Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
64422/2007-6
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Para ser julgada interrompida a instância nos termos do art. 285º do CPCivil, é necessário que a parte a quem cabe o impulso processual tenha sido negligente em promover os seus termos;
II – Não é o caso do exequente na hipótese de a execução ter sido sustada por força do disposto no nº1 do art. 871º do CPCivil.
(F.L.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

No âmbito do processo de execução ordinária nº 384/02, do Tribunal Judicial da Moita, em que é exequente a Caixa Geral de Depósitos e executado A. aquela veio agravar do despacho que declarou interrompida a instância.
A Agravante rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª. A presente execução foi sustada nos termos do art. 871º, nº 1 do CPCivil, em virtude do registo da penhora ser posterior a outro registo de penhora sobre o mesmo bem.
2ª. Esse despacho de sustação já transitou em julgado.
3ª. O despacho objecto do presente recurso declarou a interrupção da instância nos termos do art. 285º do CPCivil.
4ª. Ora, a instância só se interrompe “quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes”.
5ª. Existindo sustação total da execução, não pode a exequente fazer prosseguir a mesma, requerendo a venda do bem penhorado, pois a execução não pode prosseguir quando há pluralidade de execuções sobre o mesmo bem relativamente ao processo onde existe a penhora posterior.
6ª. É, pois, desajustada a aplicação da interrupção da instância a uma instância anteriormente sustada, pois não existe negligência em promover a instância (cfr. o Ac. do STJ de 14.05.96 e J.A. Reis, “Comentário ao Cód. Processo Civil”, vol. III).
7ª. Violou, assim, o despacho recorrido os arts 871º e 285º ambos do CPC.

Não foram apresentadas contra alegações.

A Srª Juiz proferiu despacho de sustentação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação.
Factos que importam à decisão do recurso:
I – Em 29.05.2002, a Agravante instaurou contra A. no Tribunal Judicial da Moita, execução hipotecária pretendendo haver dela a quantia de € 88.475,75 e juros;
II – Na referida execução foi penhorado um imóvel identificado como “fracção autónoma (…)”
III – Depois de junta certidão de ónus e encargos, e verificado que sobre o prédio já incidia penhora registada anteriormente, a Srª Juiz, nos termos do art. 871º/1 do CPCivil, declarou “suspensa a execução quanto ao bem penhorado” (despacho de 05.05.2003, de fls. 60).
IV – Em 23.05.2005 os autos foram remetidos à conta, nos termos do disposto no art. 51º, nº2 alínea b) do CCJ.
V – A fls. 76, e com data de 21.09.2005, a Srª Juiz proferiu o despacho impugnado, do seguinte teor:
“Considerando que os autos se encontram sem qualquer movimento há mais de um ano por inércia negligente do exequente em promover os seus termos, declaro interrompida a instância, por aplicação do disposto no art. 285º do CPC.
Aguardem os autos no arquivo o decurso de prazo de deserção da instância (art. 291º do CPC).”

O direito.
Como flui das conclusões da Agravante, constitui objecto do recurso saber se a execução suspensa nos termos do nº1 do art. 871º do CPC, na redacção anterior ao DL 38/2003, deve ser declarada suspensa no caso de estar sem ser impulsionada há mais de um ano.
No caso, foi penhorado um imóvel e efectuado o respectivo registo verificou-se que sobre ele já se encontrava registada uma penhora anterior.
Era do seguinte teor o mencionado art. 871º, sob a epígrafe Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens:
1. Pendendo mais de uma execução sobre o mesmos bens, sustar-se-á quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina.
2. (…).
3. Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e nomear outros em sua substituição.
4. Se a suspensão for total, as custas da execução sustada são graduadas a par do crédito que lhe deu origem, desde que o reclamante junte ao processo, até à liquidação final certidão comprovativa do seu montante e de que a execução não prosseguiu noutros bens.

A análise deste artigo permite afirmar que é intenção da lei evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.
Sustada a execução, a penhora não é levantada (a não ser que o exequente desista da mesma – art. 871º/3), mas se o exequente quiser obter pagamento pelos bens duplamente penhorados, terá de ir reclamar o seu crédito no processo onde foi feita a “apreensão” para aí ser graduado com a preferência da respectiva penhora (Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição de 1987, pag. 529).
À luz dos princípios expostos, foi, assim, correcta a decisão que ordenou a suspensão da execução logo que se verificou que o imóvel penhorado já estava onerado com penhora anterior.
A suspensão assim decretada, diz-nos o Sr. Conselheiro Salvador da Costa, “é oficiosa, que o juiz do processo onde foi realizada a penhora posterior, não pode deixar de ordenar logo que constem do processo os factos respectivos. É uma suspensão da instância ope legis, em que não está em causa a inércia do exequente em promover os seus termos….” (Cód. Custas Judiciais, 5ª edição, pag. 288).
Trata-se, portanto, de um caso de suspensão da instância que cabe na previsão do art. 276º, nº1, alínea d) do CPCivil, a instância suspende-se nos casos em que a lei o determinar especialmente (Lebre de Freitas, Cód. Processo Civil, volume I, pag. 495).
Em caso de suspensão total da instância executiva, por verificada a situação prevista no nº1 do art. 871º, deve o juiz decretar a interrupção da instância nos termos do art. 285º?
Segundo este preceito, “a instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou de algum incidente do qual dependa o seu andamento.”
Vem entendendo a jurisprudência que:
“A interrupção da instância, nos termos do art. 285º, só se verifica quando as partes, designadamente o exequente, se mostrarem negligentes no impulso processual, ou seja quando deixaram de praticar qualquer acto que tinham o ónus de promover, mas não o fizeram por culpa sua. E compete ao juiz verificar esta falta” (Ac. da Relação de Lisboa de 28.06.05 e também o de 10.05.2001, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.).
Ora, não vemos que possa qualificar-se de negligente a conduta da Exequente, pois não deixou de praticar qualquer acto que tivesse o ónus de promover: suspensa por imposição legal a execução, foi reclamar o seu crédito no processo onde a penhora é mais antiga.
Como decidiu o Ac. desta Relação de 20.09.2007, subscrito por dois dos juízes que subscrevem o presente, “para nomear outros bens, em substituição dos penhorados, terá o exequente, de acordo com o nº 3 do art. 871º, de desistir da penhora sobre esses bens. Assim, (…) não é possível manter a penhora onerada com registo anterior e simultaneamente requerer, na execução sustada, a penhora de novos bens.”
A desistência da penhora quanto aos bens apreendidos noutro processo – condição para a possibilidade de nomear outros bens à penhora – é assim, facultativa, não um ónus que a lei imponha ao exequente.
E não se devendo a negligência do exequente a sustação do processo, não há que considerar interrompida a instância nos termos do art. 285º.
Com o que procedem as conclusões do recurso.

Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida, devendo a execução manter-se suspensa.
Sem custas.

Lisboa 15 de Novembro de 2007

Ferreira Lopes
Manuel Gonçalves
Gilberto Jorge