Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOAQUIM MANUEL DA SILVA | ||
| Descritores: | INSTRUÇÃO INADMISSIBILIDADE INQUÉRITO NULIDADES | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade do Relator): 1. O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, na sequência de despacho de arquivamento, tem natureza materialmente acusatória, devendo conter a narração, ainda que sintética, dos factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos do(s) tipo(s) legal(ais) de crime imputado(s), bem como as disposições legais aplicáveis (arts. 287.º-2 e 283.º-3-b) e c) do CPP). 2. A ausência, no RAI, de descrição factual concreta, delimitadora do thema decidendum, constitui deficiência estrutural que torna legalmente inadmissível a instrução, impondo a rejeição liminar do requerimento, nos termos do art. 287.º-3 do CPP. 3. A instrução não é meio idóneo para anular o inquérito, nem para compelir o Ministério Público à realização de diligências omissas; visa unicamente a comprovação judicial da suficiência ou insuficiência dos indícios que sustentaram o despacho de arquivamento ou de acusação (art. 286.º-1 CPP). 4. As nulidades ou irregularidades imputadas ao inquérito devem ser arguidas perante o Ministério Público, titular dessa fase, ou mediante reclamação hierárquica (arts. 263.º e 278.º CPP). 5. Só podem ser apreciadas pelo juiz quando exista instrução validamente instaurada ou, inexistindo esta, pelo juiz de julgamento no momento previsto no art. 311.º CPP. 6. Não contendo o RAI factos típicos minimamente estruturados, e limitando-se a formular críticas à atuação investigatória do Ministério Público e a solicitar a reabertura do inquérito, o requerimento mostra-se materialmente inepto para prosseguir a fase instrutória. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO No âmbito processo comum, perante Tribunal Singular, com nº 317/21.0T9SNT que correu termos no Departamento de Investigação e Ação Penal – 7.ª Secção de Loures da Procuradoria da República da Comarca de Lisboa Norte, onde foi proferido despacho de encerramento de Inquérito, com arquivamento, por entender o Ministério Público que: “(…) não se vislumbrando a realização de qualquer outra diligência que se mostre útil à descoberta da verdade, determino o arquivamento dos presentes autos, ao abrigo do disposto no art. 277º, n.º 2 do Código de Processo Penal, em face da inexistência de indícios suficientes da pratica dos crimes em investigação nos presentes autos.” E proferido despacho de arquivamento pelo Ministério Público, AA, denunciante/assistente e lesado melhor id. nos autos, não se conformando com o mesmo, veio nos termos do disposto nos arts. 68º, n.º 1, al. a), 70º, n.º 1 e 287º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal requerer a abertura de instrução. Remetidos os autos ao Juízo de Instrução Criminal de Loures - Juiz 2, para apreciação do RAI, veio ali a ser, em ...-...-2025, proferida decisão pelo Juiz de Instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287º-3 do CPP, de rejeição do requerimento de abertura de instrução, “por, atento o conteúdo do mesmo (e dele se extrair a violação do comando dos artigos 287º, número 2, e 283º, número 3, als. b) e c) do mesmo diploma), se verificar uma inadmissibilidade legal da instrução. O que vai decidido.” Mais se decidiu aí não se pronunciar sobre o “reconhecimento de nulidades ou invalidades em sede de inquérito (artigos 1 a 45 do Requerimento de Abertura de Instrução)”, por se entender não caber ao “Juiz de Instrução para determinar a invalidade de atos em sede de inquérito, tal como solicitada no artigo, pelo se não se toma conhecimento do alegado, determinando-se, no entanto, a abertura de vista ao Ministério Público para, querendo se pronunciar sobre as referidas nulidades e promover o que tiver por conveniente”. O assistente recorre desta decisão, no essencial defendendo que o RAI e a participação já tinham todos os elementos previstos no art. 283.º-3 do CPP. E ainda alega que “no RAI, o assistente requereu a produção de prova e ainda arguiu a existência de nulidades no inquérito, nos termos do artigo 119.º alínea b) e 120º n.º 2 alínea d) e 3 alínea c) do CPP - nulidade do inquérito quando inexistir inquérito ou sua insuficiência na medida em que tiverem sido omitidas diligências que pudessem reputar-se de essenciais para a descoberta da verdade -, tudo conforme nulidades do inquérito arguidas nos art. 8.º a 45.º do RAI os quais, por uma questão de economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos, nulidades que não foram apreciadas no despacho de indeferimento liminar, por não ter sido admitida a instrução. 57) Ainda que improcedam as razões anteriormente explanadas, que determinam a admissibilidade da instrução, sempre deverão ser reconhecidas as nulidades aqui arguidas (por referência aos art. 8.º a 45.º do RAI), com os demais efeitos legais, considerando-se que a decisão sob sindicância viola, entre outros, os artigos 308.º n.º 3 do CPP, 97º n.º 1 alínea b), 4 e 5, 119º alínea b) e 120º n.º 2 alínea d), 287º todos do CPP, e, art. 13º, 20º, 32n.º 7 e 52.º n.º 1 todos da CRP.” E termina requerendo que seja concedido provimento ao recurso, por entender “que o requerimento de abertura de instrução criminal ora em apreço, conjugado com o despacho de arquivamento ao qual se reagiu, contém os elementos essenciais à função processual que lhe está vocacionada, falecendo, razão ao Mm.º Juiz de Instrução Criminal, não se podendo deixar de concluir que a decisão recorrida viola o disposto nos arts. 286.° e 287.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, impondo-se a revogação do despacho a quo e a sua subsequente substituição por outro que admita a abertura da instrução nos termos requeridos e substituindo-se por outro que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, admitindo-se o requerimento apresentado pelo assistente e declarando-se aberta a Instrução”. O recurso, em ...-...-2025 foi admitido. A este recurso responderam os arguidos BB, CC e DD, no essencial aderindo aos fundamentos da decisão recorrida, terminando pedindo todos que seja confirmada. Ao recurso respondeu também o Ministério Público, concluindo da seguinte forma: «1. O presente recurso tem por objeto o despacho judicial proferido em ...-...-2025 nos termos do qual foi rejeitado, com fundamento na sua inadmissibilidade legal, de acordo com as disposições conjugadas dos artºs. 286º, nº 1, 287º, nº 2, a contrario sensu, e nº 3 do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente na sequência da decisão de arquivamento do Ministério Público no encerramento do inquérito. 2. A decisão proferida não merece censura ao decidir rejeitar o requerimento para abertura de instrução, fundada na consideração de que tal requerimento não contém descrição factual bastante para revelar todos os elementos objetivos e subjetivos dos tipos de ilícito pelos quais se pretende a prolação de despacho de pronúncia, 3. Havendo despacho de arquivamento pelo MP, findo o inquérito, cabe ao assistente, quando requer a abertura da instrução, definir o thema decidendum através da apresentação do requerimento que dá início a esta fase facultativa o qual, nos termos do artº. 287º nº2 do Código de Processo Penal., consubstancia uma verdadeira acusação. 4. É o requerimento de abertura de instrução do assistente que vai estabelecer a vinculação temática do processo, definir os contornos e os limites dos poderes de investigação do juiz de instrução e da decisão instrutória a tomar no fim desta fase judicial. 5. No RAI apresentado, o assistente expõe as razões de discordância quanto ao sentido da decisão tomada pelo Ministério Público no encerramento do inquérito, sem descrever, contudo, um elenco narrativo de factos que integrem todos os elementos objetivos e subjetivos constitutivos dos tipos legais que imputa, nos termos do exigido pelo artº. 283º do Código de Processo Penal. 6. O requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente não contém, por referência a cada agente e correspondente atuação, que nem sequer identifica cabalmente, referindo-se genericamente aos “denunciados”, uma suficiente narração de factos que “compõem” cada um dos ilícitos, quer criminal, quer contraordenacional, por cuja prática pugna que venha a ser proferido despacho de pronúncia. 