Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1594/10.8TVLSB.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
DÍVIDA AO ESTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Realizada pelo Réu doação de usufruto de uma fracção, isto quando já sabia ser devedor ao Estado de elevadas quantias por incumprimento fiscal, permite-se ao Estado usar o instituto da impugnação pauliana quanto a tal doação.
- O facto de o devedor ter impugnado judicialmente a liquidação feita pelas Finanças não obsta à dedução da impugnação pauliana, como decorre do art. 614º nº 1 do Código Civil.
- Provando-se que a fracção doada é o único bem dos RR de valor susceptível de satisfazer, ao menos em parte, os créditos do Estado, e que a doação foi realizada pelos RR com a intenção de obstar a que o imóvel respondesse pelo pagamento das dívidas fiscais, a impugnação pauliana deverá proceder.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório:

O Estado Português intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra D..., C...,  A... e P..., pedindo "sejam reconhecidos os pressupostos da impugnação pauliana da doação do usufruto e declarada impugnada essa doação", sejam todos os réus condenados a restituir o referido imóvel à propriedade plena dos dois primeiros réus, isto é a reposição do usufruto destes de modo a que o autor se possa pagar à custa desse bem, permitindo-se a respectiva execução na totalidade ou propriedade plena, e poder o autor praticar os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei".
Alega, para tanto e em síntese, que os réus D... e C... devem ao Estado € 849.755,14 de impostos e decorrido o prazo legal de pagamento foram instaurados processos de execução fiscal, sendo esses réus notificados dos relatórios da inspecção tributária relativos a IRS e IVA de 2002 e foram também notificados para pagamento do IMI; em 26 de Abril de 2007 o réu D... foi notificado das liquidações efectuadas pelo serviço de finanças e todos os réus souberam da liquidação dos créditos até Novembro de 2007, mas apesar disso por escritura de 22.11.2007 os réus D... e C... declararam doar aos pais do primeiro o usufruto simultâneo e sucessivo da fracção autónoma designada pela letra Q do prédio sito na Rua Alexandre Cabral nº 2 a 4B, fracção que foi penhorada no âmbito dos processos de execução fiscal, facto registado em 2.4.2008 e a doação do usufruto foi registada em 23.4.2008; o prédio é o único bem dos réus e pelo qual podiam ser satisfeitas as dividas, pois os rendimentos do trabalho da ré C... não permitem ao Estado pagar-se antes de decorridos 30 anos. Os réus ao realizar a escritura pretenderam obstar ao pagamento das dividas.
 
Contestou apenas o réu D..., alegando que impugnou os créditos fiscais em causa, processos que aguardam decisão, o valor da fracção é insuficiente para pagar as dívidas e a doação do usufruto não teve em vista afectar a garantia do Estado mas assegurar aos progenitores do réu habitação condigna e o réu comunicou a doação às finanças. O Estado pode vender a nua propriedade e aguardar pela caducidade do usufruto e o imóvel está onerado com hipotecas que estão a ser pagas, pelo que, o Estado não logrará pagar-se do crédito.
                                                                                                                                                                                                
Foi declarada suspensa a instância até que as impugnações dos créditos instauradas pelo réu fossem decididas.
Após cessação da suspensão, o processo seguiu os seus termos, realizando-se o julgamento, e vindo a ser proferida sentença nos seguintes termos:
“Declara-se ineficaz em relação ao A. a doação do usufruto da fracção designada pela letra Q, correspondente ao 2º andar esquerdo, corpo B, do prédio sito na Rua Alexandre Cabral nº 2 a 4 B, Lisboa, com a restituição desse direito de usufruto pelos donatários, podendo o A. executar a fracção na sua totalidade e integralidade e podendo praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei”.

Da discussão da causa, com interesse para a decisão, resultam provados os seguintes factos:
1. Por escritura celebrada em 22 de Novembro de 2007, os réus D... e C...  declararam doar aos réus A... e P..., o usufruto simultâneo e sucessivo da fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra Q, 2º andar esquerdo, corpo B, com arrecadação e estacionamento na cave, do prédio sito na Rua Alexandre Cabral nº 2 a 4B, em Lisboa.
2. Consta dessa escritura que a fracção tem o valor patrimonial de € 72.114,12 e ao usufruto corresponde o valor de € 18,028,53.
3. O usufruto foi registado na CRP pela ap.30 de 2008/04/23.
4. Pela ap.17 de 2008/04/02 havia sido registada a penhora da fracção a favor da Fazenda Nacional.
5. À data de 9.5.2008 estavam registadas relativamente à citada fracção, uma hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos (ap.3 de 2001/08/01), para garantia do montante máximo de 35.434.840$00; duas hipotecas, registadas provisoriamente, a favor do Banco Bilbao Vizcaya (ap. 10 e ap. 20 de 2008/1014), para garantia de €134.768,00 e € 67.384,00.
6. Por ter decorrido o prazo de pagamento voluntário foram instaurados pelo serviço de finanças contra os réus D... e C... processos de execução fiscal, que correm termos no Serviço de Finanças de Lisboa-11, com n.os 3344200701058940, 3344200701066676, 3344200801035266, 3344200801042971, 3344200801091255, 3344200701041037, 3344200701085166, 3344200701050060, 3344200801146300, 3344200601087444, 3344200701092022   e    3344200801012428.
7. No âmbito dos processos fiscais o Estado reclama, relativamente ao réu D..., o pagamento de dívidas de IVA, dos anos de 2002 a 2005, no valor de € 227.033,04 e juros no valor de € 53.324,53 e custas; e relativamente ao réu D...  e à ré C..., dívidas de IRS dos anos de 2002 a 2006, no valor de € 452.775,94, juros no valor de €110.104,02 e custas; e dívidas de IMI do ano de 2006, no valor de € 504,80, juros no valor de € 153,72 e custas no valor de € 36,02, valores devidos pelos citados réus.
8. Os réus D... e C... foram notificados pessoalmente, em 16.1.2007, dos relatórios da inspecção tributária relativos ao IRS de 2002 e ao IV A de 2002.
9. Também foram notificados pessoalmente para o pagamento do IMI, em datas anteriores a Novembro de 2007.
10.Em 30 de Abril de 2007 o réu D... foi notificado por cartas registadas, expedidas a 26 de Abril de 2007, das liquidações já efectuadas pelo serviço de Finanças referentes a IRS do ano de 2002 e foi notificado em 28.11.2007 de liquidações de IRS do ano de 2003 e 2004.
11. O réu D... foi notificado em 4.5.2007 das liquidações de IVA do ano de 2002.
12. Os impostos a título de IRS de 2002 eram exigíveis desde 30.4.2007; os relativos a IVA eram todos exigíveis no curso dos respectivos anos e anos subsequentes, com a data mais próxima de exigibilidade em 15.2.2006; o IRS de 2003 era exigível desde 28.11.2007; o IRS de 2004 era exigível desde 28.11.2007, com excepção da quantia de € 81.20 que era exigível desde 24.9.2008; o IRS de 2006 era exigível desde 16.8.2006.
13. Os réus D... e C... tinham conhecimento desde antes da escritura de doação de que deviam impostos ao Estado, concretamente IRS, e IMI, e o réu D... sabia ainda que devia IVA e sabiam também que eram devidos juros relativamente a tais impostos.
14. Sabiam também que os factos tributáveis respeitavam a anos anteriores a 2007 e que à data da escritura haviam já omitido o pagamento de impostos.
15. Após a avaliação da fracção em causa nos autos segundo as regras do IMI, o valor do usufruto passou a ser € 42.332,50 €, cabendo à nua propriedade o valor de 126.997,50 €, sendo-lhe atribuído o valor patrimonial de € 169.330,00.
16. A fracção a que se reporta a escritura consiste no único bem imóvel dos réus D... e C....
17. Não são conhecidos ao réu D... rendimentos de trabalho ou outros bens ou rendimentos susceptíveis de penhora.
18. A ré C... possui rendimentos do trabalho, em valor anual de cerca de 8 mil euros.
19. Ao realizar a escritura de doação supra referida os réus D... e C... pretenderam unicamente obstar e dificultar que o imóvel respondesse pelo pagamento das dívidas fiscais, sabendo que o usufruto desvalorizava a fracção.
20. A constituição do usufruto dificulta a venda da nua propriedade do imóvel e desinteressa potenciais compradores.
21. No processo de divórcio que correu entre o réu D... e C..., os mesmos acordaram que na casa de morada de família - a fracção dos autos - ficaria a residir a ré.
22. O réu Dicar impugnou judicialmente a liquidação dos créditos fiscais aqui em causa mas em todas as impugnações a Fazenda Nacional foi absolvida do pedido.
23. O réu D... comunicou às Finanças, após a penhora da fracção, que tinha efectuado a doação do usufruto.

Inconformado recorre o Réu, concluindo que:

- Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida que considerou procedente a acção de impugnação pauliana apresentada pelo Estado Português.
- Resulta da matéria de facto assente que o acto em análise é uma doação do usufruto da fracção autónoma correspondente ao 2° andar esquerdo, corpo B, do prédio sito na Rua Alexandre Cabral, n° 2 a 4B, em Lisboa, realizada em 22 de Novembro de 2007.
- Resulta da matéria de facto dada por provada e dos juntos que o crédito do A. tem origem em processos de dívidas fiscais instaurados contra os Réus D... e C...
- Resulta ainda, que o Réu D... impugnou judicialmente a liquidação dos créditos fiscais aqui em causa mas em todas as impugnações a Fazenda Nacional foi absolvida do pedido.
- Por Despacho de 4.7.2011 foi efectivamente decretada a suspensão da instância.
- Suspensão da instância que viria a ser levantada por despacho de 15.10.2013.
- Nesta conformidade conclui-se que a exigibilidade do crédito do A. é posterior ao acto de doação que se impugnou.
- Ao tempo em que todos os processos de impugnação dos créditos fiscais (Setembro/Outubro de 2013) eram exigíveis, já tinha sido celebrada a escritura de doação do usufruto (22.11.2007), referente ao imóvel em causa.
- De onde se conclui, que o acto de diminuição da garantia patrimonial foi anterior à constituição e exigibilidade dos créditos, ou dito de outra forma.
-  Os créditos fiscais do A. são posteriores ao acto que se pretende colocar em causa.
- E sendo posterior, a lei é mais rigorosa no que respeita aos requisitos da impugnação pauliana, pois, mostra-se necessária a demonstração de que a doação foi realizada dolosamente, com o intuito de impedir a satisfação do direito do futuro credor, como decorre do disposto no art. 610°, al. a) 2a parte do CC.
- Com efeito, a doação do usufruto teve em vista tão-somente assegurar aos pais (3° e 4° RR) do R. D... o direito a habitação condigna.
- Devendo como tal ser dados como provados os factos 2° e 3° dos factos não provados na Sentença.
- Não pode concluir-se, também, pela verificação do nexo de causalidade entre a doação do usufruto e a impossibilidade para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
- Por tudo exposto, verificam-se que falham dois pressupostos essenciais da impugnação pauliana, em casos de transmissão gratuita, mas anterior à exigibilidade do crédito:
- o nexo de causalidade entre o acto de alienação e a impossibilidade para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade e
- o dolo.

O Estado Português, representado pelo Mº Pº contra-alegou defendendo a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar:

O presente recurso tem como objecto o apurar-se se existem os pressupostos para a impugnação pauliana.
O art. 610º do Código Civil, dispõe que:
“Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
ga) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”.
                                                                                                               Por seu turno, estipula o art. 612º nº 1 do Código Civil que, tratando-se de acto oneroso o mesmo só fica sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé, ou seja, consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
Contudo, tratando-se de acto gratuito a impugnação procede ainda que devedor e terceiro tenham procedido de boa fé.
No caso dos actos estamos justamente perante um acto gratuito, a doação.

Alega o recorrente que a exigibilidade do crédito do Autor é posterior ao acto de doação que se impugnou.
Isto porque, sendo os créditos reclamados relativamente a IVA dos anos de 2002 a 2005, IRS dos anos de 2002 a 2006 e IMI de 2006, o ora recorrente impugnou judicialmente a liquidação de tais créditos, o que levou a suspensão da instância dos presentes autos. A decisão que julgou improcedente tal impugnação do recorrente foi proferida em Setembro/Outubro de 2013, o que significa que só nessa altura os créditos se tornaram exigíveis. Ora a doação impugnada teve lugar em  22/11/2007.
Neste caso, diz o recorrente, a lei é mais exigente quanto aos requisitos da impugnação pauliana, sendo necessária a demonstração de que a doação foi realizada dolosamente, com o intuito de impedir a satisfação do direito do futuro credor.
A impugnação pauliana visa possibilitar ao credor reagir contra actos celebrados pelo devedor em seu prejuízo, obtendo a restituição dos bens  na medida do seu interesse, podendo mesmo executá-los no património do devedor ou do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei – art. 616º nº 1 do Código Civil.
Na medida em que o acto impugnado – doação – é um negócio gratuito, os requisitos para a procedência da presente impgnação pauliana são:
a) Que o crédito seja anterior ao acto impugnado ou, sendo posterior, tenha a doação sido realizada para impedir a satisfação do direito do credor;
b) que do acto resulte a impossibilidade do credor obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.

Quanto à questão da anterioridade do crédito, no caso dos autos, os créditos reportam-se ao incumprimento de obrigações tributárias dos anos de 2002 a 2005 (IVA), de 2002 a 2006 (IRS) e de 2006 (IMI).                                                                                                           
Quanto à sua exigibilidade, data do momento em que os RR foram notificados da respectiva liquidação pelo serviço de Finanças: 30/04/2007 no tocante ao IRS de 2002, 28/11/2007 no tocante ao IRS de de 2003 e 2004, 04/05/2007 no tocante ao IVA de 2002. Os restantes créditos relativos ao IVA tornaram-se exigíveis em datas anteriores a 15/02/2006. O crédito relativo ao IRS de 2006 era exigível desde 16/08/2006 e o crédito relativo ao IMI em data anterior a Novembro de 2007.
Assim, à data da celebração da escritura de doação, 22/11/2007, uma larga parte dos créditos eram exigíveis.
Contudo, alega o recorrente que, tendo impugnado judicialmente a liquidação dos créditos fiscais mencionados, estes só se tornaram exigíveis após a respectiva decisão judicial que, de resto, confirmou as liquidações efectuadas pela Fazenda Nacional.
Mesmo que se entendesse válido o argumento do recorrente isso não iria contender com a decisão, já que, tendo em atenção o disposto no art. 610º a) do Código Civil, mesmo que o crédito seja posterior ao acto impugnado, tal não impede a impugnação pauliana desde que o acto haja sido realizado com a intenção de impedir a satisfação do credor. E esta intenção resultou provada, como consta do nº 19 da matéria de facto provada:
Ao realizar a escritura de doação supra-referida os Réus D... e C... pretenderam unicamente obstar e dificultar que o imóvel respondesse pelo pagamento das dívidas fiscais, sabendo que o usufruto desvalorizava a fracção.”
Mais não é necessário para que se conclua pela procedência da impugnação, tendo em linha de conta que desse acto -doação – resulta a impossibilidade para o credor Estado de obter a satisfação integral do seu crédito. Os RR não dispõem de outro património, salvo o salário da Ré C... cujo montante anual de cerca de € 8.000,00 mostra bem quão exíguo e irrelevante o mesmo seria para pagamento de dívidas de € 227.033,04 de IVA, € 452.775,94 de IRS e € 504,80 de IMI, isto sem contar com os juros de mora.

Diga-se de passagem que, mesmo que o crédito não fosse exigível à data da escritura de doação isso não obstaria à impugnação, nos termos do art. 814º nº 1 do Código Civil. Os créditos em apreço constituíram-se anteriormente à doação. A contestação da liquidação de créditos já existentes, levada a cabo pelos RR, em nada obsta à impugnação pauliana. Saliente-se ainda que os créditos não estavam em causa, só o seu exacto montante. Como parece evidente a iliquidez da obrigação provocada por contestação judicial do seu valor pelo devedor, não pode servir para que este, entretanto, realize negócio jurídico que subtraia o seu património à faculdade de execução pelo credor.

A respeito da decisão factual e da posição que sobre a mesma é assumida pelo recorrente, sublinhe-se que este não deu cumprimento ao disposto no art. 640º nº 1 b) do CPC – anterior art. 685º-B nº 1 b) e 2 – limitando-se a transcrever um excerto do depoimento da testemunha Abílio Vieira – mencionado na sentença – e que de modo nenhum pode servir para provar o nº 2 dos factos julgados não provados, ou seja, que “a doação do usufruto  teve em vista tão-somente assegurar aos pais do Réu D... o direito a habitação condigna”.
Tal excerto poderia quando muito obstar à prova de que os usufrutuários continuem a viver na Rua José Estevão nº 22 1º em Lisboa – a fracção objecto do usufruto situa-se num prédio na Rua Alexandre Cabral em Lisboa – e isso foi exactamente o que concluiu o Mº juiz a quo dando tal facto como não provado.
Nem se percebe a que título pretende o recorrente que o facto nº 3 da matéria não provada passasse a ser dado como provado: não só tal iria contra o referido excerto do depoimento da testemunha como iria também contra a própria tese dos RR sustentada nos articulados e na própria apelação. Dar como provado que os pais do recorrente – e usufrutuários – não moram no edifício objecto da doação usufruto mas sim noutra casa na Rua José Estevão, não é compatível com a tese de que tal doação foi efectuada para lhes permitir uma habitação condigna.

Podemos assim concluir que:

-   Realizada doação de usufruto de uma fracção pelo Réu aos seus pais, isto quanto já sabia ser devedor ao Estado de elevadas quantias por incumprimento fiscal, permite ao Estado usar o instituto da impugnação pauliana quanto a tal doação.
-   O facto de o devedor ter impugnado judicialmente a liquidação feita pelas Finanças não obsta à dedução da impugnação pauliana, como decorre do art. 614º nº 1 do Código Civil.
-  Provando-se que a fracção doada é o único bem dos RR de valor susceptível de satisfazer, ao menos em parte, os créditos do Estado, e que a doação foi realizada pelos RR com a intenção de obstar a que o imóvel respondesse pelo pagamento das dívidas fiscais, a impugnação pauliana deverá proceder.

Assim e pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.


LISBOA, 26/03/2015

António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais