Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA SOCIEDADE COMERCIAL CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/21/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. - A prescrição presuntiva assenta na presunção de cumprimento, tão-só fazendo presumir, pelo decurso do tempo, o cumprimento da obrigação, não conferindo ao devedor, por não ter natureza extintiva, a faculdade de recusar a prestação ou de se opor ao exercício do direito; 2. - A finalidade da prescrição presuntiva radica na protecção do devedor face ao risco de satisfazer duas vezes dívidas que comummente são pagas de forma célere e em que não é usual exigir recibo de quitação ou guardá-lo prolongadamente; 3. - O crédito de uma sociedade comercial sobre outra, emergente de um contrato de prestação de serviços em que reciprocamente se vincularam, não cabe na previsão da al.ª c) do art.º 317.º do CCiv., ainda que tal prestação seja feita com a intervenção de profissional liberal; 4. - Resultando da factualidade provada, em acção tendente a obter o pagamento de serviços prestados, o não pagamento do que a ré alegou ter pago e a prestação de serviço que a mesma afirmou não lhe ter sido prestado, ocorre litigância da demandada contra a verdade de factos do seu conhecimento directo e pessoal, consubstanciando dedução de oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar e consequente litigância de má fé. (sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: *** I – Relatório “P…, S. A.”, com sede em C…, intentou procedimento especial de injunção contra “PI…, Ld.ª”, com sede na Av.ª da R…, pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de € 11.782,50, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 464,63, e vincendos, à taxa supletiva legal aplicável. Para tanto, alegou, em síntese, que: - celebrou com a R., no exercício da actividade comercial de ambas, um contrato pelo qual ficou convencionado que a A. prestaria àquela, com referência a determinado edifício de habitação, sito em …, serviços referentes aos projectos de engenharia e assistência técnica; - prestados esses serviços, que foram aceites, sem reclamação, pela R., e emitidas e entregues as respectivas facturas e nota de débito, tal R., apesar de instada, não procedeu ao respectivo pagamento, quanto ao montante peticionado, encontrando-se em dívida o preço acordado, bem como juros de mora, tal como também pedido. A R. deduziu oposição, alegando que: - a A. apenas efectuou, através de engenheiro, os projectos de engenharia – não o de arquitectura –, sendo que o prédio foi vendido pela R. em 27/04/2012, data em que os projectos de arquitectura e especialidade estavam já aprovados pela Câmara Municipal de …, não tendo, após essa data, sido prestados outros serviços pela A.; - os serviços efectivamente prestados foram integralmente pagos, pelo preço de € 3.750,00, correspondente à primeira das duas facturas invocadas, a vencida em 30/06/2010; - mesmo que não estivesse feito o pagamento, quanto a esta factura ocorre prescrição, nos termos do disposto no art.º 317.º, al.ª c), do CCiv.; - no que respeita à outra factura, com data de vencimento de 05/08/2012, não é devido o pagamento, por não ter sido realizado qualquer trabalho a ela referente; - a factura, nos termos do art.º 36.º do CIVA, deve ser emitida no prazo de cinco dias da prestação do serviço, sendo que na data referida na factura em causa já há muito tempo o prédio deixara de pertencer à R., pelo que não se lhe poderia apresentar facturas referentes ao mesmo. Perante a oposição da R., os autos foram remetidos à distribuição, após o que se procedeu a julgamento, sendo que a A. respondeu à matéria de excepção invocada na oposição, concluindo como no requerimento inicial e pedindo a condenação da R., como litigante de má fé, em multa e indemnização. Foi, seguidamente, proferida sentença, julgando a acção procedente, assim condenando a R.: a) a pagar à A. a quantia de € 11.782,50, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde o vencimento das respectivas facturas e nota de débito e até integral pagamento; b) no pagamento de 04 (quatro) UC de multa e em indemnização à A., correspondente às despesas e honorários do mandatário desta (atendendo a nota respectiva), por litigância de má fé, vindo a ser fixado o montante indemnizatório de € 1.673,74. Desta sentença veio a R. interpor o presente recurso, apresentando as seguintes Conclusões 1. - A R. não alegou nenhum facto cuja falta de pagamento não podia ignorar, não podendo ser condenada como litigante de má fé; 2. - A injunção fundamenta-se em duas facturas, uma emitida em 30/06/2010, outra em 05/08/2012; 3. - A R. alega a prescrição quanto à factura emitida em 30/06/2010, na sequência da aplicação do regime do art.º 317.º do CCiv., prescrição que só pode ser ilidida por confissão expressa do devedor, não havendo nos autos confissão nesse sentido; 4. - Os serviços cujo pagamento a A. exige estão abrangidos por este regime de excepção, já que são serviços prestados por profissionais liberais; 5. - Na decisão recorrida devia ter sido dado como provado que o prédio sobre que incidiram os serviços prestados pela A. foi vendido pela R., assim deixando de ser seu, pelo menos a partir de 27/04/2012, facto que está provado por documento autêntico, não impugnado – certidão permanente predial; 6. - Nos termos do art.º 36.º do CIVA, qualquer factura relativa a prestação de serviços deve, obrigatoriamente, ser emitida no prazo de cinco dias sobre a prestação do serviço, sob pena de a mesma não ser aceite para efeitos fiscais; 7. - A autoridade tributária não aceitará uma factura correspondente a serviços prestados relativamente a um prédio que já não pertence ao interessado há mais de quatro meses; 8. - Não pode, pois, a sentença recorrida condenar a R. com base nessas facturas, já que uma está prescrita e a outra foi emitida ilegalmente, devendo, assim, revogar-se tal sentença e ser a R. absolvida do pedido ou, ao menos, da condenação por litigância de má fé. *** A Apelada contra-alegou, formulando conclusões, assim se pronunciando sobre as questões suscitadas em sede de recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida. *** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados. Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 660.º, n.º 2, 661.º, 672.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, todos do Código de Processo Civil aplicável (doravante CPCiv.), o decorrente da Reforma de 2007 ([1]) –, constata-se que o thema decidendum consiste em saber: 1. - se deve alterar-se a decisão de facto, para dar-se como provada, por relevante, a data de venda do imóvel a que se reportam os serviços em causa; 2. - se deve proceder a matéria de excepção da prescrição presuntiva e do pagamento; 3. - se há emissão ilegal de factura, por violação de norma tributária, impossibilitando a condenação no pagamento; 4. - se inexiste litigância de má fé. *** III – Fundamentação A) Matéria de facto Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada: 1. - A A. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de engenharia, arquitectura e projectos assistidos por computador, coordenação e fiscalização de obras e gestão de empreendimentos da construção; 2. - No domínio e exercício da actividade comercial de ambas, a R., para a prossecução da sua actividade, solicitou à A., por referência ao edifício de habitação sito na Rua B…, que esta lhe prestasse serviços referentes aos projectos de engenharia e assistência técnica, tendo sido acordado um valor final de honorários no montante de € 25.000,00, a pagar nos seguintes termos: - 15%, com a aprovação da proposta: € 3.750,00; - 35% com a entrega dos projectos de licenciamento: € 8.750,00; - 40% com a entrega dos projectos de execução: € 10.000,00; - 10% assistência técnica aos projectos: € 2.500,00; acrescendo a todos os montantes o valor do IVA; 3. - A R. aprovou a proposta e a A. elaborou e entregou na CM… os projectos de licenciamento, nos termos solicitados, os quais foram aprovados; 4. - A A. emitiu e enviou à R., que as recebeu, as correspondentes facturas: - n.º 2010000167, vencida a 30/06/2010, no valor de € 4.500,00; - n.º 2012000208, vencida a 05/08/2012, no valor de € 10.762,50; 5. - A A. emitiu e enviou à R., que a recebeu, a Nota de débito n.