Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4953/2007-8
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: OPOSIÇÃO
EXECUÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
DESENTRANHAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Numa oposição deduzida a uma execução, tendo o oponente junto no prazo legal o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, mas por valor inferior ao devido, não tendo o requerimento de oposição sido rejeitado pela secretaria, não pode o juiz ordenar o seu desentranhamento sem dar ao oponente a possibilidade de pagar as quantias em falta, devendo este ser notificado para efectuar o seu pagamento no prazo de dez dias, com a sanção referida no nº 3 do artigo 486º-A do CPC

(PM)
Decisão Texto Integral: Recurso nº 4953/07.


J… instaurou execução
Contra
“Banco… SA”.
Este deduziu oposição ao abrigo do disposto no artigo 813º do CPC no dia 06.07.2006.

Dentro do prazo legal juntou documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, mas por quantia inferior à devida nos termos do artigo 23º do CCJ.

Os autos foram feitos conclusões ao respectivo juiz, o qual, por despacho de 19.10.2006, determinou o desentranhamento e subsequente devolução do requerimento de oposição ao oponente.

Transcreve-se parte desse despacho:

«Deste modo, equivalendo o requerimento de oposição do executado à petição inicial da acção declarativa (vide J. Lebre de Freitas e A. Ribeiro Mendes, Cod. Proc. Civil Anotado, vol. 3°, p. 323), entendo que a consequência a retirar da falta de pagamento de tudo o que for devido, quando a secretaria não tenha recusado o recebimento do requerimento da oposição nos termos do disposto no art. 474°, f), do CPC, terá, de ser o desentranhamento daquela peça processual, discordando, pois, da posição daqueles que entendem que nesse caso haveria lugar à notificação prévia do faltoso nos termos do disposto no art. 476° do CPC, a fim de lhe dar a possibilidade de justificar a sua actuação ou suprir o montante da taxa de justiça que estivesse ainda em débito e concordando-se com a posição do Dr. Salvador da Costa, supra mencionada, ou seja, o desentranhamento e devolução da peça processual à parte[1].

É que, se atentarmos à letra do art. 476° do CPC, verificamos que este expressamente refere que o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do art. 474" dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento.

E, dispõe o art. 474°, f), que a secretaria recusa o recebimento da petição inicial quando não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça.

Assim, entendo que da conjugação destes dois artigos resulta que o prazo de 10 dias facultado pelo art. 476º do CPC, apenas é concedido para os casos em que, efectivamente, se procedeu previamente, à entrada da acção, ao pagamento da taxa de justiça devida e autoliquidada, conforme dispõe o art.23° do CCJ, mas não foi entregue o seu comprovativo na data da entrada da petição inicial».

E concluiu-se: “Assim sendo, e conforme supra se expôs, a consequência da falta do pagamento da taxa de justiça devida (parcial ou total) terá de ser o desentranhamento e a devolução do requerimento da oposição”

Deste despacho recorreu o oponente, formulando as seguintes conclusões:

A) A factualidade subjacente ao presente recurso é, em síntese,a seguinte:
(i) No dia 05.07.2006, o ora recorrente remeteu aos Juízos de Execução de Lisboa, por correio electrónico, o articulado de oposição à execução em apreço;
(ii) No dia seguinte, 06.07.2006, o recorrente apresentou a mesma oposição na secretaria dos ditos Juízos de Execução, agora em suporte de papel e acompanhada da documentação respectiva;
(iii) Um dos documentos então apresentados foi o relativo ao prévio pagamento da taxa de justiça inicial, pagamento esse que foi realizado a 04.07.2006;
(iv) Sucede que, por lapso, o pagamento não foi efectuado pela quantia correcta (€ 160,20), mas sim por uma importância inferior (€ 44,50);
(v) Não obstante tal lapso, a oposição foi recebida pela secretaria dos Juízos de Execução;
(vi) Posteriormente, assim que a oposição lhe foi presente, o Mmo. Juiz a quo, mediante a decisão ora impugnada, determinou, sem mais - invocando, para o efeito, que não havia sido paga a taxa de justiça inicial- o desentranhamento da oposição e a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
B) Ou seja, em virtude de o ora recorrente, por lapso, ter pago uma taxa de justiça inicial de valor inferior ao estipulado na lei, o Mmo. Juiz a quo decidiu (sem dar ao recorrente qualquer possibilidade de reparar o erro) determinar a extinção da instância quanto ao processo de oposição.
……..
……..
     Os factos a ter em conta são os referidos (nomeadamente na antecedente conclusão A.).

O DIREITO.

O que está em causa é saber se, numa oposição deduzida a uma execução, tendo o oponente junto em tempo o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, mas por valor inferior ao devido, não tendo o requerimento de oposição sido rejeitado pela secretaria, pode o juiz ordenar o seu desentranhamento (declarando extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide) sem dar ao oponente qualquer possibilidade de pagar as quantias em falta.

Vejamos.

Nos termos do artigo 28º do CCJ em vigor “a omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo”.

O actual CCJ foi aprovado pelo DL 324/2003, de 27.12.

Como resulta do seu preâmbulo, procedeu-se a uma profunda revisão do código aprovado pelo DL 224-A/96, de 26.11.

Pode ainda ler-se no seu preâmbulo que volta a ser consagrada a regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, mas “a operar apenas após a mesma (parte) ter sido sucessivamente notificada para o efeito…”

A alteração da redacção dada ao artigo 28º veio, pois, acabar com o regime sancionatório pecuniário que antes se verificava e remeter para as cominações agora previstas nas leis de processo.

O referido DL 324/03 revogou o nº 2 do artigo 14º do DL 329-A/95, de 05.12 e aditou os artigos 150º-A, 486º-A, 515º-B e 690º-B do CPC.

As cominações a que se refere o citado artigo 28º estão agora previstas nos artigos 150º-A, 467º, 474º, 476º, 486º-A, 515º-B e 690º-B ao CPC.

No código anterior estas questões eram reguladas pelo citado artigo 14º do DL 329-A/95 e pelos artigos 28º e 45º do CCJ e ainda pelos artigos 150º, 467º, 474º e 476º do CPC (ver redacção dada pelo DL 183/2000 e pela Lei 30-D/2000).

O artigo 28º sucedeu ao artigo 110º do código anterior ao DL 224-A/96, que, sendo inovador, foi motivado pelo estabelecido no citado artigo 14º[2].

Mas a doutrina do CCJ actual é muito diferente, como vimos.

Como estabelece o nº 1 do artigo 150º-A, quando a prática de um acto processual exija, nos termos do CCJ, o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou de concessão do benefício de apoio judiciário.

Nos termos do seu nº 2, “sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos dez dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486º-A, 512-B e 690-A”.

Assim, sem prejuízo das disposições relativas à PI, a não apresentação do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, não é desde logo cominada com o desentranhamento da respectiva peça processual. Pelo contrário: a parte pode apresentar esse documento no prazo de dez dias subsequentes à prática do acto processual; se o não fizer é que serão  aplicadas as sanções a que se referem aqueles artigos.

Temos, assim, que relativamente à PI (na parte que agora interessa considerar) regulam, no essencial, os artigos 467º, nº 3 e 474º, f).

Refere-se no despacho recorrido que a oposição corresponde à petição inicial na acção declarativa.

E, em princípio, assim será.

Mas para efeito de custas não é, salvo melhor opinião em sentido contrário.

Como resulta do citado nº 2 do artigo 150-A, existem regras próprias para a petição inicial. Mas aqui não se inclui a oposição à execução. Com efeito, bem se compreende que a secretaria recuse o recebimento da petição inicial nos casos em que não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do pedido de apoio judiciário nos termos da alínea f) do artigo 474º. É que tem então o autor a possibilidade de apresentar nova petição nos termos do artigo 476º, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo. Faculta-se, assim, ao autor um prazo de dez dias para apresentar nova petição, com o documento em falta, ou, se for acaso disso, juntar apenas este documento em igual prazo.

Mas esta regra não poderia ser aplicada à oposição, pois tal significaria conceder-se ao oponente (o infractor) um novo prazo de dez para deduzir oposição. A PI, sendo o primeiro articulado, com o qual se inicia a instancia, deverá merecer um tratamento diferenciado, o que já não sucede com a oposição.

Para os restantes casos regem os citados artigos 486º-A, 512º-B e 690º-B.

Como resulta do nº 1 do artigo 486º-A, é aplicável à contestação o disposto no artigo 467º, nº 3, pelo que deve ser junto com este articulado o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial…

E a razão de ser é a mesma relativamente à oposição à execução.

Assim, deveria o oponente ter junto tal documento. E fê-lo, embora por valor inferior ao devido. E com este fundamento é que foi ordenado o desentranhamento e a devolução do requerimento de oposição.

Mas, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, na falta de junção do documento comprovativo da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.

Como vimos, o DL 324/03 revogou expressamente o nº 2 do artigo 14º do DL 329-A/95 e transferiu para o CPC as sanções processuais e tributárias ligadas ao não pagamento atempado da taxa de justiça. Todavia, houve sempre a preocupação de dar ao faltoso a possibilidade de proceder ao pagamento das taxas em falta, antes de ser ordenado o desentranhamento do respectivo articulado.

É por aqui que a questão deve ser decidida.

Portanto, se o réu não juntar com a contestação o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, dispõe ainda do prazo de dez dias para o fazer. Só se o não fizer nesse prazo é que sofrerá consequências de natureza “tributária”: a secretaria notificará a parte para, em 10 dias, efectuar o pagamento da taxa omitida, mas agora com o acréscimo da multa referida. E o mesmo sucede em relação ao oponente.

Ora, não faria qualquer sentido que não se concedesse ao oponente aquela possibilidade, em virtude de ter feito o pagamento parcial da taxa de justiça.

A este articulado deve aplicar-se o regime da contestação, pois a razão de ser é a mesma, não sendo aplicáveis as normas relativas à petição inicial, como bem se compreende, pelas razões referidas.

Ora, se a parte é notificada para pagar a taxa em falta, o mesmo deverá suceder quando, como in casu, o pagamento é feito por valor inferior ao legal.

Nestes casos deverá ser dado ao oponente a possibilidade de pagar o excesso, embora com as aludidas sanções.

Uma lei de natureza diferente desta seria verdadeiramente iníqua, pois não permitiria ao executado defender os seus eventuais direitos só porque, eventualmente por mero lapso, efectuou o pagamento prévio da taxa de justiça por valor inferior ao devido. Seria um verdadeiro atentado ao direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 2º da CRP não se dar oportunidade de pagar as quantias em dívida, embora com cominações de carácter patrimonial para evitar abusos.

Assim, ao contrário do defendido na douta sentença, não nos parece que “a consequência da falta do pagamento da taxa de justiça devida (parcial ou total) terá de ser o desentranhamento e a devolução do requerimento da oposição”.

E, salvo melhor opinião, não é esse o entendimento perfilhado pelo Conselheiro Salvador da Costa na citada obra, pois resulta da parte transcrita que se faz uma nítida distinção entre a PI, por um lado  e “a peça processual diversa da petição inicial”  por outro.

Por todo o exposto acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho, o qual deve ser substituído por outro que permita ao oponente pagar a taxa de justiça devida nos termos referidos.

Sem custas.

Lisboa, 12.07.2007.

Pimentel Marcos
Abrantes Geraldes
Maria do Rosário Morgado


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[1] Refere-se na douta sentença que em anotação ao artigo 28º do CCJ escreve o Conselheiro Salvador da Costa que «os serviços judiciais devem controlar o montante das autoliquidações da taxa de justiça inicial e ou subsequente e, se for pago pelas partes menos do que o devido, a consequência jurídica parece ser a seguinte:
- se a diferença se reportar à taxa de justiça inicial relativa à petição inicial, deve a secretaria recusá-la ou, se isso, não ocorrer, deve o juiz ordenar a sua devolução.
- reportando-se a diferença à taxa de justiça inicial concernente a peça processual diversa da petição inicial ou à taxa de justiça subsequente, deve aplicar-se, com as necessárias adaptações, conforme os casos, o disposto nos artigos 486º-A, 512º-B e 690º-B do CPC»
[2] A reforma operada pelo DL 329-A/95 e suas alterações assentava na ideia de que a falta de cumprimento das “obrigações fiscais” não deveria condicionar o exercício dos direitos de acção e de defesa.