Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3306/21.1T8VFX.L1-1
Relator: ANA RUTE COSTA PEREIRA
Descritores: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (art. 663º, n.º7 do Código de Processo Civil).
I. Os acórdãos uniformizadores de jurisprudência concretizam o objetivo de pôr termo a prolongados dissensos jurisprudenciais, sendo o respeito pela orientação final alcançada um meio seguro de igualização do tratamento das questões jurídicas. A segurança e constância na aplicação do direito asseguram uma igualização dos cidadãos que acedem aos tribunais para exercerem os seus direitos, sendo a cisão da jurisprudência um fator de insegurança e incerteza.
II. A simplicidade/complexidade da causa e o seu valor (superior a 275.000,00 €) são elementos naturalmente acessíveis aquando da prolação da decisão final, do mesmo modo que, como se refere no AUJ 1/2022, as partes (principalmente quando patrocinadas) têm obrigação de conhecer, após a decisão final que define a responsabilidade pelo pagamento das custas e por mera operação de cálculo, o valor que lhes será exigido a final. Do mesmo modo, caso o juiz deva exercer ex officio esse poder-dever de dispensar a parte responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça e o haja omitido, nada impede as partes de, após a notificação da decisão, reagirem a essa omissão.
III. A questão do tempo limite de exercício do direito não se confunde com o reconhecimento da sua existência – se a parte exerce o direito fora do tempo autorizado, fica prejudicada a apreciação do mérito da sua pretensão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
1. Na sequência de encerramento de processo especial de revitalização (PER) sem aprovação de plano, foi extraída certidão para dar início a processo de insolvência referente à devedora A, S.A., que veio a ser declarada insolvente por sentença datada de 07-12-2021, transitada em julgado.
2. Em 14-01-2022 a insolvente apresentou proposta de plano de recuperação (art. 192º, n.º3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa - CIRE), que foi liminarmente admitida. Foi designada data para a realização de assembleia de credores para discutir e votar a proposta de plano de recuperação apresentada pela insolvente, que teve lugar em 28-03-2022.
O plano foi votado favoravelmente por 92,17% dos credores reconhecidos, tendo sido aprovado.
3. Por sentença datada de 12-07-2022, foi homologada por sentença a deliberação da Assembleia de Credores que aprovou o plano de insolvência (recuperação), tendo sido fixadas as custas a cargo da requerente, com taxa de justiça reduzida a 2/3, nos termos do art.º 302º, n.2 do CIRE.
Transitada em julgado a sentença homologatória do plano, por sentença datada de 18-01-2023 foi declarado encerrado o processo de insolvência, tendo tal decisão sido notificada a todos os intervenientes processuais e transitado em julgado em 17-02-2023.
4. Foi ordenada a remessa dos autos à conta (despacho de 28-09-2023 – ref.ª Citius 158234693), que foi elaborada em 29-01-2024 (ref.ª Citius 159660096), com indicação do valor total a pagar pela requerente de 50.121,23 EUR, dos quais 48.212,00 EUR relativos a taxa de justiça.
Emitida guia e notificada a requerente, ora apelante, veio esta, por requerimento de 13-02-2024, apresentar reclamação à conta, pedindo a final a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6º, n.º 7 do RCJ, com a consequente emissão de nova guia correspondente ao montante máximo previsto na tabela I – A do Regulamento de Custas Processuais, perfazendo o valor total de € 1.632,00 (mil, seiscentos e trinta e dois euros)”.
Foi aberta vista ao Ministério Público, que promoveu o indeferimento da pretensão da requerente, por extemporânea.
5. Em 21-01-2025, foi proferido o seguinte despacho:
Nos presentes autos, a decisão que fixou a responsabilidade pelas custas do processo foi proferida em 12.07.2022 – cfr. a referência 153392580 – a qual transitou em julgado em 11.08.2022.
Posteriormente, por decisão proferida em 18.01.2023 e transitada em julgado em17.02.2023 – cfr. referência 155308019 – foi determinado o encerramento do processo.
Os autos foram remetidos à conta em 29.01.2024, constando da mesma o valor de € 50.121,23 da responsabilidade da devedora/requerente, dos quais € 48.212,00 relativos a taxa de justiça – cfr. referência 159660096.
Notificada da conta, veio a devedora, em 13.02.2024 – referência 14827595 – requerer o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais (RCP), alegando que a mesma se afigura excessiva e desproporcional face à complexidade do processo.
A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela extemporaneidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que tal pedido deveria ter sido formulado até ao trânsito em julgado da decisão final do processo e sempre antes da elaboração da conta de custas.
Vejamos:
Estabelece o artigo 6º, n.º 7 do RCP que “Nas causas de valor superior a €275.000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Como se constata da leitura deste número, não estabelece a Lei qual o momento processual em que pode ser requerida a dispensa de pagamento ali mencionada.
Ora, como se decidiu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.03.2022 (Proc. n.º 2309/16.2 T8PTM.E1-A.S1) in www.dgsi.pt “Enquanto uma corrente jurisprudencial sustentava que a dispensa/redução só poderia ser decidida até ao trânsito em julgado da decisão, isto é, na própria decisão respeitante à responsabilidade pelo pagamento das custas processuais ou na que incidisse sobre o incidente de reforma daquela decisão quanto a custas, outra justificava a apreciação em momento posterior (até à elaboração da conta, depois de a parte ser notificada nos termos do art.14 nº9 RCP, ou depois de a parte ser notificada da elaboração da conta). Dada a divergência jurisprudencial, o Supremo Tribunal de Justiça, por AUJ nº1/2022 (publicado no DR 1ª Série de 3/1/2022, fixou a seguinte uniformização: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”. Daqui resulta que o requerimento da parte a pedir a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente deve ser feito antes do trânsito em julgado da decisão final do processo ou dentro do prazo para o incidente de reforma da decisão quanto a custas. Os acórdãos de uniformização, ainda que não sejam fonte de direito, têm, em princípio, eficácia temporal imediata, com a ressalva do caso julgado anterior, conforme se extrai do art. 13 nº1 CC e art. 695 nº3 CPC. Por isso, ainda que a presente acção tenha sido instaurada em 2016, o AUJ nº1/2022 projecta-se imediatamente, porque ainda não foi proferida a decisão final.” – veja-se, no mesmo sentido, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.02.2022 (Proc. n.º19237/17.7 T8SNT-A.L1.S1), in www.dgsi.pt.
De igual modo, no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.04.2020 (Proc. n.º13200/19.0 T8FNC.L1-4), in www.dgsi.pt “A dispensa do pagamento pode ser determinada oficiosamente pelo juiz, sendo o momento adequado para o fazer a decisão final. Com efeito, é aí que se fixa a responsabilidade das partes relativamente às custas da acção ou incidente. A responsabilidade pelas custas fica definida antes do processo ser contado, uma vez que a contagem é apenas uma operação material, que tem como parâmetros a condenação concreta e definitiva do seu pagamento e as normas enunciadas no Regulamento das Custas Processuais. Se as partes discordam dos termos da condenação em custas, mormente por entenderem que o julgador não fez uso do poder-dever que lhe é cometido nos termos e para os efeitos do art. 6º, nº7 do Regulamento das Custas Processuais, podem requerer a sua reforma, nos termos do disposto no art. 616, nº1 do CPC, ou, sendo admissível, interpor recurso, de acordo com o previsto no art. 616, nº3 e 627, ambos do CPC. Se o juiz nada determinar na decisão final sobre a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente e se as partes não reagirem relativamente à responsabilidade das custas ali definida, ficará precludida essa possibilidade, sendo a conta elaborada de acordo com aquela decisão, no prazo de 10 dias após o trânsito, nos termos do art. 29, nº1 do RCP. Depois de notificadas da conta, as partes já não poderão formular o aludido pedido, sendo que o expediente processual a que alude o art. 31 do RCP – Reforma e reclamação – destina-se apenas a reagir a qualquer anomalia praticada pelo funcionário que elabora a conta, quer respeite às disposições legais aplicáveis, ao ordenado pelo julgador ou a lapsos de escrita ou de cálculo. Não diz respeito à decisão do juiz relativamente às custas, que precede necessariamente a elaboração da conta. Assim, quando o processo segue para a conta a responsabilidade pelas custas está definitivamente fixada, ficando precludida a possibilidade da reabertura da discussão. Diferente interpretação da norma em questão – art. 6º, nº7 do RCP – levaria a sufragar a prática de actos (elaboração de uma conta final, a sua notificação e, eventualmente, algum pagamento entretanto efectuado), que teriam depois de ser anulados, levando à prática de actos inúteis, quando é certo que a lei os proíbe (art. 130 do CPC)”.
Refira-se que a possibilidade de ser requerida a reforma da sentença quanto a custas, sendo admissível recurso, como é o caso, ou deveria ter sido apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da sentença (art. 149.º do Código de Processo Civil) ou teria de ser pela via de recurso, nos termos do art. 616.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil, o que não sucedeu, pelo que não era admissível à data em que a devedora apresentou o seu requerimento – 13.02.2024- a sentença em apreço já havia transitado em julgado em 11.08.2022.
E, atendendo a que na sentença que condenou no pagamento de custas, o Tribunal poderia oficiosamente ter determinado a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porém não o fez, também precludiu tal possibilidade, atendendo a que teria de ser efectuada até à decisão final.
Sem prejuízo de tudo o que fica dito, temos que a questão se mostra prejudicada pelo trânsito em julgado do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, de 03.01, publicado no Diário da República n.º 1/2022, Série I de 2022-01-03, no qual se fixou jurisprudência no sentido de que “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”, sendo que do teor do mesmo resultam as diversas razões pelas quais tal é o prazo final para requerer tal dispensa, atendendo a que, para além do mais, com o trânsito em julgado da sentença que condenou no pagamento das custas, estas se encontram definitivamente fixadas nos autos, não sendo possível a sua ulterior alteração.
Perante o mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, e inexistindo divergências fácticas que justifiquem a sua não aplicação, temos que deve o Tribunal observar a jurisprudência fixada. Aliás, como se decidiu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.05.2022 (Proc. n.º 1562/17.9 T8PVZ.P1.S1) in www.dgsi.pt , exactamente sobre o AUJ 1/2022“I - A publicidade dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência proferidos pelo STJ, consubstanciando uma exigência do princípio do Estado de direito democrático, tem a ver, fundamentalmente, com o direito de os cidadãos tomarem conhecimento do sentido interpretativo fixado relativamente às normas que os regem em situações de conflito de jurisprudência; não, com a obrigatoriedade do respectivo acatamento. II - Não foi atribuída aos acórdãos uniformizadores força obrigatória geral, nem sequer vinculativa para a organização judiciária. Não obstante, a jurisprudência uniformizada deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão. III - O valor persuasivo dos acórdãos uniformizadores encontra respaldo em normas processuais de admissibilidade dos recursos, como é o caso da al. b) do n.º 2 do art. 629.º do CPC. IV - A linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos. V - Estando em causa nos autos determinar o momento a partir do qual se mostra precludido o direito de a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, impõe-se ter presente e acatar o sentido interpretativo que foi fixado pelo AUJ n.º l/2022 ao art. 6.º, n.º 7, do RCJ.”.
Em face do exposto, indefere-se a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por extemporaneidade.
Notifique”.
6. Notificada do despacho aludido em I.5, veio a requerente A., S.A. interpor o presente recurso de apelação, pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que admita ou defira a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
A. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo decidir pelo indeferimento da requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo fundamentado a decisão no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, de 03.01, publicado no Diário da República n.º 1/2022, Série I de 2022-01-03.
B. A Recorrente foi notificada da conta de custas em 29.01.2024, constando da mesma o valor de €50.121,23 da sua responsabilidade, dos quais €48.212,00 relativos a taxa de justiça.
C. A Recorrente requereu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), alegando que a mesma se afigurava excessiva e desproporcional face à complexidade do processo.
D. Ao decidir conforme a Sentença recorrida o Tribunal a quo violou o previsto nos artigos 3º e 4º, n.º 1 alínea u) do Regulamento das Custas Processuais (“RCJ”), quando interpretou erradamente o artigo 6.º, n.º 7, do RCP, e ainda por ter violado o artigo 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
E. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida e interpõe o presente recurso.
F. Desde logo, considerando o disposto no artigo 1º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a Insolvente, aqui Recorrente nos presentes autos apenas teve a intenção de aprovar e homologar um plano de insolvência com vista à recuperação e revitalização da sua atividade.
G. A Recorrente apresentou um plano de insolvência com vista à sua aprovação pelos Credores e consequente homologação judicial, o que aconteceu e sem grande complexidade, por conversão do Processo Especial de Revitalização (“PER”) que correu termos neste Juízo com o número de Processo 2710/20.7T8VFX, a Insolvente, manteve a administração da sociedade, nos termos do disposto no artigo 224º do CIRE, apresentou o seu plano de insolvência, tal como era a intenção, desde o inicio do processo, o plano de insolvência foi admitido e votado em sede de assembleia de credores que foi agendada apenas com essa finalidade, tendo sido dispensada a assembleia de credores inicial e para efeitos da apreciação do relatório elaborado pelo administrador judicial.
H. Não existem dúvidas que, a taxa de justiça apurada é manifestamente desproporcional e excessiva, e até mesmo contrária à finalidade dos presentes autos – recuperação da sociedade com dificuldades económicas, e que à presente data se encontra a cumprir os termos do plano de insolvência.
I. E mais do que isso, o Tribunal a quo desconsiderou o previsto no artigo 3º e artigo 4º, n.º 1, alínea u) do Regulamento das Custas Processuais (“RCJ”) que prevê a isenção do pagamento de custas das sociedades insolventes, o que abrange o valor da taxa de justiça – o que é aqui o caso.
J. Além disso, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida depende da especificidade da situação processual, além da complexidade maior ou menor da causa e da conduta processual de cada uma das partes, por força do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.
K. Quanto a esta matéria e que aqui importa, a verdade é que, a simples aplicação do disposto no artigo 6.º, n.º 7, parte final do RCJ implica um resultado que não respeita os princípios constitucionalmente consagrados.
L. Para efeitos da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, a mesma depende da especificidade da situação processual, além da complexidade maior ou menor da causa e da conduta processual de cada uma das partes, o que para tanto, aqui se reitera o que anteriormente foi dito, considerando que o plano de insolvência visa a recuperação da Insolvente, considerando ainda o esforço económico-financeiro que a mesma tem para cumprimento do mesmo.
M. Além disso, deverá sempre ser considerado o princípio da proporcionalidade a que toda a atividade pública está sujeita, devendo a mesma ser equivalente ao serviço público prestado, concretamente, ao serviço de justiça a cargo dos tribunais, no exercício da função jurisdicional.
N. O Tribunal a quo, além da violação do previsto no artigo 3º e artigo 4º, n.º 1, alínea u) do RCJ, certo é que, o Tribunal a quo oficiosamente também não determinou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
O. Neste sentido, o artigo 6.º, n.º 7, do RCP estabelece que "Nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento".
P. A questão que se coloca é a de saber em que momento pode ser requerida ou decidida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e efetivamente, tal como reconhecido no despacho recorrido, a Lei não estabelece expressamente qual o momento processual para o efeito.
Q. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, o qual fixou jurisprudência no sentido de que "A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo".
R. Esta interpretação não se coaduna com a letra e o espírito da norma em causa.
S. O próprio n.º 7 do artigo 6.º do RCP refere expressamente que "o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final", o que significa que só nesse momento – o da elaboração da conta – se conhece o valor efetivo desse remanescente, e não faz sentido exigir que a parte requeira a dispensa de um valor que desconhece em concreto até ao momento da elaboração da conta.
T. A finalidade da norma é precisamente a de permitir ao Juiz avaliar a proporcionalidade e razoabilidade do valor global da taxa de justiça em face da complexidade da causa e da conduta processual das partes, o que só pode ser plenamente apreciado no final do processo.
U. A interpretação acolhida no despacho aqui recorrido torna a norma em causa inoperante na maioria dos casos, uma vez que, no momento da decisão final, o Juiz ainda não conhece o valor global da taxa de justiça a pagar e, portanto, não pode avaliar adequadamente a sua proporcionalidade.
V. Acresce que esta interpretação contraria diretamente o disposto no artigo 532.º do CPC, que estabelece que "A aplicação das regras sobre custas, multas e indemnização de litigância de má-fé tem lugar ainda que a parte não o tenha solicitado".
W. A interpretação mais adequada do artigo 6.º, n.º 7, do RCP é, pois, a de que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida após a notificação da conta e, portanto, quando a parte toma conhecimento do montante concreto a pagar.
X. Esta interpretação é a que melhor salvaguarda os princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça, consagrados nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Y. De resto, antes da fixação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, existia jurisprudência divergente nos Tribunais Superiores, havendo decisões que admitiam a possibilidade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta, precisamente por reconhecerem que só nesse momento a parte tinha conhecimento do valor concreto a pagar.
Z. Embora o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022 tenha fixado Jurisprudência em sentido contrário, o próprio despacho recorrido reconhece que "Não foi atribuída aos acórdãos uniformizadores força obrigatória geral, nem sequer vinculativa para a organização judiciária", sendo que os mesmos (Acórdãos), apenas devem ser respeitados "uma vez que a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas".
