Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9716/2007-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: EXECUÇÃO
NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre, necessariamente, sob o controlo do juiz.
II. Actualmente, o exequente tem apenas o ónus de indicar, no requerimento executivo, sempre que possível, os bens de que o executado é titular.
III. Cabe ao solicitador de execução a realização da penhora, designadamente a determinação dos bens a apreender, embora com respeito pelas normas constantes dos arts. 821.º, n.º 3, e 834.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
IV. O exercício funcional do solicitador de execução está balizado tanto pelo fim da execução, como pela forma seguida para o atingir, em garantia da tutela jurisdicional eficiente do direito do credor.
V. Por efeito do disposto, designadamente, no art. 833.º, n.º 4, do CPC, o juiz deve determinar, incluindo a solicitação do exequente, a penhora de certos bens, indicados no requerimento executivo, e também advertir o solicitador de execução, quando se justifique, para o cumprimento célere e eficaz do respectivo dever processual.
O.G.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Banco, instaurou no dia 23 de Janeiro de 2004, no 2.º Juízo de Execuções da Comarca de Lisboa, contra Albertina e António, acção executiva para pagamento de quantia certa, no valor de € 7 918,16, indicando desde logo à penhora, além do veículo automóvel de matrícula 04-95-AM, “todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão e demais recheio que guarnecem a residência dos executados”.
Dispensada a citação dos executados, foi o solicitador de execução, aceite as funções a 6 de Fevereiro de 2005, notificado para proceder à penhora dos bens, vindo a solicitar autorização ao Tribunal, que obteve, para a penhora dos saldos de diversas contas bancárias.
Depois do solicitador de execução ter apresentado o relatório a que se refere o art. 837.º do CPC, do qual, além da realização de certas diligências, consta que se “aguarda respostas às buscas efectuadas” (fls. 42), o exequente, por requerimento de 23 de Abril de 2007, pediu que se oficiasse ao solicitador de execução, no sentido de levar a efeito de imediato a penhora dos bens que guarnecem a residência dos executados (fls. 44), juntando ainda o documento de fls. 45, correspondente ao “fax”que dirigira ao solicitador de execução e no qual, além de pedir a penhora dos referidos bens, declarava disponibilizar “os meios necessários para a remoção dos bens, providenciando ao respectivo armazenamento sem encargos para a execução, desde que a penhora seja feita com intervenção das autoridades policiais para evitar deslocações e despesas eventualmente em vão”.
O requerimento do exequente foi indeferido, por despacho de 11 de Setembro de 2007.

Inconformado com tal decisão, o exequente recorreu e, tendo alegado, formulou no essencial, as seguintes conclusões:
a) A satisfação do direito do exequente é conseguida no processo de execução.
b) A execução principia pelas diligências a requerer pelo exequente, consignadas no requerimento executivo ( arts. 802.º e 810.ºCPC).
c) Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (art. 821.º do CPC).
d) As diligências para a penhora têm início após a apresentação do requerimento de execução (art. 832.º do CPC).
e) A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja mais fácil de realização e se mostre adequado ao montante do crédito exequendo (art. 834.º, n.º 1, do CPC).
f) A penhora das coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efectiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção (art. 848.º do CPC).
g) A protecção jurídica implica a possibilidade de fazer executar a decisão judicial que apreciou, com força de caso julgado, a pretensão deduzida (art. 2.º, n.º 1, do CPC).
h) O tribunal violou o disposto nos arts. 2.º, 3.º, nº 3, 4.º, n.º 3, 802.º, 810.º, 821.º, 832.º, 834.º, n.º 1, e 848.º, do CPC.

Pretende, com o provimento do recurso, a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que defira o requerido pelo exequente.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O despacho recorrido foi, tabelarmente, sustentado.

Cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está essencialmente em discussão a penhora de bens indicados no requerimento executivo, designadamente depois da frustração das diligências realizadas pelo solicitador de execução.

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.2. Descrita a dinâmica processual relevante, importa agora conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente se acaba de destacar.
A decisão recorrida, para indeferir a pretensão do exequente, baseou-se no entendimento de que as “diligências de penhora são da competência do agente da execução” e que “não está legalmente atribuído ao juiz o poder de ordenar ao solicitador de execução a penhora deste ou daquele bem” (fls.79).
Contra o decidido, insurge-se, com particular vigor, o exequente, chegando até a exprimir o desabafo: “Que “saudades” das penhoras levadas a efeito por funcionários judiciais!” (fls. 91).

2.3. Feito o enquadramento dos termos da questão jurídica suscitada no recurso, importa agora proceder à sua ponderação e decidir, sendo certo que a execução para o pagamento de quantia certa, tendo por título executivo uma sentença condenatória, foi instaurada, em 23 de Janeiro de 2004.
É, assim, aplicável o regime jurídico introduzido pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março.
Uma das principais inovações desse regime foi a criação do agente de execução, cuja competência funcional é definida pelo art. 808.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Com essa criação pretendeu-se, especialmente, “deslocar do tribunal (juiz e funcionários) para o agente de execução o desempenho dum conjunto de tarefas que, não constituindo exercício do poder jurisdicional, podem ficar a cargo de funcionários ou profissionais liberais, oficialmente encarregados de, por conta do exequente, promover e efectuar as diligências executivas” (J. LEBRE DE FREITAS e A. RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil, Anotado, Volume 3.º, pág. 267).
Assim, ao agente de execução, cujas funções são desempenhadas por solicitador, cabe, em regra, efectuar todas as diligências do processo de execução, nas quais se incluem as da penhora.
O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre, necessariamente, sob o controlo do juiz, como resulta, de forma expressa, do disposto nos arts. 808.º, n.º 1, e 809.º, n.º 1, ambos do CPC.
Como referem os autores citados, trata-se de um “controlo jurisdicional dos actos executivos, cabendo sempre ao juiz, ainda que sob sugestão ou reclamação das partes, a última decisão” (ibidem, pág. 275).
Nesses actos executivos, estão naturalmente contemplados os da autoria do agente de execução, podendo o juiz, no âmbito do controlo jurisdicional, intervir oficiosamente, quando o fim da execução – regular e célere realização coerciva do direito do credor – o torne justificável (ibidem, págs. 275 e 394).
Na verdade, não se pode olvidar que a garantia constitucional do acesso aos tribunais também se estende à acção executiva, cuja protecção da possibilidade de fazer executar, em prazo razoável, o direito reconhecido ao credor está, expressamente, consagrada no n.º 1 do art. 2.º do CPC.
Aliás, como se destaca, desde logo, no preâmbulo do DL n.º 38/2003, de 8 de Março, a alteração legislativa teve o propósito expresso de acudir ao “esquema dos actos executivos, cuja excessiva jurisdicionalização e rigidez tem obstado à satisfação, em prazo razoável, dos direitos do exequente”, de tal modo, acrescenta-se, que “os atrasos do processo de execução têm-se assim traduzido em verdadeira denegação da justiça, colocando em crise o direito fundamental de acesso à justiça”!
Estes foram propósitos, solenemente afirmados pelo legislador, ignorando-se, no entanto, por falta de informação adequada, se têm logrado obter uma concretização eficaz.
Seja como for, o que agora interessa é realçar que tais propósitos não podem ser desprezados, na prática judiciária, designadamente na interpretação das respectivas normas legais aplicáveis, sob pena de indesejável frustração da expectativa legal e com prejuízo para a economia, para além do desprestígio que, por isso, poderá ser atribuído aos tribunais portugueses e, desse modo, contribuir para uma fatal corrosão dos fundamentos do Estado de Direito Democrático, que a República Portuguesa representa (art. 2.º da Constituição da República Portuguesa).

Com a “reforma da acção executiva”, as partes, designadamente o exequente, deixaram de poder nomear bens à penhora, que o tribunal, depois, através dos seus funcionários, realizava.
Actualmente, o exequente tem apenas o ónus de indicar, no requerimento executivo, “sempre que possível”, os bens de que o executado é titular – art. 810.º, n.º 3, alínea d), do CPC.
Depois, cabe ao agente de execução a realização da penhora, designadamente a determinação dos bens a apreender, embora com respeito pelas normas constantes dos arts. 821.º, n.º 3, e 834.º, n.º s 1 e 2, do CPC. Para além disso, o poder do agente de execução sofre ainda das limitações previstas nos arts. 833.º, n.º 4, 834.º, n.º 3, alínea a), e 835.º, n.º 1, do CPC.
O exercício funcional do solicitador de execução (um verdadeiro poder - dever) está, assim, balizado, tanto pelo fim da execução, como pela forma seguida para o atingir, de modo a garantir a tutela jurisdicional eficiente do direito do credor.
Evidentemente, por esta última razão, não pode a acção executiva “marginalizar” a intervenção do exequente como se, em relação ao seu objecto, se tratasse de pessoa alheia ou estranha, quando também é reconhecido, como já se aludiu, que o solicitador de execução actua por conta do exequente, como se fosse seu “mandatário” (J. LEBRE DE FREITAS e A. RIBEIRO MENDES, ibidem, F. AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 7.ª edição, pág. 120).
Como já se referiu e resulta, também, de diversas disposições legais [arts. 833.º, n.º 4, 834.º, n.º 3, aliena a), 837.º, n.º 1, 839.º, n.º 1, 843.º, n.º 2, 845.º, n.º 1, e 848.º-A, todos do CPC], não foi essa, nem podia ser, a intenção expressa ou tácita do legislador.
Por outro lado, convém ter ainda presente a força do princípio do dispositivo, que, apesar do abrandamento introduzido pela “reforma da acção executiva”, continua ainda a fazer-se sentir neste âmbito específico.
É, por isso, que há quem defenda, com natural bom senso, que o agente de execução deverá “começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do n.º 1 do artigo 834.º ” do CPC (LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, pág. 66).

Desenhada a configuração legal actual do acto da penhora e revertendo ao caso presente, não só o Juiz deveria ter deferido o requerimento do recorrente (com indicação genérica dos bens a penhorar), com o fundamento, designadamente, do disposto no art. 833.º, n.º 4, do CPC, sendo certo que, apesar do largo lapso de tempo entretanto decorrido, ainda não tinham sido encontrados bens penhoráveis, como também, no âmbito do controlo jurisdicional dos actos do solicitador de execução, o deveria ter advertido, seriamente, para o cumprimento cuidadoso e eficiente do seu dever processual.
Com efeito, do exame dos autos, é notório que o solicitador de execução se desinteressou, indevidamente como se viu, da indicação dos bens à penhora, feita desde logo no requerimento executivo, com a agravante de nada ter sido ainda penhorado, não obstante o largo lapso de tempo decorrido, quando a aceitação da respectiva função ocorreu em 6 de Fevereiro de 2005 e a acção foi instaurada em 23 de Janeiro de 2004. Uma tal situação não pode, de modo algum, ser tolerada.
Desta forma, na acção executiva donde emerge o presente recurso, a tutela do direito de crédito do recorrente foi, manifestamente, esquecida, com a frustração total dos justos objectivos traçados pelo legislador para a acção executiva, que, reiterando, visou “conseguir maior eficácia e consequente celeridade na administração da justiça” (extracto do preâmbulo do DL n.º 38/2003, de 8 de Março).
A decisão recorrida, por tudo isto, é manifestamente ilegal e não pode ser mantida, impondo-se, por efeito do provimento do recurso, a sua revogação.

2.4. Em conclusão do que se afirmou, pode extrair-se de mais relevante:

I. O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre, necessariamente, sob o controlo do juiz.
II. Actualmente, o exequente tem apenas o ónus de indicar, no requerimento executivo, sempre que possível, os bens de que o executado é titular.
III. Cabe ao solicitador de execução a realização da penhora, designadamente a determinação dos bens a apreender, embora com respeito pelas normas constantes dos arts. 821.º, n.º 3, e 834.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
IV. O exercício funcional do solicitador de execução está balizado tanto pelo fim da execução, como pela forma seguida para o atingir, em garantia da tutela jurisdicional eficiente do direito do credor.
V. Por efeito do disposto, designadamente, no art. 833.º, n.º 4, do CPC, o juiz deve determinar, incluindo a solicitação do exequente, a penhora de certos bens, indicados no requerimento executivo, e também advertir o solicitador de execução, quando se justifique, para o cumprimento célere e eficaz do respectivo dever processual.

Nestes termos, o recurso merece obter provimento e, em consequência, é de revogar o despacho recorrido.

2.5. Neste recurso, não existe a obrigação de pagar as respectivas custas, em virtude dos recorridos estarem, subjectivamente, isentos do seu pagamento, por efeito do disposto na aliena g) do n.º 1 do art. 2.º do Código das Custas Judiciais.

III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:
Conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido.

Lisboa, 22 de Novembro de 2007
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)