Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | VIEIRA LAMIM | ||
| Descritores: | ARMA PROIBIDA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/19/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | REJEITADO | ||
| Sumário: | No regime jurídico anterior à Lei nº5/06, de 23Fev., a detenção de pistola adaptada para munições de calibre 6,35 mm, com cano de comprimento não superior a 8 cm, não manifestada ou registada, ou sem a necessária licença, constituía crime de detenção ilegal de arma, p.p., pelo art.6, nº1, da Lei nº22/97, de 22Jun., na redacção da Lei nº98/01, de 25Ago. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº60/03.2JBLSB, da 3ª Secção, do 5º Juízo Criminal de Lisboa, em que é arguido, A…, o tribunal, por sentença de 10Mar.06, decidiu: “...... Julgo provada e procedente a acusação, condenando o arguido A..., pela prática de um crime de detenção ilegal de arma proibida p.p. pelo art.6, nº1, da Lei nº22/97, de 27/6, na pena de 120 dias de multa ao quantitativo diário de 2 euros e, subsidiariamente, na pena de 80 dias de prisão. .....”. 2.8 Assim, resulta cogente que é a partir desses elencos legais de armas que o intérprete logrará concluir estar integrado, ou não, nos seus pressupostos objectivos, um dado tipo legal de crime que tem como um desses elementos uma dada categoria de armas, pois que tais tipos legais de crime se acham estruturados pressupondo aquela legislação anterior, que categoriza as diversas armas tidas em atenção pelo Legislador; 2.11 Cumpre considerar que o Legislador, ao editar tais normas, teve presentes todas as armas existentes - e, quanto às armas transformadas de modo anómalo, cumpre outrossim considerar que são tão antigas quanto o controlo público sobre o fabrico, comércio e detenção de armas «normais» no seio da comunidade e ele teve-as presentes ao enunciar as duas categorias referidas na conclusão anterior - e, no seu esclarecido critério, soube exprimir-se da melhor forma e consagrou as soluções mais acertadas no momento em que editou tais conteúdos preceptivos, maxime as incriminações e, no entanto, não incluiu em categoria alguma armas como as dos autos, nem criou uma categoria à parte sobre elas versando, art.9° do Código Civil; 2.14 Diversa interpretação que aprisione armas daquela natureza sob a previsão legal do art.6° da Lei 22/97 de 27 de Junho é incompatível com os critérios de interpretação, do Direito em geral e do Direito Penal em particular, pois que aquela arma, não se integrando em categoria alguma das legalmente previstas, não pode integrar crime algum e, ao defender a posição inversa, a douta sentença implicitamente alcançou um resultado interpretativo, por via da recondução da concreta arma a uma das categorias dentre as previstas na Lei, segundo um critério de analogia ou semelhança (proximidade das características da arma a um dada categoria dentre aquelas a que se referem os tipos legais incriminadores), com o disposto nos arts.1º nº1 corpo e alínea b) e 6°nº1 da Lei 22/97 de 27 de Junho (com que tem maiores semelhanças), em violação directa do art.1º, nº3 do Código Penal; * * * IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor (transcrição):Discutida a causa, provaram-se os seguintes factos: No dia 10/05/2003, no interior do estabelecimento denominado "P…", sito na R…, em Lisboa, o arguido, trazia consigo uma pistola semi-automática de marca "Reck", transformada em arma de fogo de calibre 6,35 mm., "Browning", por adaptação a partir da arma original que era pistola de alarme ou de gás lacrimogéneo, que se encontra examinada a fls.24 e 25 (em auto que se dá por reproduzido). O arguido não possuía licença de uso e porte de arma. A arma não se encontrava manifestada, nem registada. A arma em causa não podia ser legalizada atenta a sua transformação artesanal. O arguido conhecia as características, uso e modo de funcionamento da referida arma e agiu voluntária e conscientemente, ciente de que a sua detenção e/ou uso lhe estavam legalmente vedados. O arguido pretendia a arma para se defender, dado por vezes transportar valores elevados, lhe ter sido negada a licença de uso e porte de arma e ter receio de ser assaltado. Confessou os factos apurados. O arguido está desempregado, auferindo um subsídio de desemprego de 308 euros mensais. Entrega cerca de 100 euros mensais para alimentos de uma filha menor. A sua mulher tem um estabelecimento de papelaria, tabacaria e é concessionária da Carris, sendo que o arguido lhe presta colaboração. Não tem antecedentes criminais conforme C.R.C. de fls. 73 É considerado no seu meio social como pessoa calma e bem comportada' * Factos não provados: não os houve* A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na confissão integral e sem reservas do arguido, conjugada com o relatório de exame pericial de fls. 24 e 25 e ainda no depoimento das testemunhas ouvidas que abonaram o comportamento do arguido e no C.R.C. de fls. 73.* * * IIIº 1. Em causa está a detenção pelo arguido de pistola semi-automática, transformada em arma de fogo de calibre 6,35 mm., por adaptação a partir da arma original que era pistola de alarme ou de gás lacrimogéneo, não manifestada nem registada.Defende o recorrente que, não podendo aquela conduta integrar a previsão do art.275, nº2, do Código Penal, pelas razões constantes do acórdão de fixação de jurisprudência nº1/2002 (1), não pode também ser integrada no art.6, nº1, da Lei nº22/97, de 27Jun., porque uma arma como a dos autos não cabe no elenco das tipicamente descritas no art.1, nº1, da Lei nº22/97, de 27Jun. Como resulta do texto do referido acórdão nº1/02, este tipo de armas não pode ser abrangido pelo art.275, do Código Penal, por não caber na previsão do art.3, do Dec. Lei nº207-A/75, de 17 de Abril, traduzindo-se a sua integração nesse preceito em interpretação que ultrapassaria manifestamente o sentido das palavras “...limite inultrapassável da interpretação em matéria de definição de tipos legais de crime, domínio em que, para além da incontornável proibição expressa do recurso à analogia, a interpretação extensiva, embora não vedada pela lei actual ... não pode, em matéria tão delicada ao nível de direitos fundamentais, ultrapassar aquele limite, para além do qual existiria o risco de criação ou extensão judicial de tipos legais de crime, com ofensa portanto do inderrogável princípio da legalidade...”. Tais considerações, porém, não são válidas para afastar a subsunção do comportamento em causa ao tipo criminal por que o arguido foi condenado. Com efeito, o facto de ter havido adaptação não retira ao instrumento que o arguido detinha a qualificação de arma. E tratando-se de pistola, com calibre 6,35mm e cano inferior a 8 cm (como foi considerado provado, com base no exame de fls.24), estão reunidos todos os requisitos exigidos pela alínea b, do nº1, do art.1, da Lei nº22/97, para que se esteja perante arma de defesa, sem recurso a qualquer interpretação não admitida em direito penal, ou integração de lacuna, que não existe. Aliás, o próprio acórdão nº1/02, previu esta situação, consignando na sua nota 8 “...o sentido da jurisprudência agora fixado não afasta, atento o disposto no .. art.1, da Lei nº22/97, de 22-6, a incriminação do uso e porte das armas referidas, desde que não manifestadas ou registadas”. A interpretação do recorrente, afastando as armas transformadas do citado art.1, não se apresentaria lógica nem coerente, já que tal transformação as torna mais perigosas que as originais, não se compreendendo, por isso, a punição da detenção de uma arma original, quando a detenção de arma transformada com as mesmas características não seria punível. O que se pretende com a incriminação em causa, punindo a detenção ilegal de arma, é assegurar o controlo do Estado sobre a existência de armas em poder de particulares, dessa forma se prevenindo a lesão de bens jurídicos que podem ser postos em causa com esse tipo de comportamento, para o que, a temática da transformação ou adaptação da arma, não é de importância fundamental (2), A entrada em vigor, entretanto, da Lei nº5/06, de 23Fev., não tem qualquer implicação no caso concreto, uma vez que esse diploma legal, na alínea t, do nº1, do art.2, define a arma de fogo transformada como “o dispositivo que, mediante uma intervenção mecânica modificadora, obteve características que lhe permitem funcionar como arma de fogo”, punindo esta conduta no art.86, nº1, al.c, com pena abstracta superior à prevista na Lei nº98/01, razão por que, em concreto, não se apresenta o novo regime mais favorável ao arguido. Em conclusão, a detenção de pistola adaptada para munições de calibre 6,35 mm, com cano de comprimento não superior a 8 cm, não manifestada ou registada, ou sem a necessária licença, constitui crime de detenção ilegal de arma, p.p., pelo art.6, nº1, da Lei nº22/97, de 22Jun., na redacção da Lei nº98/01, de 25Ago., como resulta de forma evidente da letra da lei e tem sido acentuado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, apresentando-se o recurso como manifestamente improcedente, o que justifica a sua rejeição em conferência, nos termos dos arts.420, nº1 e 419, nº4, al.a, do CPP (3). * * * IVº DECISÃO: Pelo exposto, os juizes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em rejeitar o recurso. (Relator: Vieira Lamim) (1º Adjunto: Ricardo Cardoso) (2º Adjunto: Filipa Macedo) ___________________________________ 1.-O Ac. nº1/02 (D.R. I-A Série, de 5Nov.02) fixou jurisprudência, no seguinte sentido “Uma arma de fogo com 6,35 mm de calibre resultante de adaptação ou transformação, mesmo que clandestina, de uma arma de gás ou de alarme não constitui uma arma proibida, para o efeito de poder considerar-se abrangida pela previsão do art.275, nº2, do Código Penal, na versão de 1995”. 2.-No sentido da detenção de arma com as características da dos autos integrar o crime do art.6, da Lei nº22/97, na redacção da Lei nº98/01, de 25-8, se têm pronunciado os nossos tribunais em vários acórdãos, entre outros, da Rel. de Lisboa, de 27-01-05 (Rel. Carlos Benido- Proc. nº10205/04, 9ª Secção), de 17-06-04 (Rel. Silveira Ventura- Proc. nº3541/04, 9ª Secção) e de 28-01-04 (Rel. Varges Gomes -Proc. nº8990/03- 3ª Secção), acessíveis em www.pgdl.pt e da Rel. do Porto, de 3-07-03, na C.J. XXVIII, tomo 4, pág.201. 3.-Como decidiu o Ac. do S.T.J. de 15Fev.01 (Relator Simas Santos, acessível em www.dgsi.pt) “Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso”. |