AA. De acordo com o próprio despacho aqui recorrido, citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2022, "a linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objeto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos".
BB. No caso concreto, subsistem argumentos jurídicos relevantes que justificam uma interpretação do artigo 6.º, n.º 7, do RCP no sentido de que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida após a notificação da conta, em conformidade com a finalidade da norma e com os princípios constitucionais aplicáveis.
CC. O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi apresentado tempestivamente, após a notificação da conta à aqui Recorrente e, portanto, quando a Insolvente tomou conhecimento do montante concreto a pagar.
DD. A interpretação do artigo 6.º, n.º 7, do RCP no sentido de que o pedido de dispensa só pode ser apresentado até ao trânsito em julgado da decisão final não se coaduna com a letra e o espírito da norma, nem com os princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça, antes pelo contrário.
EE. Assim, e com o devido respeito à interpretação do Tribunal a quo, fácil é de concluir que, a decisão aqui recorrida deverá ser revogada, e ser substituída por outra decisão que, admita e defira a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa.
7. Em 19-05-2025 foram apresentadas contra-alegações pelo Ministério Público, concluindo por pedir a improcedência do recurso.
Formula as seguintes conclusões:
1º A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida antes da elaboração da conta final, mas a decisão do juiz deve ocorrer até ao momento da elaboração da conta, ou ser tomada no próprio despacho que determina a conta final.
2º Tal consequência decorre do facto de o remanescente só ser exigido na fase de conta final (não é adiantado com a taxa de justiça inicial).
3º O entendimento consolidado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2022, de 3 de janeiro, Publicado no Diário da República n.º 1/2022, Série I de 2022-01-03 do STJ e já antes jurisprudência dominante nos Tribunais da Relação, é que a dispensa deve ser decidida antes ou no momento da conta final, porque é nessa altura que o remanescente é contabilizado e exigido.
4º A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida pelas partes ou decidida oficiosamente pelo juiz antes da elaboração da conta final.
5º O momento mais adequado para tal pedido é após o trânsito em julgado da decisão final, mas antes da conta de custas ser elaborada.
6º Uma vez que após esse momento, a possibilidade de dispensa torna- se mais limitada, dependendo de eventual omissão ou erro.
7º No caso dos autos, não obstante não ponhamos em causa a pouco complexidade da causa e a reduzida atividade processual, a juiz não determinou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nem na decisão de condenação de custas, nem posteriormente.
8º A ora requerente também não o requereu, nem antes da decisão final, nem após ter sido notificada da condenação nas custas.
9º Nem recorreu de tal despacho, que transitou em julgado.
10º Apenas o fez após ter sido notificada da conta de custas, quando tal possibilidade estava precludida.
11º Pelo que não foi violada qualquer disposição legal.
12º Inexiste qualquer motivo para ser concedida razão ao recorrente, pelo que deve a douta decisão recorrida ser mantida, negando-se provimento ao recurso.
8. Por despacho de 11-07-2025, o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e tem efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar.

II.
Dado que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), importa apreciar e decidir se o requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça foi apresentado tempestivamente, designadamente à luz de princípios constitucionais aplicáveis ao caso concreto.

III.
Os factos relevantes para decisão do recurso são os sintetizados em I., que aqui se têm por reproduzidos.

IV.
Os fundamentos do recurso impõem que se afira se a definição da tempestividade de exercício do direito a obter a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o art. 6º, n.º7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) deve sofrer oscilações perante as particulares especificidades do caso concreto e se a negação dessa possibilidade de variação do prazo limite para o exercício do direito é suscetível de ofender princípios constitucionais.
*
Desde logo, entre as conclusões que delimitam o objeto do recurso, introduz a recorrente uma questão nova – conclusões D, I e N -, correspondente à aplicabilidade ao caso concreto da isenção subjetiva de taxa de justiça prevista no art. 4º, n.º1, al. u) do RCP, que jamais havia sido colocada perante a 1ª instância (designadamente na fase adequada do processo, que corresponderia ao momento subsequente à notificação da sentença que operou a condenação da apelante em custas) e, consequentemente, não foi apreciada
Destinando-se o recurso de apelação a constituir um meio de sindicância da decisão recorrida, não poderá a apelante confrontar o tribunal de recurso com tal questão, sob pena de negar o próprio objetivo de reapreciação a que se destina a apelação.
Como refere Luís Espírito Santo [Recursos Civis – O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária, Cedis, págs. 7 e 8] “no conhecimento do objecto do recurso é basicamente apreciada a legalidade da decisão recorrida, em concreto o juízo de facto e de direito que incidiu sobre pretensão submetida ao veredicto judicial, naquele único e singular circunstancialismo, e não a tomada em consideração (pelo tribunal superior) de questões novas não suscitadas nem discutidas em 1ª instância. (…) A natureza da fase recursiva revela-se, assim, enquanto continuação da instância e não com a configuração de uma nova instância, o que baliza, delimitando, o objecto do recurso a conhecer pelo tribunal superior”.
Dado que a concreta questão reportada à alegada titularidade de um direito a isenção subjetiva de custas jamais foi apreciada pela 1ª instância, a mesma considera-se excluída do objeto do recurso, não sendo, consequentemente, apreciada nesta instância.
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Analisemos, assim, as demais questões colocadas e balizadas pelas conclusões do recurso.
Entende a apelante que “a taxa de justiça apurada é manifestamente desproporcional e excessiva, e até mesmo contrária à finalidade dos presentes autos – recuperação da sociedade com dificuldades económicas, e que à presente data se encontra a cumprir os termos plano de insolvência”, não tendo o tribunal recorrido atentado na especificidade da situação processual. Acrescenta que o tribunal recorrido fundamentou a decisão recorrida com apelo à jurisprudência uniformizada pelo Acórdão n.º1/2022, de 13.01, cuja interpretação da lei não se coaduna com a letra ou espírito da norma, sendo apenas com a elaboração da conta final que a parte onerada com o pagamento conhece o valor do remanescente da taxa de justiça a pagar. Acrescenta que a finalidade da conta é “precisamente a de permitir ao Juiz avaliar a proporcionalidade e razoabilidade do valor global da taxa de justiça em face da complexidade da causa e da conduta processual das partes, o que só pode ser plenamente apreciado no final do processo”. Conclui dizendo que, no caso concreto, subsistem argumentos jurídicos relevantes “que justificam uma interpretação do artigo 6.º, n.º 7, do RCP no sentido de que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida após a notificação da conta, em conformidade com a finalidade da norma e com os princípios constitucionais aplicáveis”, pelo que se deve concluir que, ao requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça por ocasião da reclamação dirigida à conta final, a apelante se encontrava em tempo para o efeito, sendo essa a única interpretação que se coaduna com os artigos 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.
Dispõe o art. 6º, n.º7 do RCP que “[N]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Por seu turno, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2022, de 3 de janeiro, publicado no Diário da República n.º 1/2022, Série I de 2022-01-03, páginas 31 – 71 (do Pleno das Secções Cíveis), estabeleceu a seguinte uniformização interpretativa do art. 6º, n.º7 do RCP: "A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo".
É verdade que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) não tem força vinculativa fora do processo em que é proferido. Contudo, o que justificou a sua prolação não foi senão a profunda divergência jurisprudencial que o precedeu e que autorizou a apreciação dos múltiplos argumentos usados em apoio de cada uma das diversas interpretações, concluindo o pleno das secções cíveis do nosso mais alto tribunal, por maioria de juízes conselheiros, por uniformizar essa mesma interpretação com a decisão que traduz aquele que é o sentido que entendem corresponder ao mais correto, evidenciando os votos de vencido lavrados no referido acórdão as interpretações díspares que o art. 6º, n.º7 do RCP admitia quanto ao momento temporal a definir como correspondente ao da preclusão do direito previsto no citado artigo, coincidindo uma delas à ora defendida pela apelante – prazo de reclamação da conta de custas.
O valor da jurisprudência uniformizada que aqui concretamente se discute é tratado no Ac. do STJ de 24.05.2022 - Proc. n.º 1562/17.9 T8PVZ.P1.S1, disponível para consulta nesta ligação -, citado e parcialmente transcrito na decisão recorrida, bem como no Ac. do TR de Lisboa de 21.05.2024 (processo n.º 11344/18.5T8SNT-A.L2-1, rel. Manuel Ribeiro Marques, disponível para consulta nesta ligação), onde se refere que “os acórdãos de uniformização de jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil. Com tal opção, deixou de existir suporte formal para atribuir à jurisprudência uniformizada força obrigatória, mesmo no seio da organização judiciária. Mas daí não decorre que seja desvalorizada ao ponto que é referido pela reclamante, passando os Tribunais e designadamente o Supremo Tribunal de Justiça a decidir os casos em que se suscitem as mesmas questões como se não existissem nem devesse ser respeitados os precedentes jurisprudenciais com o valor reforçado que deriva quer da solenidade do julgamento e do órgão específico de que emanam (Pleno das Secções Cíveis), quer de outros preceitos de natureza instrumental que indirectamente apelam ao seu acatamento pelos Tribunais quando são confrontados com questões de direito idênticas, de natureza essencial e dentro do mesmo quadro normativo substancial – cfr. decisão singular do STJ de 12/05/2016 (A. Geraldes-relator), acessível em www.dgsi.pt. Assim, ainda que destituída de força obrigatória geral, por via de imposição constante em norma legal, a jurisprudência uniformizadora acaba por se impor aos tribunais inferiores e até ao próprio STJ em recursos posteriores, na medida em que persistam os pressupostos que a determinaram. Não basta, pois, não se concordar com o entendimento de um acórdão uniformizador. Para decidir em sentido contrário é necessário trazer uma argumentação nova e ponderosa, quer pela via da evolução doutrinal posterior, quer pela via da actualização interpretativa”.
Como prevê o art. 8º, n.º3 do Código Civil, nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Os acórdãos uniformizadores de jurisprudência concretizam o objetivo de pôr termo a prolongados dissensos jurisprudenciais, sendo o respeito pela orientação final alcançada um meio seguro de igualização do tratamento das questões jurídicas. A segurança e constância na aplicação do direito asseguram uma igualização dos cidadãos que acedem aos tribunais para exercerem os seus direitos, sendo a cisão da jurisprudência um fator de insegurança e incerteza. O n.º3 do art. 8º da lei civil complementa o n.º2 (“o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”) já que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela [Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, p. 57] “é precisamente contra a equidade (justiça do caso concreto em desacordo com a justiça do princípio geral) que o legislador reage, procurando evitar desacordos na aplicação das leis”.
Os argumentos expendidos pela apelante em torno da inaplicabilidade da jurisprudência uniformizada em questão nada trazem de inovador.
Da leitura das conclusões de recurso retira-se que a apelante faz incidir toda a sua argumentação nas particularidades da causa, ou seja, na circunstância de a atividade processual desenvolvida sob impulso da devedora/apelante se revestir de manifesta simplicidade, tendo as partes mantido uma conduta processual linear e sem atuações dilatórias. Contudo, a questão não reside na concordância ou discordância que nos possa merecer tal avaliação, mas antes no facto de, ainda que a causa se possa subsumir à previsão do art. 6º, n.º7 do RCP, justificando abstratamente a sua aplicação – a requerimento das partes ou por determinação oficiosa do juiz -, a decisão ou o exercício desse direito terem um prazo limite, decorrido o qual se considera precludida a possibilidade de o ver reconhecido, sendo essa preclusão que foi reconhecida no caso concreto.
Bastará percorrer os fundamentos do AUJ 1/2022 para concluirmos que os argumentos desenvolvidos pela apelante em defesa da alteração do decidido foram já ponderados pelo Pleno das Secções Cíveis.
Refere-se no texto do acórdão que “(…) A ratio desta norma [art. 6º, n.º7 do RCP] é, assim, evitar casos de disparidade clara entre o expediente do Tribunal e a conta de custas, por uma questão de Justiça Material, e do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e adequação, e ainda do livre acesso à justiça, todos plasmados na CRP. Este aditamento do n.º 7 ao artigo 6.º do R.C.P. ocorreu na sequência da decisão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15 de Julho de 2013, que julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, ao Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título”, assim se tornando evidente que as imposições de adequação e proporcionalidade não se confundem com o tempo de exercício do direito, antes correspondendo à razão de ser da previsão legal por cuja aplicação pugna a apelante.
O acórdão enuncia as razões pelas quais apenas até ao trânsito em julgado da decisão pode (por decisão oficiosa do juiz ou por requerimento das partes) ser operada a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, referindo de forma expressa que tal não pode suceder após esse momento “maxime após a elaboração da conta, por via da reclamação da mesma” e enunciando todos os argumentos valorizados em apoio dessa antecipada conclusão, entre os quais o de que “[L]ogo com a notificação da decisão final (que pôs termo ao processo), as partes ficam conhecedoras de que o juiz não fez uso do poder de dispensa do pagamento do remanescente da taxa. E, como tal, ficam logo cientes de que tal remanescente da taxa vai ser considerado na conta de custas e que terão de suportar. Daí que, querendo, devam agir prontamente a requerer aquela dispensa (ou redução) de pagamento. Situação mais evidente quando representadas por profissionais do foro, que, ao receberem notificação da decisão que ponha termo ao processo, ficam na disponibilidade de todas as condições para antever o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pois que conhecem o valor do processo, as taxas pagas e a possibilidade de ser aplicado ao caso a previsão ínsita no artigo 6.º, n.º 7 do RCP”.
Não será correto afirmar-se, como faz a apelante, que o juiz apenas conhece a complexidade do processado após a conta final. A simplicidade/complexidade da causa e o seu valor (superior a 275.000,00 €) são elementos naturalmente acessíveis aquando da prolação da decisão final, do mesmo modo que, como se refere no AUJ, as partes (principalmente quando patrocinadas) têm obrigação de conhecer, após a decisão final que define a responsabilidade pelo pagamento das custas e por mera operação de cálculo, o valor que lhes será exigido a final. Do mesmo modo, caso o juiz deva exercer ex officio esse poder-dever de dispensar a parte responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça e o haja omitido, nada impede as partes de, após a notificação da decisão, reagirem a essa omissão.
Como se refere ainda no AUJ citado, “(…) Se as partes não reclamaram da eventual omissão do juiz quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, sibi imputet, tendo de arcar com as inerentes consequências, mais não sendo o acto de elaboração da conta do que um acto material, sem qualquer conteúdo decisório, nos termos e nos limites que estão definidos e impostos por lei quando a mesma disponha em concreto sobre o valor da taxa a pagar, ou resultando tais limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, como é o caso previsto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP”.
São extensos os argumentos ponderados, não traduzindo as conclusões da apelante qualquer novidade argumentativa passível de fundamentar uma divergência em relação à jurisprudência uniformizada, que se tem por inteiramente aplicável ao caso concreto.
Invoca ainda a apelante que a interpretação do art. 6º, n.º7 do RCP viola a Constituição da República Portuguesa, designadamente os seus artigos 18º e 20º.
Contudo, seguindo a posição a este respeito espelhada no Ac. do Tribunal Constitucional no Acórdão nº 527/2016, de 4 de outubro de 2016, passível de consulta nesta ligação, que decidiu “[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas”, salienta-se o argumento ali exposto: “não é correto afirmar-se que só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objeto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos (…) Assim, tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (…) As razões que antecedem permitem concluir que a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional”
Em suma, ainda em fase anterior à uniformização da jurisprudência operada pelo AUJ 1/2022, já o TC se pronunciara no sentido de não julgar inconstitucional a interpretação do art. 6º, n.º7 do RCP no sentido ora defendido pela apelante, merecendo tal entendimento a nossa plena concordância.
O próprio artigo 6º, n.º7 do RCP, na sua raiz, respeita a singularidade e proporcionalidade exigidas na análise da situação do devedor de custas. As especificidades da causa não correspondem a um argumento que justifique a inversão do decidido, antes constituindo a razão pela qual o preceito existe e prevê a possibilidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente.
A questão do tempo limite de exercício do direito não se confunde com o reconhecimento da sua existência – se a parte exerce o direito fora do tempo autorizado, fica prejudicada a apreciação do mérito da sua pretensão. Essa é a única questão que, em concreto, condiciona o exercício do direito, sem negação de qualquer perspetiva de respeito pelos imperativos de proporcionalidade e de acesso ao direito.
A posição da apelante centra-se, essencialmente, na subsunção da sua situação à previsão abstrata da norma, olvidando que essa questão não foi objeto de apreciação, por ter a devedora de custas incumprido a vertente adjetiva, cuja apreciação é prévia, correspondente ao momento processual que limita o tempo de exercício do direito, permitindo, dessa forma, que o mesmo fosse afetado pela preclusão que, fundadamente, justificou o indeferimento da sua pretensão com base num juízo de extemporaneidade.
Conclui-se, assim, pela integral improcedência do recurso, não merecendo censura a decisão recorrida.
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V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527º, n.º1 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 16 de setembro de 2025
Ana Rute Costa Pereira
Nuno Teixeira
Renata Linhares de Castro