7. Perante a omissão de factos essenciais a uma decisão de pronúncia ou de não pronúncia, nos moldes estabelecidos nos artºs 287º nº 2 e 283º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal, a decisão a proferir só poderia ser a rejeição ab initio, a fim de evitar o início de uma instrução legalmente inadmissível, por conduzir a um inevitável despacho de não pronúncia, ou a uma decisão instrutória nula por força do artº 309º nº 1 do mesmo diploma legal 8. A nulidade do inquérito por mera insuficiência prevista no artº 120º nº 2 al. d) do Código de Processo Penal apenas se verifica quando não tenham sido praticados actos legalmente obrigatórios, como é o caso da falta de interrogatório como arguido (no inquérito) de pessoa determinada contra quem o mesmo ocorre, sendo possível a notificação, quando haja fundada suspeita de ter praticado algum crime – art. 272º nº 1 do Código de Processo Penal – Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 1/2006. 9. Não se descortina a razão pela qual o assistente entende ter havido vício mais grave e insanável, previsto no artº 119º, do Código de Processo Penal pois que não indica sequer qual o ato omitido. 10. Não tendo o Sr. JIC declarado aberta a instrução, nem realizado o debate instrutório, de caracter obrigatório e como tal sem proferir decisão de não pronuncia/pronuncia, não tinha de ser apreciada as invocadas nulidades. 11. A inadmissibilidade legal de instrução impedindo a prossecução dos autos para a fase processual, judicial, seguinte, que não atinge, impede, o conhecimento dos vícios do inquérito e despacho de arquivamento. Por todo o exposto impõe-se concluir que o despacho recorrido ponderou devidamente a matéria submetida a apreciação e, em consequência, deverá manter-se a decisão que indeferiu a abertura de instrução requerida pelo assistente, ora recorrente.» Nesta Relação, a Exma. Procurador-Geral Adjunta, no parecer que emitiu, propugna também pela improcedência do recurso, referenciando em síntese acompanhar o posicionamento assumido do Ministério Público na primeira instância, acrescentando o seguinte: «(…) 2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas. Ora, aquele n.º 3 do art. 283º do Código de Processo Penal, alíneas b) e d), para as quais remete o n.º 2 do normativo legal atrás citado, torna exigível que o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente na sequência de despacho de arquivamento do inquérito, tal como sucede com a acusação formulada pelo Ministério Público, contenha obrigatoriamente: b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; É que, conforme dispõe o art. 309º/1 do Código de Processo Penal: A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução. Tal normativo tem por subjacente o respeito pelo princípio do acusatório, obstando a que o juiz de instrução carreie para o despacho de pronúncia factos não constantes no requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, quando o Ministério Público se tenha abstido de deduzir acusação. Os atos a praticar em instrução têm em vista o disposto no artº 290º, nº 1, do CPP, isto é, permitir a comprovação judicial da decisão de acusação ou arquivamento tomada pelo Ministério Público. Não se trata de uma nova investigação. Trata-se de fase processual em que impera o princípio contraditório e em que é suposta uma determinada delimitação factual e valoração jurídica desse quadro factual, que permitirá, o exercício do contraditório – cfr. artº 303º, do CPP. Assim, quando tenha sido proferido despacho de arquivamento do inquérito, o requerimento de abertura de instrução deverá necessariamente conter uma acusação alternativa, que descreva factualmente os factos necessários ao preenchimento dos elementos típicos objetivos e subjetivos dos crimes que o assistente pretende imputar ao(s) arguido(s). É por isso que o requerimento para abertura de instrução (na sequência de arquivamento) mais não é do que o afirmar por parte do assistente, em jeito de acusação, com obediência ao disposto no artº 283º, do CPP, dos factos concretos que entende resultarem indiciados da investigação realizada e que não foram vertidos pelo Ministério Público numa acusação pública. Com efeito, sabido que o JI está confinado pelo alegado no RAI (art. 288.º, n.º 4, do CPP), não podendo substituir o sujeito processual que requer a fase de instrução, não se pode aceitar a prática de supostos atos de instrução propriamente ditos que antes envolvem a continuação da investigação que não foi feita pelo Ministério Público no inquérito e, assim, implicam que o JI extravase as suas funções” – Ac. STJ de 31.5.2023, no proc.º 260/21.3TRLSB. Como se consignou no Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/2005, de 4 de novembro (com publicação no Diário da República n.º 212/2005, Série I-A de 2005-11-04: Sem acusação formal o juiz está impedido, escreve o Professor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, p. 175, de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objecto. (...) Uma ilimitada investigação levada a cabo pelo juiz de instrução buliria com o princípio da acusação, pois seria ele a delimitar o objeto do processo contra os peremptórios termos do artigo 311.º, n.º 3, alínea b), do CPP, não sendo curial, sublinhe-se, o tribunal substituir-se aos profissionais do foro, mandatários judiciais do assistente, necessariamente por aqueles assistido, nos termos do artigos 70.º, n.º 1, e 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP, suprindo-lhes carências no desempenho técnico-profissional que lhes incumbe. Sobre tal questão pronunciou-se já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 358/2004, de 19 de Maio, processo n.º 807/2003 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 150, de 28 de Junho de 2004), citado no AUJ acima mencionado: «A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.» (...) «Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para a abertura de instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre [...] de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. Em bom rigor, o presente RAI pretendeu endossar ao tribunal recorrido tarefa própria, de proceder a novo inquérito, contra o que dispõe a lei processual, atendendo ao probatório que requer no final.» * Foi cumprido o disposto no art. 417.º-2 do CPP. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir. * II. APRECIAÇÃO DO RECURSO O objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são designadamente os vícios da decisão/despacho previstos no art. 379º ou no art. 410º-2, ambos do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cf. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995). São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do CPP e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (in Proc. nº 91/14.7YFLSB. S1 – 5ª Secção), e de 30/06/2016 (in Proc. nº 370/13.0PEVFX.L1.S1 – 5.ª Secção). A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões». A esta luz, as questões a conhecer e decidir no âmbito do presente acórdão, são as seguintes: a. Saber se o despacho que rejeitou o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente viola o disposto nos arts. 286.° e 287.°-3 do Código de Processo Penal, impondo-se a revogação do despacho a quo e a sua subsequente substituição por outro que admita a abertura da instrução nos termos requeridos. b. Saber se, ainda que se responda negativamente à 1.ª questão, deverão ser reconhecidas as nulidades arguidas no RAI (por referência aos pontos 8.º a 45.º da peça), com os demais efeitos legais, e se a decisão recorrida por assim não entender viola, entre outros, os artigos 308.º-3, 97º-1-b)-4-5, 119.º-b), 120.º-2-d), e 287.º, todos do CPP, e, os arts. 13.º, 20.º, 32.º-7 e 52.º-1, todos da CRP. Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando o progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objeto da seguinte. * II.a) Saber se o despacho que rejeitou o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente viola o disposto nos arts. 286.