Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2813/2005-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: NACIONALIDADE
PERFILHAÇÃO
MAIORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1 – Tendo o recorrente nascido em São Tomé e Príncipe, antes da independência desta ex - colónia, beneficiou, por isso, da atribuição da nacionalidade portuguesa, nos termos da al. a) do n.º 1 da Base I da Lei n.º 2098, de 29 de Junho de 1959.
2 – A conservação e a perda da nacionalidade portuguesa das pessoas nascidas ou residentes, à data das respectivas independências, nos territórios ultramarinos tornados independentes, passaram a ser reguladas pelo DL 308-A/75, de 24 de Junho.
3 – Pressupondo que conservava a nacionalidade portuguesa, face ao disposto no artigo 1º, n.º 2 do citado DL 308-A/75, em virtude de haver sido reconhecido como filho de cidadão português, requereu o pedido de transcrição da certidão do registo de nascimento na Conservatória dos Registos Centrais.
4 – Mas o artigo 1º, n.º 2 do citado DL é aplicável somente quando a relação de filiação se encontra estabelecida antes da independência. Os efeitos da perfilhação efectuada depois passaram a ser regulados nos termos da Base IX, da Lei 2098 e, após a revogação desta, nos termos do artigo 14º da Lei 37/81, de 3 de Outubro.
5 – Assim, apesar do recorrente ser filho de cidadão natural de Portugal Continental, tal norma é inaplicável à situação sub judicio, uma vez que o estabelecimento da filiação paterna do recorrente foi decretada por sentença proferida após a independência de São Tomé e já na maioridade deste.
Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

            1.

    Tendo A. . Santiago solicitado a transcrição de nascimento junto da Conservatória dos Registos Centrais, pedido formulado ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1 do DL 249/77, de 14 de Junho, foi indeferido o requerimento, pelo Exc. Conservador – Auxiliar.

Inconformado com esta decisão, recorreu o referido Santiago, formulando as seguintes conclusões:

            1ª – Tendo-lhe sido reconhecida a sua paternidade, o recorrente considera-se filho de A. de Campos, desde a data do seu nascimento.

            2ª – Assim sendo, conserva a sua nacionalidade portuguesa, com base no disposto no n.º 1 do artigo 1º do DL n.º 308º-A/75, de 24 de Junho, independentemente da aplicação da Lei da Nacionalidade vigente.

            3ª – Os efeitos da filiação, ao contrário do defendido na decisão recorrida e o disposto no artigo 14º da Lei 37/81, de 3 de Outubro, retroagem à data do nascimento do perfilhado.

            14ª – Viola, assim, a decisão recorrida o artigo 14º da Lei 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), o artigo 1º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do DL n.º 308-A/75, de 24 de Junho, o n.º 2 do artigo 1797º do Código Civil e os artigos 2º, 13º, n.os 1 e 2, 36º, n.os 1 e 4 e 266º, todos da CRP.

Pretende o recorrente que seja revogado o despacho do Sr. Conservador – Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais e ordenada a respectiva transcrição de nascimento.

       O Exc. mo Conservador dos Registos Centrais sustentou, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.

            2.

       Com interesse para a decisão da causa, relevam os seguintes factos:

            1º - Segundo a certidão do registo de nascimento apresentada na Conservatória dos Registos Centrais, o recorrente Santiago nasceu, em 1967, em São Tomé.

            2º - Nesse mesmo ano, o seu nascimento foi registado, no registo civil local.

            3º - Dele ficou a constar a filiação materna, sendo omissa a filiação paterna do registado.

            4 – Por decisão do Tribunal Judicial de São Tomé, proferida a 27 de Setembro de 2000, foi declarado que o pai era A. de Campos, natural de Viseu, falecido em 1971.

            5º - O estabelecimento da filiação foi averbado ao registo de nascimento do recorrente, em 14 de Junho de 2002.

            3.

  Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal traduz-se em saber se, tendo o recorrente sido reconhecido como filho de A. de Campos, conserva a nacionalidade portuguesa, não obstante, à data da sentença, ser de maior idade e ter São Tomé e Príncipe adquirido já a sua independência.

   Por outras palavras, tendo o recorrente sido reconhecido judicialmente como filho de A. de Campos, quando havia já atingido a maioridade e depois da independência de São Tomé, pergunta-se se tem aplicação o disposto no artigo 1º, n.º 2 do DL n.º 308-A/75 ou se se aplica o disposto no artigo 14º da Lei n.º 37/81, de 3/10.

            4.

Segundo a certidão do registo de nascimento apresentada na Conservatória dos Registos Centrais, o recorrente nasceu, em São Tomé, em 24 de Abril de 1967, tendo o seu nascimento sido registado, nesse mesmo ano, no registo civil local.

          Como tal, beneficiou da atribuição da nacionalidade portuguesa, nos termos da al. a) do n.º 1 da Base I da Lei n.º 2098, de 29 de Junho de 1959.

  Dado, porém, o acesso à independência dos territórios ultramarinos tornados independentes, a conservação e a perda da nacionalidade portuguesa foram regulados pelo Decreto – Lei n.º 308-A/75, de 24 de Junho.

        Trata-se, portanto, de uma lei especial, isto é, uma lei cuja previsão se insere na Lei da Nacionalidade – lei geral – como caso particular, para este estabelecendo um regime diferente.

          Com efeito, este diploma foi aplicado à data da independência de cada um dos territórios ultramarinos tornados independentes, às pessoas deles naturais ou neles residentes.

Conservaram a nacionalidade portuguesa os que reuniam os pressupostos de que dependia a conservação dessa nacionalidade, baseados na existência de «uma especial relação de conexão com Portugal ou inequívoca manifestação de vontade nesse sentido tal justifique[1]». E perderam a nacionalidade portuguesa os que, não reunindo esses pressupostos, adquiriram uma nova nacionalidade emergente do acesso à independência dos territórios ultramarinos de África.

E foi na data em que cada um daqueles territórios acedeu à independência que ficou esgotada a aplicação daquele Decreto – Lei, com a definição de quais eram as pessoas que, apesar de passarem a integrar o substrato habitacional do novo estado, continuariam a ter a nacionalidade portuguesa, o que lhes era facultado, atenta a sua especial conexão com Portugal, e quais as que a perdiam.

        Após a independência desses territórios, apenas se mantinham em vigor o artigo 5º e a alínea e) do n.º 1 do artigo 1[2].

Revogado este diploma, as formas de atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa passaram a ser as gerais, ou seja a Lei 2.098 e, depois da revogação desta, a Lei 37/81.

   Como se referiu, a conservação e a perda da nacionalidade portuguesa das pessoas nascidas ou residentes, à data das respectivas independências, nos territórios ultramarinos tornados independentes, passaram a ser reguladas pelo citado Decreto – Lei n.º 308-A/75.

         Segundo a norma do n.º 2 do artigo 1 deste diploma, conservam a nacionalidade portuguesa os descendentes até ao terceiro grau de portugueses domiciliados em território ultramarino tornado independente, salvo se, no prazo de dois anos, a contar da data da independência, declararem por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais representantes, sendo incapazes, que não querem ser portugueses.

 Esta norma é aplicável somente quando a relação de filiação se encontra estabelecida antes da independência. Os efeitos da perfilhação efectuada depois são regulados nos termos da Base IX, da Lei n.º 2098[3].

            Com efeito, segundo o n.º 3 desta Base, “a perfilhação só terá efeitos em relação à nacionalidade do reconhecido quando estabelecida durante a sua menoridade”.

            Na Lei da Nacionalidade actualmente em vigor, (a Lei 37/81, de 3 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei 25/94, de 19 de Agosto), a correspondente disposição está consignada no artigo 14º que, sob a epígrafe de “efeitos do estabelecimento da filiação” dispõe que “só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”.

         In casu, o recorrente é filho de português mas o estabelecimento da sua filiação paterna foi decretado por decisão judicial proferida em 2000, após a independência de São Tomé e Príncipe e já na sua maioridade.

  Assim, apesar do recorrente ser filho de pai natural de Portugal Continental, condição de conservação da nacionalidade, face ao estatuído no artigo 1º, n.º 2 do DL 308-A/75, tal norma é inaplicável à situação sub judicio, uma vez que o estabelecimento da filiação paterna do recorrente foi decretado por decisão judicial proferida após a independência de São Tomé e Príncipe e já na sua maioridade.

Ao contrário do sustentado pelo recorrente, não se questiona que os efeitos do estabelecimento da filiação se produziram na esfera jurídica deste (recorrente), enquanto perfilhado, desde a data do seu nascimento (artigo 1797º, n.º 2 CC). Isso não impede, porém, que deles estejam, como estão, excluídos alguns direitos, entre eles os relativos à atribuição da nacionalidade portuguesa, excepção prevista no artigo 14º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei 37/81.

    Consequentemente, o interessado só terá conservado a nacionalidade portuguesa, se fizer prova documental de que é descendente de naturais de Portugal Continental ou Ilhas Adjacentes, até ao 3º grau, pela linha materna, no caso de estabelecimento da filiação nas referidas condições, ou que se encontrava domiciliado em Portugal Continental ou Ilhas Adjacentes, há mais de cinco anos, em 25 de Abril de 1974 (cfr. artigo 2º do referido diploma legal).

   No caso de tais circunstâncias se não verificarem, o mesmo perdeu a nacionalidade portuguesa, nos termos do disposto no artigo 4º do DL n.º 308-A/75.

 Como, pela via materna, se não comprova que nenhum dos ascendentes do recorrente, até ao 3º grau, é natural de Portugal Continental ou Ilhas Adjacentes, terá de concluir-se que aquele perdeu a nacionalidade portuguesa, pelo que não poderia ser viabilizado o deferimento do pedido de transcrição do nascimento na Conservatória dos Registos Centrais.

       Encontrando-se já revogado o Decreto – Lei n.º 308-A/75, vedado está o recurso à faculdade prevista no seu artigo 5º, pelo que só no âmbito da lei geral pode ser encontrada uma via de solução para o caso do recorrente. Tal via é a da naturalização, na modalidade simplificada, prevista no artigo 6º, n.º 2 da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, (na redacção dada pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto), que prevê a dispensa de alguns requisitos, aos que tenham tido a nacionalidade portuguesa.

Não vemos, tendo em conta o que se deixou exposto, como é que a douta decisão da Conservatória dos Registos Centrais beliscou o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.

Na verdade, não existem quaisquer razões válidas que justifiquem uma diferença de regime consoante a perfilhação ocorra em território ultramarino, hoje independente, ou noutro Estado estrangeiro. As razões justificativas do mencionado n.º 3 da Base IX da Lei 2098 ou o actual artigo 14º da Lei 37/81 (evitar, por um lado, mudanças tardias no estatuto do interessado – a lei nacional é a sua lei pessoal – e, por outro lado, acentuar quanto essas mudanças desagradam, pois, em geral, é diminuta a influência educativa dos pais sobre os filhos maiores) subsistem num e noutro caso.

Assim, quanto aos cidadãos dos antigos territórios ultramarinos, é patente que “se a conservação da nacionalidade portuguesa não suscita problemas em relação a perfilhados antes da independência, (até então todos eram portugueses), já quanto às perfilhações posteriores, implicando mudanças tardias no estatuto dos interessados que passaram a ser cidadãos do novo Estado, envolve problemas relacionados com o seu estatuto pessoal, não se compreendendo uma alteração da nacionalidade em tal caso imposta a um indivíduo maior”[4].

Por outro lado, após o acesso à independência de São Tomé e Príncipe, foi reconhecida ao recorrente a nacionalidade santomense originária, conforme resulta do artigo 1º da Lei da Nacionalidade de São Tomé e Príncipe, publicada no Diário da República n.º 39/95, de 15 de Dezembro, o que inviabiliza o argumento do artigo 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Concluindo:

            1 - O pedido de transcrição da certidão do registo de nascimento na Conservatória dos Registos Centrais foi formulado na pressuposição de que o registado conservou a nacionalidade portuguesa, face ao disposto no artigo 1, n.º 2 do DL n.º 308-A/75, de 24 de Junho, em virtude de ter sido reconhecido como filho de indivíduo natural de Viseu.

            2 - Esta norma é aplicável somente quando a relação de filiação se encontra estabelecida antes da independência. Os efeitos da perfilhação efectuada depois são regulados nos termos da Base IX, da Lei n.º 2098[5] e, após a revogação desta, nos termos do artigo 14º da Lei 37/81, de 3 de Outubro.

            3 - Assim, apesar do recorrente ser filho de cidadão natural de Portugal Continental, condição de conservação da nacionalidade, face ao estatuído no artigo 1º, n.º 2 do DL 308-A/75, tal norma é inaplicável à situação sub judicio, uma vez que o estabelecimento da filiação paterna do recorrente foi decretado por decisão judicial proferida após a independência de São Tomé e Príncipe e já na maioridade deste.

5.

Pelo exposto, negando provimento ao agravo, confirma-se a douta decisão recorrida.

Custas pelo agravante.

Lisboa, 9 de Junho de 2005

Granja da Fonseca

Alvito de Sousa

Pereira Rodrigues

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[1] Preâmbulo do citado Decreto – Lei.
[2] Cf. Nota Justificativa da Proposta de Lei n.º 63/V, publicada no Diário da Assembleia da República, II Série A, de 11 de Junho de 1988.
[3] Cfr. Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 152/76, 27 de Janeiro de 1977, publicado no BMJ 274,23 e seguintes.
[4] Ac do STJ de 7/10/2004, 2ª Secção, Apelação 2478/04, inédito.
[5] Cfr. Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 152/76, 27 de Janeiro de 1977, publicado no BMJ 274,23 e seguintes.