com os Apelantes, a contento de todos, prontificando-se a custear metade dos prejuízos que estes supostamente teriam tido com a inundação, para evitarem aborrecimentos e manterem as relações de boa vizinhança (cfr. acta de 3 de Setembro de 2001).

Como é sabido, a confissão é incidível ou indivisível, quer dizer, se a declaração confessória for acompanhada da afirmação de qualquer facto favorável ao confitente, o adversário só pode aceitar a confissão na sua totalidade, sendo embora admitido a fazer prova contra a parte que lhe é desfavorável (cfr. artigo 360º CC). Se não aceitar a confissão na sua totalidade, ela não valerá também na parte que lhe é favorável, tendo ele, portanto, de provar o próprio facto confessado.

Assim, os Apelantes não podem retirar dos documentos referidos as declarações que mais lhes convêm, ignorando os outros factos aí descritos, como também os descritos nas outras actas juntas com a contestação que eles também não impugnaram.

Quanto aos pontos 30º e 33º, referentes aos relatórios que os Autores fizeram juntar aos autos.

O primeiro refere-se ao relatório de um Engenheiro Civil, efectuado a pedido dos Autores para apurar a causa das inundações e o segundo é o relatório do perito da seguradora eximindo-se ao pagamento da indemnização solicitada pelos Autores.

Ora, do relatório subscrito pelo Engenheiro Civil, consta, designadamente, o seguinte:
“Do exposto conclui-se ter existido um entupimento do colector predial que serve a caixa que assiste ao tubo de queda do W. C, pois, se a origem fosse no ramal predial, ou colector que sirva várias caixas de visita, apareceriam igualmente águas, noutros aparelhos sanitários de outros W. C. do mesmo ou de outros apartamentos do 1º andar.
Outra hipótese será a do entupimento da prumada ao nível do troço horizontal, pela razão exposta.
Numa ou noutra situação a causa terá origem na característica dos detritos de despejo, muito possivelmente por sólidos de grandes dimensões, insufláveis (...), proibidos pelo Regulamento Municipal de Saneamento.
Esta situação poderá ter sido provocada por qualquer um dos condóminos servidos pela prumada em questão”.

Houve, inequivocamente, inundações na fracção dos Autores. Mas qual a causa destas inundações? Esta é a verdadeira questão para se apurar da responsabilidade dos condóminos, enquanto comproprietários das partes comuns do edifício.

O relatório dos peritos não são esclarecedores. Limita-se o primeiro a enunciar algumas das causas que poderão ter provocado as inundações, enquanto o segundo conclui que, havendo um entupimento da prumada geral de esgotos no troço que envolve o andar dos Autores, é uma situação que tem a ver com as partes comuns do edifício.

Mas a situação torna-se ainda mais dúbia, quando a Ré, perante as reclamações dos Autores e na falta de elementos bastantes que explicassem as inundações, escreveu duas cartas ao Presidente do Conselho de Administração dos S.M.A.S de Vila Franca de Xira, datadas de 16 de Outubro e 3 de Dezembro, ambas de 2003, fazendo referências às diversas inundações havidas na fracção dos Autores, a solicitar que averiguasse sobre as causas dos entupimentos nos esgotos domésticos do prédio em questão, demonstrando a preocupação enquanto moradores daquele, pela circunstância de existir algum mau funcionamento do sistema de esgoto principal.

Por ofício de 06/01/2004, a Directora delegada, a Engenheira Civil Maria (...) dos S.M.A S de Vila Franca de Xira, respondeu às duas missivas da Ré, informando que o colector de esgotos da Rua da Indústria junto ao prédio nº 5 entra, por vezes, em sobrecarga, em particular quando ocorre uma elevada pluviosidade, porquanto a rede que alimenta o colector geral é uma parte unitária.

Informa ainda de que iriam “(...) proceder a um levantamento topográfico do colector e da rede de esgotos a juzante até à estação elevatória da Quinta das Drogas, de modo a que as anomalias que se vierem a detectar, possam depois ser corrigidas através de uma empreitada de remodelação da rede de saneamento”.

Acresce que, tal como consta das actas da audiência de julgamento, foram ouvidas diversas testemunhas. Consta da decisão sobre a matéria de facto que a convicção do julgador assentou não só na conjugação dos factos que constam dos diversos documentos juntos aos autos, e são vários, mas também no depoimento dessas testemunhas inquiridas.

Ora, considera a Exc. ma Juiz, entre os diversos factos não provados, que “as inundações na fracção dos Autores se devem a um problema no colector geral de esgotos”.

Assim, não tendo os Autores logrado provar, como lhes competia nos termos do artigo 342º, n.º 1 CC, que as inundações verificadas na sua fracção foram causadas por problemas de funcionamento ou de anomalia do colector geral de esgotos, a acção terá necessariamente de improceder.
4.
Pelo exposto, na improcedência da apelação confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.
Lisboa, 15 de Novembro de 2007.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira
______________________
1 - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª edição, Volume III; 431.
2 - Acórdão da Relação do Porto de 1/04/93, CJ, 1993, II, 201..