Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
485/13.5TBVFX.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) No domínio da insolvência por apresentação é determinante o cabal esclarecimento da situação de insolvência, face ao regime de ausência de contraditório prévio à declaração.
II) Porém, o indeferimento liminar deve ocorrer tão somente nos casos em que a pertinácia em não corrigir ou instruir a petição oblitere a possibilidade do juízo de mérito a proferir quanto à petição inicial, não se encontrando o juiz vinculado pela anterior cominação assinalada.
III) Deve assim o juiz ponderar se o incumprimento verificado é de ordem a prejudicar a apreciação da petição, caso em que deve indeferir liminarmente, prosseguindo com a apreciação pertinente no caso contrário.
IV) Revogado o despacho que indeferiu a petição inicial de insolvência, não deve a Relação substituir-se à primeira instância na prolação do despacho de apreciação da petição.
(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I) RELATÓRIO

Pedro, com os sinais dos autos, veio requerer a declaração da sua insolvência, alegando os factos relativos aos seus rendimentos e às suas dívidas, e requerendo a exoneração do passivo restante.

Foi proferido despacho que o convidou a apresentar vários documentos, tendo apresentado nova petição que instruiu com mais documentos e que mereceu novo convite a completar a apresentação nos termos constantes do primeiro despacho, sob pena de indeferimento. Nova petição e documentos trouxe o requerente aos autos.

Foi proferido despacho indeferindo liminarmente a petição, do seguinte teor:

«O requerente Pedro apresentou-se à insolvência, alegando encontrar-se impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

Fundamenta a sua pretensão no facto de não ter capacidade económica e financeira para cumprir a suas obrigações e pagar as dívidas aos seus credores.

De harmonia com o disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, “A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido.”

Estatui, ainda, o n.º 2 deste preceito legal que “2 – Na petição, o requerente:

a) Sendo o próprio devedor, indica se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente e, quando seja pessoa singular, se pretende a exoneração do passivo restante, nos termos das disposições do capítulo I do título XII;

b) Identifica os administradores do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente;

c) Sendo o devedor casado, identifica o respectivo cônjuge e indica o regime de bens do casamento;

d) Junta certidão do registo civil, do registo comercial ou de outro registo público a que o devedor esteja eventualmente sujeito.”

Por seu turno, nos termos do artigo 24.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o requerente, sendo o próprio devedor, deve juntar, com a petição inicial, os seguintes documentos:

a) Relação, por ordem alfabética, de todos os seus credores, com indicação dos montantes dos créditos, dos respectivos domicílios, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem;

b) Relação e identificação de todas as acções e execuções que estejam pendentes contra si;

c) Identificação da (s) actividade (s) a que se tenha dedicado nos últimos três anos, dos estabelecimentos de que seja titular e das causas da situação de insolvência;

d) Identificação dos sócios e das pessoas que respondam legalmente pelos créditos sobre a insolvência;

e) Relação de bens detidos em regime de arrendamento, aluguer, locação financeira ou venda com reserva de propriedade e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, devidamente identificados e com indicação do seu valor de aquisição e valor actual;

f) Relativos às contas anuais respeitantes aos três últimos exercícios e informação respeitante às alterações significativas do seu património posteriores à data a que se reportam as últimas contas e às operações que extravasam a sua actividade corrente;

g) Relativos às contas consolidadas;

h) Relatórios, contas e informações especiais a que esteja obrigada por força do CodMVM;

i) Mapa de pessoal que tenha ao seu serviço.

Compulsados os autos, verifica-se que o requerente não concretizou determinados factos, nem juntou documentos que são essenciais para a presente acção e que visam determinar a sua situação económica ou financeira, nomeadamente a sua situação patrimonial.

Este facto motivou que o requerente tivesse sido convidado a apresentar nova petição inicial na qual suprisse as referidas omissões factuais e a vir juntar os documentos em falta, nomeadamente os seguintes documentos:

a) Relação, por ordem alfabética, de todos os seus credores, com indicação dos montantes dos créditos, dos respectivos domicílios, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem;

b) Identificação da (s) actividade (s) a que se tenha dedicado nos últimos três anos; dos estabelecimentos de que seja titular e das causas da situação de insolvência;

c) Relação de bens detidos em regime de arrendamento, aluguer, locação financeira ou venda com reserva de propriedade e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, devidamente identificados e com indicação do seu valor de aquisição e valor actual.

Contudo, apesar de ter vindo apresentar um requerimento a fls. 123 e seguintes, não o fez nos termos determinados, omitindo documentos que são essenciais, para apurar da sua situação económica.
Pelo exposto, indefere-se liminarmente o pedido de declaração de insolvência formulado pelo requerente (artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)».

É desta decisão que vem interposto o presente recurso, interposto e recebido como apelação, com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.

São do seguinte teor as conclusões do recurso:

« Primeira: - O presente recurso, vem interposto da sentença proferida a fls., data de 24 de Fevereiro de 2013, a qual indeferiu, liminarmente o pedido de declaração de insolvência de pessoa singular, baseada no facto de, haver omissão de documentos essenciais para apurar da situação económica do Requerente.

Segunda: - Na verdade, o Requerente, quer com a petição inicial, quer com aquelas outras aperfeiçoadas, juntou e informou:

- Relação por ordem alfabética de todos os credores, com a indicação do respectivo domicílio, montantes dos créditos, número de identificação fiscal, (art.º 28.º da p.i. aperfeiçoada);

- Relação das datas da constituição do créditos, e datas de vencimentos (salvo aqueles que são por debito em conta ou créditos ao consumo – a maior parte – que se renovam, no tempo, pois são créditos de montante e não temporais, bem como identificou aqueles que gozavam de garantias especiais (art.º 10.º a 19.º da p.i. aperfeiçoada);

- Identificou pontualmente, o valor de cada montante em débito;

- Identificou as acções e execuções que, contra si se encontram pendentes (NENHUMA) (art.º 46.º da p.i. aperfeiçoada);

- Identificou, com documentação qual a sua actividade nos últimos 3 anos (trabalhador por conta de outrem – contrato de trabalho), não tendo, porém junto cópias da entidade T(…), Lda., porque ficou insolvente, mas identificou a entidade patronal (art.º 4.º,5.º da p.i aperfeiçoada);

- A alínea d) não tem aplicação;

- Identificou a relação de bens, em regime de arrendamento (com a junção do contrato de arrendamento e respectivo recibo de renda de casa) (art.º 18.º da p.i.);

- Alinea f), g), h), não se aplica, porque é trabalhador por conta de outrem;

- Identificou que tem dois filhos menores, onde estudam e que recebe abono de família (Docs. 11 e 12 da p.i. e art.º 24.º e 25.º da p.i. aperfeiçoada);

- Identificou que num dos contratos, é possuidor de um veículo automóvel, vendido com reserva de propriedade, (que identificou) requerendo que o mesmo fosse entregue ao Administrador nomeado (Doc. H da p.i. e art.º 50.º da p.i. aperfeiçoada);

- Identificou a pessoa com quem vive (e mãe dos seus filhos), bem como identificou com a junção aos autos da concessão do subsidio de desemprego á mesma, por despedimento com base na extinção do posto de trabalho (Docs 16 e 17 da p.i. e art.º 42.º da p.i. aperfeiçoada);

- Juntou Certidão do Registo Criminal, a atestar o seu bom comportamento social.

Terceira: - De todos os elementos que instruíram o processo, é perfeitamente possível identificar qual a situação económica do Requerente, que consiste, exclusivamente, do recebimento dos rendimentos do seu trabalho, por conta de outrem, e que, agora ainda não pode contar com o subsídio de desemprego da sua companheira.

Quarta: - Com despacho de aperfeiçoamento, no que tange ao primeiro aperfeiçoamento, foi determinado que o Requerente juntasse:

a) - Relação, por ordem alfabética de todos os credores, com a indicação dos montantes dos créditos, respectivos domicílios, datas de vencimento e natureza das garantias de que beneficiam.

b) - Relação e identificação de todas as acções e execuções que estejam pendentes contra si.

c) - Identificação da actividade a que se tenha dedicado nos últimos 3 anos.

d) - Relação dos bens detidos em regime de arrendamento, locação financeira, venda com reserva de propriedade.

e) – Notas de liquidação do IRS de 2010 e 2012.

f) - Fotocópia do livrete do veículo identificado na petição inicial.

Quinta: - Deste aperfeiçoamento, o Requerente deu cumprimento integral às alínea b), c), d), e) e f).

Sexta: - Ainda assim, o M.º tribunal a quo, veio com novo despacho determinar que o Requerente, desse integral cumprimento ao ordenado a fls. 75-76, sem contudo indicar, quais os documentos que considerava omissos.

Sétima: - Em obediência, juntou nova petição inicial, aperfeiçoada, onde, cumpriu o requerido, e juntando ainda a seguinte documentação àquela já junta aos autos:

- Informação do contrato de crédito celebrado com a Cetelem e a fusão desta com o Banco BNP Paribas;

- Contrato de financiamento para aquisição a crédito Sofinloc (viatura);

- Informação da fusão do banco Finantia com a Sofinloc;

- Contrato de crédito, por adesão – Oney;

- Cópia da listagem pública de execuções judiciais, nada constando contra o Requerente.

Oitava: - O Requerente, recebeu a sentença, com a decisão de que, apesar de apresentar o requerimento de fls. 123 e seguintes não o fez nos termos determinados, omitindo documentos essenciais para apurar da sua situação económica.

Nona: - Por isso urge conhecer, quais os documentos omitidos, quando o Requerente juntou aos autos:

- Cópia do seu contrato de trabalho e folha do seu vencimento, e a informação de que não possui outra fonte de rendimento;

Juntou cópia e informação de que os seus filhos menores recebem abono de família (escalão 3) decorre da Lei - da Portaria 1113/2010 de 28 de Outubro, art.º 3.º);

- Copia dos IRS de 2010 e 2012;

- Juntou informação de que a sua companheira foi despedida por extinção do posto de trabalho, tendo-lhe sido atribuído um subsídio de desemprego de 13,55€/dia (presumindo-se a atribuição por 420 dias).

Décima: - Com o requerimento juntou ainda a decisão sobre a concessão do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, por se ter comprovado a sua insuficiência económica.

Décima-Primeira: - Considerou, por isso, o tribunal a quo estar em causa a omissão de elementos essenciais e, nessa medida, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 27.º do CIRE, indeferiu o pedido de insolvência.

Décima-Segunda: - Fê-lo contudo sob equívoco, porquanto não atentou à noção de essencialidade de documentos para efeitos de poder concluir que a eventual falta de resposta ao despacho de aperfeiçoamento redundaria em indeferimento liminar.

Décima-Terceira: - Na verdade, as, eventuais, omissões agora em causa, (como as iniciais) de algum modo configuram vícios impeditivos da continuação do processo (podendo ser colmatados em momento posterior, conforme decorre do disposto no art.º 36.º alínea f) do C.I.R.E., já que, na sentença que declara a insolvência, o Juíz pode determinar que o devedor entregue imediatamente ao administrador da insolvência, os documentos referidos no n.º 1 do art.º 24.º, que ainda não constem dos autos), isto é elementos não estritamente necessários à marcha do processo, pelo que a sua omissão não impede a declaração de insolvência, como aliás se prescreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 21/01/2012, no âmbito da Apelação n.º 9694/11.0TBOER.L1-7, a qual por vezes seguimos literalmente.

Décima-Quarta: - Ora não sendo essenciais, a mesma não pode acarretar qualquer sanção para o Requerente, carecendo de cabimento legal o indeferimento.

Décima-Quinta: - Aliás quer o 2.º despacho de aperfeiçoamento, quer a douta sentença, são obscuros no sentido de se poder saber, quais os documentos omitidos (que o Requerente, em consciência entende ter junto para apreciação da sua situação económica) a qual, salvo o muito respeito e melhor opinião, viola as normas constantes do art.º 659.º e 668.º do C.P.C., cuja descriminação, carece.

AO DECIDIR COMO DECIDIU, o Tribunal “a quo” contrariou a sedimentada e a profusa jurisprudência, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer do Tribunal da Relação de Lisboa, no que tange, à atribuição da Insolvência Singular, e que abaixo se identifica, desde logo:

Acórdão do STJ de 19/04/2012, Revista 434/11.5TJCBR-D.C1.S1

Acórdão da RL de 24/01/2012 – Apelação 9694/11.0TBOER.L1-7

Acórdão da RL de 08/11/2011 – Apelação 21314/11.9.T2SNT-A.L1-6

Acórdão da RL de 18/10/2012 – Apelação 5006/11.1tbalm-a.l1-8

Acórdão da RP de 25/10/2012 – Apelação 6520/11.4TBVNG-E.P1,

E bem assim, violou a Lei, nomeadamente, o art.º 24.º e art.º 36.º do C.I.R.E., o artigos 659.º, 668.º do C.P.C..
NESTES TERMOS e nos mais de direito, que V.Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação, e, em consequência, deve revogar-se a sentença da primeira instância, substituindo-a por outra que determina a insolvência do Requerido e o prosseguimento dos autos».