º 2011000019, vencida a 30/11/2011, no valor de € 270,00, correspondente a despesas pagas à Câmara Municipal de … pela A. em nome da R.; 6. - A R. apenas pagou, por conta da factura n.º 2010000167, a quantia de € 3.750,00. *** B) Da alteração da decisão de facto Pressupondo tratar-se de factualidade relevante, pretende a Apelante que, em reapreciação da decisão de facto, se dê como provada a data alegada de venda, por aquela, do imóvel a que se reportam os serviços em causa. No seu articulado de oposição, a R./Apelante alegou que o prédio foi por si vendido em 27/04/2012, acrescentando que nessa data os projectos de arquitectura e de especialidades estavam já todos aprovados pela Câmara Municipal, sendo que após a venda não mais a A. lhe prestou qualquer serviço. Em complemento, refere que, tendo a segunda das facturas em causa data de vencimento em 05/08/2012, tal data é muito posterior à venda, não sendo devido o seu pagamento, já que nenhum trabalho foi realizado em relação à mesma. Quer dizer, a venda do imóvel é invocada para efeitos de impugnação, em sede de articulados, da matéria, alegada pela contraparte, de realização dos trabalhos a que alude a segunda das ditas facturas. Assim, alegado pela A. que os trabalhos foram realizados, vem a R. contrapor que tal não ocorreu quanto à segunda factura, pois que esta seria posterior à venda e depois dessa venda nenhum serviço teria sido prestado. Estamos, pois, perante matéria de defesa por impugnação, já que através dela se pretendeu impugnar a factualidade alegada pela A. no sentido de ter cumprido a sua prestação, com realização de todos os trabalhos acordados e facturados, legitimando o pedido de pagamento do respectivo preço integral. Ora, se assim é, o que se impunha, em sede de condensação e instrução, era verificar se a factualidade de suporte alegada pela A. era verdadeira e se, como tal, resultava, ou não, provada. Não se impunha, pois, convocar também, para a decisão da matéria de facto controvertida, a factualidade em que se consubstanciava a impugnação. Assim, o facto da dita venda e a data em que ocorreu só seria de trazer à condensação do processo se assumisse mais que uma mera relevância impugnatória, o que não é o caso, pois que nem a R. retira – no seu articulado – dessa matéria outras conclusões que não as impugnatórias da realização dos serviços facturados, nem este Tribunal vê, face à economia do contrato e da causa, que outras conclusões possam retirar-se com relevância para a decisão do pleito, que tem natureza meramente obrigacional, por atinente ao cumprimento cabal de um contrato de prestação de serviços, cujo preço se vem exigir, problemática a que é alheia a venda do imóvel com referência ao qual os serviços foram anteriormente solicitados e prestados. Na verdade, uma vez que se encontre demonstrado o vínculo contratual, com as inerentes obrigações para as partes contratantes, indiferente se torna, em matéria de cumprimento do contrato, que entretanto tenha, ou não, sido vendido o imóvel que motivara a realização do negócio, já que este, uma vez celebrado – de modo não condicional –, vive por si, indiferente às vicissitudes posteriores por que possa passar a propriedade daquele imóvel. Conclui-se, por isso, que a matéria fáctica aludida não é relevante para a boa decisão da causa, por revestir carácter meramente impugnatório, ante o modo como exposta no articulado de oposição. Assim também concluiu o Tribunal a quo ao desconsiderar, na condensação e decisão de facto, aquela factualidade, não a contemplando nos factos provados, nem nos não provados. Já, todavia, foi considerada, como se impunha, a factualidade alegada atinente à não prestação de serviços facturados, tendo sido julgado não provado que os serviços em causa na factura n.º 2012000208 (a segunda factura) se reportassem a serviços de arquitectura e não tivessem sido prestados pela A. à R.. Por isso, bem se compreende que tenha o Tribunal a quo entendido que o demais alegado – para além do que consta da factualidade julgada provada e da não provada – se mostra, designadamente, instrumental. Assente, por isso, a irrelevância, ante os fundamentos da defesa tal como apresentados na oposição – onde toda a defesa devia ser, por regra, deduzida (cfr. art.º 489.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv.) –, da dita matéria da venda do imóvel, bem andou o Tribunal recorrido ao desconsiderá-la, pelo que inútil seria, por irrelevante para a decisão da causa, julgá-la agora como provada, como pretende a Apelante. Improcedem, assim, sem necessidade de outras considerações, as conclusões da Recorrente em contrário, quedando-se inalterado o quadro fáctico definido pela 1.ª instância. C) O Direito 1. - Da prescrição presuntiva e do pagamento Pretendia a Apelante que pagou integralmente o montante a que alude a primeira das referidas facturas, a no valor de € 3.750,00, e que, a assim não se entender, ocorre prescrição presuntiva. Quanto, desde logo, ao excepcionado pagamento da retribuição dos serviços acordados, resultou da decisão de facto que foi pactuado um valor final de honorários de € 25.000,00, a pagar faseadamente (15% com a aprovação da proposta: € 3.750,00; 35% com a entrega dos projectos de licenciamento: € 8.750,00; 40% com a entrega dos projectos de execução: € 10.000,00; e 10% assistência técnica aos projectos: € 2.500,00; acrescendo sempre IVA). E prova-se que a A. emitiu e enviou à R., que as recebeu, as correspondentes facturas, estando em causa as seguintes: a primeira, n.º 2010000167, vencida a 30/06/2010, no valor de € 4.500,00; e a segunda, a n.º 2012000208, vencida a 05/08/2012, no valor de € 10.762,50. Emitiu também, e enviou à R., que a recebeu, a nota de débito n.º 2011000019, vencida a 30/11/2011, no valor de € 270,00, correspondente a despesas pagas pela A. em nome da R.. Ora, a R. apenas pagou, por conta daquela primeira factura, a quantia de € 3.750,00. Pelo que por pagar ficou o remanescente, de € 750,00 (correspondente a € 4.500,00 - € 3.750,00). Está, pois, este montante de € 750,00, por não pago, ainda em dívida. Acresce que não poderia operar in casu a invocada prescrição presuntiva (presunção de cumprimento). Como dispõe o convocado art.º 317.º, al.ª c), do CCiv., prescrevem no prazo de dois anos os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes. Pretende a Apelante que este preceito legal é aplicável ao caso dos autos (desencadeando a prescrição), dissentindo nesta parte da sentença, na qual foi considerado que, por se tratar de relação contratual entre duas sociedades comerciais, no exercício do seu comércio (objecto social), não se trata de créditos por serviços prestados no exercício de profissão liberal, determinando, por isso, a inaplicabilidade do preceito daquele art.º 317.º, al.ª c), do CCiv.. Em apoio da decisão recorrida, invoca a Apelada, na sua contra-alegação de recurso, aresto desta Relação ([2]), segundo o qual “o crédito de uma sociedade sobre outra, emergente de um contrato de prestação de serviços entre ambas celebrado, não cabe na previsão da alínea c) do artigo 317º do CC, ainda que tal prestação seja feita através de profissional liberal”. Para chegar a esta conclusão foi entendido naquela decisão desta Relação que, «… como é intuitivo, uma sociedade, enquanto tal e dada a sua própria natureza, não exerce nenhuma profissão. Ora, mesmo que a autora prestasse os seus serviços através de profissionais liberais (…), o crédito da recorrente emerge do contrato de prestação de serviços e não do exercício da actividade de tais profissionais. Ou seja, a prescrição presuntiva (…) apenas abarca os créditos de que sejam titulares os profissionais liberais, emergentes de serviços prestados (ou despesas efectuadas) no âmbito da respectiva profissão, não se estendendo aos créditos de quaisquer outras entidades sobre os terceiros beneficiários de tais serviços» ([3]). Em sentido contrário, já se pronunciara o STJ, entendendo que o relevante é que os serviços substancialmente se enquadrem no exercício duma profissão liberal, “sendo indiferente para o legislador a qualificação jurídica da entidade que os presta; tanto da letra como do espírito da norma resulta que o critério de