Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10486/2007-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
INSOLVÊNCIA
ACÇÃO LABORAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2008
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário:
Declarada a insolvência da entidade patronal, não se verifica a inutilidade superveniente da lide numa acção, de natureza laboral, em que se reclamem créditos resultantes da execução e cessação do contrato de trabalho
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


L…, residente na Avª …. em Lisboa moveu acção declarativa emergente de contrato de trabalho em processo comum contra:
B… Lda., pedindo: “que o despedimento por extinção do posto de trabalho seja declarado ilícito e a ré condenada nas consequências legais designadamente na reintegração do autor e pagamento dos créditos laborais em dívida.”

Na contestação a ré reiterou os motivos do despedimento, alegando que o autor o aceitou, tendo – lhe depositado na conta bancária as quantias que lhe eram devidas pela extinção do posto de trabalho que o autor igualmente aceitou.

No dia 21 de Junho de 2007, dia designado para a audiência de discussão e julgamento, o tribunal recorrido constatando que a ré tinha sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado, em 30 de Maio de 2007, conforme requerimento de fls. 147 da providência acautelar em apenso, determinou a notificação da administradora da insolvência a fim de requerer o que tivesse por conveniente quanto ao prosseguimento dos autos.

Foi depois proferido o despacho recorrido, fls. 219 a a 221, a declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

O autor, inconformado, interpôs recurso de agravo deste despacho, tendo para o efeito proferido as a seguir transcritas,

Conclusões:

(…)
O Exm.º Procurador-geral-adjunto deu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais.

CUMPRE APRECIAR E DECIDIR

I – A questão suscitada é apenas a de saber se pode ser declarada extinta a instância por inutilidade face à declaração de insolvência da ré.

II – Fundamentos de facto.
Resultaram apurados os seguintes factos:
1. O autor propôs acção emergente de contrato de trabalho contra a ré, com fundamento no despedimento ilícito, por extinção do posto de trabalho, pedindo a condenação da ré na sua reintegração e no pagamento dos créditos laborais em dívida no valor de 13.111.87 €;
2. No dia 21 de Junho de 2007, dia designado para a audiência de julgamento, foi proferido despacho a determinar a notificação da administradora da insolvência, dado que a ré tinha sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado, em 30 de Maio de 2007, conforme requerimento de fls. 147 da providência de arresto em apenso subscrito pela administradora da insolvência;
3. Esta nada disse.
4. Foi proferido o despacho recorrido, fls. 219 a 221, a declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

III – Fundamentos de direito

Como se viu, a questão suscitada é apenas a de saber se pode ser declarada extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, face à declaração de insolvência da ré, como foi decidido no despacho recorrido.
Vejamos
Como resulta do disposto no n.º1 do art.º85 do CIRE, uma vez declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e de todos as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo
No caso a apensação não foi requerida pelo administrador da insolvência, nesta situação o administrador da insolvência substitui o insolvente independentemente da apensação da acção e do acordo da parte contrária, n.º3 do art.º85 do mesmo diploma e como decorre do n.º3 do art.º86. Devendo naturalmente o administrador da insolvência fazer prova da declaração de insolvência da ré e da sua qualidade de administrador da insolvência.
É certo que o autor só se reclamar o seu crédito nos autos de insolvência, ainda que tenha sido reconhecido por decisão definitiva, poderá, se nele quiser, obter pagamento – n.º3 do art. 128 do CIRE, pois o processo de insolvência visa a colocação de todos credores em posição de igualdade perante o património da massa insolvente.
No processo de insolvência o autor pode obter reconhecimento dos seus créditos por meio de reclamação de créditos (art.º128 e sgts do CIRE) ou através da chamada acção de insinuação tardia, acção própria, ao abrigo do art.º146 n.º1b) do CIRE. Não resulta dos autos que o autor o tenha feito.
E não compete ao tribunal determinar ao autor essa iniciativa processual pois apenas no que toca às acções executivas o CIRE, no art.º 88, determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providenciais requeridas pelos credores da insolvência.
No entanto ainda que o trabalhador possa e deva reclamar os créditos naquele processo para obtenção do pagamento, é-lhe legítimo ver reconhecidos, na presente acção, os créditos que aqui reclama pois já se encontra em fase de julgamento e corre termos no tribunal trabalho que é o próprio para dirimir o litigio em causa. Com efeito, depois de reconhecidos os créditos nesta acção eles ficam mais consistentes, tornando mais difícil a sua impugnação no processo de insolvência – sendo certo que tal facto não põe em causa o princípio da igualdade de tratamento dos credores pois a dificuldade da impugnação reside no facto de existir uma decisão judicial a reconhecer o crédito e não o da sua existência, sendo que a mesma possibilidade se mantém para os demais credores, ou seja, a de ver reconhecidos os créditos nas acções declarativas que estavam em curso.
Havendo um interesse pertinente do autor no prosseguimento da presente acção e não estipulando o CIRE em sentido contrário, como estabelecia o art.º1198 do CPC, quando este código regulava do processo de falência, em que mandava apensar ao processo de falência todas acções em que se debatiam interesses relativos à massa falida, não se nos afigura possível que o tribunal, por sua iniciativa, possa declarar a presente instância inútil.
Mas importa, ainda, sublinhar que a inactividade de uma sociedade comercial, determinada pelo seu estado de insolvência, judicialmente decretada, não significa a extinção da sociedade insolvente. Com efeito a lei prevê o levantamento dos efeitos da declaração da insolvência, o que se traduz na recuperação dos poderes da administração e disposição dos seus bens, cf. art.ºs 230, n.º1 c), 233 n.º1, 234, n.º4, todos do CIRE – Este entendimento tem sido seguido em secções cíveis deste tribunal da Relação, a título de exemplo, ver decisão singular no Agravo n.º 5474/05-7ª Secção, proferida em 29.6.05 pela Sr.ª Desembargadora Rosa Ribeiro Coelho; assim como o acórdão proferido no Agravo n.º 6785/02 – 2ª Secção Cível.
Deste modo, porque a apensação desta acção não foi solicitado pelo administrador da insolvência, porque o autor mantém interesse legítimo no seu prosseguimento para obter um decisão definitiva sobre os créditos peticionados, a reclamar no processo de insolvência, mantendo o tribunal do trabalho a competência material para o seu conhecimento, procedem os fundamentos do recurso, verificando-se a impossibilidade de por agora de ser declarada extinta a instância por inutilidade, como foi considerado no despacho recorrido.

IV – Decisão

Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto e revoga-se a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir a sua tramitação normal, sendo a ré substituído pelo administrador da insolvência, nos termos acima referidos.
Sem custas ( art.º2 n.º1 al. o) do CCJ).

Lisboa, 9 de Abril de 2008.

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Ramalho Pinto (vencido, nos termos da declaração e voto que junto)



DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencido, pelas razões que passo a explanar e que verti no Ac. desta Relação de 18/10/2006, proc. 6544/06, em que fui relator:
Entendo que nunca será através desta acção que o Autor logrará obter o efeito pretendido de declaração de ilicitude do despedimento e sua reintegração, bem o restante peticionado. Isto porque é o que resulta do CIRE, designadamente das disposições que se irão referir.
No âmbito de tal diploma, há que distinguir se o crédito é anterior ou posterior ao termo do prazo para a reclamação de créditos na sequência da declaração de insolvência.
No primeiro caso, temos que, de acordo com o artº 88º, nº 1, a “declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência”.
Já quanto às acções declarativas, não contendo tal diploma legal norma idêntica, o artº 85º, nº 1, determina que, “declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
E repare-se que se não põem aqui problemas de competência em razão da matéria, dado que a lei fala em todas as acções, independentemente do tribunal onde corram. Argumento que é reforçado pelo disposto no nº 3 do artº 86º.
Se não for pedida a apensação, devem os créditos ser reclamados no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, nos termos e com o formalismo previsto no artº 128º.
Se a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra a massa insolvente, tal significa que mesmo no caso de procedência da acção declarativa a sentença não poder ser dada à execução para cumprimento coercivo.
Acresce que, segundo determina o nº 3 desse artº 128º, o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Face a esta norma, parece evidente que por maioria de razão se impõe a reclamação do crédito na insolvência quando ainda não exista sentença transitada a reconhecê-lo, assim demonstrando o credor que está interessado na sua satisfação, de harmonia com o que vier a decidir-se na sentença de verificação e graduação dos créditos (artº 140º).
Sucede que, embora com as adaptações e especialidades inerentes à insolvência já decretada, a reclamação estrutura-se como uma verdadeira e própria acção declarativa, isto é, como uma causa na qual se apreciará a existência e o montante do mesmo direito de crédito em discussão na acção declarativa (artºs 130º e seguintes).
Afigura-se, deste modo, que a reclamação legalmente desencadeada no âmbito da insolvência determina a inutilização superveniente da instância declarativa, na justa medida em que o fim visado por este processo fica "consumido" e "prejudicado" por aquele.
É certo que no processo de reclamação o trabalhador poderá ser confrontado com a contestação, não apenas da entidade patronal, mas também de todos os outros credores reclamantes, e ainda com o parecer eventualmente desfavorável da comissão de credores (artº 135º), factos que, teoricamente, são susceptíveis de dificultar o reconhecimento do seu direito. Isso, porém, é uma consequência inelutável do estado de insolvência judicialmente reconhecido e declarado, à qual nem o trabalhador, nem qualquer outro credor que pretenda ver o seu crédito satisfeito pode escapar (citado artº 128º, nº 3). A lei não estabelece nenhum tratamento desigual infundado entre credores consoante tenham ou não, anteriormente à declaração de falência, intentado acção declarativa visando o reconhecimento do mesmo crédito posteriormente reclamado no âmbito do processo de insolvência.
No caso de o nascimento do crédito apenas ocorrer após o termo do prazo para a reclamação de créditos, obviamente que não podia ser legislativamente descurado o legítimo interesse do credor.
Daí que o artº 146º, nº 1, estabeleça que:
“ Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efectuando-se a citação dos credores por éditos de 10 dias.
Posteriormente ao termo do prazo das reclamações, só mediante a propositura da acção prevista em tal disposição legal, intentada contra a massa insolvente, os credores graduados e o devedor, poderá qualquer outro credor obter o reconhecimento do seu crédito.
Nestes termos, negaria provimento ao agravo e confirmaria o despacho recorrido.

Ramalho Pinto