Dada a simplicidade de facto da decisão a proferir e a inexistência de controvérsia jurisprudencial, entendem-se verificados os pressupostos de prolação de decisão sumária a que alude o artigo 705.º, do CPC, à qual se procederá.

II) OBJECTO DO RECURSO

Tendo em atenção as conclusões do Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, a questão a decidir é a de saber se deve ser indeferida liminarmente a petição por falta de documentos essenciais.

III) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Cumpre ter em atenção a factualidade que decorre da tramitação dos autos:
A) Pedro apresentou-se à insolvência requerendo fosse a mesma decretada por ser o passivo superior ao activo e não lhe permitir este pagar as suas dívidas.
B) Foi proferido despacho que ordenou a apresentação de nova petição com esclarecimentos diversos e, bem assim, instruída com documentos indicados.
C) Apresentada nova petição e documentos foi proferido despacho que considerou não ter sido cumprido integralmente o despacho de aperfeiçoamento e ordenou o fosse, sob pena de indeferimento.
D) Junta petição com mais documentos foi proferido o despacho de indeferimento supra transcrito, do qual resulta terem sido considerados em falta os seguintes elementos:

a) Relação, por ordem alfabética, de todos os seus credores, com indicação dos montantes dos créditos, dos respectivos domicílios, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem;

b) Identificação da (s) actividade (s) a que se tenha dedicado nos últimos três anos; dos estabelecimentos de que seja titular e das causas da situação de insolvência;

c) Relação de bens detidos em regime de arrendamento, aluguer, locação financeira ou venda com reserva de propriedade e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, devidamente identificados e com indicação do seu valor de aquisição e valor actual.

IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Apreciação dos factos

Antes de mais, refira-se que consta a fls 132 a indicação dos credores, montantes dos créditos e domicílios, tendo o requerente indicado que nenhum dos créditos está vencido (artigo 31.º, a fls 133) e que a única garantia prestada consiste na reserva de propriedade do veículo identificado a favor da credora Sofinloc.

Não se vê em que se consubstancia o incumprimento, sendo certo que o despacho recorrido também o não refere.

Diga-se ainda que o Requerente indicou os bens que detém conforme fls 56 e 120, sendo que, quanto ao veículo indicou o valor de aquisição e o actual. Quanto aos bens que constituem o recheio da casa de habitação apenas indicou o valor actual. Informou que vive em casa arrendada e indicou o montante da venda. Alegou não ter outros bens.

Não se vê em que se consubstancia o incumprimento (sendo irrelevante a indicação do valor de aquisição dos bens que recheiam a casa), sendo certo que o despacho recorrido também o não refere.

Quanto à sua actividade nos últimos anos não a comprovou indicando estar impedido de o fazer por insolvência da empregadora, o que não comprovou. Juntou o contrato de trabalho em vigor, o qual é de 22 de Maio de 2012 (fls 96 a 99), e o recibo de vencimento de 30 de Setembro de 2012 (fls 22). Referiu que nos últimos três anos trabalhou para a sociedade Tricomunicações, sem que juntasse documentação comprovativa, vindo em recurso justificar a impossibilidade de o fazer em virtude de insolvência da empresa.

Neste aspecto incumpriu o despacho de aperfeiçoamento.

Cumpre apreciar das consequências jurídicas desse incumprimento.


2. Do indeferimento da petição

Nos termos do artigo, na apresentação à insolvência deve o Requerente apresentar determinados documentos discriminados nos artigos 23.º, n. 2, e 24.º, do CIRE.

Seguidamente os autos são apresentados ao juiz para apreciação liminar, podendo ser indeferida liminarmente a petição ou proferido despacho de aperfeiçoamento – artigo 27.º, n.º 1, do CIRE.

A primeira hipótese ocorre quando o pedido seja manifestamente improcedente ou se verifiquem excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso – alínea a), da norma citada.

A segunda quando ocorram vícios sanáveis ou deficiente e injustificada instrução documental – alínea b) da norma citada.

O indeferimento em causa nos autos foi proferido com fundamento na deficiente instrução do processo, entendendo-se que não haviam sido juntos documentos essenciais.

A indicação conclusiva quanto à essencialidade dos documentos em causa, tem de interpretar-se com referência ao elenco que do despacho consta dos documentos entendidos como não apresentados, os acima referidos.

