Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20/11.0TBALM.L1-8
Relator: MARIA ALEXANDRINA BRANQUINHO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Nos casos em que o Juiz declara a suspensão da instância por força do art.º 269.º, n.º1 alínea a) do CPC e, concomitantemente, adverte para a cominação prevista no art.º 281.º, n.º1 do mesmo diploma (a deserção), caso o processo fique parado a aguardar impulso processual por mais de seis meses é dispensado o cumprimento da parte final do disposto no n.º3 do art.º 3.º do CPC, devendo as partes antes de esgotado aquele prazo vir aos autos justificar a falta de impulso processual.
- Não tendo sido feita aquela advertência, o julgador não pode, sem assegurar o contraditório garantido no art.º 3.º, n.º3 do CPC, dar como assente que houve negligência das partes e declarar deserta a instância.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:



I-RELATÓRIO:



A…veio interpor recurso do despacho que julgou extinta a instância por deserção e ordenou o arquivamento do processo que instaurou contra B…e C…

***

Dos autos, extraem-se os seguintes factos relevantes para a decisão do recurso.
1. A acção proposta por A… contra B…e C… deu entrada em tribunal em 03.01.2011.
2. O processo seguiu seus termos com contestação dos réus e resposta do autor.
3. Findos os articulados, a 1.ª instância proferiu, em 10.10.2013, despacho do seguinte teor: «Tendo em conta a entrada em vigor do Código de Processo Civil, na versão aprovada pela Lei 41/2013 de 26.06 e o disposto no art.º 5.º, n.º 4 da mesma Lei, notifique as partes para em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil aprovado em anexo à Lei acima referida».
4. As partes apresentaram os respectivos requerimentos probatórios.
5. Foi proferido despacho a ordenar a junção de documentos aos autos, despacho que o autor cumpriu.
6. Subsequentemente à junção referida em 5., deu entrada, em 12.12.2013, requerimento do réu marido dando conta e documentando o falecimento da ré mulher, seguindo-se despacho proferido em 09.01.2014 do seguinte teor: «Fls. 169 – Atento a junção aos autos de documento comprovativo de óbito de fls. 171 quanto à ré C… declaro suspensa a presente instância – artigos 269.º, n.º 1 alínea a) e 270.º, n.º 1 do CPC».
7. Em 14.04.2015 a 1.ª instância proferiu despacho do seguinte teor: «Encontrando-se os autos parados há mais de seis meses, por inércia do autor em promover os seus termos, julgo extinta a instância por deserção, nos termos previstos no art.º 281.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013 de 26.06».

É, precisamente, do despacho referido em 7., que vem interposto o presente recurso, com o autor a conclui-lo da forma que segue:   
    
A. O presente Recurso tem por objeto o Despacho que julgou extinta a instância por deserção, nos termos previsto no art. 281º., n.º 1 do C.P.C..
B. No dia 3 de Janeiro de 2011, o Autor intentou contra os Réus a presente ação declarativa, ao abrigo do Regime Experimental previsto no Dec.-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, no âmbito da qual peticiona a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 16.728,00 e, simultaneamente, a declaração de não ser devida pelo Autor aos Réus a quantia de € 5.500,00.
C. No dia 28 de Fevereiro de 2011, os Réus apresentaram a sua Contestação.
D. No dia 12 de Setembro de 2011, o Autor apresentou a sua Resposta à Exceção deduzida pelos Réus, na sua Contestação.
E. No dia 14 de Outubro de 2013, foram ambas as partes notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no art. 5º., n.º 4, da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado.
F. Nessa sequência, no dia 16 de Outubro de 2013, os Réus apresentaram o seu requerimento probatório.
G. Também o Autor, no dia 29 de Outubro de 2013, apresentou o seu requerimento probatório. Posteriormente,
H. No dia 9 de Dezembro de 2013, o Autor foi notificado para, em 10 dias, juntar aos autos certidão de registos, ónus e encargos atualizada do imóvel em causa nos autos.
I. Junção esta que o Autor veio a fazer no dia 10 de Dezembro de 2013.
J. No dia 17 de Janeiro de 2014, foram ambas as partes notificadas da suspensão da instância, atenta a junção aos autos, por parte do Réu B… de documento comprovativo de óbito da Ré C…
L. Note-se que, o Novo Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, portanto, já na pendência do presente processo judicial. Entretanto,
M. Sem qualquer despacho que o tivesse precedido, sobre este tema, no dia 20 de Abril de 2015, o Mmº. Juiz “a quo” proferiu o despacho previsto no n.º 1, do art. 281º., do C.P.C., julgando a instância extinta por deserção, em virtude de os autos se encontrarem parados há mais de seis meses, por inércia do Autor. Ora,
N. Salvo o devido respeito, tal despacho, sem qualquer outro que o preceda, é nulo, por violação do disposto no art. 3º. da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e nos arts. 3º., n.º 3, 6º. e 7º., todos do Novo C.P.C.. Vejamos, portanto:
O. No presente caso, a instância estava suspensa a fim de as partes promoverem a habilitação de herdeiros, desde 17 de Janeiro de 2014, quando, sem mais, foram as partes notificadas em 20 de Abril de 2015, do despacho que julgou extinta a instância por deserção.
P. Esta extinção, imediata e sem mais, tem pesarosas consequências para o Autor, derivadas do estado avançado dos autos e da perda do valor da taxa de justiça que pagou (€ 306,00).
Q. Sendo certo que a iniciativa do impulso processual cabia ao Autor, e que este, representado pelas suas mandatárias, é responsável pelo conhecimento das alterações legais introduzidas pelo Novo CPC, estas são profundas em alguns aspetos, e vieram eliminar figuras com várias décadas, e romper com práticas enraizadas há muitas décadas.
R. Fazendo apelo aos Princípios da Segurança Jurídica, Tutela da Confiança, da Cooperação, Adequação Formal, da Intervenção Oficiosa e da Gestão Processual, todos eles expressos nos art. 3º. da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e nos arts. 3º., n.º 3, 6º. e 7º., todos do Novo C.P.C, justificar-se-ia que o Mmº. Juiz “a quo”, previamente ao despacho previsto no n.º 4, do art. 281º. do C.P.C., proferisse despacho inominado, declarando que a instância ficaria deserta decorridos seis meses sem que tivesse havido impulso das partes, ou, notificasse as partes para, no prazo supletivo se pronunciarem sobre o interesse no prosseguimento dos autos, sob pena de se considerar a instância deserta.
S. Em defesa da tese ora exposta, pode ler-se em “Primeiras notas no NCPC 2013”, Vol I, “Os Artigos da Reforma”, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Almedina: “Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito na negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção (…). De modo a evitar-se equívocos, pode justificar-se a notificação da parte, esclarecendo-se que o processo aguarda o seu impulso processual (art. 7º. do NCPC). Esta notificação constitui um dever nos casos abrangidos pela alínea b) do art. 3º. do diploma de aprovação do código. ”
T. Deverá ainda ter-se em conta que na redação do art. 281º., do C.P.C., a deserção da instância não parece verificar-se automaticamente pelo decurso do prazo de seis meses, devendo o tribunal, antes de proferir o despacho a que se refere o n.º 4, ouvir previamente as partes, de forma a aquilatar se a falta de impulso processual é, ou não, devida a negligência e só após a audição emitirá o despacho tido por adequado, o qual assim sendo não pode ser de mero expediente, nem ter por base um poder apenas discricionário (art. 3º., n.º 3 do NCPC).
U. Do Princípio da Cooperação vertido no art. 7º., n.º 1, decorre a concessão de um poder-dever e ao respetivo uso pelo tribunal, há-de acrescer a consciência dos atos praticados ou omitidos no processo, bem como têm os Senhores Magistrados, o dever de Gestão Processual (art. 6º. do NCPC), que obriga aqueles a providenciar pelo “andamento célere” do processo, mas finalizando este com uma decisão justa.
V. Nos autos em análise, a resolução do litígio ficou por acautelar, prejudicando as partes, onerando-as gravosamente, de várias formas, não se tendo feito qualquer uso do “Dever de Gestão Processual”.
X. A Lei 4/2013, de 26 de Junho, no seu art. 3º., estabelece o Princípio da  Intervenção Oficiosa do Juiz, prevendo que “No decurso do primeiro ano subsequente à entrada em vigor da presente lei (…) Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais resulte que a parte (…) omitir ato que seja devido, deve o Juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco.”
Z. Tanto mais que, no caso concreto, o prazo dos seis meses, relativo à deserção, ocorreu ainda durante o primeiro ano de vigência do Novo CPC, circunstância que sempre e de todo o modo, obrigaria à aplicação do disposto no art. 3º. da Lei 41/2013, no que diz respeito à intervenção oficiosa do Juiz, tendo em conta as profundas alterações que sofreu o Código do Processo Civil, nomeadamente, no que a esta matéria da deserção da instância diz respeito.

AA. Mas mais dispõe o n.º 2, do art. 6º. do NCPC que “O Juiz providencia oficiosamente pelo suprimento (…)quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”.
AB. É muito injusta e desproporcionada a extinção imediata da instância.
AC. Extrai-se do estudo “Justiça Económica em Portugal – Síntese e Propostas”, 2012, de Isabel Alexandre, que “A gestão processual parece uma figura que implica o exercício de competências que não são só de simples técnicas jurídicas, que não se prendem com a aplicação do direito estrito. ”
AD. Pode ler-se ainda em Edgar Valles, 8ª. edição, “Prática Processual Civil ”: “Cabe ao Juiz dirigir ativamente o processo, determinando, após a audição das partes a adoção de mecanismos de simplificação e agilização processual respeitando os princípios da igualdade das partes e do contraditório. ”
AE. Poderá sempre fazer-se ainda apelo ao Princípio da Prevalência da Verdade Material sobre a Verdade Formal, que impõem seguramente a prévia audição das partes.
AF. Mas para além de todo o exposto, é já vasta a jurisprudência que entende no mesmo sentido. A título meramente exemplificativo, indicam-se o Ac. do TRL de 09-09-2014 (Proc. 211/09.3TBLNH-J.L1-7), o Ac. do TRL de 26-02-2015 (Proc. 2254/10.5TBABF.L1-2) e o Ac. do TRP de 02-02-2015 (Proc. 4178/12.1TBGDM.P1). Com efeito,
AG. O Sumário do Ac. do TRL de 26-02-2015 (Proc. n.º 2254/10.5TBABF.L1-2) conclui o seguinte: “1. No novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, além de se ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou-se também a figura da interrupção da instância, ficando a instância deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses. 2. A deserção da instância, enquanto causa de extinção da instância, deixou de ser automática, carecendo de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial. 3. No despacho que julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de efetuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efetivamente, da negligência destas, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, bem como, e por força do princípio da cooperação, reforçado no nCPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto. ”
AH. No mesmo sentido, o Ac. do TRP (Proc. 4178/12.2TBGDM.P1), também conclui que:

“I– O regime da Lei 41/2013, de 26/06, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, concedido à parte para impulsionar os autos, sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo esteja sem impulso processual da parte durante mais de seis meses sem passar pelo patamar intermédio da interrupção da instância.
II– Por assim ser, na atual lei adjetiva a deserção da instância não é automática pelo simples decurso do prazo, como acontecia na lei anterior, pois que, para além da falta de impulso processual há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento (art. 281º., n.º 1, do CPCivil).
III– E, não sendo automática a referida deserção, o tribunal, antes de proferir o despacho a que se refere o n.º 4 do artigo 281º. do CPCivil, deve ouvir as partes por forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é, efetivamente, imputável a comportamento negligente das partes.
IV– Durante o primeiro ano de vigência do novo CPCivil o legislador previu, no art. 3º. da Lei 41/2013, face à natureza profunda das alterações que se verificaram na lei processual, a intervenção oficiosa do juiz com uma função corretiva quer quanto à aplicação das normas transitórias quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo do regime processual aplicável que resultassem evidentes de leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais.
V– Daí que, numa situação de suspensão da instância por falecimento de uma das partes, se deva fazer uma interpretação extensiva por argumento de identidade de razão daquela norma e, concatenando-a com o princípio da cooperação (art. 7º. do CPCivil), se aplique igualmente a estes casos, tendo aqui o juiz não uma função corretiva mas de cooperação com as partes, alertando-as da instituição de um regime mais severo para a deserção da instância, antes de proferir o despacho a julgá-la extinta, por terem decorrido mais de seis meses sobre a suspensão da instância sem impulso dos autos imputável às partes. ”.

Nestes termos, e nos mais de Direito, sem prescindir do mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente
Recurso, devendo, consequentemente, ser revogado o despacho
ora recorrido e, este substituído por outro que notifique as partes para se pronunciarem sobre a falta de impulso processual e para, num prazo julgado adequado, promoverem o andamento dos autos ou requererem o que tiverem por conveniente, sob pena da instância ser julgada extinta por deserção, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!

***

Pode, desde já, adiantar-se que a decisão recorrida não pode ser mantida apesar de não subscrevermos boa parte dos argumentos do apelante.

Com efeito, a visão que o recorrente tem (ou, pelo menos, defende) dos poderes e deveres dos Juízes é de tal forma dilatada que posterga o ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes. Não entraremos, no entanto, em tal discussão, uma vez que ela nada adiantará no que toca à questão que aqui se coloca.

Tão pouco adiantará debruçarmo-nos sobre os acórdãos citados pelo apelante que, muito embora, tratem de matéria respeitante à deserção da instância – tal como aqui – decidem casos com contornos diversos.

Com efeito, nestes autos, as partes sabiam que o regime processual aplicável era o aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013 de 26 Junho pois, para tal, foram alertadas pelo despacho proferido em 10.10.2013 – ponto 3. dos factos julgados relevantes para a decisão deste recurso. Isto, já para não dizer que tinham a obrigação de saber por estarem devidamente patrocinadas por Advogados.

O que interessa, no entanto, é saber como ler o art.º 281.º, n.º 1 do CPC que dispõe: Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

Afigura-se que, nos casos em que o Juiz declara a suspensão da instância por força do art.º 269.º, n.º 1 alínea a) do CPC e, concomitantemente, adverte para a cominação prevista no art.º 281.º, n.º 1 do mesmo diploma (a deserção), caso o processo fique parado a aguardar impulso processual por mais de seis meses é dispensado o cumprimento da parte final do disposto no n.º 3 do art.º 3.º do CPC, devendo as partes antes de esgotado aquele prazo vir aos autos justificar a falta de impulso processual.

Não tendo sido feita aquela advertência, o julgador não pode, sem assegurar o contraditório garantido no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, dar como assente que houve negligência das partes e declarar deserta a instância.  

Neste caso, verifica-se que a advertência não foi feita, daí que se impusesse notificar as partes para que elas pudessem participar da decisão judicial trazendo as suas razões ao processo.

Face ao exposto, acordam os Juízes em, por violação do princípio do contraditório, revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene a notificação das partes para se pronunciarem sobre a eventualidade de ser decretada a deserção da instância por verificação dos pressupostos do art.º 281.º, n.º 1 do CPC.
Sem custas.


Lisboa, 15/10/2015


Maria Alexandrina Branquinho
António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Decisão Texto Integral: