Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | CARLOS ALMEIDA | ||
| Descritores: | ROUBO VIOLÊNCIA CONTRA AS PESSOAS DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: | I – Embora o recorrente não tenha impugnado expressamente a questão da qualificação jurídica das condutas por ele praticadas, o tribunal “ad quem” deve apreciar essa questão se considerar que existe, quanto a esse segmento da decisão, um erro manifesto, uma vez o enquadramento jurídico-penal é um antecedente lógico e necessário da determinação da medida da pena, matéria que foi colocada pelo recorrente à consideração do Tribunal da Relação. II – A violência, no crime de roubo, é a violência física sobre uma pessoa. III – Nesse mesmo crime, a colocação na impossibilidade de resistir nada tem a ver com a surpresa da actuação do agente. A impossibilidade de resistir é uma forma de violência imprópria que se verifica quando o constrangimento da vontade é obtido através de meios diferentes da força física sobre a própria pessoa, o que acontece, por exemplo, quando são utilizadas substâncias psico-activas ou a hipnose. IV – O tribunal não pode atender, como factor agravante para a determinação da medida da pena, à falta de recuperação dos objectos porquanto esse facto é inerente à própria lesão da propriedade característica do roubo. Poderia e deveria atender à recuperação, se tivesse existido, porquanto ela, contribuindo para mitigar o desvalor do resultado, era relevante em termos de prevenção geral (havia uma menor necessidade de pena para a protecção dos bens jurídicos). V – O facto de o arguido, num crime de roubo, ter actuado com dolo directo, que corresponde à forma normal do agir humano, não agrava a ilicitude. Dificilmente seria concebível a prática de um tal tipo de crime com outra modalidade de dolo. VI – De igual forma, não podem ser valorados em desfavor do arguido as faltas de confissão e de arrependimento. A sua existência é que constituiria um factor relevante em termos de prevenção especial, contribuindo para a mitigação da pena. VII – O legislador, ao prever as penas abstractas, atende não só à danosidade social das condutas mas também à sua frequência e, consequentemente, às necessidades da prevenção geral. Por isso, as considerações sobre a premência da punição do crime de roubo em geral violam a proibição de dupla valoração e não podem ser atendidas pelo tribunal. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa 1 – O arguido A. foi julgado no 1º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Franca de Xira e aí condenado, por acórdão de 21 de Julho de 2008, pela prática de: - Três crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º s 1 e 2, alínea b), com referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204º, todos do Código Penal, na pena, por cada um deles, de 5 anos e 6 meses de prisão; - Um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico dessas penas, o arguido foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão. Nessa peça processual o tribunal considerou provado que: 1. No dia 16 de Janeiro de 2006, cerca das 19,30 horas, na passagem superior da A1, que dá acesso à Escola … , nesta cidade e comarca, o arguido dirigiu-se a C. e V., que ali passavam, com o propósito de se apoderar de bens e valores que elas tivessem em seu poder; 2. Na concretização desse desígnio, uma vez junto delas, o arguido disse-lhes para pararem e, de imediato, começou a abrir as pastas que aquelas transportavam; 3. Como a C. e a V. procurassem esquivar-se, o arguido retirou do bolso um canivete, com cerca de 8 cm de lâmina e cabo de 10 cm, e, empunhando-o, ordenou-lhes que estivessem quietas e caladas; 4. Amedrontadas e receando que o arguido as molestasse fisicamente, as ofendidas C. e V., não ofereceram qualquer resistência; 5. Então, o arguido retirou da mala da C., e fez seu, um telemóvel, de marca “LG”, no valor de pelo menos 80 euros e, da mala da V., retirou e fez sua uma nota de 5 euros; 6. De seguida, na posse do telemóvel e da referida quantia em dinheiro, o arguido, abandonou o local; 7. No dia 20 de Janeiro de 2006, cerca das 19,35 horas, também na passagem superior da A1, que dá acesso à Escola... , nesta cidade e comarca, o arguido dirigiu-se a E.R.N., que por ali passava, com o propósito de se apoderar e fazer seus, bens e valores que aquele transportasse; 8. Com esse propósito, o arguido, uma vez junto do E.R.N., meteu uma das mãos no bolso do casaco que envergava, fazendo assim crer que aí tinha uma arma e ordenou àquele que estivesse quieto “senão levava um tiro”; 9. Amedrontado com a atitude do arguido, e temendo pela sua integridade física, o ofendido E.R.N., não ofereceu qualquer resistência; 10. Então, o arguido retirou da bolsa que o ofendido E.R.N. trazia à cintura um telemóvel, de marca “Motorola”, no valor de 200 euros, fazendo-o seu; 11. De seguida, na posse do referido telemóvel, o arguido abandonou o local; 12. No dia 26 de Janeiro de 2006, cerca das 22 horas, ainda na passagem superior da A1, que dá acesso à Escola … l, nesta cidade e comarca, o arguido dirigiu-se a D. , que ali passava, com o propósito de se apoderar de bens e valores que aquele transportasse; 13. Então, uma vez junto do ofendido D. , o arguido empunhou um canivete, com cerca de 8 cm de lâmina e com 10 cm de cabo, e encostando-o à barriga do D. , ordenou-lhe que lhe entregasse o telemóvel “senão limpava-lhe o sebo”; 14. Amedrontado e receando que o arguido o molestasse fisicamente, D. entregou-lhe um telemóvel, de marca “Motorola”, no valor de 250 euros; 15. De seguida, na posse do referido telemóvel, o arguido abandonou o local, fazendo-o coisa sua; 16. O arguido agiu, em qualquer das descritas situações, com o propósito concretizado de se apoderar e fazer seus, pela forma descrita, os objectos e valor que logrou alcançar, pertença dos ofendidos, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos respectivos donos; 17. Agiu, sempre, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 18. O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção prisão preventiva à ordem do processo n.º 240/08.4GDALM, tem de habilitações literárias o 7º ano de escolaridade, antes de ser detido era servente de pedreiro, vivia com a mãe e 4 irmãos, auferia cerca de 500,00 euros mensais, tem uma filha de 5 anos que vive em Inglaterra e a quem entregava 150,00 euros mensais; à mãe entregava 200,00 euros mensais; 19. O arguido foi condenado: - Por acórdão proferido em 30 de Março de 2005, pela prática de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas em 17 de Março de 2004, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 3,00 euros; - Por Acórdão proferido em 3 de Março de 2006, pela prática de um crime de roubo e de um crime de homicídio na forma tentada em 17 de Março de 2004, na pena de 3 anos de prisão suspensa pelo período de 5 anos, subordinada ao dever de, durante o período de 1 ano, prestar trabalho a favor da comunidade em instituição de solidariedade, nos bombeiros ou hospital (enquanto o arguido não trabalhar em horário laboral e, no caso de arranjar emprego, em regime pós-laboral); - Por sentença proferida em 22 de Novembro de 2007, pela prática em 7 de Novembro do mesmo ano de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros. 1- A., arguido nos autos supra indicados, não se conformando com o douto Acórdão de fls. ... dos autos, vem, nos termos do artigo 12º, 32º, n.º 1, da C.R.P., 399º, 427º e seguintes do CPP interpor Recurso do Acórdão em questão, visando o reexame da matéria de facto e de direito, para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do artigo 412º do Código Penal. 2- Vem o presente recurso ser interposto do douto Acórdão que condenou o ora recorrente pela prática em co-autoria material, por cada um de 3 (três) crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência à alínea f) do n.º 2 artigo 204º, todos do Código Penal, na pena de 5 anos e seis meses de prisão e pela prática de 1 (um) crime de roubo, p. e p. 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão. - A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; - Erro notório na apreciação da prova; 6- A decisão do tribunal sobre a matéria de facto baseou-se nas declarações do arguido. 9- O tribunal teve ainda em consideração o certificado de registo criminal junto a fls. 239 a 241 e 304 quanto à situação prisional do arguido. 10- Realçou a razão quanto à fixação em concreto da medida da pena, a culpa e a prevenção geral e especial, pois de facto são dois factores imprescindíveis para a aplicação da pena ao arguido. 12- Ainda nos termos do disposto do artigo 70º, n.º 1, que reza: quando sejam aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa ou não privativa da liberdade, deverá o tribunal optar pela segunda se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Com as obrigações necessárias, e/ou seja, acompanhada de regime de prova, no sentido de reintegração do arguido em sociedade, nos termos do artigo 53º, 51º, 52º, 53º, 54º e Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, no seu artigo 4º, uma vez que o arguido era menor de 21 anos de idade à data da prática dos factos ilícitos trazidos a julgamento. Nestes termos e nos demais de direito, que V.Exas. doutamente suprirão, deve o douto acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” ser revogado e por conseguinte ao arguido ser-lhe aplicada a pena de cinco anos suspensão na sua execução, nos termos dos artigos 53º, 51º, 52º, 53º, 54º e Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, no seu artigo 4º. Lisboa, 12 de Novembro de 2008 (Carlos Rodrigues de Almeida) (Horácio Telo Lucas) _____________________________________________________ [1] De resto, no ponto 33 da motivação, o recorrente chegou a dizer que aceitava «a prova da prática do crime de que vem acusado». [2] Ver, no mesmo sentido, o nosso acórdão proferido em Dezembro de 2002 no recurso n.º 2584/02 no qual, em nota de rodapé, citando Roxin (ROXIN, Claus, in «Derecho Procesal Penal», tradução da 25ª edição alemã, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2000, p. 451), transcrevemos um trecho em que ele escrevia que «parece correcto que, a não ser que se admita a todo o transe a impugnação parcial, o tribunal não fique vinculado à limitação da impugnação quando ele, de outro modo, apesar de reconhecer como injusta uma resolução condenatória do tribunal inferior, em prejuízo do arguido, devê-la-ia tomar como base da sua própria decisão, maxime quando o instituto da perda de eficácia do caso julgado é usual no StPO (supra § 50, B, IV). Por outras palavras, o caso julgado parcial exonera o tribunal de recurso da obrigação de controlar a correcção de todos os pontos, mas não de corrigir as incorrecções que, de outra maneira, permaneceriam na decisão a ditar por ele ...». [3] O tribunal não pode atender à falta de recuperação dos objectos porquanto esse facto é inerente à própria lesão da propriedade característica do roubo. Poderia e deveria atender à recuperação, se tivesse existido, porquanto ela, contribuindo para mitigar o desvalor do resultado, era relevante em termos de prevenção geral (havia uma menor necessidade de pena para a protecção dos bens jurídicos). O facto de o arguido, num crime de roubo, ter actuado com dolo directo, que corresponde à forma normal do agir humano, não agrava a ilicitude. Dificilmente seria concebível a prática de um tal tipo de crime com outra modalidade de dolo. De igual forma, não podem ser valorados em desfavor do arguido as faltas de confissão e de arrependimento. A sua existência é que constituiria um factor relevante em termos de prevenção especial, contribuindo para a mitigação da pena. Diga-se ainda que o legislador, ao prever as penas abstractas, atende não só à danosidade social das condutas mas também à sua frequência e, consequentemente, às necessidades da prevenção geral. Por isso, as considerações feitas no acórdão, em abstracto, sobre a premência da punição do crime de roubo violam, no nosso modo de ver, a proibição de dupla valoração e não podem ser atendidas pelo tribunal. [4] Quanto a estes crimes o tribunal pode e deve atender a este factor, sem violação do princípio da proibição da dupla valoração (corpo do n.º 2 do artigo 71ºdo Código Penal), porquanto a utilização de uma arma não faz parte do tipo, coisa que não acontece quanto ao último dos crimes, que é precisamente qualificado por essa circunstância. [5] Deve dizer-se que o meio utilizado, em todos os crimes, para permitir a subtracção ou constranger à entrega foi a ameaça com perigo eminente e não a violência, que no roubo tem de ser violência física sobre uma pessoa, nem muito menos a colocação na impossibilidade de resistir, que nada tem a ver com a surpresa da actuação do agente. A impossibilidade de resistir é uma forma de violência imprópria que se verifica quando o constrangimento da vontade é obtido através de meios diferentes da força física sobre a própria pessoa, o que acontece, por exemplo, quando são utilizadas substâncias psico-activas ou a hipnose. [6] E não, como se fez constar do certificado de registo criminal, por um crime de «detenção ou tráfico de armas proibidas p. e p. pelos artigos 210º, 22º e 23º do Código Penal»! [7] E não ao facto de ser uma arma, que é um elemento do tipo. [8] O que justifica, a nosso ver, uma menor pena única e não o seu agravamento. |