subsunção ao preceito em análise se define unicamente pela natureza dos serviços em causa, e não da entidade que os presta” ([4]). Ora, é certo que, diversamente da prescrição extintiva – que tem na sua base razões de segurança jurídica e assenta na inércia do credor –, “a prescrição presuntiva tem por objectivo proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento e corresponde em regra a dívidas que normalmente se pagam em prazos curtos e, muitas vezes, sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou relativamente às quais, pelo menos, é corrente que se não conserve tal documento” ([5]). Assim, a razão de ser das prescrições presuntivas “… encontra-se na circunstância de as obrigações a que se referem costumarem ser pagas em prazo curto e não ser usual exigir documento de quitação ou guardá-lo por muito tempo. Decorrido o prazo legal, presume a lei que o pagamento foi efectuado, dispensando o devedor da sua difícil prova, dada a ausência de recibo. Por isso, “considerando o pensamento normativo subjacente ao estabelecimento das prescrições presuntivas, deve ter-se por arredada a aplicação dos normativos que as prevêem nas situações em que não estão presentes os fundamentos daquelas, seja porque não é usual pagamento imediato (ou em prazo curto), seja porque não é usual o pagamento sem quitação e é regra a conservação e guarda do recibo comprovativo do pagamento (quando, pelas mais variadas razões, o devedor ao cumprir tem o cuidado de se munir, conservando-o, o recibo de quitação). (…) “Justifica-se assim se considere não ser aplicável o regime da prescrição presuntiva quando esteja subjacente ao crédito judicialmente exigido uma obrigação relativamente à qual é usual, contra o pagamento, emitir-se documento de quitação e bem assim quando é expectável (quer porque é usual e regra, quer porque é dever legal) que o devedor proceda à guarda e conservação de tal recibo de quitação – designadamente em casos em que o devedor tem a preocupação de exigir o recibo comprovativo do pagamento, conservando-o no seu arquivo contabilístico, mais ou menos organizado. Vistas, pois, as aludidas razão de ser e finalidade que subjazem à figura da prescrição presuntiva, também perfilhamos o entendimento de que o crédito de uma sociedade comercial sobre outra, emergente de um contrato de prestação de serviços em que reciprocamente se vincularam, não caberá na previsão da al.ª c) do art.º 317.º do CCiv., ainda que tal prestação seja feita com a intervenção de profissional liberal. É que, perante tais razão de ser e finalidade jurídica, não pode ter-se por relevante apenas a natureza dos serviços em causa, mas também, necessária e cumulativamente, a das entidades envolvidas, desde logo a que os presta. Ora, no caso dos autos, tratando-se de duas sociedades comerciais, ambas actuando/contratando no domínio e exercício da respectiva actividade comercial, não estão presentes tais motivação e finalidade, já que os pagamentos têm de ser documentados (com factura e correspondente documento de quitação), com tais documentos a serem objecto de incorporação na contabilidade respectiva e aí permanecer por largo lapso de tempo, posta a exigência de contabilidade para tais sociedades, donde que, nesse contexto, não ocorra a dificuldade de prova do pagamento. Conclui-se, assim, que bem andou a sentença em crise ao entender que não aproveitaria à R. (ora Apelante) a presunção de cumprimento, pelo que lhe cabia a prova do pagamento. Improcedem, por isso, nesta parte as conclusões em contrário da Apelante. 2. - Da emissão ilegal de factura e suas consequências Expende a Apelante que a aludida segunda factura foi emitida ilegalmente, por violação de norma tributária, determinando a impossibilidade de condenação no pagamento respectivo. Considera que aquela factura, nos termos do art.º 36.º do CIVA, devia ter sido emitida no prazo de cinco dias da prestação do serviço, sob pena de não aceitação para efeitos fiscais, sendo ainda que na data da factura já há muito tempo o prédio deixara de pertencer à R., pelo que não se lhe poderia apresentar facturas referentes ao mesmo. Ora, é patente, por provado, que foi acordado o pagamento faseado do preço convencionado dos serviços prestados. A respectiva facturação tinha, por isso, de ser, como foi, emitida em conformidade com o programa convencionado de pagamentos faseados, e não exclusivamente atendendo à data da prestação dos correspondentes serviços. Donde que, cumprindo-se o plano de pagamentos acordado, em termos de emissão da respectiva facturação, nenhuma ilegalidade fiscal se descortine, salvo o devido respeito, quanto à factura em questão. Por outro lado, firmado o contrato com referência a determinado imóvel pertença da Apelante, e executado/cumprido este pela Apelada, com a prestação, pelo modo convencionado, dos serviços contratados, em nada releva que, prestados os serviços, o imóvel venha a ser vendido (mesmo que ainda decorra o tempo do plano de pagamento). As obrigações – resultantes de vínculo contratual – assumidas em nada dependem da transmissão posterior da propriedade do imóvel a que os serviços executados se reportavam, tanto mais que se não tratava de negócio condicional. Doutro modo, estaria encontrada a forma de, obtido o serviço pretendido e contratado, evitar o respectivo pagamento, bastando que se procedesse à ulterior venda do imóvel. Quer dizer, seria fácil, por esta via, obter a vantagem patrimonial decorrente da realização da prestação da contraparte, sem o correspondente sacrifício da parte beneficiada, que estaria exonerada do pagamento do preço correspectivo, enquanto que a parte contrária, realizando a sua prestação, veria totalmente frustrado o seu interesse contratual, ao não receber o preço devido. Logo se verifica, pois, que seria manifesto o enriquecimento injusto, como tal inaceitável, a que tal pretendido enfoque conduziria. Não tem, por isso, salvo o devido respeito, qualquer fundamento válido, nesta parte, a argumentação da Apelante, improcedendo, assim, as suas conclusões nesta matéria. 3. - Da inexistência de litigância de má fé Insurge-se ainda a Apelante contra a sua condenação como litigante de má fé, tendo-lhe aplicado a sentença recorrida o correctivo da multa, em montante que ascende às 04 (quatro) UC, bem como indemnização à contraparte, esta no montante de € 1.673,74. Argumenta que não alegou nenhum facto cuja falta de pagamento não podia ignorar, não podendo ser condenada como litigante de má fé. Naquela sentença pode ler-se, neste particular: «Resultou inequivocamente provado que a Ré contratou os serviços que foram efectivamente prestados e facturados e que não pagou o preço acordado na sua totalidade. «A Ré permitiu-se afirmar o inverso, obrigando à realização da audiência de julgamento, com a necessária deslocação do ilustre mandatário da Autora a Tribunal e das testemunhas que este tinha a apresentar. «Repare-se que não estamos no domínio de teses controvertidas na doutrina ou jurisprudência, nem sequer no campo da indagação e interpretação de regras de direito. Estamos sim perante o simples facto de a Ré ter contratado determinados serviços, por determinado preço, que foram prestados e que não pagou. «Assim, temos como certo que a Ré deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar …». Ora, a R./Apelante alegou nos autos, por um lado, que os serviços que lhe foram prestados foram integralmente pagos – quanto à primeira factura –, e, por outro lado, que – já quanto à segunda factura – não é devido o pagamento, por não realizado qualquer trabalho. Porém, vem provado nos autos, não só que não ocorreu aquele pretendido pagamento integral, como ainda que foi realizado o trabalho a que se reporta a segunda factura, pelo que é forçoso ser devido o respectivo pagamento. Trata-se de factos pessoais da R./Apelante, notoriamente da sua esfera de necessário conhecimento directo, pois que reportados a contrato em que foi parte e a pagamentos a que se obrigou. Por isso, é notório que litigou ela contra a verdade de factos do seu conhecimento directo e pessoal, deduzindo, neste âmbito, oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar. É, assim, certeira a afirmação de que a R./Apelante, em matéria do seu necessário conhecimento, contratou os serviços que foram efectivamente prestados e facturados e não pagou o preço acordado na sua totalidade, pretendendo nestes autos convencer do contrário, por forma a eximir-se ao pagamento do que bem sabe dever, formulando, portanto, oposição destituída de fundamento, o que não podia ignorar. Preenchido está, nestes termos, o requisitório legal a que alude o art.º 456.º, n.ºs 1 e 2, al.ª a), do CPCiv., como invocado na sentença em crise, sendo irrecusável o elemento subjectivo deste ilícito processual, na vertente do dolo – ou, ao menos, da negligência grave/grosseira –, já que no âmbito dos factos da esfera pessoal da parte litigante. Quanto ao montante de multa e indemnização fixados, se os mesmos não foram, em si, postos em causa no recurso, certo é também que este Tribunal ad quem os tem por adequados, já que moderados e também proporcionados, por um lado, ao grau de ilicitude e intensidade da culpa e, por outro lado, ao dano/prejuízo sofrido pela contraparte. Improcedem, por isso, as conclusões em contrário da Apelante. *** IV – Sumariando, nos termos do art.º 713.º, n.º 7, do CPCiv.: 1. - A prescrição presuntiva assenta na presunção de cumprimento, tão-só fazendo presumir, pelo decurso do tempo, o cumprimento da obrigação, não conferindo ao devedor, por não ter natureza extintiva, a faculdade de recusar a prestação ou de se opor ao exercício do direito; 2. - A finalidade da prescrição presuntiva radica na protecção do devedor face ao risco de satisfazer duas vezes dívidas que comummente são pagas de forma célere e em que não é usual exigir recibo de quitação ou guardá-lo prolongadamente; 3. - O crédito de uma sociedade comercial sobre outra, emergente de um contrato de prestação de serviços em que reciprocamente se vincularam, não cabe na previsão da al.ª c) do art.º 317.º do CCiv., ainda que tal prestação seja feita com a intervenção de profissional liberal; 4. - Resultando da factualidade provada, em acção tendente a obter o pagamento de serviços prestados, o não pagamento do que a ré alegou ter pago e a prestação de serviço que a mesma afirmou não lhe ter sido prestado, ocorre litigância da demandada contra a verdade de factos do seu conhecimento directo e pessoal, consubstanciando dedução de oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar e consequente litigância de má fé. Custas da apelação a cargo da Apelante. Escrito e revisto pelo relator. Elaborado em computador. Versos em branco. José Vítor dos Santos Amaral (Relator) Fernanda Isabel Pereira (1.ª Adjunta) Maria Manuela Gomes (2.ª Adjunta)
([3]) E acrescentou-se que «será porventura temerário sustentar que a expressão “profissões liberais” abarca a actividade dos entes societários e não estritamente das pessoas singulares (“dos arquitectos, engenheiros e agentes técnicos de engenharia, dos médicos, médicos veterinários e dentistas, dos enfermeiros e parteiras, dos professores e explicadores, dos advogados e solicitadores, dos desenhadores” como refere Mário de Brito (CCAnotado, vol.I, pág. 407). Por outro lado, a razão de ser das prescrições presuntivas radica na circunstância de “as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, por via de regra, quitação, ou pelo menos não se conservar por muito tempo essa quitação” (Almeida Costa, Obrigações, 4ª ed. pág. 795). Tem por isso razão a recorrente quando assinala que, na situação dos autos, tal circunstancialismo não se verifica, porquanto todos os pagamentos tem necessariamente de ser acompanhados de documento de quitação e este deve ser incorporado na contabilidade e aí permanecer por largo lapso de tempo». ([4]) Assim o Ac. do STJ, de 12/09/2006, Proc. 06A1764 (Cons. Nuno Cameira), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: “Para efeitos de aplicação do art. 317.º, al. c), do CC é essencial a natureza dos serviços prestados, mas indiferente a qualificação jurídica da entidade que os presta; nada impede que se trate uma sociedade comercial tendo por objecto a prestação dos serviços …”. No mesmo sentido, cfr. Ac. Rel. Porto, de 29/05/2012, Proc. 212/11.1TVPRT.P1 (Rel. M. Pinto dos Santos), também em www.dgsi.pt. |