Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
958/19.6S3LSB-A.L1-9
Relator: SIMONE ABRANTES DE ALMEIDA PEREIRA
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: REJEITADO
Sumário: Sumário (da responsabilidade da Relatora):
I. O acionamento do regime jurídico do incidente de resolução de conflitos de competência, regulado nos artigos 34º e segs do CPP, pressupõe que estejamos em presença de uma suscitação de um conflito de competências entre tribunais com o mesmo grau de hierarquia.
II. Quando as decisões aparentemente em conflito emanam de tribunais de diversa hierarquia, a resolução de tal dissonância decisória é resolvida por via das normas que regulam a relação hierárquica entre tribunais, previstas no artigo 4º, nº 1 da Lei da Lei 62/2013, de 26 de Agosto e, de igual forma, também no artigo 4º, nº 1, da Lei 21/85, de 30 de Julho, e não por via do regime previsto no art. 34º do CPP, que dispõe expressamente que há conflito negativo/positivo de competência quando dois ou mais tribunais da mesma espécie se consideram incompetentes/competentes para conhecer da mesma questão.
III. As normas que regem a relação hierárquica impõem o dever de acatamento da decisão do tribunal superior pelo tribunal hierarquicamente inferior, inviabilizando a existência de um conflito para efeitos do disposto no artigo 34º e ss. do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO:

O presente incidente foi suscitado pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 5 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por despacho de 10/10/2025, com fundamento na existência de um conflito negativo de competência decorrente da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/05/2025 que declarou “a incompetência material do Juízo Local Criminal de Lisboa para decidir sobre a revogação/alteração do regime de permanência na habitação determinado à condenada AA nestes autos – por ser competente para o efeito o Tribunal de Execução de Penas, que deverá proferir decisão a esse respeito” e do despacho de 24/09/2025, proferido pelo Tribunal de Execução de Penas, com o seguinte teor “Informa-se que este TEP não tomou nenhuma decisão relativamente à pena aplicada à arguida pela circunstância de, pelo despacho proferido a 13.11.2024, se ter declarado incompetente em razão da matéria para o efeito, despacho esse que foi comunicado ao Tribunal da condenação a 13.11.2024”.
Neste Tribunal foi cumprido o disposto no artigo 36º, nº 1 do CPP, tendo:
- O Ministério Público, sustentado, em súmula, no seu parecer, concordância com os fundamentos em que o TEP assentou a sua declaração de incompetência e, por isso, dever ser deferida ao Juízo Local Criminal de Lisboa- Juiz 5, a competência para a decisão de revogação do regime de cumprimento de pena não iniciada pela condenada;
- O Juiz 2 do TEP sustentou, em síntese, que pese embora tenha «noção de as decisões dos Tribunais superiores devem ser cumpridas nos seus estritos termos pelos tribunais da 1ª instância», tem por assente que «só é de atribuir a competência material a um determinado tribunal desde que o mesmo e outro de “diferente ou da mesma espécie (…) se considerassem (…) incompetentes (art. 34º, nº 1 do C.P.P).», e ainda que, no caso dos autos, não foi decidido qualquer conflito de competência entre o TEP e o Tribunal da condenação, mas sim proferida uma decisão de um tribunal superior no processo do Tribunal da condenação que decidiu que o mesmo era incompetente para decidir sobre a revogação do regime de permanência na habitação, tendo declarado que essa competência era do TEP, motivo pelo qual mantém a declaração de incompetência anteriormente proferida e transitada.
II. APRECIAÇÃO:
Como nota preliminar à resolução da questão colocada à nossa apreciação, cumpre afirmar que estamos perante um dissenso que não integra sequer o conceito de conflito de competência ou, quando muito, um conflito atípico de competência ou impuro, [nos termos do artigo 34.º do Código de Processo Penal, há conflito negativo/positivo de competência quando dois ou mais tribunais da mesma espécie se consideram incompetentes/competentes para conhecer da mesma questão], que tem a sua génese no entendimento do Juiz 2 do TEP, de que não está vinculado no caso dos autos à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa 21/05/2025 que declarou “a incompetência material do Juízo Local Criminal de Lisboa para decidir sobre a revogação/alteração do regime de permanência na habitação determinado à condenada AA nestes autos – por ser competente para o efeito o Tribunal de Execução de Penas, que deverá proferir decisão a esse respeito”.
Sem razão formal, como se nos afigura evidente.
Convocamos aqui o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.11.2007, pela sua assertividade e clareza expositiva [proferido no processo 07P4191, publicado em www.djsi.pt], que acompanhamos:
«I. Os artigos 34º e segs do CPP, aplicam-se no pressuposto de que os dois tribunais em conflito estão no mesmo grau de hierarquia, só neste caso havendo necessidade de intervenção de outro órgão, logicamente superior àqueles, para aferir a quem assiste razão.
II. Quando há hierarquia diferente entre os tribunais, apesar de um deles ter decidido em contrário do outro, já não é necessária a intervenção de um órgão diferente para aquele efeito porque a resposta é dada pela própria natureza hierárquica dos pseudo-conflituantes, prevalecendo a decisão do tribunal superior sobre o inferior.
III. É o que resulta nomeadamente do disposto nos artigos 3º, nº 1 e 15º da LOFTJ (…) [actual artigo 4º, nº 1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto], assim como do artigo 4º, nº 1, da Lei 21/85, de 30/7 (…), donde emerge com a clareza do que não pode nem deve nunca ser posto em causa «o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.»
IV (….).».
No caso em apreciação, resulta evidente que o que está na base da decisão do Exmo Juiz do TEP não é a decisão deliberada de não acatamento da decisão de um tribunal superior, mas tão, só o entendimento de que ainda haveria lugar à suscitação de um conflito de competência junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
Não poderemos acompanhar tal decisão porquanto, tal como o Juiz 2 do TEP, também a signatária está vinculada à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, com mérito ou demérito, atribuiu a competência para a ulterior tramitação do processo em causa ao TEP.
O dever de acatamento a que fazemos referência inviabiliza a existência de um conflito para efeitos do disposto no artigo 34º e ss do CPP, por se tratarem de decisões conflituantes de tribunais de hierarquia diversa.
Por conseguinte, a competência para efeitos da apreciação da revogação/alteração do regime de permanência na habitação determinado à condenada AA nestes autos, foi deferida ao Tribunal de Execução de Penas, por decisão superior, transitada em julgado, que deverá proferir decisão a esse respeito.
III. DECISÃO:
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do invocado conflito negativo de competência suscitado, por falta de verificação dos pressupostos legais, devendo o TEP dar cumprimento ao superiormente decidido.
Sem tributação.
Cumpra o artigo 36º, nº 3 CPP.

Lisboa, 27 de Novembro 2025
Consigna-se que a presente decisão foi elaborada e revista pela signatária.
Simone Abrantes de Almeida Pereira