Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8157/08-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: SERVIDÃO DE VISTAS
JANELAS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. A lei civil estabelece regimes diferentes relativamente às janelas, por um lado, e às frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, e ainda às janelas gradadas, por outro, mas não define o que se deva entender por janela, sendo à doutrina e à jurisprudência que cabe o papel de definir os contornos do conceito de janela, por contraposição ao de fresta.
2. O conceito “janela”, para efeitos do artigo 1360º, nº 1 do Código Civil, reconduz-se a aberturas que permitam não só a entrada de luz e ar, mas também a devassa sobre o prédio vizinho. Só este conceito de janela se adequa à dupla finalidade da restrição estabelecida no aludido preceito legal - evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos, e impedir que ele seja facilmente devassado.
3. São qualificadas como frestas as aberturas muito estreitas, de modo a permitirem a entrada de luz ou da claridade e, não tendo estas todas as características definidas no artigo 1363º, nº 2 do C.C., também não satisfazem a finalidade justificativa da proibição ínsita no artigo 1360º, nº 1 do mesmo diploma legal, i.e., a devassa sobre o prédio vizinho.
4. Não é pacífica na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se as aberturas que não obedeçam aos requisitos legais conduzem ou não à constituição de uma servidão de vistas por usucapião.
5. O conteúdo do direito de servidão de vistas consiste, em princípio, na manutenção das janelas e na fixação de uma zona “non aedificandi” - não permissão de edificar no espaço de metro e meio, medido a partir dos limites do prédio -.
6. Deve entender-se que a existência de frestas ou janelas gradadas em condições não permitidas, por não poderem ser consideradas janelas para os efeitos do nº 1 do artigo 1360º do CC - não deitam directamente sobre o prédio alheio e não permitem a sua devassa - não criam uma zona non aedificandi, decorrido que seja o prazo da usucapião.
7. As frestas ou janelas gradadas irregulares apenas dão origem, decorrido o prazo da usucapião, a uma servidão predial atípica, que confere ao respectivo titular o direito de manter aquelas aberturas nas condições irregulares, impedindo o dono do prédio serviente de pedir a sua modificação e harmonização com a lei, mas não lhe retira o direito de construir mesmo junto à divisória, ainda que as tape.
(OCA)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

ARMANDO, então acompanhado pela sua mulher Maria, com o mesmo residente intentou a acção declarativa com processo ordinário contra, PV, LDA, através da qual pede a condenação da ré:
a) A demolir a parede ilegalmente construída em violação do direito de servidão de vistas e a repor as janelas que existem em prédio que identificou;
b) A cancelar quaisquer registos prediais a seu favor sobre o imóvel correspondente ao nº 20 da artéria comum àquele outro.
Fundamentou, o autor, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ser titular do direito ao arrendamento do 3º andar de prédio urbano sito nesta cidade, tendo sucedido em igual direito do seu pai, que foi arrendatário do referido andar desde 1914, sendo que esse andar tem no quarto, como na cozinha, duas janelas abertas para as traseiras, com as dimensões de 68/50 cm, a primeira, e 62/60 cm, a segunda.
Mais aduziu que também a escada e casa de banho possuem duas frestas, com as dimensões de 69/35cm e 47/21cm, respectivamente, sendo que a ré tem em construção, desde o início de 2004, um prédio contíguo, tendo a mesma, no prosseguimento dessa construção, tapado toda a traseira do prédio e com ela as janelas e frestas atrás referidas, as quais sempre existiram na referida parede e são indispensáveis ao arejamento e luz natural do quarto e cozinha do locado, violando o disposto no artº 1360º do Código Civil.
Contestou a ré, por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido. Impugnou, por outro lado os factos articulados pelo autor, invocando que na parede confinante com o prédio da sua propriedade existem quatro frestas e uma abertura com duas barras de ferro transversais e um vidro, as quais foram efectuadas recentemente, pelo que improcede a constituição de servidão de vistas relativamente às mesmas.
Replicou o autor, repudiando a verificação da excepção arguida pela ré, desistindo do segundo dos pedidos formulados e alterando o pedido para: - a condenação da ré na demolição da parede construída em violação da servidão de vistas, por forma a permitir a manutenção das janelas anteriormente existentes, com o consequente reconhecimento judicial do direito de servidão de vistas, por usucapião.
O autor requereu a intervenção principal provocada activa de Fernando, proprietário do imóvel onde se inclui o locado, tendo sido admitido o suscitado incidente de intervenção principal e, citado, o chamado veio oferecer o seu próprio articulado, pedindo que a ré seja condenada a demolir a parede ilegalmente construída e, subsidiariamente, a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais de valor não inferior a Euros 74.800, devendo, em qualquer caso, ser reconhecido o direito de servidão de vistas, adquirido, a seu favor, por usucapião.
Alega ser proprietário do prédio sito na Calçada ....., afirmando que as janelas e frestas existentes no imóvel, designadamente, as abertas para as traseiras existiam, de boa-fé, pública e pacificamente, antes da construção da ré, e ainda muito antes de o mesmo ter adquirido o imóvel, o que ocorreu em 17 de Novembro de 2000.
Mais aduziu que a ré construiu um prédio levantando uma parede de tijolo à face da empena tardoz daquele outro, tapando todas as janelas e frestas abertas para as traseiras, com o que impediu que tanto os quartos, como as cozinhas de todos os andares, beneficiem de luz natural e arejamento.
Invocou igualmente que essa actuação da ré importa uma desvalorização do prédio, quer na perspectiva da sua venda, quer do seu arrendamento, já que privou de luz exterior e de acesso de ar, além de vistas, mais de metade da área útil daquele.
Por despacho de fls. 173 a 175, o tribunal a quo, a requerimento dos autores, declarou que o autor passaria a figurar exclusivamente na demanda, fazendo-o quer por si, quer em representação de sua mulher, desistindo esta da sua intervenção no processo, tendo sido substituída pelo consentimento ao co-autor, seu marido. Foi homologada a desistência parcial do pedido formulada pelo autor e, foi proferido o despacho saneador, concluindo-se pela improcedência da excepção de ineptidão da petição inicial. Foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.
O Tribunal a quo proferiu decisão, julgando procedentes os pedidos formulados pelo autor e interveniente principal, reconheceu a existência de servidão de vistas, adquirida por usucapião, a favor do prédio com o nº ... da Calçada ...., em Lisboa, a incidir sobre a empena traseira do mesmo prédio, e condenou a ré a demolir a parede que edificou e que tapa essa empena, a qual só poderá ser reedificada observada a distância de 1 metro e meio da mesma empena.
Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada, juntando dois documentos.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i) Entende a ora apelante que a sentença recorrida deve ser considerada nula nos termos das alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art.º 668º do CPC, por manifesta ausência de fundamentação de facto, omissão de pronúncia no que concerne ao exame crítico da prova, à prova apresentada pela Ré que o tribunal a quo ignorou;

ii) Não resulta da sentença qualquer exame crítico das provas que levou o tribunal a quo a considerar provados os supra referidos factos. Não foram admitidos por acordo ou confissão. Não existem nos autos quaisquer documentos que sustentem os factos considerados em supra, nem constavam como factos assentes, ou seja,

iii) Desconhece-se, qual a fundamentação do tribunal a quo para considerar tais factos como provados;

iv) Na elaboração da sentença, o tribunal a quo olvidou-se de especificar os fundamentos de facto que levaram a considerar tais factos como provados e a decidir como decidiu;

v) Alegou o autor Armando (arrendatário desde 1994), no § 27º da PI, que: “Ora, desde que ali residem os autores, ou melhor, o autor Armando, há mais de 74 anos, reitera-se, (43 dos quais casado com a autora), que tais janelas e frestas existem, tal qual se refere”;

vi) Alegou o autor/Interveniente principal Fernando (proprietário desde 17 de Novembro de 2000), no § 6º do seu articulado que: “Tem conhecimento o interveniente de que tais janelas e frestas já existiam, pública e pacificamente, há muitas dezenas de anos antes de terem sido efectuadas obras no prédio no âmbito do programa RECRIA, em 1994.”;

vii) O tribunal a quo, sem fundamentar como, vai mais longe e considera em 18. da sentença ora recorrida, que: “Todas as aberturas do prédio para o exterior, incluindo as que se encontram na parede traseira do mesmo, existem neste, pelo menos, desde 1973, antes de terem sido efectuadas obras no âmbito do programa RECRIA, nunca tendo havido oposição às mesmas [resposta aos artºs 14º e 24º da base instrutória]”;

viii) Desconhece-se, e também não resulta da sentença, quando terão sido executadas, de dentro para fora, essas obras ilegais/aberturas até porque não se revelaram por sinais visíveis, permanentes e inequívocos (vd. art.º 1548º C.C.);

ix) Antes do programa RECRIA, como o tribunal a quo quer fazer acreditar, não terão sido realizadas quaisquer obras para as aberturas, mas sim posteriormente. Ao serem executadas antes das obras realizadas pelo programa RECRIA, fácil seria ao Autor provar documentalmente a existência de tais aberturas. O que não fez!;

x) Aquando da realização de tais obras do RECRIA, cuja data se desconhece, ainda lá se encontrava o prédio com o nº 20/22 que foi demolido em 1999;

xi) Jamais, podia o tribunal a quo qualificar juridicamente tais aberturas como se de janelas se tratassem. O tribunal a quo, não quis perceber que jamais tais aberturas proporcionavam quaisquer vistas;

xii) Embora, estranhamente, não tenha o tribunal a quo considerado na sentença, não pode deixar de conhecer, até porque se deslocou ao local e visualizou, que as aberturas existentes foram executadas de dentro para fora, afunilando de forma a que o perímetro interior seja manifestamente superior ao perímetro exterior, com dimensões, medições e ombreiras irregulares de onde se apreende da dificuldade em desenhar, no exterior, as referidas aberturas elaboradas sob esquadria a olho de dentro para fora;

xiii) Aberturas executadas de dentro para fora por manifesta impossibilidade de as realizar no exterior do prédio, porque lá se encontrava o prédio com o n.º 20/22;

xiv) Ainda que, apesar de toda a teorização sobre as servidões, sempre se diga que jamais se poderia constituir por usucapião. Tais aberturas, a existirem à data que só o tribunal a quo refere, só seriam conhecidas pelos inquilinos do prédio do Autor e do Interveniente;

xv) O tribunal a quo labora, ainda, em manifesto erro de interpretação da prova produzida;

xvi) A decisão recorrida estriba-se numa nulidade insanável, ao abrigo dos arts. 201º e 668º n.º1 als. b), c) e d) do C. P. Civil e violou ainda, o disposto nos arts. 265º n.º 3 do C. P. Civil e os artigos 1363º n.º1 e 1548º do Código Civil;

Respondeu o recorrido ARMANDO defendendo a manutenção do decidido e, formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i) Entende o apelado que a junção agora dos documentos pela apelante apenas se justificaria, por um lado, quando não tivesse sido possível a sua apresentação até ao encerramento da 1a instância, por a apelante não ter tido conhecimento da sua existência, ou, conhecendo-a, por não lhe ter sido possível fazer uso deles, ou ainda, por os documentos se terem formado ulteriormente;

ii) Conforme se conclui dos documentos juntos, em causa não está necessidade de prova de factos já submetidos à consideração do Tribunal a quo, como não está em causa a prova de um qualquer facto superveniente ao encerramento da discussão da 1a instância, para além de que os mesmos não encerram no seu conteúdo quaisquer factos constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos subjacentes à vexata questio verificados até ao encerramento da discussão junto do douto Tribunal da Relação de Lisboa;

iii) Resulta ainda que não foi pela apelante produzida prova da impossibilidade da sua obtenção aquando do julgamento da 1a instância;

iv) Quanto ao documento n.° 2, igualmente junto pela apelante, não foi igualmente feita prova da impossibilidade de obtenção por parte da apelante aquando do julgamento da 1 a instância;

v) Para além de que tal documento em nada prova a inexistência, à data demolição, de todas as janelas existentes, em cada um dos três pisos; na parede traseira do edifício sito no n.° ...da Calçada ..., razão pela qual se entende que em causa estão documentos que poderiam ter sido apresentados pela apelante até ao encerramento da 1a instância;

vi) Das datas dos referidos documentos verifica-se que não se formaram ulteriormente à decisão da 1ª instância;

vii) Por fim, em causa não está também uma decisão que se apoiou em normas jurídicas cuja aplicação a parte justificadamente não contasse, tanto mais que não foram pela apelante apresentadas as alegações de direito;

viii) Pelo que deverá ser indeferida a junção (por extemporânea) aos autos dos respectivos documentos por parte da apelante, porquanto, para além de impertinentes e desnecessários, o seu conteúdo é insusceptível de alterar a douta decisão da 1a instância, mais devendo ser, então, desentranhados e restituídos ao apresentante apelante, condenando-se ainda nas custas a que deu causa;

ix) O apelado desde sempre residiu no 3° piso do prédio do n.° 18;
x) Nas traseiras do edifício do n.° ..., designadamente ao nível do 3° piso, existem, de forma pública e pacificamente e há muitas dezenas de anos, antes mesmo de terem sido realizadas as obras ao abrigo do Programa RECRIA, duas janelas;

xi) Nisso assentaram os depoimentos do Sr. Aurélio e da Sra. D. Adelaide, que habitaram o 2° piso deste prédio desde 1973 até 2004, sendo que todas as janelas do prédio do n.°..., em cada um dos pisos existem, pelo menos, desde a primeira data;

xii) Com efeito, ambas as testemunhas, Sr. Aurélio e Sra. D. Adelaide, prestaram depoimentos credíveis, tanto mais quem, actualmente, não têm qualquer interesse no desfecho da acção, no âmbito do qual esclareceram o tribunal de 1° instância que, desde 1973, no local em apreço, existem as referidas janelas;

xiii) Dúvidas não restaram ao Tribunal a quo para entender provada a existência de tais janelas desde 1973;

xiv) Contrariamente à pretensão que obteve vencimento na causa, argumenta a apelante que não teria sido possível aos anteriores proprietários do prédio com o n.° ...ter conhecimento se antes do novo prédio se encontrava o prédio que foi demolido, o que só por desespero de causa se admite;

xv) Com efeito, o edifício que foi demolido correspondente ao n.°..., o qual confinava com o prédio do n.°... sendo que a traseira deste prédio dava para um terreno aberto ou quintal que confinava após vários metros com o muro da Embaixada Italiana;

xvi) Tal resultou sobejamente provado do depoimento de todas as testemunhas arroladas pelo apelado, bem como ainda do depoimento das testemunhas arrolados pela apelante, Srs. Alfredo e Silvino, uma vez que afirmaram perante a 1a instância, com razão de ciência, que havia um logradouro ou quintal na pare traseira do prédio onde residia o Apelado (v.g. alínea f), Motivação, Resposta à Matéria de Facto);

xvii) Ou seja, o que a apelante fez, para além da construção do imóvel sito no n.°... e que correspondia ao edifício antigo, foi ocupar ilegalmente, o logradouro ou o quintal do mesmo, contornado pelas traseiras o prédio n.°... e, assim, tapando toda a sua traseira;

xviii) Nessa tese corroborou ainda o resultado da prova realizada ao local por inspecção judicial;

xix) Após deslocação ao interior da Embaixada Italiana e ao interior de cada um dos pisos que compõem o prédio do n.°..., confirmou o tribunal de 1a instância as características das aberturas das empena traseira e lateral do prédio, quanto a medidas e localização, bem como permitiu-se, ainda, confirmar a genuinidade das fotografias juntas pelo apelado quanto ao facto de toda a parede traseira deste prédio ter sido tapada pela construção da obra realizada pela apelante;

xx) A este propósito refira-se ainda, a acareação requerida pelo apelado após depoimento contraditório da testemunha da apelante Sr. Manuel com o depoimento previamente produzido pela testemunha do apelado Sr. Aurélio quando confrontada com o Doc. 4 da Réplica, a fls 69 dos autos, tendo, em consequência, resultado sobejamente provada a existência de tais janelas;

xxi) Pelo consenso das partes, confirmou-se a autenticidade das fotografias juntas pelo apelado na sua petição inicial sob o n.° 6 e na réplica sob os n.°s 4 e 5, bem como a existência das várias aberturas traseiras do prédio no n.°..., através de documento junto pela apelante, constante de fls. 46, o qual retrata ao estado deste o imóvel anterior à edificação correspondente ao prédio com n.°...;

xxii) Falece, por isso, a tese da apelante quando alega que a empena traseira do prédio com o n.°... era cega tendo sido tais aberturas, levianamente, pelos habitantes de cada um dos pisos deste edifício;

xxiii) Reitere-se ainda que a área de construção do prédio com o n.°... ficava aquém do logradouro/jardim contíguo à traseira do prédio com o n.°..., não procedendo, portanto, a tese que a apelante produz no ponto 13 das suas Conclusões, ao alegar que era impossível construção das janelas de fora para dentro porquanto existia no local o prédio com o n.°...;
xxiv) É falso e a apelante disso bem sabe;
xxv) Relativamente à janela do quarto de dormir cuja fotografaria foi junta pelo apelado sob Doc. 6, na sua petição inicial, resulta inequívoco que se trata de uma janela, com parapeito, onde tanto o apelado como o cônjuge até se poderiam apoiar, debruçar e desfrutar comodamente as vistas que tal janela propiciava, olhando para a frente, para o lado e para baixo, apesar de a tese que fez vencimento não considerar essencial na qualificação de janela o requisito do debruçamento;

xxvi) Sendo, até, o suficiente para que qualquer pessoa pudesse, com a parte superior do tronco, observar o logradouro e a parede dos jardins da Embaixada de Itália;
xxvii) Diga-se a este propósito que foi afirmada pelas testemunhas do apelado, Sr. Aurélio, Sra. D. Adelaide e Sr. João, que no logradouro era comum estarem toxicodependentes a consumirem droga, deixando no local lixo, o que tornava tal logradouro um local insalubre, elemento que despoletou a necessidade de aplicar redes mosquiteiras nas janelas suportadas em ferros aplicadas a pedido dos residentes dos vários pisos do prédio n.°... quando das obras do Programa RECRIA;
xxviii) Conforme já aludido, podiam não ser as melhores vistas, mas eram as vistas que tinha;
xxix) Com a construção da parede e das janelas o prédio do n.°... ficou privado de circulação de ar, de cheiros, de arejamento e de luz natural tornado o ambiente irrespirável quer de Verão quer de Inverno;

xxx) Assenta ainda a convicção do apelado no facto de sobre as frestas irregulares ser possível a constituição de uma servidão, que embora não sendo de vista, sempre impedirá que o proprietário do prédio vizinho vede tais aberturas, segundo perfilhado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/3/2006 (publicado na CJ, n.° 190, Tomo II, a fls. 5 e ss), o qual determina que " (...) há que desmistificar tal elemento fáctico como essencial (...);
xxxi) Nesse sentido vai ainda o Sumário do referido Acórdão que determina "11 - (...) a possibilidade de debruçamento, pelo dono do edifício dotado dessas aberturas, não é requisito essencial para a constituição de servidão de vistas Ill – A existência de varões de ferro verticais na aberturas não impede a constituição, por usucapião, da servidão de vistas (...);

xxxii) E o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/05/2001, ao enjeitar tacitamente o requisito do debruçamento para efeito de constituição de servidão de vistas por usucapião;

xxxiii) Com efeito, a limitação legal de construção a um metro e meio previsto no artigo 1360° do C.C., foi erigida para evitar a possibilidade de devassa do prédio vizinho, estando o mesmo fundamento subjacente à servidão de vistas cuja constituição a lei sanciona no artigo 1362° do C.C.;

xxxiv) Sendo que a possibilidade de devassa, existirá, quer a abertura propicie vistas o referido debruçamento ou não, o que, no caso sub judice até se verifica atento o teor do Doc. 6, junto pelo apelado na petição inicial;

xxxv) Nos termos do artigo 1364° do C.C., não será o facto de uma janela estar gradada (ou de o vão comportar um elemento impeditivo de debruçamento), que impede a constituição de servidão de vistas;

xxxvi) Ainda reforçando a qualificação jurídica das aberturas em apreço como janelas, sempre se dirá que não poderá ser negado a aberturas em condições que permitem ver e devassar, mas que não permitem o debruçamento por não abrirem total ou parcialmente, como acontece com as janelas basculantes; a possibilidade de serem elementos aptos a potenciar a constituição de servidão;

xxxvii) Atento o quanto vai exposto, dúvidas não restam que a apelada erigiu uma parede, através da qual tapou todas as aberturas que existiam na parede traseira do prédio do n.°...;

xxxviii) As referidas aberturas do prédio do n.°... davam directamente para um logradouro existente no prédio da apelante;

xxxix) Ao nível do 3° andar do prédio do n.°.., existiam a tardoz duas aberturas, uma no quarto de dormir com 68 cm de altura e 50 cm de largura e, outra, na cozinha com 62 cm de altura e 57 cm de largura, donde, manifestamente não se podem incluir no conceito de frestas dado pelo artigo 1363° do C.C., outrossim, no conceito de janelas, razão pela qual está preenchido o requisito de que depende a constituição da servidão de vistas;

xl) Quanto ao segundo dos requisitos de que depende a constituição daquele direito real, provou-se que todas as aberturas existentes na parede traseira do prédio do n.°... existem, de forma pública e pacífica, pelo menos desde 1973, o que significa que à data de 2004, existiam há mais de 30 anos, ou seja, verificado o prazo de que depende a constituição do usucapião;

xli) Apesar de a douta sentença da 1a instância não corresponder à Jurisprudência maioritária, é a que melhor defende e reflecte os termos e a ratio da lei, sendo, por isso, inovadora e digna de
louvor, porquanto, em causa está um direito válida e oportunamente constituído, que a apelante não quis respeitar, por em causa estar um arrendatário e cônjuge, ambos de idade avançada, sem possibilidades financeiras para impedir, em tempo, a construção da parede que tapou toda a traseira do prédio sito no n.°...;
xlii) Vem a apelante arguir que a demolição da parede construída que tapou toda a traseira do edifício sito no n.°..., implicará a demolição de todo o edifício;

xliii) Tal arguição é falsa e desprovida de qualquer suporte factual ou documental;

xliv) A apelante bem sabe que, para a reposição do direito que violou, bastar-lhe-á demolir essa parede traseira e, consequentemente, eliminar uma única divisão que consubstanciará um quarto, reduzindo a tipologia do apartamento de T3 para T2;

xlv) Tal conclusão facilmente se retira do Documento n.° 2 junto pela apelante em 19/02/2007, uma vez que bastar-lhe-á, reitere-se, demolir uma divisão ou, em tese, e respeitando a distância do um metro e meio do prédio correspondente ao n.°..., reduzir a área dessa divisão ao invés de a eliminar na totalidade;
xlvi) Sempre sem desvirtuar ou reduzir o valor económico do imóvel, até porque o valor acrescentado sempre seria foi obtido em clara violação do direito do apelado, e, por isso, ilegítimo;

xlvii) o mesmo não poderá dizer o interveniente principal que com a manutenção da construção da parede do prédio do n.°..., tapando as traseiras do prédio do n.°..., vê o valor económico e de mercado deste imóvel, inevitavelmente, reduzido;

xlviii) Quem, ilegalmente, pretendeu aproveitar-se da oportunidade para melhorar o espaço habitacional foi a apelante;

xlix) Outra inverdade proferida pela apelante consiste na alegação de ter já alienado as fracções que compõem o edifício do n.°..., uma vez mais, para invocar o prejuízo virtual que constituirá para si e, segundo a sua alegação, para terceiros, a demolição do referido edifício;

l) A apelante não só não faz, agora, qualquer prova cabal de tais alienações, designadamente, juntando cópias, por exemplo, de contratos promessa ou dos registos de aquisição junto da respectiva Conservatória Predial;

li) Como não produz, ou produziu qualquer prova relativamente à identidade dos proprietários, ou se as aquisições foram realizadas por recurso ao crédito;

lii) Como sequer alegou tal facto na 1° instância, quiçá, por ser falso, e por saber em algumas fracções do prédio do n.°... apenas residirem no local os filhos do legal representante da apelante …;

liii) Por fim, não se compreende ainda como pode a apelante considerar a sentença nula por não fundamentada nos termos do artigo 668° do C.P.C.;
liv) Esquece-se a apelante da resposta a matéria de facto mediante a qual o Tribunal a quo, fundamentou, e bem, a resposta que deu a matéria de facto que considerou provada, atenta a prova documental junta, a prova testemunhal produzida e, ainda, a prova por inspecção ao local realizada sem que, contudo, tivesse a mesma sido objecto de reclamação ou de alegações de direito por parte da apelante;

lv) Em suma, bem andou o Meritíssimo Juiz a quo ao declarar a procedência da ação;
lvi) Assim, por não terem qualquer cabimento factual e legal, não poderão proceder nenhum dos fundamentos invocados pela apelante recorrente em sede de recurso, tendo que se manter o decidido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, o qual não poderia ter proferido decisão diversa;

lvii) Não pode a apelante insistir em olvidar o mais antigo princípio de Direito: Da mihi factum, dabo tibi jus ...;

Respondeu, por seu turno, o recorrido FERNANDO, defendendo também a manutenção do decidido e, formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i) O recorrido Fernando, associado ao autor, Sr. Armando, entende que a junção agora dos documentos pela recorrente apenas se justificaria, por um lado, quando não tivesse sido possível a sua apresentação até ao encerramento da 1a instância, por a recorrente não ter tido conhecimento da sua existência, ou, conhecendo-a, por não lhe ter sido possível fazer uso deles, ou ainda, por os documentos se terem formado ulteriormente;

ii) Conforme se conclui dos documentos juntos, em causa não está necessidade de prova de factos já submetidos à consideração do Tribunal a quo, como não está em causa a prova de um qualquer facto superveniente ao encerramento da discussão da 1ª instância, para além de que os mesmos não encerram no seu conteúdo quaisquer factos constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos subjacentes à "vexata questio" verificados até ao encerramento da discussão junto do douto Tribunal da Relação de Lisboa;

iii) A recorrente não produziu prova da impossibilidade da sua obtenção aquando do julgamento da 1ª instância;

iv) Não foi igualmente feita prova da impossibilidade de obtenção do documento n.° 2. também junto pela recorrente, aquando do julgamento da 1ª instância;
v) Para além de que tal documento em nada prova a inexistência, à data demolição, de todas as janelas existentes, em cada um dos três pisos, na parede traseira do edifício sito no n.°... da Calçada ..., razão pela qual se entende que em causa estão documentos que poderiam ter sido apresentados pela recorrente até ao encerramento da 1ª instância;

vi) Confrontando as datas dos referidos documentos verifica-se que os mesmos não se formaram ulteriormente à decisão da 1ª instância;

vii) Igualmente não está em causa uma decisão que se apoiou em normas jurídicas cuja aplicação a parte justificadamente não contasse, tanto mais que a recorrente não apresentou alegações de direito;

viii) Pelo que deverá ser indeferida, por extemporânea, a junção aos autos dos respectivos documentos por parte da recorrente, porquanto, para além de impertinentes e desnecessários, o seu conteúdo é insusceptível de alterar a douta decisão da 1ª instância, mais devendo, em consequência, ser os mesmos desentranhados e restituídos à recorrente, condenando-se esta ainda nas custas pelo incidente a que deu causa;

ix) O recorrido Armando desde sempre residiu no 3° piso do prédio do n°...;

x) Na parede das traseiras do edifício do n.°..., designadamente ao nível dos 2° e 3° pisos, existem, de forma pública e pacificamente e há muitas dezenas de anos, antes mesmo de terem sido realizadas as obras ao abrigo do Programa RECRIA, duas janelas em cada piso;

xi) Nisso assentaram os depoimentos do Sr. Auréli e da Sra. D. Adelaide, que habitaram o 2° piso deste prédio desde 1973 até 2004, sendo que todas as janelas do prédio do n.°..., em cada um dos pisos existem, pelo menos, desde a primeira data;

xii) Com efeito, ambas as testemunhas. Sr. Aurélio e Sra. D. Adelaide, prestaram depoimentos credíveis, tanto mais quem, actualmente, não têm qualquer interesse no desfecho da acção, no âmbito do qual esclareceram o tribunal de 1ª instância que, desde 1973, no local em apreço, existem as referidas janelas;

xiii) Dúvidas não restaram ao Tribunal a quo para entender provada a existência de tais janelas desde 1973;

xiv) Contrariamente à pretensão que obteve vencimento na causa, argumenta a recorrente que não teria sido possível aos anteriores proprietários do prédio com o n.°... ter conhecimento se antes do novo prédio se encontrava o prédio que foi demolido, o que só por desespero de causa se admite;

xv) Com efeito, o edifício que foi demolido correspondente ao n.° ... o qual confinava com o prédio n...., sendo que a traseira deste prédio dava para um terreno aberto ou quintal que confinava, após vários metros com o muro da Embaixada Italiana;

xvi) Tal resultou sobejamente provado do depoimento de todas as testemunhas arroladas pelos recorridos, bem como ainda do depoimento das testemunhas arrolados pela recorrente, Srs. Alfredo e Silvino, uma vez que afirmaram perante a 1ª instância, com razão de ciência, que havia um logradouro ou quintal na parte traseira do prédio onde residia o apelado (v.g. alínea f), Motivação, Resposta à Matéria de Facto);

xvii) Ou seja, o que a apelante fez, para além da construção do imóvel sito no n.°... e que correspondia ao edifício antigo, foi ocupar ilegalmente, o logradouro ou o quintal do mesmo, contornado pelas traseiras o prédio n.° ... e, assim, tapando toda a sua traseira;

xviii) Nessa tese corroborou ainda o resultado da prova realizada ao local por inspecção judicial;

xix) Após deslocação ao interior da Embaixada Italiana e ao interior de cada um dos pisos que compõem o prédio n.°..., confirmou o tribunal de 1ª instância as características das aberturas das empena traseira e lateral do prédio, quanto a medidas e localização, bem como permitiu-se, ainda, confirmar a genuinidade das fotografias juntas pelos recorridos quanto ao facto de toda a parede traseira deste prédio ter sido tapada pela construção da obra realizada pela recorrente;

xx) A este propósito refira-se ainda, a acareação requerida pelo recorrido após depoimento contraditório da testemunha da recorrente Sr. Manuel com o depoimento previamente produzido pela testemunha do recorrido Sr. Aurélio quando confrontada com o Doc. 4 da Réplica a fls 69 dos autos, tendo, em consequência, resultado sobejamente provada a existência de tais janelas;

xxi) Em resultado da prova realizada ao local por inspecção judicial e pelo consenso das partes, confirmou-se a autenticidade das fotografias juntas pelo recorrido na sua petição inicial sob o n.° 6 e na réplica sob os n.°s 4 e 5, bem como a existência das várias aberturas traseiras do prédio no n.°..., através de documento junto pela recorrente, constante de fls. 46, o qual retrata ao estado deste o imóvel anterior à edificação correspondente ao prédio com n.°...;
xxii) Falece, por isso, a tese da recorrente quando alega que a empena traseira do prédio com o n.°... era cega tendo sido tais aberturas efectuadas, levianamente, pelos habitantes de cada um dos pisos deste edifício;
xxiii) Reitere-se ainda que a área de construção do prédio com o n.°... ficava aquém do logradouro/jardim contíguo à traseira do prédio com o n.° ... não procedendo, portanto, a tese que a recorrente produz no ponto 13, das suas Conclusões ao alegar que era impossível construção das janelas de fora para dentro porquanto existia no local o prédio com o n.°...;
xxiv) É totalmente falso e a recorrente disso bem sabe;

xxv) Relativamente à janela do quarto de dormir cuja fotografaria foi junta pelo recorrido sob Doc. 6, na sua petição inicial, resulta inequívoco que se trata de uma janela, com parapeito, onde tanto o mesmo recorrido como o seu cônjuge até se poderiam apoiar, debruçar e desfrutar comodamente as vistas que tal janela propiciava, olhando para a frente, para o lado e para baixo, apesar de a tese que vez vencimento não considerar essencial na qualificação de janela o requisito do debruçamento;

xxvi) Sendo, até, o suficiente para que qualquer pessoa pudesse, com a parte superior do tronco, observar o logradouro e a parede dos jardins da Embaixada de Itália;

xxvii) A este propósito afirmaram as testemunhas do recorrido, Sr. Aurélio, Sra. D. Adelaide e Sr. João, que no logradouro era comum estarem toxicodependentes a consumirem droga, deixando no local lixo, o que tornava tal logradouro um local insalubre, elemento que despoletou a necessidade de aplicar redes mosquiteiras nas janelas suportadas em ferros aplicadas a pedido dos residentes dos vários pisos do prédio nº ...quando das obras do Programa Recria;

xxviii) Apesar disso, e embora pudessem não ser as melhores vistas. eram essas as vistas que tinham;

xxix) Com a construção da parede e o consequente tapamento das janelas, o prédio n.°... ficou privado de circulação de ar, de arejamento dos cheiros e de luz natural, tornando o ambiente irrespirável quer de Verão quer de Inverno;

xxx) Assenta ainda a convicção do recorrido no facto de sobre as frestas irregulares ser possível a constituição de uma servidão, que embora não sendo de vistas, sempre impedirá que o proprietário do prédio vizinho vede tais aberturas, segundo perfilhado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/3/2006 (publicado na CJ, n.° 190. Tomo Il. a fls. 5 e ss), o qual determina que " (...) há que desmistificar tal elemento fáctico como essencial (...);

xxxi) Nesse sentido vai ainda o Sumário do referido Acórdão que determina "II - (...) a possibilidade de debruçamento, pelo dono do edifício dotado dessas aberturas, não é requisito essencial para a constituição de servidão de vistas 111 — A existência de varões de ferro verticais na aberturas não impede a constituição, por usucapião, da servidão de vistas (...);
xxxii) E o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/05/2001, ao enjeitar tacitamente o requisito do debruçamento para efeito de constituição de servidão de vistas por usucapião;
xxxiii) Com efeito, a limitação legal de construção a um metro e meio previsto no artigo 1360° do C.C., foi erigida para evitar a possibilidade de devassa do prédio vizinho, estando o mesmo fundamento subjacente à servidão de vistas cuja constituição a lei sanciona no artigo 1362° do C.C.;
xxxiv) Sendo que a possibilidade de devassa, existirá, quer a abertura propicie vistas o referido debruçamento ou não, o que, no caso sub judice até se verifica atento o teor do Doc. 6, junto pelo recorrido na petição inicial;
xxxv) Nos termos do artigo 1364° do C.C., não será o facto de uma janela estar gradada (ou de o vão comportar um elemento impeditivo de debruçamento), que impede a constituição de servidão de vistas;

xxxvi) Ainda reforçando a qualificação jurídica das aberturas em apreço como janelas, sempre se dirá que não poderá ser negado, a aberturas em condições que permitem ver e devassar, mas que não permitem o debruçamento por não abrirem total ou parcialmente, como acontece com as janelas basculantes. a possibilidade de serem elementos aptos a potenciar a constituição de servidão;

xxxvii) Em face do que antecede, dúvidas não restam que a recorrente erigiu uma parede, com a qual tapou todas as aberturas que existiam na parede traseira do prédio n.° ...;

xxxviii) As referidas aberturas do prédio n.°... davam directamente para um logradouro existente no prédio da Recorrente;
xxxix) Ao nível do 3° andar do prédio n.°... existiam a tardoz duas aberturas, uma no quarto de dormir com 68 cm de altura e 50 cm de largura e, outra, na cozinha com 62 cm de altura e 57 cm de largura, donde, manifestamente não se podem incluir no conceito de frestas dado pelo artigo 1363° do C.C., outrossim, no conceito de janelas, razão pela qual está preenchido o requisito de que depende a constituição da servidão de vistas;

xl) Quanto ao segundo dos requisitos de que depende a constituição daquele direito real, provou-se que todas as aberturas existentes na parede traseira do prédio do n.°... existem, de forma pública e pacífica, pelo menos desde 1973, o que significa que à data de 2004, existiam há mais de 30 anos, ou seja, verificado o prazo de que depende a constituição de usucapião;

xli) Não obstante a douta decisão vertida na sentença da 1ª instância não espelhar a Jurisprudência maioritária, certo é que a mesma corresponde à que melhor defende e reflecte os termos e a ratio da lei, sendo, por isso, inovadora e digna de louvor, porquanto, em causa está um direito válida e oportunamente constituído, que a recorrente não quis respeitar, por em causa estar uma situação de arrendamento entre pessoas de idade avançada, quer o senhorio, quer os arrendatários, uns e outros sem possibilidades financeiras para impedir, em tempo, a construção da parede que tapou toda a traseira do prédio sito no n.°...;
xlii) A recorrente, vem ainda alegar que a demolição da parede construída, que tapou toda a traseira do edifício sito no n.°.... implicará a demolição de todo o edifício;
xliii) Tal alegação é falsa e desprovida de qualquer suporte factual ou documental conforme de seguida se demonstrará;
xliv) A recorrente bem sabe que, para a reposição do direito que violou, bastar-lhe-á demolir essa parede traseira e, consequentemente, eliminar urna única divisão que consubstanciará um quarto. reduzindo a tipologia do apartamento de T3 para T2;

xlv) Tal conclusão facilmente se retira do documento n.° 2 junto pela recorrente, em 19/02/2007, uma vez que bastar-lhe-á, reitere-se, demolir uma divisão ou, em tese, e respeitando a distância de um metro e meio do prédio correspondente ao n.°..., reduzir a área dessa divisão ao invés de a eliminar na totalidade;

xlvi) Sempre sem desvirtuar ou reduzir o valor económico do imóvel, até porque o valor acrescentado sempre seria obtido em clara violação do direito dos recorridos, e, por isso, ilegítimo;

xlvii) Já o mesmo não poderá dizer o recorrido/Interveniente principal que, com a manutenção da construção da parede do prédio do n.°..., tapando todas as janelas e aberturas situadas na empena tardoz do prédio n.° ..., vê o valor económico e de mercado deste imóvel, inevitavelmente, reduzido;
xlviii) De facto, com a sua conduta a recorrente ofendeu e ofende interesses de natureza e ordem pública, uma vez que as habitações do prédio n°..., deixaram de ter as condições de salubridade e de habitabilidade legalmente protegidas;
xlix) Bem como ofende interesses de natureza privada, uma vez que o imóvel prejudicado com o tapamento das janelas dos quartos e das cozinhas de todas as habitações, passou a ter um valor comercial inferior - quer se considere a possibilidade de celebrar novos contratos de arrendamento, quer se considere a possibilidade de alienação do imóvel - de onde resultam prejuízos óbvios para o ora requerente;
l) Os prejuízos alegados reportam-se ao emparedamento de todas as janelas do prédio do recorrido situadas a tardoz, com a consequente perda de arejamento, salubridade e servidão de vistas do 2° e do 3° andar do prédio, nas traseiras, diminuindo o respectivo valor comercial, quer para venda do prédio, quer para arrendamento dos andares em causa;
li) Tal prejuízo, atendendo á diminuição do valor do imóvel, pela afectação de dois andares de forma grave, face aos elevados preços por m2 por habitação praticados naquele local de Lisboa, não se computa em menos de 74.800 Euros;

lii) Com efeito, mesmo para venda do imóvel do recorrido para demolição/reconstrução, se não for demolida a parede do imóvel da recorrente o prejuízo referido torna-se inevitável e definitivo, pois um prédio que venha a ser construído no local ocupado pelo imóvel do recorrido já não terá hipótese de aproveitar a servidão perdida. nem a possibilidade de. na zona das casas a tardoz, ter luz natural, e ar provindo directamente do exterior;
liii) O que não pode é o recorrido ser prejudicado no valor da sua propriedade pela actuação da recorrente de querer rentabilizar a sua própria construção à conta do ora recorrido, e em seu prejuízo;
liv) Quem, ilegalmente, pretendeu aproveitar-se da oportunidade para melhorar o espaço habitacional foi a recorrente;

lv) Outra inverdade proferida pela recorrente consiste na alegação de ter já alienado as fracções que compõem o edifício do n.°..., uma vez mais, para invocar o prejuízo virtual que constituirá para si e, segundo a sua alegação, para terceiros, a demolição do referido edifício;

lvi) Todavia, a recorrente não só não faz, agora, qualquer prova cabal de tais alienações, designadamente, juntando cópias, por exemplo, de contratos promessa ou dos registos de aquisição junto da respectiva Conservatória Predial;

lvii) Como não produz, ou produziu qualquer prova relativamente à identidade dos proprietários, ou se as aquisições foram realizadas por recurso ao crédito;
lviii) Como nem sequer alegou tal facto na 1ª instância, quiçá, por ser falso, e por saber em algumas fracções do prédio do n.... apenas residirem no local os filhos do legal representante da apelante ...!;
lix) Por fim, não se compreende ainda como pode a recorrente considerar a sentença nula por não fundamentada nos termos do artigo 668° do C.P.C.;
lx) Esquece-se a recorrente da resposta à matéria de facto mediante a qual o Tribunal a quo fundamentou, e bem, a resposta que deu à matéria de facto que considerou provada, atenta aprova documental junta, a prova testemunhal produzida e, ainda, a prova por inspecção judicial ao local realizada sem que, contudo, tivesse a mesma sido objecto de reclamação ou de alegações de direito por parte da recorrente;
lxi) Em suma, bem andou a Meritíssima Juiza "a quo" ao declarar a procedência da acção;
lxii) Assim, por não terem qualquer cabimento factual e legal, não poderão proceder nenhum dos fundamentos invocados pela recorrente em sede de recurso, tendo que se manter o decidido pela Meritíssima Juiza do Tribunal "a quo" , a qual não poderia ter proferido decisão diversa;

lxiii) Não pode a recorrente insistir em olvidar o mais antigo princípio de Direito: Da mihi factum, dabo tibi jus ....

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

A . Questão prévia / A junção de documentos

Com as alegações de recurso, a apelante juntou dois documentos, sendo o documento nº 1, datado de 06.08.2002, emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, contendo uma informação relacionada com o imóvel sito na Calçada de Pombeiro, 20/22, da qual consta que o imóvel cumpre o artigo 59º do RGEU, enquadrando-se nos limites altimétricos dos confinantes existentes e, o documento nº 2 - carta, datada de 11.02.1999, da Câmara Municipal de Lisboa dirigida a Amélia, através da qual aquela intima esta a dar execução urgente aos trabalhos de demolição do imóvel sito na Calçada ..., nº ..., devendo tais trabalhos estar concluídos no prazo de 20 dias a contar da notificação da intimação - e um auto de vistoria efectuado, em 20 de Junho de 1997, ao dito prédio.

Visa o recorrente, com a junção destes documentos, concluir, ao contrário do que ficou dado como provados, que as aberturas em causa nos autos foram executadas antes da demolição do prédio com o nº ... ou aquando do levantamento do tapume, ao abrigo do Edital nº 108/92, artº 18, para a demolição do prédio contíguo.
Os apelados defenderam, nas suas contra-alegações que deveria ser indeferida a junção, por extemporânea, dos respectivos documentos.
Vejamos se pode ser admitida a pretendida junção dos documentos.
Nos termos do artigo 712º, nº 1, alínea c) do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por isso, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
A junção de documentos, na fase de recurso, reveste natureza excepcional, só devendo ser admitida nos casos especiais previstos na lei.
Da conjugação do disposto nos artigos 706º, nº 1 e 524º, nºs 1 e 2 do CPC, resulta que as partes só podem juntar documentos, com as alegações, nas seguintes situações:
(1) Se a apresentação não tiver sido possível até esse momento;
(2) Se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos
articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em
virtude de ocorrência posterior;
(3) Se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento
proferido em 1ª instância.
Ora, nenhuma destas hipóteses se verifica no caso concreto.
Desde logo, a apelante já os poderia ter apresentado em 1ª instância, visto estarem em causa documentos datados de 1997, 1999 e 2002, sendo certo que nem sequer justificou a superveniência subjectiva.
Por outro lado, a eventual relevância dos mesmos não surgiu com a decisão da 1ª instância, o que significa que a pretendida junção não era imprevisível antes dela.

Acresce que a decisão da 1ª instância, ao responder à base instrutória, não se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, e nem a sentença se fundou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes justificadamente não contassem - cfr. Antunes Varela, RLJ ano 115, 95.
De todo o modo, mesmo que fosse processualmente admissível a junção dos aludidos documentos aos autos, jamais implicariam, por si só, a alteração às respostas dadas aos artigos da Base Instrutória, já que os mesmos não revestem de força probatória plena susceptíveis de destruir a prova em que a decisão assentou.
Como, aliás, se decidiu no Ac. STJ de 19.6.1986, BMJ 358, 455, o Tribunal da Relação só pode alterar as respostas aos quesitos quando se verifique algum dos fundamentos das alíneas a) a c) do nº 1 do artigo 712º do CPC e não ocorre nenhum daqueles fundamentos quando os documentos juntos ao processo ou a confissão não fazem prova plena em relação à questão controvertida.
Impõe-se, consequentemente, indeferir a requerida junção dos documentos e condenar a apelante nas custas incidentais respectivas, com 2 UC’s de taxa de justiça;

B . O OBJECTO DO RECURSO:

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, são as seguintes as questões controvertidas a resolver:

1. NULIDADE DA SENTENÇA, NOS TERMOS DAS ALÍNEAS B), C) E D) DO N.º 1 DO ART.º 668º DO CPC, POR MANIFESTA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO, OMISSÃO DE PRONÚNCIA NO QUE CONCERNE AO EXAME CRÍTICO DA PROVA, À PROVA APRESENTADA PELA RÉ QUE O TRIBUNAL A QUO IGNOROU.;

E, caso se conclua pela não verificação das invocadas nulidades, para
apreciar se ocorre, na sentença recorrida, o invocado MANIFESTO ERRO
DE INTERPRETAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA, haverá, então,
que analisar:

2. O CONCEITO LEGAL DE JANELA E DE FRESTA;

3. A CARACTERIZAÇÃO DAS ABERTURAS SUSCEPTÍVEIS DE CONDUZIR À CONSTITUIÇÃO DE UMA SERVIDÃO DE VISTAS E O CONCEITO DE SERVIDÃO PREDIAL;

4. A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DAS ABERTURAS INSERIDAS NO ANDAR DOS RECORRIDOS E SABER SE, TENDO EM CONSIDERAÇÃO AS DITAS ABERTURAS, SE MOSTRA ADQUIRIDO O DIREITO DE SERVIDÃO DE VISTAS, POR USUCAPIÃO;
E, finalmente,
5. Se TÊM, OU NÃO, Os RECORRIDOS O DIREITO DE EXIGIR À RECORRENTE A DEMOLIÇÃO DA CONSTRUÇÃO.

III . FUNDAMENTAÇÃO
A - OS FACTOS
Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:

1. Em 15 de Abril de 1994 o autor assinou, como arrendatário, um contrato de arrendamento, para sua residência e do seu agregado familiar, relativo ao 3º andar do prédio com o nº ... da Calçada ..., em Lisboa [alínea A dos factos assentes];
2. Em 3 de Maio de 1996 o mesmo assinou, igualmente como arrendatário, um contrato de arrendamento relativo ao mesmo andar, mediante o pagamento da renda mensal de Euros 211,99, do qual ficou a constar “este contrato revoga o de 15.4.94 entre as mesmas partes” [alínea B dos factos assentes];
3. O autor habita o andar referido em 1. desde que nasceu [resposta ao artº 1º da base instrutória];
4. O pai do mesmo – XE – tomou esse andar de arrendamento em 1914 [resposta ao artº 2º da base instrutória];
5. O andar é composto por sala, quarto, cozinha e casa de banho [resposta ao artº 4º da base instrutória];
6. Tanto o quarto como a cozinha têm uma abertura para o exterior que deita sobre as traseiras do prédio [resposta ao artº 5º da base instrutória];

7. A abertura do quarto tem , pelo menos, 68 cm de altura e tem 50 cm de largura, sendo que na face exterior apresenta um pilar de cimento colocado na vertical, que diminui, na mesma face, aquela largura [resposta ao artº 6º da base instrutória];
8. A abertura da cozinha tem, pelo menos, 62 cm de altura e tem 57 cm de largura [resposta ao artº 7º da base instrutória];
9. Também a escada e a casa de banho possuem, cada uma, uma abertura para o exterior [resposta ao artº 8º da base instrutória];
10. A abertura da escada tem, pelo menos 69 cm de altura e tem 32 cm de largura [resposta ao artº 9º da base instrutória];
11. A ré tem em construção, desde 2004, um prédio urbano contíguo àquele outro, correspondente ao nº ... da Calçada ..., o qual se encontrava, à data da propositura da acção, em fase de conclusão [alínea C dos factos assentes];
12. O pedido de licenciamento dessa construção data de 1999, tendo sido apresentada, para instrução do mesmo, planta de localização da obra da qual resulta a área total de 245 m2 susceptível de ser construída [alínea D dos factos assentes];
13. Esse pedido de licenciamento foi aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa em 2001 [alínea E dos factos assentes];
14. A ré instruiu posteriormente o processo de licenciamento referido em 14. com uma outra planta de localização [resposta ao artº 11º da base instrutória];
15. Manteve-se a área de construção referida na alínea 12. [resposta ao artº 30º da base instrutória];
16. No decurso da construção referida em 13. a ré tapou toda a traseira do prédio referido em 1. [resposta ao artº 12º da base instrutória];
17. Levantando uma parede de tijolo que tapou por completo todas as aberturas existentes nessa parede, ao nível de todos os pisos, incluindo as do piso do autor [resposta ao artº 13º da base instrutória];
18. Todas as aberturas do prédio para o exterior, incluindo as que se encontram na parede traseira do mesmo, existem neste, pelo menos, desde 1973, antes de terem sido efectuadas obras no âmbito do programa RECRIA, nunca tendo havido oposição às mesmas [resposta aos artºs 14º e 24º da base instrutória];
19. As aberturas existentes na parede traseira deitam directamente sobre o prédio com o nº ... [resposta ao artº 15º da base instrutória];
20. As aberturas existentes no andar referido em 1. foram mantidas pelo autor e pelos seus antecessores desde, pelo menos, a data referida em 17. [resposta ao artº 16º da base instrutória];
21. As aberturas referidas em 6. eram as únicas que proporcionavam ao quarto de dormir e à cozinha do andar arejamento e luz natural [resposta ao artº 17º da base instrutória];
22. Após o referido em 16. apenas a sala de jantar do andar possui uma janela passível de ser aberta [resposta ao artº 18º da base instrutória];
23. Desde que o mesmo facto ocorreu a circulação de cheiros da cozinha do andar e dos demais pisos não se faz [resposta ao artº 19º da base instrutória];
24. Tornando o ar irrespirável, quer de Verão, quer de Inverno [resposta ao artº 20º da base instrutória];
25. O interveniente principal é proprietário do prédio referido em 1, que adquiriu por escritura pública outorgada a 17 de Novembro de 2000 [documentos de fls.227 a 232];
26. O interveniente principal adquiriu o prédio referido em 1. com arrendamentos em todas as fracções [resposta ao artº 21º da base instrutória];
27. Actualmente mantêm-se os arrendamentos ao autor e do 1º andar [resposta ao artº 22º da base instrutória];
28. Esse prédio é constituído por rés-do-chão, três andares e sótão [resposta ao artº 23º da base instrutória];
29. O levantamento da parede referido em 16. impede que tanto os quartos, como as cozinhas do 2º e 3º andares do prédio, que são destinados a habitação, tenham luz natural e arejamento [resposta ao artº 25º da base instrutória];
30. O que faz com que o prédio tenha um valor comercial inferior, tanto na possibilidade de celebração de novos arrendamentos, como de venda do imóvel [resposta ao artº 26º da base instrutória];
31. Sendo essa diminuição de valor não inferior a Euros 74.800 [resposta ao artº 27º da base instrutória];
32. Na parede traseira do prédio referido em 1., que é uma das confinantes com o prédio que a ré tem em construção, existem 5 aberturas para o exterior, uma delas com duas barras de ferro transversais e vidro [resposta ao artº 28º da base instrutória];

B - O DIREITO

1. NULIDADE DA SENTENÇA NOS TERMOS DAS ALÍNEAS B), C) E D) DO N.º 1 DO ART.º 668º DO CPC, POR MANIFESTA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO, OMISSÃO DE PRONÚNCIA, NO QUE CONCERNE AO EXAME CRÍTICO DA PROVA, À PROVA APRESENTADA PELA RÉ QUE O TRIBUNAL A QUO IGNOROU.

A sentença, como acto jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668º do Código de Processo Civil.

A este respeito, estipula-se no aludido artigo 668º do CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que:
“1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....”

Segundo J. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, os vícios de que podem enfermar as decisões judiciais reconduzem-se a cinco tipos:
a) Vícios de essência que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais, a privam até da aparência de acto judicial, e dão lugar à sua inexistência jurídica;
b) Vícios de formação, que se prendem com os vícios como o do erro e o da coacção;
c) Vícios de conteúdo, vícios na própria decisão em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam, aqui se incluindo a falta de clareza; o erro material e o erro judicial;
d) Vícios de forma, sujeitos ao regime das nulidades de processo nos termos dos artigos 201º e seguintes do CPC;
e) Vícios de limites, consistentes numa decisão, porventura formalmente regular, contendo só afirmações exactas e verdadeiras, não contém o que deveria conter ou contém mais do que devia.
A recorrente imputa à sentença as nulidades decorrentes das alíneas b), c) e d) do citado normativo, os quais se reconduzem a vícios de conteúdo.

No artigo 668º, n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, prevê-se a sanção para o desrespeito ao disposto no art.º 659º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença, sendo, aliás, um imperativo constitucional quando, no artigo 205º, n.º 1 da C.R.P. se refere que « as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei ».
E, como já referia J. Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, reimpressão (1981), pág. 139, a necessidade de fundamentação da sentença assenta numa razão substancial e em razões práticas.
Por um lado, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido ao juiz e, por outro lado, porque a parte vencida tem direito a saber a razão pela qual a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. E, em caso de recurso, a fundamentação é também absolutamente necessária para que o tribunal superior aprecie as razões determinantes da decisão.
Mas, seguindo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença que apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em via de recurso – cfr. designadamente J. A. Reis, ob. cit., 140 e a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 03.05.2005 (Pº 5A1086) e de 14.12.2006 (Pº 6B4390), acessíveis na Internet, www.dgsi.pt.
Reportando-se esta nulidade à omissão do dever de fundamentar a sentença, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 659.º do mesmo código, importa ponderar o que estatui tal normativo.
Quanto à estrutura da sentença, dispõe o n.º 2 deste normativo, que à identificação das partes e ao objecto do litígio, a que se refere o n.º 1 (relatório), se seguem os fundamentos. E nesta parte da sentença, o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Em matéria de fundamentação de facto, a sentença terá, portanto, que discriminar os factos que o julgador considera provados, aí se devendo tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.

Tal significa, na verdade, que a fundamentação da sentença em termos de matéria de facto não se basta com a discriminação dos factos julgados provados, sendo necessário “fazer o exame crítico das provas de que cumpre conhecer na sentença”.
Todavia, num processo do tipo declarativo comum, a decisão sobre a matéria de facto provada ocorre em dois momentos:
a. Na fase da condensação, com a selecção dos factos já assentes decorrentes da prova documental ou por acordo das partes – v. artigos 508.º-A, n.º 1, al. e), 508.º-B, n.º 2, e 511.º, n.º 1, todos do CPC;
b. Após a produção da prova, em sede de audiência de julgamento, por despacho ou acórdão proferido nos termos do disposto no n.º 2 do art. 653.º do Código de Processo Civil, em que o julgador declarará quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
E, efectuada que seja a análise crítica das provas no âmbito da decisão a que alude o n.º 2 do art. 653.º do Código de Processo Civil, podendo as partes reclamar dessa decisão da matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo e, ainda recorrer, nos termos do preceituado no art. 690.º-B do mesmo diploma legal, desnecessário se torna proceder a nova repetição dessa fundamentação na sentença.
Não se reconduz, pois, à nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC, a omissão do exame crítico das provas, nem, de resto, é forçoso que o juiz cite os textos da lei. Basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.
Por outro lado, não está obrigado a analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, e todas as razões jurídicas produzidas pelas partes. Desde que a sentença invoque algum fundamento de direito está afastada esta nulidade – v. neste sentido, J. A. Reis, ob. cit., 141.
No que concerne ao vício previsto no artigo 668º, n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, doutrina e jurisprudência têm entendido que essa nulidade ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada naquela.
Esta nulidade – oposição entre os fundamentos e a decisão – só se verifica quando os fundamentos, quer de facto quer de direito, invocados pelo juiz devam, logicamente, conduzir ao resultado oposto ao que é expresso na sentença.

A contradição entre os fundamentos e a decisão a que se refere o citado normativo é uma contradição de ordem formal, que se refere aos fundamentos estabelecidos e utilizados na sentença, e não aos que resultam do processo.
E, tal nulidade traduzida na desconformidade entre a decisão e o direito aplicável - substantivo ou adjectivo – não se confunde com o erro de julgamento, ou seja, na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta.
É que, quando o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, poderemos, sim, estar perante um erro de julgamento. Nesse caso, o juiz fundamenta a decisão, mas decide mal. Resolve as questões colocadas num certo sentido porque interpretou e/ou aplicou mal o direito - Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2.º, pág. 670.
Por último, decorre da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. E, é tendo em consideração o disposto no artigo 660.º, n.º 2 CPC que se terá de aferir da nulidade prevista na citada al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.
Como esclarece M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.
As questões a que alude a alínea em apreciação são, com bem esclarece A. Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.
Salienta J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 143, que não pode confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as considerações, os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição nas questões a apreciar.
No mesmo sentido sustenta M. Teixeira de Sousa, ob. cit., loc. cit. quando refere “(...) O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor. (...). Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...)”
Mais refere M. Teixeira de Sousa que: (…) Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder”.
Ora, na decisão recorrida, a Exma. juíza, não efectuou, é certo, o exame crítico da prova, porque já o havia efectuado no despacho proferido após o julgamento, no qual decidiu da matéria de facto provada.
Na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os factos apurados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação, declarando até divergir de alguma jurisprudência firmada.
Os alegados vícios de conteúdo a que se refere o artigo 668º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do Código do Processo Civil, não se verificam na sentença recorrida, como a sua leitura evidencia, pelo que improcede o alegado nos nºs 1 a 4 das Conclusões da apelante.
Importa, então, apurar se há erro de julgamento, o que implica a análise das restantes questões controvertidas a resolver e que se reconduzem, ao cabo e ao resto, aos fundamentos de mérito do recurso.

2) DO CONCEITO LEGAL DE JANELA E DE FRESTA

Dispõe o artigo 1.360º, nº 1 do Cód. Civil que o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.
Decorre do artigo 1.362º, nº 1 do mesmo diploma legal que a existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.
Por seu turno, dispõe o artigo 1.363º, nº 1 que não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas.
Acrescenta o nº 2 desta norma que as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram.
Considerando que a lei, estabelecendo embora regimes diferentes relativamente às janelas, por um lado, e às frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, e ainda às janelas gradadas, por outro, não define, o que se deva entender por janela, é à doutrina e à jurisprudência que tem cabido esse papel de definir os contornos do conceito de janela, por contraposição ao de fresta.
Com se refere nos Acs. STJ de 26.06.2008 e de 15.05.2008, acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt (Pºs 08B1716 e 08B1368), a expressão janela, derivada do latim janua, com o sentido de porta ou entrada, que é o comum, traduz-se numa abertura feita na parede externa das casas, em regra para a entrada de ar e luz no seu interior e para desfrute de vistas. E, no âmbito da variedade das janelas, distinguem-se as externas ou de peito - inseridas acima do solo ou do sobrado, com peitoril ou parapeito, em que se apoiam os braços quando as pessoas nelas se debruçam – e as de sacada - semelhantes a portas de acesso a alpendres ou sacadas.
Elucida M. Henrique Mesquita, RLJ, nº 128, (anotação ao Ac. STJ de 03.04.91), pág. 149, que são juridicamente possíveis, relativamente às aberturas qualificáveis como janelas ou frestas, três categorias distintas:
a) Janelas;
b) Frestas que não excedam as dimensões legais e situadas à altura fixada na lei (frestas regulares);
c) Frestas com dimensões superiores às legais ou situadas a uma altura inferior à fixada na lei (frestas irregulares).
No domínio do Código de Seabra, o entendimento prevalecente era o de que devia considerar-se janela a abertura onde coubesse uma cabeça humana. Hoje, este critério não é mais defendido.
As janelas distinguem-se das frestas não só pelas suas dimensões, mas também pelo fim a que umas e outras se destinam.
Diz-se no Ac. R. L. de 09.03.1993, acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, estabelecendo a distinção entre as frestas, seteiras e óculo, por um lado e, as janelas, por outro, que aquelas se destinam a permitir a Inspectio e, estas, a permitir a Prospectio.
Entende-se, pois, comummente que as frestas são aberturas estreitas, cuja única função é permitir a entrada de ar e luz.
Como refere Henrique Mesquita, RLJ 128º, pg. 151 e 152 “(…) as janelas dispõem de um parapeito onde as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e desfrutar comodamente as vistas que proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo”. E, conclui depois que “ No conceito de janela deverá incluir-se apenas através das quais possa projectar-se a parte superior do corpo humano e em cujo parapeito as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se, para descansar, para conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para desfrutar as vistas".
Daqui resulta que o conceito “janela”, para efeitos do mencionado artigo 1360º, nº 1 do Código Civil, se terá de reconduzir a
aberturas mais amplas do que as frestas, por forma a permitir não só a entrada de luz e ar mas também a devassa sobre o prédio vizinho.
E, com efeito, só este conceito de janela se adequa à dupla finalidade da restrição estabelecida no nº. 1 do artigo 1360º do C.C. - evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos, e impedir que ele seja facilmente devassado - v. Ac. R.C. de 28.09.2004 (Pº 1976/04); Ac. R.P. 18.06.2008 (Pº 0852720) e Ac. STJ 01.04.2008 (Pº 07A3114), todos acessíveis na Internet, no sítio, www.dgsi.pt.
Tendo em conta a dimensão máxima prevista na lei para as aberturas qualificadas como frestas, poder-se-á afirmar que as frestas, tal como a lei as configura, significam aberturas muito estreitas, de modo a permitirem a entrada de luz ou da claridade, as quais não tendo (todas) as características definidas no artigo 1363º, nº 2 do C.C., também não satisfazem a finalidade justificativa da proibição ínsita no artigo 1360º, nº 1 do mesmo diploma legal, i.e., a devassa sobre o prédio vizinho.
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3) AS ABERTURAS QUE CONDUZEM À CONSTITUIÇÃO DE UMA SERVIDÃO DE VISTAS E O CONCEITO DE SERVIDÃO PREDIAL;

A questão que se coloca – e que não é pacífica - é saber se as aberturas que não obedeçam aos requisitos legais conduzem ou não à constituição duma servidão de vistas por usucapião.
Podem sintetizar-se, a este respeito, três entendimentos.
Uma primeira corrente defendida, nomeadamente, por Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. anotado, Vol. III, anotações nº 2 e nº 6 do artigo 1363º do CC , entende que “Janela” será uma figura residual, considerando que frestas e janelas que não obedeçam aos requisitos legais que não obedeçam às características definidas no nº 2 do artigo 1363º do C.C. – são qualificadas e tratadas como janelas, aplicando-se o regime previsto nos artigos 1360º e 1362º do CC, relativo às janelas abertas em contravenção do disposto na lei.
Para uma segunda corrente, alicerçando-se no princípio do numerus clausus, em matéria de direitos reais, consignado no artigo 1306º do CC, defende opinião contrária, no sentido de que, frestas e janelas que não obedeçam aos requisitos legais, por muito que perdurem, não originam a aquisição de qualquer direito contra o proprietário por elas afectado, o qual poderá, em qualquer momento, exigir que sejam modificadas e postas em conformidade com a lei, sendo-lhes inaplicável o disposto no artigo 1362º do CC.
É, pois, inadmissível para esta corrente, a existência de aberturas para ar e luz, que não devassem o prédio vizinho, mas estejam em contravenção com o disposto no artº 1363º-2 do CC, e que levem, por analogia, à constituição de uma servidão de vistas por usucapião.
Seguiu esta posição o Ac. do STJ de 3.04.91, BMJ 406/644, citando Cunha Gonçalves, Tratado, XII, nºs 1801 e 1802, pgs 81 e sgs, o qual depois de fazer uma análise histórica, desde as Ordenações Filipinas, acaba por concluir que as frestas, abusivamente colocadas, justificam a intervenção da justiça a fim de serem reduzidas ao que podem e devem ser, e que a correspondente acção judicial poderá ser instaurada a todo o tempo, porque elas são só frestas, embora com infracção à lei, e não janelasv. igualmente neste sentido Ac. T.E. de 27.11.2003 (Pº 587/03-2).
Finalmente, para uma terceira corrente, defendida por Henrique Mesquita, na citada anotação ao Ac. STJ de 03.04.91, RLJ 128º, 126-154, frestas e janelas que não obedeçam aos requisitos legais, decorrido o prazo da usucapião, originam a aquisição do direito de manter tais aberturas em condições irregulares, impedindo o proprietário por elas afectado de exigir que sejam modificadas e postas em conformidade com a lei, mas já não o impede de construir junto à linha divisória.
Para esta corrente, que se sufraga, o conteúdo do direito de servidão de vistas que, em princípio, consiste na manutenção das janelas e na fixação de uma zona “non aedificandi” (não permissão de edificar no espaço de metro e meio, medido a partir dos limites do prédio), no caso das frestas e janelas que não obedeçam aos requisitos legais, sendo atípica tal servidão, decorrido que seja o prazo da usucapião, não cria uma zona non aedificandi.
É que, a restrição legal, criando essa zona non aedificandi, só é estabelecida, por lei, em relação à servidão de vistas regulada no artigo 1362º do CC, que apenas se aplica se estiverem em causa janelas, e já não frestas irregulares ou janelas gradadas que não obedeçam aos requisitos estabelecidos no artigo 1364º do CC.
E, é só a existência de janelas, entendidas como aberturas através das quais possa projectar-se a parte superior do corpo humano e em cujo parapeito as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se, para descansar, para conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para disfrutar as vistas e das outras aberturas mencionadas no art. 1.362º, nº 1 do C.C. que pode conduzir à aquisição de servidão de vistas por usucapião – v. Henrique Mesquita, citada RLJ, 152.
Daí que a existência de frestas ou janelas gradadas em condições não permitidas, por não poderem ser consideradas janelas para os efeitos do nº 1 do artigo 1360º do CC, pois não deitam directamente sobre o prédio alheio e não permitem a sua devassa, não podem fundamentar a servidão de vistas por usucapião - cfr. neste sentido, entre muitos, Acs. R.P. de 03.04.2003, de 13.03.2007 e de 19.12.2007, (Pºs 0330970, 0720243 e 0720991, respectivamente), acessíveis no citado sítio da Internet.
As aludidas frestas ou janelas gradadas irregulares, como acima se referiu, dão origem, decorrido o prazo da usucapião, a uma servidão predial atípica, que confere ao respectivo titular o direito de manter aquelas aberturas nas condições irregulares, impedindo o dono
do prédio serviente de pedir a sua modificação e harmonização com a lei, mas não lhe retira o direito de construir mesmo junto à divisória, ainda que as tape.
Ora, o artigo 1543º, do C. Civil, define servidão predial como um encargo imposto num prédio – prédio serviente – em benefício exclusivo de outro prédio – prédio dominante – pertencente a dono diferente.
O direito de servidão é um direito real de gozo sobre coisa alheia, mediante o qual o proprietário de um prédio tem a faculdade de se aproveitar de utilidades de prédio alheio.
Como esclarece Mota Pinto, Direitos Reais, 305 « Quer isto dizer que as utilidades, cujo gozo o direito de servidão propicia, devem ser utilidades susceptíveis de serem gozadas por intermédio de outro prédio – o dominante».
A servidão de vistas, de arejamento ou obtenção de luz natural é de estrutura negativa, uma vez que o seu titular se pode opor ao exercício de direitos de gozo pelo titular do prédio vizinho que a afectem.
Como é sabido e resulta do disposto no artigo 1305º do Código Civil, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, nos limites da lei e das restrições por ela impostas”.
Rege nesta matéria o princípio do numerus clausus, decorrendo do preceituado no artigo 1306º, nº 1, do Código Civil não ser permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei.
Uma das formas de aquisição do direito de propriedade ou de outro direito real, designadamente o direito de servidão de vistas, é por usucapião, a qual é reportada ao momento do início da posse - v. artigos 1288º, 1316º e 1317º, alínea c), do Código Civil.
Com efeito, a posse de direitos reais de gozo, incluindo o direito de servidão de vistas, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição por usucapião do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação (artigo 1287º do Código Civil).
A aludida situação de posse envolve dois elementos - um de natureza material - o exercício ou a possibilidade de exercer o poder de facto sobre a coisa, designado por corpus, e - o outro, de natureza psicológica - a intenção de comportamento como sendo titular do direito correspondente aos actos praticados, designado por animus, sendo que o primeiro implica a presunção deste último, como decorre do disposto nos artigos 1251º, 1252º, nº 1, e 1253º, todos do Código Civil e Acórdão Uniformizador do STJ de 14/5/96, DR II Série, de 24/6/96.
A posse diz-se titulada se fundada em algum modo legítimo de adquirir - negócio jurídico abstractamente idóneo à transferência do direito - independentemente do direito de quem o transmite e da validade substancial do negócio jurídico (artigo 1259º, nº 1, do Código Civil).
Essa posse é de boa-fé quando o possuidor ignorava ao adquiri-la, (estando em causa a convicção do exercício de um direito próprio, adquirido por título válido) que lesava o direito de outrem, presumindo-se, por isso, de boa-fé, a posse titulada e, de má-fé, a posse não titulada e a que for adquirida por violência, ainda que seja titulada (artigo 1260º do Código Civil).
A posse é pacífica sempre que adquirida (através de apreensão da coisa por tradição material ou simbólica) sem violência, considerando-se violenta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 1261º do CC, a obtida pelo uso de coacção física ou moral, e pública a que é exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados - v. artigo 1262º do Código Civil.
Resulta do disposto nos artigos 1294º e 1296º do Código Civil que, havendo título de aquisição e registo, a usucapião tem lugar quando a posse de boa-fé durar dez anos contados desde a data do registo ou, ainda que seja de má-fé, houver durado quinze anos contados da mesma data. Caso inexista registo do título ou da mera posse, a usucapião só ocorre no termo do prazo de quinze anos se a posse for de boa-fé, e de vinte anos se a posse for de má-fé ou de boa-fé não titulada.
Ora, na servidão de vistas, constituída nos termos do artigo 1362º do Código Civil, o “corpus” revela-se pela simples existência da obra, dado que o objecto da servidão não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da janela que deite sobre o prédio nas condições do artigo 1360º do mesmo diploma legal, presumindo-se o “animus” naquele que efectua a construção.

4) QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DAS ABERTURAS INSERIDAS NO ANDAR DOS RECORRIDOS E SABER SE, TENDO EM CONSIDERAÇÃO AS DITAS ABERTURAS, SE MOSTRA ADQUIRIDO O DIREITO DE SERVIDÃO DE VISTAS POR USUCAPIÃO

Tendo em consideração o conteúdo legal supra referido, há que analisar se as aberturas em causa nos autos podem ser qualificáveis como janelas ou frestas irregulares, susceptíveis de justificar a constituição do direito de servidão de vistas.
Ficou provado nos autos que, tanto o quarto como a cozinha do prédio, pertencente ao interveniente e de que o autor é arrendatário, têm uma abertura para o exterior que deita sobre as traseiras desse prédio. E, contíguo a tal prédio, nas traseiras do mesmo, a ré, apelante, construiu, devidamente licenciado, um prédio urbano – v. Nºs 1º, 6º, 11º a 15º, 19º, 25º da Fundamentação de Facto.
A abertura existente no quarto do andar de que o autor/apelado é arrendatário tem, pelo menos, 68 cm de altura e tem 50 cm de largura, sendo que na face exterior apresenta um pilar de cimento colocado na vertical, que diminui, na mesma face, aquela largura - v. Nºs 7º da Fundamentação de Facto.
A abertura da cozinha tem, pelo menos, 62 cm de altura e tem 57 cm de largura - v. Nº 8º da Fundamentação de Facto.
Na parede traseira do prédio de que o interveniente é proprietário e o autor arrendatário, parede essa que é uma das confinantes com o prédio cuja construção foi iniciado, pela ré, em 1999, existem 5 aberturas para o exterior, uma delas com duas barras de ferro transversais e vidro - Nº 28º da Fundamentação de Facto.
E, como se verifica pelas fotografias juntas aos autos pelo autor, é possível distinguir, na abertura da cozinha, tais barras de ferro transversais.
As aberturas para o exterior do prédio de que o interveniente é dono e o autor arrendatário, designadamente, as aberturas que se encontram nas traseiras do dito prédio existem, pelo menos, desde 1973, e assim foram mantidas, também pelo autor – v. Nº 18º e 20º da Fundamentação de Facto.
Acresce que, ficou igualmente provado que, com a construção efectuada pela ré, ora apelante, as aludidas aberturas do quarto e cozinha do andar ficaram tapadas, sendo essas aberturas que proporcionavam a tais compartimentos o arejamento e a luz natural – v. Nsº 16º, 17º e 21º da Fundamentação de Facto.
As ditas aberturas implantadas nas traseiras do prédio, não obstante as suas dimensões serem apreciáveis, a sua configuração, retratada também nas fotografias juntas aos autos, servem, sem dúvida, para dar luz e ar e a sua tapagem não pode deixar de acarretar graves prejuízos para o andar do autor.
Sucede, porém, que as aludidas aberturas não podem, a nosso ver, qualificar-se como janelas.
Na verdade, e como acima ficou dito, sufragando-se os ensinamentos expendidos por Henrique Mesquita, no seu comentário constante da já citada Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128º, pág. 149 e segs., não pode deixar de se considerar que a existência, nas aberturas em causa, de estruturas fixas - duas barras de ferro transversais (na abertura existente na cozinha) e um pilar de cimento na vertical (na abertura existente no quarto) não permite que, por elas, possa ser devassado o prédio vizinho alheio.
Tais aberturas, com estas características, não podem – a nosso ver – ser consideradas janelas para o efeito referido no artigo 1362º, nº 2 do Código Civil, contrariamente ao que foi defendido na sentença recorrida.
Não permitindo aquelas aberturas a devassa do prédio vizinho - quer porque não se apurou que disponham de parapeito para que as pessoas se possam apoiar ou debruçar (o que não é de todo concludente pela análise das fotografias juntas aos autos), quer porque as estruturas fixas impedem o debruçar sobre o prédio vizinho – forçoso é concluir que não podem levar à constituição de uma servidão de vistas.

5) O DIREITO DOS RECORRIDOS DE EXIGIREM À RECORRENTE A DEMOLIÇÃO DA CONSTRUÇÃO
De acordo com o que entendemos ser a melhor doutrina, a circunstância das aberturas, susceptíveis de serem consideradas frestas/janelas gradadas irregulares, e assim terem permanecido desde, pelo menos, 1973, configura uma situação susceptível de proporcionar, por via possessória, a aquisição de uma servidão predial.
Essa servidão predial consiste na circunstância de o proprietário do prédio vizinho deixar de ter o direito, que antes lhe cabia, de exigir, através de uma acção negatória, que as frestas fossem modificadas e harmonizadas com a lei, adquirindo, por isso, o dono do prédio dominante o direito, que não tinha até então, de manter essas aberturas em condições irregulares. Mas, apenas isso. Nenhum outro efeito resulta da constituição desta servidão.
O proprietário vizinho não perde o direito de construir mesmo junto à linha divisória, ainda que, como sucedeu no caso vertente, tape as aberturas, porque como eloquentemente explica Henrique Mesquita, ob. cit., loc. cit., a restrição que cria uma zona non aedificandi, obrigando à observância do interstício de 1,50 m, não permitindo edificar no referido espaço de metro e meio, medido a partir dos limites do prédio, só é estabelecida pela lei em relação à servidão de vistas regulada no artigo 1362º do C.C., em cujo campo de aplicação apenas se incluem as janelas com as específicas características supra mencionadas e já não se incluem as frestas/janelas gradadas, ainda que irregulares.
O proprietário que abre frestas em desconformidade com a lei fica, após o decurso do prazo da usucapião, exactamente na mesma situação jurídica que resulta da abertura de frestas regulares: o vizinho não pode reagir contra a violação cometida, exigindo que as frestas sejam tapadas ou modificadas. Mantém este, no entanto, o direito de, a todo o tempo, construir no seu prédio, ainda que vede ou inutilize tais aberturas.
Não respeitando as aberturas em causa as limitações previstas no artigo 1363º, nº 2 do Cód. Civil, e carecendo essas aberturas de dimensões e características para serem consideradas janelas - por não permitirem que um corpo ou até uma cabeça humana se projecte através dela sobre o prédio vizinho - não podem as mesmas constituir uma servidão de vistas impeditiva de o proprietário do prédio vizinho tapar as ditas aberturas, mormente, através da construção de um imóvel no prédio contíguo, como sucedeu no caso em apreciação.
Este é, de resto, entendimento largamente maioritário, para não dizer unânime, da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – cfr. entre muitos, Acs. de 3.04.1991, BMJ 406, 644, de 26.02.2004, de 22.04.04, de 20.05.2004 e de 01.04.2008 (Pºs 04B652, 03B3498, 04B1207 e 7A3114, respectivamente), acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Considera-se, consequentemente, que as aberturas em causa não impedem a recorrente – ainda que se deva ter por constituída, por usucapião, a servidão predial atípica acima aludida - de construir junto à linha divisória, não obstante, ter inutilizado, na prática, tais aberturas.
E, assim sendo, não pode deixar de se concluir pela procedência do recurso de apelação, o que leva à revogação da sentença recorrida.
Vencidos, são os recorridos responsáveis pelas custas respectivas – v. artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
i) Não admitir a junção dos documentos apresentados pela apelante com as suas alegações de recurso, condenando-a nas custas incidentais respectivas, com Taxa de Justiça que se fixa em 2 UC.;
ii) Julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra, em que se absolve a apelante/ré dos pedidos contra si formulados pelos apelados;
iii) Condenar os recorridos, com relação á apelação, nas respectivas custas.

Lisboa, 20 de Novembro de 2008
Ondina Carmo Alves - Relatora
Ana Paula Boularot
Farinha Alves ( Em substituição de Lúcia Sousa, ausente com autorização do CSM, nos termos do artigo 711º,
nº 2 do CPC e com dispensa de vistos)