Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6127/2004-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: MANDATÁRIO JUDICIAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: Pelo contrato de mandato judicial o mandatário fica adstrito a desenvolver, com adequada diligência e perícia, uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um resultado.
Apesar de ter existido incumprimento do contrato imputável ao mandatário a responsabilidade civil contratual depende ainda do apuramento de danos juridicamente e da relação de causalidade entre os danos e a conduta negligente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


1. “Transmaior - Transportes Rodoviários, L.da” instaurou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Dr. J. Costa, devidamente identificados nos autos, pedindo a sua condenação no pagamento de Esc. 2.227.000$00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal.

Para tanto alega, em síntese, que:
Contra a ora A. corria termos um processo no Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira.
Nesse processo a autora constituiu mandatária a Ex.ma Sra. Dra. S. Faria, a qual, no decurso da acção, deixou de patrocinar a aqui A., pelo que fez a entrega ao réu de todos os processos que se encontravam em seu poder, bem como dos respectivos substabelecimentos.
O réu nunca chegou a contactar com a ora autora a fim de discutir qualquer assunto relacionado com o processo em apreço, nem entregou no processo referido o substabelecimento que lhe foi entregue pela Dra. S. Faria.
O R. não apresentou dentro do prazo o rol de testemunhas que lhe foi entregue, pelo que a autora ficou impossibilitada de produzir prova, tendo aceite fazer uma transacção, para evitar ser condenada a pagar a totalidade do pedido.

2. A acção foi contestada e, realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente a absolveu o R.

3. Inconformada, apela a A., a qual, nas suas alegações, em síntese conclusiva, diz:
Devem ser dados como provados os quesitos 3º e 4º, já que, conforme decorre do depoimento da Dr.ª S. Faria, esta ao entregar ao apelado o substabelecimento informou-o do estado da acção, de que era necessário estar atento à notificação do despacho saneador, bem como de que o dossier do processo se encontrava no escritório do Sr. S. Campos e que no interior do mesmo se encontrava o rol de testemunhas;
Por sua vez, o apelado aceitou sem qualquer objecção o dito substabelecimento que, contudo, não juntou aos respectivos autos;
O Tribunal não devia ter valorizado o depoimento da Dr.ª C. Preto, advogada, por a mesma não se encontrar autorizada a depor pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, já que o seu depoimento versava também sobre factos abrangidos pelo sigilo profissional;
Deve ser dado como provado o quesito 6º, já que do depoimento da chamada decorre que a notificação do despacho saneador proferido na acção que corria seus termos em Vila Franca de Xira, embora enviada para o antigo escritório desta, não chegou ao seu conhecimento, já que a mesma em 08/09/97, após ter entregue o substabelecimento ao Dr. José Preto, deixou esse escritório, onde não voltou mais, tendo, aliás, comunicado à Ordem dos Advogados a morada do novo escritório;
Devem ser dados como provados os quesitos 8º a 11º, conforme decorre dos documentos juntos aos autos, bem como do depoimento da chamada e das testemunhas J., M. e F. uma vez que, da leitura do despacho saneador proferido na acção mencionada na al. B dos factos assentes, bem como da leitura da p.i. e da contestação relativas a tal acção se constata que foi levada ao questionário matéria alegada em sede de contestação pela aqui apelante;

Deve dar-se como provado o quesito 13º, atento o teor dos documentos de fls. 56 dos autos (guia comprovativa do pagamento de custas) e do depoimento das testemunhas J., M..

4. Nas contra alegações, pugna-se pela manutenção da decisão recorrida.

(...)


7. Nesta acção, a autora, “Transmaior - Transportes Rodoviários, L.da” invocando o incumprimento de um contrato de mandato que celebrara com o réu, vem pedir a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos decorrentes da sua conduta negligente.

7.1. O problema da responsabilidade civil do advogado, por incumprimento do contrato de mandato, levanta diversas questões, devendo ser analisada à luz das disposições do CC. (v.g. arts. 798º e ss.), mas também das normas reguladoras da sua profissão (Estatuto da Ordem dos Advogados – D.L. n.º 84/84, de 16 de Março e respectivas alterações).
Importa também não esquecer que as actividades assumidas pelo advogado com terceiros partem de pressupostos diversos. Na verdade, o advogado tanto pode ter estabelecido com o demandante uma relação contratual, como pode suceder que o advogado lhe preste serviços em virtude de uma relação de amizade ou por exigências legais e dever de oficio.
Certo é que, existindo uma relação contratual estabelecida entre o profissional e o cliente, qualquer que seja a sua natureza jurídica, a responsabilidade derivada do incumprimento das suas obrigações, por negligência ou imperícia, assume natureza contratual.
Em geral, o advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequadas diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado.
O que não significa que o advogado não deva, na relação contratual que o une ao cliente, executar a actividade para a qual contrataram os seus serviços, orientado para proteger os interesses do seu cliente e alcançar determinado resultado, embora não esteja vinculado à obtenção deste resultado.

7.2. Aproximemo-nos, agora, do caso concreto.
Nos casos em que o advogado é contratado para desenvolver uma actividade jurídica, devendo executar determinadas actividades processuais, o seu comportamento omissivo, por vezes, faz precludir a possibilidade de o cliente fazer valer os seus direitos perante um órgão jurisdicional.
Na maioria destes casos, a omissão deve ser qualificada como negligente, por traduzir desde logo uma evidente violação das regras de bem agir exigidos a um profissional.
Por sua vez, a execução negligente pelo advogado da prestação contratualmente assumida, ao não adequar o seu comportamento aos cânones de perícia e diligência profissional exigíveis, determina o incumprimento obrigacional, que poderá causar danos de diversa natureza ao cliente.
Importa, porém, - e isso é uma tarefa complexa - estabelecer a relação de causalidade entre a conduta omissiva do advogado e os danos alegadamente sofridos pelo cliente.
Na verdade, uma vez assente que o advogado não cumpriu as suas obrigações profissionais, importa estabelecer a relação de causalidade (material) entre os danos e a conduta negligente, e, seguidamente, determinar quais os danos juridicamente relevantes, ou seja, os que se encontram numa relação de causalidade adequada com o evento.
No caso que analisamos, a autora atribui ao réu um comportamento omissivo, do qual resultaram danos: omissão consistente na falta de apresentação em juízo do substabelecimento e omissão por falta de apresentação de testemunhas donde resultou que, não tendo podido produzir prova em julgamento, se viu forçada a «aceitar» uma transacção para (ao menos) não ser condenada na totalidade do pedido.
Sobre a autora recai, então, o ónus da prova não só do incumprimento do advogado, da sua falta de diligência na execução da prestação a que estava obrigado, mas também do dano sofrido, bem como da relação causal entre aquele incumprimento e a lesão.
No que toca à prova da causalidade, impõe que se faça, no caso concreto, uma prognose póstuma, ou seja, um «juízo sobre o juízo» sobre as probabilidades de êxito da pretensão do cliente.
Não se trata, contudo, de um julgamento sobre as pretensões das partes, desde logo por ser impossível garantir o contraditório entre os sujeitos processuais envolvidos na disputa, mas apenas de uma análise da posição da parte «prejudicada», para poder concluir-se (ou não) pela viabilidade «razoável e séria» da procedência da sua pretensão.

7.3. Ora, in casu, é patente que a matéria de facto não contém todos os elementos indispensáveis para decidir a causa, obrigando à formulação de novos quesitos, com a matéria alegada pela autora sob os arts. 5º, 12º, 13º e 31º, da petição inicial.

8. Nestes termos, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso de facto e, ao abrigo do disposto no art. 712º, nº4, do CPC, em ordenar a repetição do julgamento para ampliação do julgamento de facto, nos termos mencionados.

Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 9-11-04

Maria do Rosário Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro