Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
534/2008-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: INVENTÁRIO
RECURSO DE AGRAVO
REGIME
SUBIDA DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2008
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: ALTERADO O REGIME DE SUBIDA DE RECURSO
Sumário: Os agravos dos despachos que decidam incidentes do inventário – incluído o de remoção de cabeça-de-casal, após a alteração da redacção do art.º 1396º, n.º 1, do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 277/94, de 08 de Setembro – em processo de valor superior à alçada da Relação, têm subida diferida, nos termos do citado n.º 1.
(E.M.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Vem o presente recurso interposto do despacho reproduzido a folhas 19 a 23, que, decidindo o incidente de remoção do C.C., deduzido pelo Recorrente, indeferiu o mesmo.
Tal recurso foi, por despacho reproduzido a folhas 26, recebido, e bem, como de agravo.
Com subida imediata e em separado, citando-se os art.ºs 733º e 739º, do Código de Processo Civil.

 No domínio da redacção do art.º 1396º, do Código Civil, anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 08 de Setembro, dispunha o n.º 1, al. b), que “O recurso da decisão que ponha termo a algum dos incidentes regulados nos artigos 1399º e seguintes sobe imediatamente e em separado…”.
Sendo que entre tais incidentes logo se tratava, no art.º 1399º - revogado pelo art.º 3º do Decreto-Lei n.º 227/94, de 08 de Setembro, quanto aos n.ºs 2 e 4, e pelo art.º 3º do Decreto-Lei n.º 329/95, de 12 de Dezembro, quanto aos n.ºs 1 e 3 – e precisamente, da “remoção do cabeça-de-casal”.

Porém, a nova redacção introduzida no n.º 1 daquele art.º 1396º, pelo sobredito Decreto-Lei – mantida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que quanto a tal art.º se limitou a revogar expressamente o n.º 3, já objecto de anterior revogação tácita, pelo art.º 2º do mesmo Decreto-Lei n.º 227/94 – definiu que “1. Nos inventários de valor superior à alçada da Relação, o regime dos recursos é o do processo ordinário, subindo, porém, conjuntamente ao tribunal superior, em separado dos autos principais e no momento em que se convoque a conferência de interessados, os agravos interpostos até esse momento”.
Sendo deste modo suprimida a referência ao recurso da decisão de qualquer dos sobreditos incidentes.

Assim – e sendo aquele o caso dos autos, posto que tendo o processo o valor de € 14.963,95, e atento o disposto no art.º 24º, n.º 1, da actual L.O.F.T.J – não caberá, salvo melhor opinião, chamar à colação o disposto no n.º 1 do art.º 739º, do Código de Processo Civil – normativo regulador da subida dos agravos nos incidentes em geral – que não sobreleva no confronto de norma especial, como é a do citado art.º 1396º, n.º 1, do mesmo Código.

Também, como assinala J. A. Lopes Cardoso,[1]  da aplicação genérica do regime do processo ordinário, resulta que, e entre outras hipóteses aqui desinteressantes, subirão imediatamente os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis, cfr. art.º 734º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.

A sobredita inutilidade, porém, não é de todo configurável relativamente a recurso de despacho que decidindo incidente de remoção do cabeça-de-casal, em processo de inventário, indefere aquela.

Tenha-se presente que a absoluta inutilidade do recurso apenas se equaciona quando a eventual retenção tenha um resultado irreversível quanto ao recurso, não bastando a mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual, ou a perturbação que possa causar no processo onde aquele foi interposto.[2]    
E, aliás, no despacho que decidiu quanto ao efeito do recurso, considerou-se que “No caso em análise nada foi alegado pelo agravante quanto à demonstração de que a execução do despacho lhe causa um prejuízo irreparável ou de difícil reparação”.
Nem um tal prejuízo se vislumbrando.

De resto, a decisão do presente agravo está intimamente ligada à decisão do interposto do despacho que decidiu a reclamação contra a relação de bens, e que foi admitido  com subida em separado, no momento em que for convocada a conferência de interessados.
Com efeito, entre os invocados fundamentos da requerida remoção figura a utilização do saldo de conta bancária da inventariada, em proveito próprio.
Ora, na reclamação contra a relação de bens, questiona o Recorrente o “montante mencionado como saldo desta conta”, alegando que “após o falecimento da autora da herança a ora cabeça-de-casal passou a movimentá-la como se sua fosse”
Sendo, precisamente, que na decisão impugnada, e no tocante ao “Relacionamento da quantia em dinheiro”, se julgou improcedente, “por falta de fundamento jurídico, a reclamação apresentada quanto ao relacionamento da verba n.º 1” – ou seja a relativa à dita quantia – determinando-se “se mantenha relacionada como fez a cabeça-de-casal.”.
Salvaguardando-se apenas a apreciação da “questão” do exercício da administração, nessa correspondente parte, em proveito próprio, “em sede de prestação de contas e sempre sem prejuízo da responsabilidade da cabeça-de-casal…”.
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Refira-se não ignorarmos a anotação de Lopes do Rego ao art.º 1396º do Código de Processo Civil,[3] com o teor seguinte:
“II- A eliminação da al. b) do n.º 1 deste artigo é consequência da revogação dos arts. 1399º a 1403º regendo sobre os incidentes inseridos no inventário o art. 1334º e aplicando-se aos recursos neles interpostos o regime geral que consta do art.º. 739º.”.
Salvo o devido respeito – que é muito – não podemos porém aceitar a bondade de tais asserções.

Desde logo não vemos como a supressão de disposição relativa aos incidentes de remoção do C.C., e à escusa ou exoneração dos cargos da tutela, curatela ou curadoria provisória dos bens do ausente – e doutros se não ocupavam os revogados art.ºs 1399º a 1403º do Código de Processo Civil – possa explicar a sujeição ao regime geral dos agravos de outros incidentes do inventário, qual seja, e desde logo, o de reclamação contra a relação de bens.
Depois, e como visto já, a eliminação da al. b) do n.º 1, do art.º 1396º foi operada pelo art.º 2º do Decreto-Lei n.º 227/94, de 08 de Setembro.
Sendo que o mesmo Decreto-Lei apenas revogou os n.ºs 2 e 4 do art.º 1399º.
Subsistindo os n.ºs 1 e 3 do referido art.º 1399º - relativos à remoção do cabeça-de-casal – que apenas foram revogados pelo art.º 3º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro…que entrou em vigor, nessa parte, em 01 de Janeiro de 1997, cfr. art.º 16º, do mesmo Decreto-Lei, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.
O que complica, deveras, o estabelecimento do tal nexo sequencial, concluído por Lopes do Rego, ao menos na parte relativa ao incidente de remoção.

A solução assim rejeitada, contrariaria, de resto, o que sempre foi entendimentos pacífico, e assim ainda no domínio da anterior redacção do art.º 1396º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quanto à sujeição, como regra, ao regime de subida diferida e conjunta, dos agravos – interpostos em processo de valor superior à alçada da Relação, até “àquele” momento – não ressalvados na al. b) do n.º 1, do citado art.º.[4]
*
Por tudo o exposto, temos pois que a subida do agravo foi prematura.

Tendo-se pois – e certo não estarem assim em causa questões relativas ao modo de subida, e ao efeito do recurso, que, quando se não colocasse a do momento, imporiam a prévia audição das partes, a propósito, cfr. art.ºs 703º, n.º 1, 749º e 751º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – que os autos deverão regressar à 1ª instância, aí prosseguindo seus termos, com subida do agravo, em separado, e no efeito meramente devolutivo, apenas quando convocada for a conferência de interessados, e, então, conjuntamente com os demais interpostos até esse momento.

Como assim se determina.

Dando-se as competentes baixas.

Notifique
Lisboa, 2008-01-23


(Ezagüy Martins)
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[1] In “Partilhas Judiciais”, Vol. III, 3ª Ed., 1980, págs. 237 e seguintes.
[2] Assim, Fernando Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3º ed., Almedina, 2002, págs. 281, 282, e, dando conta de ser essa a orientação jurisprudencial uniforme, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 155.  
[3] In “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, 1999, pág. 736.
[4] Assim, e por todos, J. A. Lopes Cardoso, in op. cit. págs. 240-242.