Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO ROMBA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO TEMPO PARCIAL TRABALHO AO DOMINGO SUBSÍDIO PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/03/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
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Sumário: | Visando o “subsídio de domingo” compensar a maior onerosidade do trabalho prestado nesse dia da semana que, para a generalidade dos trabalhadores é o dia de descanso obrigatório, é devido tanto a trabalhadores sujeitos a horário completo, como a trabalhadores sujeitos a tempo parcial, desde que tenham de prestar trabalho nesse dia. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
A propôs no Tribunal de Trabalho de Lisboa contra “Pingo Doce, Distribuição Alimentar, S.A.” a presente acção emergente de contrato individual de trabalho alegando, em síntese, ter trabalhado sob a autoridade e direcção da R., desde 19 de Maio de 1990, até 7 de Junho de 2000, em regime de trabalho a tempo parcial, de dezasseis horas semanais, de Segunda Feira a Domingo, sendo sempre as dezasseis horas semanais prestadas ao Sábado e ao Domingo, embora pontualmente, a pedido da R. tenha trabalhado durante a semana. Indica a retribuição mensal que em cada ano auferiu e alega ser aplicável à relação de trabalho o CCT entre a ANS e a FECPES publicado no BTE nº 12/94, cuja cláusula 18ª dispõe sobre subsídio de domingo. A R. nunca lhe pagou tal subsídio, contrariamente ao que fez com os restantes trabalhadores, por entender que o mesmo não é devido, por trabalhar a tempo parcial. Reclama, pois, a esse título a quantia global de 1.535.901$00, bem como juros moratórios à taxa supletiva legal desde as datas em que as verbas deveriam ter sido postas à disposição da A., até integral pagamento, liquidando em 1.070.657$00 as vencidas à data da propositura. A R. contestou nos termos que constam de fls. 173 e seg., por excepção (alegada ineptidão da p.i.) e por impugnação. A A. respondeu à excepção, alegando que, como a R. bem sabe, o mencionado CCT apenas veio dar forma àquilo que já era a prática comum, pois que mesmo antes da entrada em vigor do CCT sempre houve pagamento de subsídio de Domingo aos trabalhadores que prestassem trabalho nesse dia da semana. No despacho saneador foi julgada improcedente a arguida ineptidão da petição. Procedeu-se a audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida a sentença de fls. 243 e segs. que julgou a acção procedente por provada e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. “as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, devidas a título de subsídio de domingo pelo trabalho prestado pela A. aos domingos, no período compreendido entre 19 de Maio de 1990 e Abril de 2000, até ao montante de € 7.661,04 (1.535.901$00), acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da liquidação e até integral pagamento.” Apelou a R., que sintetiza as respectivas alegações com as seguintes conclusões: A A. não apresentou contra-alegações. Subidos os autos a este Tribunal, o digno PGA emitiu o douto parecer de fls. 293, favorável à confirmação da sentença. Nada obsta à apreciação do recurso. A questão fulcral nele suscitada consiste em saber se a sentença incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito, maxime do contido nos art. 12º da LCT, 239º do CC, 43º da LDT e 59º nº 1 al. a) da CRP, ao considerar ser devido à A. o pagamento do subsídio de domingo.
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto: - Esc. 37.450$00, em 2000. 9. A R. nunca pagou à A. o subsídio de domingo, nem qualquer outra importância a esse título.
A questão de direito colocada nos autos é a de apurar se a A. tem direito a auferir o denominado “subsídio de domingo” que, pelo menos, desde a entrada em vigor do CCT entre a ANS e a FECPES, passou a ser calculado de acordo com a clª 18ª daquele CCT, e que a R. sempre pagou aos trabalhadores que trabalhavam naquele dia da semana, quer tivessem horário completo quer tivessem horário a tempo parcial de 30/32 horas semanais, mas que nunca pagou à A., apesar de esta sempre ter trabalhado aos sábados e domingos, por entender que o regime de trabalho a tempo parcial de 16 h semanais em que a A. esteve inserida, com a distribuição do tempo de trabalho semanal essencialmente pelo fim de semana (sábado e domingo) afasta a aplicação daquele subsídio, defendendo a aplicação de um entendimento paralelo àquele que vigora para o trabalho nocturno relativamente a actividades que sejam exercidas exclusiva ou predominantemente durante esse período. Começamos por referir que a análise jurídica efectuada na sentença recorrida se nos afigura correcta e bem fundamentada pelo que pouco teremos a acrescentar ao que ali se expendeu e que aqui, ao abrigo do disposto pelo nº 5 do art. 713º do CPC, damos por reproduzido, dispensando-nos de a repetir. Se é certo que não dispomos de elementos de facto que permitam considerar directamente aplicável à relação de trabalho em apreço o CCT entre a ANS e a FECPES, por ter sido omitida a filiação das partes em qualquer das associações subscritoras, não podemos todavia ignorar que o mencionado CCT foi objecto de extensão a não filiados nas ditas associações através da PE publicada no BTE nº 31/96, de 22/8 pelo que não está, de forma alguma, afastada a aplicação ao caso da disciplina do mencionado CCT, pelo menos desde a entrada em vigor da referida PE, isto é, desde 27/8/96 . E se bem que o aludido CCT nada estabeleça sobre o regime de trabalho a tempo parcial, isso não é suficiente para excluir a aplicabilidade do disposto pela clª 18º[1] aos trabalhadores sujeitos a um regime de trabalho em tempo parcial, desde que esse regime implique a prestação de trabalho aos domingos, aplicando-se-lhes plenamente, quanto a nós, a razão de ser da atribuição de tal subsídio que, como a própria recorrente admite, visa compensar a acrescida onerosidade da prestação de trabalho pelos trabalhadores cujo período normal de trabalho inclua também o domingo. Ora, tendo em conta a predominância, na nossa sociedade, do descanso semanal obrigatório ao domingo, é manifesto que a prestação de trabalho nesse dia da semana representa, para quem a ela está sujeita, uma fortíssima restrição ao convívio familiar e social a diversos níveis, desde o religioso, passando pelo cultural e pelo lúdico, para o qual a generalidade dos cidadãos trabalhadores estão mais disponíveis nesse dia da semana, mas que os trabalhadores que têm nele de prestar a sua actividade não podem desfrutar com a mesma latitude. É essa maior onerosidade da prestação de trabalho ao domingo que o subsídio de domingo pretenderá compensar e tanto se verifica nos trabalhadores sujeitos a horário completo como naqueles sujeitos a tempo parcial, seja esse tempo parcial de 30 ou 32h semanais ou de 16 horas, desde que tenham de trabalhar no dia que é de descanso obrigatório para a generalidade dos outros trabalhadores, que não apenas os da mesma empresa. Salvo o devido respeito não nos parece aceitável o entendimento de que essa maior penosidade não existe no caso de trabalhadores que apenas prestam trabalho ao sábado e ao domingo. Se é certo que para eles o sábado e o domingo são dias normais de trabalho, não é menos certo de que também o são para trabalhadores que, com um período normal de trabalho maior (seja a tempo completo, seja a tempo parcial de 30/32h) têm os respectivos horários organizados de forma a prever a prestação de trabalho em todos os dias da semana, havendo por isso semanas em que o domingo é para eles dia normal de trabalho. Na sentença recorrida entendeu-se que por a R., sempre (mesmo antes da entrada em vigor do CCT referido), ter pago aos seus trabalhadores (sindicalizados ou não sindicalizados), tanto os contratados a tempo completo, como os contratados a tempo parcial, com horário de 30/32 h semanais, um subsídio pelo trabalho prestado ao domingo, por força dos usos da empresa tal subsídio passou a integrar as respectivas obrigações decorrentes do contrato de trabalho, não se justificando, sem violação do princípio a trabalho igual salário igual, que tal subsídio não seja pago à A., já que trabalha habitualmente ao domingo, embora o seu horário seja de 2ª fª a domingo. Contra este entendimento, designadamente no que concerne à invocação dos usos da empresa, se insurge a apelante dizendo que não é possível recorrer aos usos da empresa por não ser coincidente a vontade conjectural das partes. A este respeito afiguram-se-nos muito pertinentes as seguintes palavras do Prof. Menezes Cordeiro[2] “Debate-se por vezes na doutrina laboral o fundamento da vinculatividade dos usos. Remetê-los para a vontade presumível ou tácita das partes, a pretexto de que, segundo o art. 12º/2 da LCT, os usos só valem quando não afastados por escrito, corresponde a um estádio há muito ultrapassado, no Direito das Obrigações, que dava explicações desse tipo para as normas supletivas. Na verdade, o facto de certas normas jurídicas – legais, usuais ou outras – poderem ser afastadas por vontade das partes, apenas revela a sua natureza supletiva. Remeter o fundamento de tais normas para a vontade das partes surge como cientificamente incorrecto, praticamente inconsequente e antropologicamente inexacto. Cientificamente incorrecto porque as normas supletivas têm uma existência ligada às competentes fontes, sendo ficcioso atribuí-la à vontade das pessoas que podem mesmo desconhecê-las; praticamente inconsequentes na medida em que tais normas seguem as vias interpretativas das fontes que as revelem – por exemplo, sendo legais, aplica-se o disposto no art. 9º do CC; antropologicamente inexacto por esquecer que todo o direito é de criação social, sendo imposto do exterior às pessoas; o dogma da vontade nada mais é do que interiorização ingénua de realidades sociológicas.” De acordo com este entendimento, não haverá, pois, que averiguar se o uso laboral é ou não coincidente com a vontade conjectural das partes. Certo para este autor é que “os usos são fontes juslaborais mediatas que revelam normas de comportamento e cuja jurídica positividade resulta da lei que para eles genericamente remete”. Com efeito, é a lei, no nº 2 do art. 12º da LCT que declara atendíveis os usos da profissão do trabalhador e das empresas, quando não contrariem as normas legais de regulamentação de trabalho, as normas regulamentares emanadas do Ministro do Emprego e Segurança Social e do Ministro responsável pelo sector de actividade em causa, constantes das portarias de extensão e de regulamentação do trabalho e as normas de convenções colectivas de trabalho e não sejam contrários aos princípios da boa fé, desde que outra coisa não tenha sido convencionada por escrito. No caso, a prática reiterada de pagamento do subsídio de domingo aos trabalhadores, seja com horário completo, seja com horário a tempo parcial de 30/32h semanais, que prestem trabalho naquele dia da semana revela, sem dúvida, uma norma de comportamento no sentido de ser devido aos trabalhadores que prestem a sua actividade ao domingo o referido subsídio. Ora por imposição do princípio constitucional da igualdade, segundo o qual se deve tratar igualmente duas situações naquilo em que forem iguais e desigualmente naquilo em que forem desiguais, afigura-se-nos que, seja qual for o período normal de trabalho semanal a que o trabalhador está sujeito, desde que haja prestação de trabalho ao domingo, nesse preciso aspecto trata-se de situações iguais, que devem por isso ter idêntico tratamento em termos retributivos. Não é a circunstância de o trabalho da A. ser em princípio prestado sempre ao sábado e domingo ou feriados (embora no contrato se tenha acordado que as 16h semanais seriam cumpridas de 2ª a domingo) e apenas por vezes, pontualmente, durante a semana, enquanto o dos outros trabalhadores, que têm a prestação de trabalho ao domingo incluída no respectivo horário, é regular e não apenas pontualmente prestado durante a semana, que torna diferente a natureza, a quantidade e a qualidade do trabalho prestado ao domingo por uns e outros e é apenas a retribuição desse trabalho que está em causa. Como decorre do art. 2º nº 1 (parte final) da L. 103/99, de 26/7 “os trabalhadores a tempo parcial não podem ter um tratamento menos favorável que os trabalhadores a tempo completo numa situação comparável, a menos que um tratamento diferente seja justificado por razões objectivas.” Afigura-se-nos que, no caso, a prestação de trabalho ao domingo em cumprimento do horário estabelecido, quer os trabalhadores estejam sujeitos a tempo parcial, quer a tempo completo, é uma situação comparável não se vislumbrando razões objectivas que justifiquem tratamento diferenciado relativamente ao direito a subsídio de domingo. E se bem que esta lei apenas esteja em vigor desde 27/7/99 (cfr. respectivo art.14º nº 1), a mesma regra emanava já dos princípios da equiparação e da proporcionalidade que, como se refere na sentença (citando Francisco Liberal Fernandes, em anotação ao art. 43º da LDT) estruturam o contrato de trabalho a tempo parcial. Enfim, afigura-se-nos que a extensão do subsídio de domingo aos trabalhadores que, como a A., estavam vinculados a prestar o trabalho a tempo parcial, de 16h semanais, cumpridas em regra aos sábados e domingos não contraria nenhuma norma legal, regulamentar ou convencional nem os princípios da boa fé e tampouco foi convencionado por escrito o que quer que seja que o impedisse. Não podemos, assim concluir, como faz a apelante, que a sentença tenha feito errada interpretação e aplicação dos art. 12º nº 2 da LCT, 239º do CC, 43º da LDT e 59º nº 1 al. a) da CRP. Pelo que antecede se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pela apelante. Lisboa, 3 de Março de 2004
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