° e 287.°-3 do Código de Processo Penal, impondo-se a revogação do despacho a quo e a sua subsequente substituição por outro que admita a abertura da instrução nos termos requeridos. Alega o assistente, em sustento do requerido nesta parte da sua petição recursória, que a decisão recorrida viola o disposto nos arts. 286.° e 287.°-3 do Código de Processo Penal. O que consta desses normativos: “Artigo 286.º Finalidade e âmbito da instrução 1 - A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. 2 - A instrução tem carácter facultativo. 3 - Não há lugar a instrução nas formas de processo especiais. Artigo 287.º Requerimento para abertura da instrução 1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. 2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas. 3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.” Vejamos: Nos termos consignados no art. 286.º-1 do CPP, “A instrução visa a comprovação da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem em submeter ou não a causa a julgamento”. Assim, enquanto fase jurisdicional, e citando Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos - artigos 241 a 524, 2023, pp. 203-207) , «A instrução consiste na fase de discussão da decisão de arquivamento ou de acusação tomada pelo MP no final do inquérito. Mas o âmbito desta discussão é limitado pela lei, ou melhor, pelo objetivo que a lei estabelece para aquela discussão. Nela pretende-se apurar a existência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança (artigo 308.º-1). Portanto, a instrução visa discutir a decisão de arquivamento apenas no que respeita ao juízo do MP de inexistência de indícios suficientes e discutir a decisão de acusação apenas no que respeita ao juízo do MP de existência de indícios suficientes». Não se configurando como um complemento da investigação feita em inquérito, mas antes contemplando a prática dos atos necessários que permitam ao juiz de instrução proferir a decisão final (decisão instrutória) de submeter ou não a causa a julgamento, tal significa que em sede de fase instrutória caberá ao juiz investigar o caso submetido a instrução, de forma autónoma, sim, mas sempre “tendo em conta a indicação constante do requerimento da abertura de instrução”, conforme expressamente exigido no art. 288.º-4 do CPP. Ao requerimento de abertura de instrução refere–se desde logo o nº 2 do artigo 287º do CPP, impondo que “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º ”. Os procedimentos da Instrução culminam com o proferimento de despacho de pronúncia ou de não pronúncia – consoante existam ou não indícios suficientes que justifiquem a submissão ou não do arguido a julgamento –, conforme estipulado no art. 308.º-1 do CPP, onde se determina precisamente que, “se até ao encerramento de instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”. Resulta, por sua vez, do artigo 308.º-2 do CPP, por via imediata da remissão aí efetuada para o art. 283.º-2 do mesmo diploma, que se consideram suficientes os indícios “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena ou uma medida de segurança”. Tem–se aqui em vista uma “probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicável uma pena ou medida de segurança crimina” , cf. (Curso de Processo Penal - III, 1994, p. 125 e ss.) ; ou, como ensina Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974) “os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição”. Constitui, em suma, indiciação suficiente a presença de um conjunto de elementos que, devidamente relacionados e conjugados entre si, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo vingar a convicção de que este virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado. Donde, o juiz que dirige a fase de Instrução deve, a final da mesma, proferir despacho de pronúncia do arguido quando os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si, fizerem pressentir da culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior e seja de concluir, com uma probabilidade razoável, que tais elementos se manterão em julgamento, ou quando se pressinta que da ampla discussão em plena audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação. Porém, tal decisão instrutória apenas pode reportar–se, aos factos e crimes que formaram o objeto da fase processual de que a mesma é conclusão, tal como previamente delimitado nos termos do acima transcrito art. 287.º-2 do CPP. Começando a nortear a presente análise para o caso concreto dos autos, temos que um dos fundamentos do arquivamento do inquérito pelo Ministério Público, é, pois, a insuficiência dos indícios da verificação de crime ou de quem foram os seus agentes, como previsto no art. 277º-2 e 308º-1, ambos do CPP). E, perante o arquivamento do inquérito, o assistente pode requerer a abertura da instrução, nos termos permitidos pelo art. 287º-1-b) do CPP, onde prevê tal legitimidade nos casos em que o procedimento não depender de acusação particular e exatamente relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. Deverá, porém, no exercício desse seu direito processual, observar os requisitos e pressupostos que vimos expressos no art. 287.º-2 do CPP. Entre tais pressupostos exige-se, como vimos, ao assistente a observância, por remissão dessa disposição legal, dos requisitos enunciados nas alíneas b) e c) do artigo 283.° do CPP, designadamente : «- a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; e - a indicação das disposições legais aplicáveis.» É certo que a menção inserta no início da redação do citado art. 287.º-2 do CPP, segundo a qual “o requerimento não está sujeito a formalidades especiais”, inculca não ser exigível, em termos de forma, que o texto do requerimento de abertura de instrução assuma o formato com que normalmente se apresenta na forma escrita “usual” que o Ministério Público utiliza aquando da formulação de uma acusação pública. Desde que os factos essenciais ao preenchimento do crime imputados ao denunciado estejam efetivamente presentes, sejam percetíveis e aptos a consubstanciar em termos materiais a aplicação de uma pena ou medida de segurança, e sejam suficientes para garantir a defesa e conformar o objeto do processo, correspondendo assim a uma descrição dos elementos objetivos e subjetivos, estamos perante uma peça processual com a virtualidade de consubstanciar uma acusação, e, assim, insuscetível de rejeição por inadmissibilidade legal da instrução ao abrigo do art. 287.º-2-3 do CPP – podendo mencionar–se, neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 08/09/2021 (procº 250/18.3PEVFX.L1-3)1. Donde ser absolutamente adequada a afirmação de que o requerimento de abertura de instrução consubstancia, materialmente, uma acusação, na medida em que por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento, por factos geradores de responsabilidade criminal. Estamos, afinal, perante uma decorrência da estrutura acusatória do processo penal português, que impõe que o objeto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura de instrução – princípio, previsto desde logo no art. 32.º-5 da Constituição da República, do qual se encontram aliás novas expressas advertências, quer na delimitação do exercício da atividade do juiz de instrução, como já vimos nos termos do também já citado art. 288.º-4 do CPP, quer por exemplo no fulminar–se com o vício de nulidade a decisão instrutória na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução, nos termos previstos no art. 309º/1 do CPP. Como escreve João Conde Correia (Comentário Judiciário do Código Processo Penal - Tomo III, artigos 191.º a 310, 2025), “O despacho de acusação cumpre, no essencial três funções: desde logo uma função de promoção processual, imprescindível nos processos de estrutura acusatória (art. 32º/5 CRP). A acusação introduz o facto em juízo, permitindo quer um terceiro, independente e imparcial, decida o caso. Sem ela, o juiz não pode conhecer e julgar, ainda que oficiosamente, os factos imputados ao arguido (ne ptocedeat judex ex officio). Por isso mesmo, a falta de acusação é causa de invalidade insanável (art. 119.º-b): a mesma entidade já não pode, repetimos, ao mesmo tempo, promover e julgar; em segundo lugar, a acusação cumpre uma função informativa. O arguido fica a saber os factos que lhe são imputados, podendo começar a preparar a sua defesa e exercer finalmente e, de forma global, o contraditório (art. 32-°-5, parte final, CRP); em terceiro lugar, a acusação tem uma função delimitativa. O objeto do processo fica cm princípio, fixado, devendo haver uma certa identidade entre a acusação e a sentença”. Exigindo–se, pois, logo no momento (pre)liminar da fase instrutória, a delimitação estrita do objeto da mesma aos factos e crimes elencados, ademais pela forma exigida naqueles arts. 287.º-2 e 283.º-3-b-c) do CPP, no requerimento de abertura de instrução, fácil é a conclusão da determinante importância de tal peça processual com que se propugna a sindicância jurisdicional de uma decisão de não acusação. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 674/99, de 25/02/2000 (in D.R IIª – nº47), «estas exigências quanto ao conteúdo da acusação são igualmente aplicáveis ao despacho de pronúncia, por força do preceituado no artigo 308.º, n.º 2, do mesmo Código. Por outro lado, estas mesmas exigências – no que se reporta à necessidade de uma narração dos factos penalmente censuráveis – podem ser mesmo vistas, para além do mais, como uma decorrência lógica do princípio da vinculação temática, já que só desse modo a acusação pode conter os limites fácticos a que fica adstrito o tribunal no decurso do processo (cf. António Barreiros, Manual de Processo Penal, Universidade Lusíada, 1989, p. 424). Ou seja, a narração dos factos que constituem os elementos do crime deve ser suficientemente clara e percetível não apenas, por um lado, para que o arguido possa saber, com precisão, do que vem acusado, mas igualmente, por outro lado, para que o objeto do processo fique claramente definido e fixado.» Ou, como se decidiu, entre muitos outros, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 23/06/2010 (proc. n.º 3066/09.4TAVNG.P1)2, “Na decorrência da estrutura acusatória do processo penal, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente terá de consubstanciar, materialmente, uma acusação, com a narração precisa dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena e com a indicação das disposições legais aplicáveis”. Em (apertada) síntese, podemos afirmar que o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público deve fixar e circunscrever o objeto do processo como se se tratasse de uma acusação deduzida pelo Ministério Público, assim delimitando e condicionando os poderes de cognição do tribunal. Nesse sentido e face às divergências ocorridas, e como dá nota a PGA no parecer proferido neste processo, a divergência foi objeto de Acórdão de Fixação de Jurisprudência, com o n.º 7/2005, de 4 de novembro3, onde se consagra o seguinte entendimento: «Sem acusação formal o juiz está impedido, escreve o Professor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, p. 175, de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objeto. (...) Uma ilimitada investigação levada a cabo pelo juiz de instrução buliria com o princípio da acusação, pois seria ele a delimitar o objeto do processo contra os perentórios termos do artigo 311.º-3-b) do CPP, não sendo curial, sublinhe-se, o tribunal substituir-se aos profissionais do foro, mandatários judiciais do assistente, necessariamente por aqueles assistido, nos termos do artigos 70.º-1, e 287.º-1-b) do CPP, suprindo-lhes carências no desempenho técnico-profissional que lhes incumbe.» E consagra o seguinte AUJ: «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.» Sobre tal questão pronunciou-se depois também o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 358/2004, de 19 de Maio, processo n.º 807/20034 onde refere que «a estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objeto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.» (...) «Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para a abertura de instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre [...] de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. Assim, dado que no requerimento de instrução do assistente manifestamente não descreve no caso, como entendeu o despacho da 1.ª instância, cabalmente os factos imputados deve ser objeto de rejeição, esgrimindo sim um conjunto de fundamentos para comprovar os indícios da prática dos crimes aos arguidos, que, como entende o Ministério Público, materialmente configura «em bom rigor, o presente RAI pretendeu endossar ao tribunal recorrido tarefa própria, de proceder a novo inquérito”, deixando o JIC sem “thema decidendum.» Sendo certo que, como supra mencionado, não pode o juiz de instrução intrometer-se de qualquer modo na delimitação do objeto do processo, no sentido de o alterar ou completar, diretamente ou por convite ao assistente requerente da instrução ao aperfeiçoamento do seu requerimento, face ao teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2005 supra citado”. Nos termos deste mesmo acórdão, acrescenta-se que «o preenchimento das lacunas em processo penal pelo recurso ao processo civil, ao princípio da cooperação, conhece um intransponível limite: o da não harmonização das finalidades descritas quanto ao último ramo de direito àqueloutro, por força do artigo 4.º do CPP. (…) A falta de narração de factos na acusação conduz à sua nulidade e respetiva rejeição por ser de reputar manifestamente infundada, nos termos dos artigos 283.º, n.º 3, alínea b), e 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea b), do CPP. A manifesta analogia entre a acusação e o requerimento de instrução pelo assistente postularia, em termos de consequências endoprocessuais, já que se não prevê o convite à correção de uma acusação estruturada de forma deficiente, quer factualmente quer por carência de indicação dos termos legais infringidos, dada a perentoriedade da consequência legal desencadeada – o ser manifestamente infundada, igual proibição de convite à correção do requerimento de instrução, que deve, identicamente, ser afastado. (…) O convite à correção encerraria, isso sim, uma injustificada e desmedida, por desproporcionada, compressão dos seus direitos fundamentais, em ofensa ao estatuído no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, que importa não sancionar.» Ora, o teor do requerimento de abertura de Instrução oportunamente apresentado pelo assistente não delimitou manifestamente o "thema decidendum" nos termos previstos no art. 283.º-3 do CPP, mas sim, como alega no recurso, pretende que se retire do seu conteúdo e até da participação criminal esse mesmo conteúdo, o que manifestamente não colhe. E em face do mesmo, foi, pois, proferida pelo juiz de instrução a decisão ora recorrida, e cujo teor integral é o seguinte: «No requerimento que apresentou, vem o assistente requerer a abertura de instrução. Releva, nesta fase, invocar o disposto no artigo 287º, número 2, do Código de Processo Penal: “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas.” No artigo 283º, número 3, do diploma, pode-se ler o seguinte: “3 - A acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; (…)”. Importa também, desde já relembrar o disposto no número 3 do supra referido artigo 287º, número 2, do Código de Processo Penal: “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.”. Isto posto, cumpre apreciar e decidir. No presente caso, o requerimento não é extemporâneo, e o tribunal é competente. Porém, compulsado o explanado no requerimento de abertura de instrução, deteta-se que os factos enunciados pelo assistente são inespecificados e não permitem a dedução que qualquer acusação ou pronúncia. Apreciando. Após a entrada em vigor das alterações ao artigo 287º do Código de Processo Penal, operadas pela Lei número 59/98 de 25/08, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente está sujeito ao formalismo prescrito nas alíneas b) e c) do número 3 do artigo 283º do mesmo diploma. Quer isto dizer que deve conter sob pena de nulidade, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação do agente). De facto, “não compete ao juiz perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da ação penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes. Após o arquivamento pelo M.P., o requerimento de abertura de instrução do assistente equivalerá em tudo à acusação, definindo e limitando o objeto do processo a partir da sua apresentação.” É uma consequência da estrutura acusatória do processo a definição do seu thema decidendum pela acusação. Quando esta não existe, é o requerimento de abertura de instrução que tem que fixar tais limites. Com efeito, a instrução não tem por finalidade direta a fiscalização ou complemento da atividade de investigação e recolha de prova realizada no inquérito. A instrução é atualmente uma atividade materialmente judicial e não de investigação ou materialmente policial ou de investigações. Como consequência, a insuficiência da investigação realizada pelo Ministério Público no inquérito é sindicada hierarquicamente por via de reclamação 4 e a errada valoração dos indícios colhidos na investigação é sindicada judicialmente por via da abertura de instrução. Nos casos de decisão de arquivamento, como sucede aqui, o juiz de instrução, quando aceite as razões aduzidas pelo assistente, e discordando da decisão de não acusação do Ministério Público, não ordena a este órgão que proceda em conformidade com a sua decisão, antes recebe a acusação implícita no requerimento do assistente, pronunciando, se for o caso disso, o arguido pelos factos constantes dessa acusação. O acusador, no caso, o assistente, requer ao tribunal a submissão a julgamento do acusado (relativamente ao qual o processo foi arquivado) pela prática dos factos que obrigatoriamente tem que descrever na acusação, em conformidade com as disposições legais aplicáveis, que também deve (obrigatoriamente) indicar. No caso do requerimento de abertura de instrução apresentado nos autos, verifica-se a omissão de imputação de qualquer ilícito uma qualquer pessoa concreta por falta de menção concretizada do seu elemento objetivo. Analisado o acervo factual descrito pelo assistente, verifica-se que ele será proprietário de um prédio, cujas características (área, confrontações, localização) não descreve. Sustenta, no entanto, que os arguidos não só ocuparam tal prédio, como o desfiguraram e até, utilizaram, inclusive, para a obtenção de subsídios. Ora para que se possa acusar alguém destas acções é necessário saber o que concretamente fizerem, quando, onde e com que extensão, o que não resulta com clareza do Requerimento de Abertura de Instrução. Não se conhece sequer, a quem em concreto são imputadas quaisquer condutas. Todos os arguidos? Alguns deles, alguém a seu mando? (um dos arguidos é uma sociedade). Admitindo-se a instrução, teria o tribunal que perscrutar os autos, ou realizar mais diligências com a natureza própria não da instrução, mas do inquérito, transformando-se em acusador, a fim de encontrar os factos concretos que determinam a responsabilidade criminal de um qualquer acusado. Sendo possível, deve o tribunal convidar a parte a aperfeiçoar as suas posições. É a justiça material que deve nortear a atuação dos tribunais. Porém, no presente caso tal, possibilidade não se verifica. É que caso o tribunal se substituísse ao assistente, estaria a proceder a uma alteração substancial de factos (no caso, mesmo enunciação primária), inadmissível in casu, pondo em causa os princípios da imparcialidade do julgador, do contraditório e da estrutura acusatória do processo penal (artigo 32°, número 5, da Constituição da República Portuguesa). Relembre-se a conclusão a que se chegou no Acórdão de Fixação de Jurisprudência número 7/2005 (in DR. I-A, número 212, de 4 de Novembro de 2005): “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”. A realizar a instrução com base no requerimento de abertura de instrução em causa, o tribunal violaria gravemente o princípio do acusatório, na medida e que teria que se transformar em investigador penal, o que lhe não é lícito. Pelo exposto, outra solução não existe que, ao abrigo do disposto no artigo 287º, número 3, do Código de Processo Penal, rejeitar o requerimento de abertura de instrução, por, atento o conteúdo do mesmo (e dele se extrair a violação do comando dos artigos 287º, número 2, e 283º, número 3, als. b) e c) do mesmo diploma), se verificar uma inadmissibilidade legal da instrução. O que vai decidido.» Perante o teor do RAI, conclui-se que se mostra claro pelos fundamentos supra enunciados por nós, e também os da decisão recorrida, que notoriamente não se mostram descritos os factos que integram os necessários elementos objetivos típicos do crime pelo qual o recorrente (assistente nos autos) preconiza quanto aos alegados fatos que constituem crimes praticados pelos arguidos. Ou seja, o RAI apresentado pelo assistente não deu cumprimento, como lhe competia, à exigência assinalada no art. 283º-3-b) do CPP, limitando–se no essencial a analisar a atuação do Ministério Público no que aos procedimentos adotados em sede de Inquérito diz respeito, mas claudicando na adequada elaboração de um requerimento que equivalesse a um despacho acusatório, com a descrição e narração de factos exarada e delimitada em termos suficientes que, nos termos indicados na aludida disposição legal, “fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”. Omitindo essa adequada narração de factos que preenchessem a objetividade necessária para o preenchimento dos alegados fatos que na perspetiva do assistente configuram crimes praticados pelos arguidos, não se mostra satisfatoriamente efetivada a imputação criminosa, donde bem decidiu o juiz de instrução ao proferir despacho de rejeição do requerimento de instrução, pois este quadro torna legalmente inadmissível a abertura da instrução, obrigando à rejeição daquele RAI nos termos do art. 287.º-3 do CPP, onde se dispõe que "o requerimento [para abertura de instrução] só pode ser rejeitado por (…) inadmissibilidade legal da instrução", e conclui-se, o requerimento de abertura de instrução (RAI) não é um mero meio de reapreciação do inquérito; tem uma finalidade processual própria, e que é obter a pronúncia do arguido, e, portanto, pressupõe uma imputação concreta e estruturada como uma acusação, o que não foi feito. E decaia pelo exposto, e nesta parte, a pretensão do assistente. * II.-b) Saber ainda se, dado que se respondeu negativamente à 1.ª questão, deverão ser reconhecidas as nulidades arguidas no RAI (por referência aos pontos 8.º a 45.º da peça), com os demais efeitos legais, e se a decisão recorrida por assim não entender viola, entre outros, os artigos 308.º-3, 97º-1-b)-4-5, 119.º-b), 120.º-2-d), e 287.º, todos do CPP, e, os arts. 13.º, 20.º, 32.º-7 e 52.º-1, todos da CRP. Vejamos o corpo desses artigos do RAI (transcrição): “II- DAS NULIDADES DO INQUÉRITO 8.º Compulsados os autos foi possível apurar (fls.174) que em .../.../2023 ainda não se havia iniciado a investigação. 9.º Está bem de ver que não se podem recolher indícios se não são realizadas as diligências essenciais a um inquérito sério e competente. 10.º Sempre que não forem realizadas diligências de inquérito essenciais à descoberta da verdade material, serão sempre proferidos despacho de arquivamento, por falta de indícios suficientes da prática de qualquer ilícito. 11.º Iniciado o inquérito, as únicas diligências de inquérito realizadas, foram a inquirição do assistente, dos técnicos responsáveis pela concessão dos subsídios EE, FF e GG, e de um dos suspeitos sócio-gerente da empresa ..., - BB, que aliás prestou declarações citando o que ouviu dizer por parte de outro suspeito - HH –, o que não deveria ser relevado, uma vez que, deveria ter sido interrogado HH). 12.º E, não houve a constituição de arguido de nenhum dos suspeitos denunciados. Motivo pelo qual, 13.º O inquérito encontra-se ferido nulidade, por insuficiência do inquérito, a que se refere o artigo 120.º n.º2 alínea d) do código de processo penal. 14.º Nos termos do artigo 120, nº 2, alª d), do Código de Processo Penal, constituem nulidades dependentes de arguição, além das que foram cominadas noutras disposições legais, a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.” 15.º Na queixa-crime o assistente requereu as seguintes diligências de prova: «Diligencias probatórias que requer: 1. Seja oficiado o IFAP e Direção Regional da Agricultura e Pescas, para vir juntar aos autos cópia integral do requerimento inicial que deu azo ao parcelário n.º ... e ..., com indicação dos montantes recebidos de ajudas, fundos ou prémios e forma de apuramento e atribuição dos mesmos; 2. Seja oficiada e comunicada à Direcção da Reserva Ecológica Nacional e ao Ministério da Agricultura e Pescas, para os efeitos tidos por convenientes, a actuação aqui denunciada. 3. Requer-se a identificação dos Srs. Engenheiros que trataram de todo o processo referente às parcelas n.º ... e ..., analisando a documentação apresentada pelos denunciados e aprovando tais projetos, assim como, a identificação das ajudas, fundos ou prémios, designadamente, natureza das mesmas, regularidade dos pagamentos e montantes, para comunicação às entidades competentes, eventualmente, à União Europeia. 4. Seja oficiada a Reserva Ecológica Nacional no sentido de informar os presentes autos, da existência de pedido de parecer ou licença para a construção de caminho no prédio rústico em apreço, com a consequente alteração de morfologia, topografia dos solos e destruição de coberto vegetal do solo do prédio. 5. Seja oficiada a GNR de...para vir juntar aos autos Auto de Ocorrência com o n.º 306/20, assim como, para vir informar os autos, acerca da identidade dos Srs. Militares da GNR que se deslocaram ao local no dia .../.../2020 para tomar conta da ocorrência. 6. Requer-se inspeção judicial ao local.» 16.º Na denúncia apresentada pelo assistente nos presentes autos foi solicitada a realização de um conjunto de diligências probatórias que não foram levadas a cabo pelo Ministério Público, nomeadamente a inquirição de duas testemunhas e a requisição de prova documental a entidades terceiras. 17.º Não tendo sido apreciado, nem decidido este requerimento de prova, foi omitido ato legalmente obrigatório. 18.º Com efeito, as autoridades judiciárias devem conhecer, apreciar e decidir todos os requerimentos legitimamente apresentados pelos interessados, nomeadamente nos termos previstos nos artigo 32.º nº 7, e 52.º nº 1, ambos da Constituição. 19.º O Ministério Público estava funcionalmente obrigado a apreciar e decidir aquele requerimento de prova, pelo que a sua não apreciação constitui falta de um ato legalmente obrigatório, e a sua omissão é suscetível de afetar a validade do despacho de arquivamento do inquérito. 20.º Da consulta do processo, constata-se que as diligências requeridas não foram realizada, o que fere de nulidade o inquérito, nos termos do disposto no 120.º do CPP, devendo determinar-se a realização integral de tais diligências com a extensão solicitada. 21.º Naquela queixa o assistente solicitou também a inquirição de duas testemunhas, que nunca foram notificadas para serem inquiridas nos presentes autos, omissão que deve ser relevada determinando-se a realização de tais diligências nesta fase de instrução, uma vez que tal omissão fere de nulidade o inquérito, nos termos do art.º 120º, n.º2 al. d) e n.º3 al. c) CPP - omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade - uma vez que o mesmo foi arquivado pela inexistência de elementos probatórios que sustentam a versão do assistente sem que tenham sido ouvidas as testemunhas por ele indicadas e sem que se tenham sido realizadas as diligências de obtenção de prova por ele indicadas. 22.º Se é certo que a direção do inquérito cabe ao M.P., assistido pelos órgãos de polícia criminal (art.º 263º CPP), praticando, conforme preceituado no art,º 267º CPP, os atos e assegurando os meios de prova necessários à realização das finalidades a que alude o art.º 262º, n.º1 do CPP, ou seja, “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação”. 23.º Não menos certo, é que ao assistente compete colaborar com o M.P a cuja atividade subordinam a sua intervenção no processo podendo desenvolver as competências previstas no art.º 69º CPP, entre as quais, as de intervir no inquérito oferecendo provas e requerendo diligências, deduzir acusação e interpor recurso das decisões que o afetem. 24.º E compete ao JIC, em sede de instrução, conhecer das nulidades cometidas durante o inquérito e arguidas pelo assistente nos termos prevenidos no art.º 308º, n.º3 CPP. 25.º A autonomia do M.P., enquanto entidade a quem compete a direcção do inquérito significa que é livre de exercer a sua competência e os seus poderes durante esta fase, estando o inquérito na sua disponibilidade. 26.º Não olvidamos que, nos atos e competências do juiz de instrução não cabe a sindicância ao modo como a investigação é feita - o que fica sujeito a fiscalização judicial é, em princípio, a decisão do M.P. proferida no final do inquérito. 27.º Porém, o princípio de legalidade a que está sujeito o M.P (art.º 3º n.º1 c) Estatuto do M.P.) não permite que, determinada a necessidade da realização de determinada diligência, esta possa deixar de ser efetuada. 28.º A autonomia só se afirma se a realização dos atos levados a cabo for coerente com a definição da sua necessidade e oportunidade pelo órgão competente para tal definição, no caso, o M.P. que dirigiu o inquérito e que, perante a indicação de testemunhas feitas pelo assistente que alegava serem presenciais dos factos sob investigação e, como tal, importantes pelas razões que invocou para a mesma investigação, definiu essa necessidade. 29.º O M.P. não justificou a sua não inquirição, ou a sua desnecessidade, nada tendo determinado no que se reporta à sua realização ou não. 30.º Como tal, a falta de inquirição das duas testemunhas indicadas pelo assistente e tidas por essenciais por este, para averiguação dos factos sob investigação, só pode entender-se como integradora de insuficiência do inquérito. 31.º É nosso entendimento que a insuficiência de inquérito a que se refere o art.º 120º, n.º2 al. d) do CPP se verificará com a falta de realização de actos impostos por lei ou definidos como obrigatórios ou necessários pela entidade que dirige o inquérito, entendimento que cremos não ofender o princípio do acusatório, regulador do processo penal. Veja-se neste sentido o AC. TRL 02/03/2004 relatado por Filomena Clemente Lima. 32.º Outro entendimento, deixará sem conteúdo útil a previsão legal de “insuficiência do inquérito”, constante do art.º 120º , n.º2 al. d) CPP. 33.º De igual forma só foi inquirido e na qualidade de testemunha um dos suspeitos. 34.º Analisada a certidão comercial permanente da sociedade suspeita, (fls. 191 a 192 é possível apurar que existe mais do que um sócio gerente, o que levou aliás a apresentação da queixa relativamente a três suspeitos pessoas singulares. 35.º O M.P além da imprescindibilidade de ouvir o denunciado e das obrigações decorrentes como as previstas nos arts. 272.º, 274.º e 275.º do CPP, deve efetuar diligências que permitam, no fim do inquérito, uma tomada de posição. 36.º Aberto o inquérito, é legalmente obrigatório interrogar, no sentido de ouvir, os denunciados, suposto a verificação do previsto no artº 272.º nº 1 do CPP. 37.º Este artigo diz o seguinte: correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interroga-la como arguido, salvo se não for possível notifica-la. 38.º A falta de interrogatório do arguido, em fase de inquérito, quando este corra contra pessoa determinada e a sua notificação para comparência não se revele inviável, configura a nulidade prevista no artº 120 nº 2, alª d) do CPP – configurando insuficiência de inquérito. 39.º Num processo como o presente, em que, após a denúncia, o M.P. se limita a inquirir o denunciante, três testemunhas intimamente ligadas à concessão de subsídios aos suspeitos, e à inquirição de um único suspeito, na qualidade de testemunha, sem realizar qualquer outro tipo de diligência, estamos perante um arquivamento liminar e, consequentemente, uma nulidade processual, designadamente de falta de promoção do inquérito pelo M.P. prevista no art. n 119.º 2, al. d) do CPP, pois que a efectividade do inquérito exige que as autoridades tomem as medidas razoáveis à sua disposição para garantir a obtenção das provas relacionadas com os factos em questão. 40.º O Assistente requereu um conjunto de diligências probatórias nomeadamente, a inquirição de testemunhas e requisição de documentação a entidades terceiras, pedido esse que não foi objeto de apreciação nem decisão por parte do M.P. 41.º Estando o M.P. funcionalmente vinculado à obrigação de apreciar e decidir sobre o requerimento probatório apresentado pelo assistente mister se torna concluir que o mesmo omitiu a prática de ato legalmente relevante que inquina a validade do despacho de arquivamento - nulidades de falta de promoção do processo pelo M.P. e insuficiência de inquérito - com a consequente invalidade do despacho de arquivamento – artºs 18 nº 1; 32 nº 7 e 52 nº 1, todos, da CRP e artºs 118 nº s 1 e 2; 119 alª b); 120 nº 2, alª d) e nº 3 alª c) e 122 nº 1, todos, do CPP. 42.º Aliás, do relatório final apresentado pela Polícia judiciária resulta que esta polícia cingiu a sua investigação aos crimes de que possuía competência reservada para a investigação – fraude na obtenção de subsidio ou subvenção -, não tendo procedido a investigação quanto aos demais crimes aqui em causa, não resultando dos autos que o M.P tenha delegado competência noutra polícia, para a investigação dos demais crimes denunciados, impõe-se que sejam encetadas diligências de investigação, ou estas prossigam, sob pena de insuficiência do inquérito. 43.º O âmbito da aplicação do disposto no artº 119 alª b) do CPP, abrange a hipótese de ter sido proferido despacho de encerramento no inquérito, quer de arquivamento quer de suspensão provisória do inquérito sem que se debruce sobre todo o objecto do inquérito. 44.º Veja-se a este propósito o Acórdão do TRG, de 12/07/2016 in Processo nº 679/14.6GCBRG-B.G1. Relator João Lee Ferreira – omissão absoluta de pronúncia sobre crime semi-público denunciado pelo ofendido, como aliás ocorreu no caso, em relação aos crimes de usurpação de coisa imóvel, remoção de marco e dano. 45.º Em face do exposto, devem ser declaradas as nulidades de falta de promoção do processo pelo M.P. e de insuficiência do inquérito previstas nos artºs 182.º nº 1, 32.º nº 7, e 52.º nº 1, da CRP e 118.º nºs 1 e 2, 119.º alª b) e 120.º nº 2 alª d) e nº 3, alª c) e 122.º nº 1 do CPP.” Nesses artigos, o assistente descreve alegadas deficiências probatórias do inquérito, qualificando-as como nulidades. O despacho recorrido decidiu da seguinte forma (transcrição): «Reconhecimento de nulidades ou invalidades em sede de inquérito (artigos 1 a 45 do Requerimento de Abertura de Instrução): A competência do Juiz de Instrução na fase de inquérito – e é nessa fase que os autos se encontram, por não ter sido admitida a instrução – está delimitada por lei – arts. 17º, 268º e 269º do Código de Processo Penal - sendo que nas funções a si atribuídas pelo legislador, não se compreende a de apreciação – em sede de inquérito – da nulidade de atos levados a cabo pelo Ministério Público. De facto, e como foi dito pelo Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão de 24/5/2011, proc. 1566/08.2TACSC.L1-5, relator Jorge Gonçalves, “a arguição de nulidades do inquérito deve ser suscitada perante o Ministério Público, entidade que preside a essa fase processual, com eventual reclamação para o superior hierárquico. Do despacho do Ministério Público (seja do inicial, seja do despacho do superior hierárquico) não cabe reclamação para o juiz, nem recurso para o tribunal superior. As nulidades do inquérito só podem ser conhecida pelo juiz de instrução se requerida a abertura da fase processual da instrução ou, na ausência de instrução, pelo juiz da causa no momento de recebimento dos autos (artigo 311.º,n.º1 do C.P.P.), pois, nessa fase, compete-lhe fazer o saneamento do processo e como tal conhecer das nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito (e de que possa, então, conhecer, entenda-se).” Na doutrina, esta é a opinião partilhada, entre outros autores, por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, pag. 92, anotação 2, onde se refere que o Juiz de Instrução apenas controla o resultado da atividade instrutória do Ministério Público quando para isso solicitado pelo arguido ou pelo assistente por via da abertura de instrução. Só quando estiverem em causa direitos fundamentais do arguido (por ex., a liberdade) durante a fase do inquérito é lícita a intervenção do juiz de instrução, o que não é manifestamente o caso. Face ao exposto, não caberá ao Juiz de Instrução para determinar a invalidade de atos em sede de inquérito, tal como solicitada no artigo, pelo se não se toma conhecimento do alegado, determinando-se, no entanto, a abertura de vista ao Ministério Público para, querendo se pronunciar sobre as referidas nulidades e promover o que tiver por conveniente.» Vejamos: Por força do disposto no art. 263.º-1 do CPP, “o inquérito é dirigido pelo Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal”, sendo essa a autoridade judiciária competente para processo penal português, que é de natureza acusatória, consagrado expressamente na CRP no art. 32.º-5: «O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, sendo o processo de tipo acusatório, com a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.» Logo, todas as nulidades ou irregularidades praticadas nesta fase são, em primeira linha, da competência do titular do inquérito (o Ministério Público), e não do juiz de instrução. Os mecanismos internos de controlo podem ser a reclamação para o próprio titular do inquérito, o magistrado do Ministério Público, ou para o superior hierárquico do mesmo nos termos do art. 278.º CPP. Esse é o meio próprio para reagir a irregularidades, nulidades ou deficiências do inquérito. O superior hierárquico pode determinar a reabertura do inquérito ou a prática das diligências omitidas. Pelo seu lado, o juiz de instrução só intervém na fase de inquérito quando a lei expressamente o prevê (ex. art. 268.º CPP – atos sujeitos a controlo judicial: escutas, buscas, prisões, etc.). Com efeito, embora a instrução não se destine a impugnar nulidades ou irregularidades ocorridas na fase de inquérito, de fato pode o assistente, no âmbito do requerimento de abertura de instrução, invocar as deficiências da investigação, mas apenas como fundamento para a necessidade de produção de prova que pede, desde que essa prova se relacione com um thema decidendum concreto, isto é, que o RAI seja instruído com os fatos determinados e juridicamente qualificados, suscetíveis de integrar um ou mais tipos legais de crime. Tal faculdade, todavia, não pode ser exercida de forma genérica ou investigatória, mas apenas, repete-se, quando o requerimento contenha a descrição de todos os elementos factuais e jurídicos essenciais à configuração da infração, nos termos exigidos pelo artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal — constituindo assim uma verdadeira acusação alternativa, ainda que formulada pelo assistente. Não se destinando a instrução a anular o inquérito nem a corrigir os atos processuais do Ministério Público, mas apenas a controlar judicialmente a suficiência dos indícios e a decidir sobre a submissão da causa a julgamento, o requerimento que se limita a censurar a atuação do Ministério Público e a pedir a reabertura da investigação, sem enunciar factos concretos e imputações típicas, é a instrução formalmente inidónea. Assim, faltando ao presente RAI a delimitação do objeto processual — o thema decidendum — e a exposição factual necessária à eventual pronúncia dos arguidos, como supra decidido, não pode a instrução ser admitida apenas para este fim que o assistente lhe pretende atribuir, ou seja, a anulação ou reabertura do inquérito, finalidade essa legalmente inadmissível no âmbito da presente fase processual. Andou, pois, também bem a decisão impugnada, ao se recusar a apreciar as nulidades invocadas, naufragando igualmente esta parte do recurso. * III. DECISÃO Nestes termos, e em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 9ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. Custas da responsabilidade do assistente (recorrente), fixando-se em 2 UC´s a taxa de justiça (cf. arts. 515.º-1-b) do CPP e 8º-9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último). * Lisboa, 20 de novembro de 2025 (Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator) Joaquim Manuel da Silva Ivo Nelson Caires B. Rosa Jorge Rosas de Castro (com voto de vencido) VOTO DE VENCIDO Com o devido respeito para com os meus Colegas, não subscrevo o acórdão; entendo que o requerimento de abertura de instrução (RAI) contém uma narração suficiente de factos. Com efeito, e antes de mais, sublinhe-se que a narração dos factos não tem que ser exaustiva; resulta de uma leitura conjugada dos arts. 283º, nº 3, alínea b) e 287º, nº 2, parte final, do Código de Processo Penal que a narração dos factos pode ser «sintética». Mais: diz-nos abertamente a primeira de tais normas que a narração dos factos inclui, «se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção», donde se infere que o legislador admite uma narração não só sintética – já o dissemos -, como até algo lacunosa ao nível do lugar, do tempo, da motivação para a prática dos factos ou do grau de participação do agente, se mais longe não for possível ir. A narração dos factos tem é que ser jurídico-processualmente operativa, à luz das razões que subjazem à sua exigência legal e constitucional, a saber e no essencial: deve permitir firmar o objeto do processo e do mesmo passo habilitar os arguidos a uma defesa eficaz. Ora, percorrendo o RAI, percebe-se: - que o prédio em causa está identificado sumariamente no art. 84º e aí consta ainda uma remissão para a caderneta predial anexa à queixa; - que a localização temporal também está presente, nos arts. 85º e 90º; - que os atos concretos imputados constam em particular nos arts. 86º, 87º, 89º, 93º, 99º, 100º e 102º; - que os factos relativos aos requisitos subjetivos das infrações constam nomeadamente nos arts. 121º, 123º, 124º e 125º; - e que os autores dos factos também estão indicados (os denunciados e seus representantes, por si ou por interposta pessoa, mas “sempre a seu mando”) - esta parte é um pouco mais delicada, concedo, mas face à natureza dos factos, não creio que fosse «possível», no estado dos autos e atento o seu objeto, maior precisão, sem prejuízo, em todo o caso, de poder eventualmente derivar da Instrução algum acerto nessa matéria, seja no sentido de restringir o leque dos visados, seja no sentido de ser introduzida alguma especificação mais concreta quanto ao desempenho de cada um, no quadro procedimental previsto pelo art. 303º do Código de Processo Penal. Ainda em relação a este último ponto, é verdade que o RAI fala também em dado passo de uma empresa, que identifica; mas essa referência não só não afasta a imputação antes feita aos «denunciados e seus representantes, por si ou interposta pessoa, mas sempre a seu mando», como creio que se refere, na economia do RAI, aos crimes de fraude na obtenção de subsídio e de falsificação (em relação aos quais o Recorrente parece não ter sido admitido a intervir como assistente e estar por essa via, nessa limitada medida, falho de legitimidade para a instrução). Em suma, entendo que, quanto aos crimes em relação aos quais o requerente foi admitido a intervir como assistente, o RAI tem uma narração suficiente de factos e devia a instrução ter sido admitida. * Não acompanho o acórdão, ainda, na parte em que confirma o despacho recorrido que se absteve de conhecer das nulidades invocadas pelo Assistente; isto é, mesmo admitindo, por hipótese de raciocínio, que o RAI não contém factos suficientes, ainda assim, entendo que devia a invocação de nulidades ter sido apreciada, quanto à tempestividade da invocação e, passado esse crivo, quanto ao seu mérito. Não é este o espaço para grandes desenvolvimentos nesta matéria, e nomeadamente para traçar a medida em que o juiz pode apreciar nulidades do inquérito, mas sempre direi aqui algumas coisas. A primeira delas é esta, de índole genérica: durante o inquérito, o juiz de instrução apenas pode conhecer de nulidades relativas a atos que tenham sido autorizados, ordenados ou praticados por si próprio – trata-se de um corolário da natureza do inquérito e do Ministério Público enquanto seu dominus e da repartição de competências que nessa fase existe entre o titular da ação penal e o Juiz de Instrução; coisa diferente é uma vez findo o inquérito. Por que não há de o juiz poder e dever apreciar as nulidades de inquérito que lhe sejam invocadas? Acaso não é isso o que resulta abertamente possibilitado pelo art. 311º, nº 1 do CPP? Ou do 123º, nº 2? E não é justamente isso que deriva da discussão havida na Comissão Revisora da primitiva versão do CPP, isto é, de que findo o inquérito, as eventuais nulidades cometidas durante o mesmo, podem ser invocadas perante um juiz? – veja-se a este propósito M. Simas Santos e M. Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, I Volume, 2ª edição, 2004, Rei do Livros, pg. 596. O que ressalta do despacho recorrido e do acórdão que o acolhe, em substância e em termos prático-jurídicos, é isto: não se admite a abertura de instrução por falta de alegação suficiente de factos e, porque não se admitiu a instrução, não se conhece dos vícios invocados; e visto que a decisão que o RAI pretendia contrariar é de arquivamento do inquérito, do exposto resulta que a invocação dos vícios não será apreciada… por ninguém. Significa isso, continuemos, que ao Assistente fica de todo vedado obter um despacho judicial sobre o mérito das nulidades de inquérito que sinalizou. Note-se que um desses vícios é até a falta de promoção do inquérito; ou seja, bem podemos ter esta situação: o inquérito não é promovido e por via disso não chega a haver possibilidade material de reunir um acervo de factos indiciados; e porque não há um acervo de factos indiciados, o assistente não os pode alegar competentemente em sede de RAI, não logrando a abertura de instrução; e sem instrução não há conhecimento da falta de promoção do inquérito… Na prática, fica o Assistente diante um beco sem saída, que o mesmo é dizer, pisamos o risco de possível ofensa dos direitos a uma tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, seja em si mesmos, seja na vertente das obrigações positivas que recaem sobre o Estado na proteção do direito de propriedade. E não se objete com a ideia de que o Assistente podia ter feito uma reclamação hierárquica ou podia até ter invocado as nulidades perante o Magistrado do Ministério Público titular dos autos; é que em qualquer dos casos, a decisão a que aí se chegaria continuava a ser isenta de escrutínio judicial, não formaria caso julgado e não admitiria recurso. Repare-se, com efeito, que o Assistente não logra sequer alcançar um despacho sobre a tempestividade e mérito da invocação das nulidades de que possa recorrer. Apenas poderia eventualmente aceitar-se que o Juiz de Instrução não tomasse conhecimento da invocação de nulidades de inquérito findo, se os autos houvessem de prosseguir para julgamento sem instrução, circunstância em que concebo o entendimento de que a apreciação de tais nulidades pudesse caber ao juiz de julgamento, nomeadamente no contexto do art. 311º, nº 1 do CPP; não é esse o caso que temos. Jorge Rosas de Castro Doutrina e jurisprudência citada: AAVV. (2025). Comentário Judiciário do Código Processo Penal - Tomo III, artigos 191.º a 310 (3.ª ed.). Coimbra: Almedina. ALBUQUERQUE, P. P., & (org). (2023). Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos - artigos 241 a 524 (5.ª ed.). Lisboa: Universidade Católica. FIGUEIREDO DIAS, J. d. (1974). Direito Processual Penal. Coimbra Editora. SILVA, G. M. (1994). Curso de Processo Penal - III. Lisboa: Verbo. _______________________________________________________ 1. [Online]. [Citado: 2025-10-29]. www.dgsi.pt/jtrl.nsf 2. [Online]. [Citado: 2025-10-29]. www.dgsi.pt/jtrp.nsf 3.[Online]. [Citado: 2025-10-29]. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/7-2005-583783 4.[Online]. [Citado: 2025-10-29]. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040358.html |