Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0068172
Nº Convencional: JTRL00003786
Relator: ANTONIO ABRANCHES MARTINS
Descritores: INVENTÁRIO
SENTENÇA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL199211260068172
Data do Acordão: 11/26/1992
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ ANOXVII TV PAG128
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ART4 N2 B N3 ART45 ART46 ART47 N1 ART52 N1 N2 ART90 N3
ART475 N4 ART1382.
CCIV66 ART2079.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1970/07/10 IN BMJ N199 PAG176.
Sumário: I - Para que a sentença possa servir de base à acção executiva, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença.
II - Apesar de o inventário não ser uma acção de condenação, o certo é que a setença homologatória de partilhas fixa definitivamente, após o seu trânsito em julgado, o direito dos interessados, nomeadamente quanto aos bens que lhes foram adjudicados.
III - Se o cabeça-de-casal se recusar a entregar tais bens aos interessados, a sentença homologatória de partilhas servirá de título executivo para obter tal entrega.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1 - No Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras,
(A), interessado no inventário facultativo a que se procedeu por óbito de (X), o qual correu termos no mesmo tribunal e em que foi inventariante e cabeça-de-casal (Y), intentou contra esta, por apenso ao mesmo inventário, acção executiva para entrega de coisa certa, a fim de a executada entregar ao exequente os bens que lhe foram atribuídos no respectivo mapa da partilha, devidamente homologado por sentença já transitada em julgado.
Depois de ter sido junta pelo exequente procuração passada a favor da advogada signatária do requerimento inicial o juiz "aquo" indeferiu liminarmente o pedido de execução, nos termos do art. 474, n. 1 al. c) do CPC uma vez que na sentença homologatória da partilha não se condena a executada a entregar o imóvel que coube ao exequente nas partilhas efectuadas no inventário, não constituindo, pois, tal sentença título executivo bastante para a presente execução.
Inconformado com este despacho, dele o exequente interpôs recurso, que foi admitido como agravo, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Nas suas alegações, o agravante formulou as seguintes conclusões:
1 - Ao recorrente foram adjudicados, nas partilhas os bens que constituem os lotes B e C da relação de bens apresentada no processo de inventário a que se procedeu por óbito de (X);
2 - Neste inventário foi cabeça de casal a ora executada;
3 - Uma vez que as partilhas estão findas e como tal o cargo de cabeça de casal já terminou;
4 - Esta era obrigada a entregar os ditos bens que estão na sua posse;
5 - Tendo a sentença transitado em julgado, é título executivo bastante e a obrigação exequenda é exigível;
6 - Nesta conformidade deve o presente pedido de execução para entrega de coisa certa proceder, seguindo os seus trâmites normais até à entrega judicial dos bens ao seu legítimo proprietário exequente;
7 - Sendo revogado o douto despacho de indeferimento liminar do requerimento da acção executiva, pois que violou o artigo 46 al. a) e o art. 928 n. 2 do CPC.
A agravada não contra-alegou.
Foi sustentado o despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2 - Consideram-se provados os factos constantes do relatório.
3 - A questão a resolver com o presente recurso traduz-se apenas em saber se a sentença homologatória de partilhas constitui título executivo para que os interessados obtenham a entrega dos bens que aquela lhes adjudicou.
A acção executiva visa a reparação efectiva do direito violado art. 4, n. 3 do CPC. Para concretização desta finalidade toda a execução tem que ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva - n. 1 do art. 45, do CPC. Entre outros, o fim desta acção pode consistir na entrega de coisa certa - n. 2 deste último artigo.
O art. 46 do mesmo diploma enumera os títulos executivos, neles se incluindo as sentenças condenatórias - v. a al. a).
Esta al. usa a expressão "sentenças condenatórias" em vez de "sentenças de condenação", expressão utilizada pelo Código de 1939, para afastar a ideia de que só seriam títulos executivos as sentenças proferidas nas acções de condenação referidas no artigo 4, n. 2, al b) do CPC - v. Lopes Cardoso, in "Código de Processo Civil anotado ", 3 ed., 71 e o acordão do STJ, de 1970/07/10, in BMJ 199-176.
Aliás, já anteriormente a 1961 tal sentido era atribuido
à designação "sentença de condenação" usada no art. 46
- v.j. Alberto dos Reis, in "Processo de Execução", I -
127 e o acordão acima citado.
Esclarecendo melhor esta questão, diz o referido prof. "ao atribuir eficácia executiva às sentenças de condenação, o Código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade"
- v. obra e local citados. Este entendimento, que acolhemos, é também aceite por Lopes Cardoso, in "Manual da Acção Executiva", 3ed, 39 e por João António Lopes Cardoso, in "Partilhas Judiciais", II 1ed, 407.
Assim, para que a sentença possa servir de base à acção executiva, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por aquela, como diz Lopes cardoso, in "Manual da Acção Executiva", 3ed, 39 - v também o já mencionado acórdão do STJ. Ora, é inequívoco que, apesar de o inventário não ser uma acção de condenação nos termos definidos pelo art.
4, n. 2 al. b) do CPC, o certo é que a sentença homologatória de partilhas fixa, após o seu trânsito em julgado, definitivamente, o direito dos interessados, nomeadamente quanto aos bens que lhe foram adjudicados
- art. 47, n. 1 do CPC. Portanto, com tal sentença, fica reconhecida aos interessados no inventário a propriedade exclusiva dos referidos bens - v. Lopes Cardoso, in"Código de Processo Civil Anotado", 3ed, 75 e João António Lopes Cardoso, in obra citada , 400 e 406 Logo, se o cabeça-de-casal se recusar a entregar aos interessados os bens que a estes foram adjudicados pela sentença homologatória do mapa da partilha, esta servirá de título executivo para obter essa entrega.
Por este meio se forçará o cabeça-de-casal a cumprir as suas obrigações, a realizar o direito (que) aquela sentença defeniu por forma definitiva, cessada que está a administração da herança que até aí lhe competia - artigos 2079 do Código Civil e 1382, do CPC-
- e uma vez que é ele que está na posse dos bens.
Por conseguinte, há lugar à execução da sentença homologatória de partilhas, revestindo a forma de execução para entrega de coisa certa - artigos 45 e 928 e seguintes do CPC - como aliás, entendem os autores que citámos - v. J. Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", I- 179 e in "Processo de Execução ", I- 190, Lopes Cardoso, in Código de Processo Civil Anotado", 3ed, 75 e in "Manual da Acção Executiva",
3ed, 88 e 97 e João António Lopes Cardoso, in obra mencionada, 406 a 410, e v. ainda Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil ", I- 157 e o já citado acórdão do STJ.
Trata-se de uma execução que correrá por apenso ao processo de inventário se aquela tiver sido instaurada na mesma comarca onde este correu - art. 90, n. 3 do CPC. Caso contrário, será instaurada com base em certidão extraída do inventário, nos termos do art. 52, n. 1 e 2 do mesmo Código.
Por tudo isto, há que concluir que o agravante, ao requerer a execução da sentença que homologou a partilha efectuada no processo de inventário em que era interessado a fim de obter do cabeça-de-casal a entrega dos bens que aquela lhe adjudicou, escolheu o meio processual adequado, sendo a sentença título executivo.
Portanto, não foi legítimo o indeferimento liminar do requerimento inicial da execução, nomeadamente por manifesta imprudência do pedido, pelo que não se pode manter o despacho recorrido.
Daí inteiro cabimento das conclusões do agravante.
4 - Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, revogando-se o despacho agravado, determina-
-se a sua substituição por outro que, ordenando o prosseguimento da execução, mande cumprir o disposto no n. 4 do artigo 475, do CPC.
Custas pelo vencido a final, adiantando-as desde já o agravante.
Lisboa, 26 de Novembro de 1992.