Desses, como se concluiu antes, apenas os relativos à actividade do Requerente nos últimos três anos foram omitidos, sendo que o Requerente justificou a omissão, justificação que não foi julgada inadequada pelo despacho recorrido mas que o Requerente também não comprovou.

Face ao que, em primeiro lugar cumpre apreciar se a omissão de junção desses documentos implica o indeferimento liminar.

Como o referem Carvalho Fernandes e João Labareda[1], «é no domínio da apresentação e perante o regime legal hoje vigente que mais se faz sentir a necessidade de a petição ser suficientemente elucidativa da situação de insolvência, cuja declaração é pedida ao tribunal» aludindo ao regime do artigo 28.º que permite a declaração de insolvência sem qualquer contraditório.

O que implica um particular cuidado na apreciação liminar que o artigo 27.º, comete ao juiz. Cuidado que deve, porém, ter aquela razão de ser como horizonte normativo, teleologia que informa a interpretação: pretende a norma do artigo 27.º que o processo contenha os elementos necessários para uma cabal apreciação, numa situação fragilizada pela ausência de contraditório.

Porém, podendo o despacho de aperfeiçoamento ser “aproveitado” para trazer aos autos elementos coadjuvantes e posteriormente necessários, o seu incumprimento deve ser apreciado, quanto às consequências, à luz daquela razão de ser. Dito de outro modo, o indeferimento liminar deve ocorrer tão somente nos casos em que a pertinácia em não corrigir ou instruir a petição oblitere a possibilidade do juízo de mérito a proferir quanto à petição inicial[2], não se encontrando o juiz vinculado pela anterior cominação assinalada[3].

Pese embora cominando a contumácia de indeferimento no despacho cominatório, deve o juiz ponderar se o incumprimento verificado é de ordem a prejudicar a apreciação da petição, caso em que deve indeferir liminarmente, prosseguindo com a apreciação pertinente no caso contrário.

É neste contexto legal que deve ser apreciada a falta de documentação da alegação relativa aos últimos três anos de actividade do Requerente.

No caso vertente a omissão é a dos documentos comprovativos da indicação da actividade nos anos que antecederam a celebração do contrato de trabalho de Maio de 2012 ou, melhor, da justificação apresentada para os não apresentar.

Ora, tal matéria se pode ter relevo em termos de apreciação da qualificação da insolvência ou de apreciação do pedido de exoneração do passivo restante, não é indispensável à apreciação liminar da petição que cumpre fazer neste momento processual.

Carece assim de sentido o indeferimento liminar, devendo ser apreciada a petição nos termos em que se encontra deduzida.


3. Cassação ou substituição

Nos termos do artigo 715.º, nº 2, do CPC, a Relação deve proferir decisão relativamente a questões não decididas pelo tribunal recorrido, nomeadamente, por prejudicadas pela solução dada na primeira instância. Apenas em caso de os autos não conterem todos os elementos necessários deverá remeter os autos à primeira instância sem essa decisão «substitutiva».

Será este regime aplicável, determinando em consequência a Relação a proferir o despacho de apreciação da petição inicial?

Cremos que não.

O regime de substituição consagrado naquela norma, oposto ao de mera cassação, implica que a Relação se situe, em substituição do tribunal recorrido, no âmbito da mesma decisão, v.g. quando se substitui ao tribunal de primeira instância na solução de uma questão que aquele não apreciou por outra prévia a tal ter obstado.

No caso vertente, não é essa a situação. O tribunal recorrido analisou apenas os requisitos de prosseguimento do processo e é no contexto dessa apreciação que a Relação se situa. É nesse contexto, portanto, que a substituição pode ocorrer: apreciação dos requisitos de prosseguimento ou de indeferimento.

É certo, que a consequência da revogação da decisão é a prolação do despacho que analisa, aprecia e decide do mérito da petição ou de outras questões prévias oficiosas.

Porém, esse despacho é inteiramente diverso deste que no recurso se aprecia, limitando-se a ser-lhe subsequente.

Em consequência, a decisão da Relação apenas pode ser de cassação.

V) DECISÃO

Pelo exposto, julgo procedente o recurso e, em consequência, revogo o despacho recorrido o qual deverá ser substituído por outro que, cumprindo esta decisão, assegure a normal tramitação do processo, nomeadamente com apreciação do mérito da petição, se a tal nada diverso obstar.

Custas pela massa insolvente, caso a insolvência seja decretada (artigo 304.º, do CIRE).

Notifique.

Lisboa, 21 de Março de 2013

(Ana de Azeredo Coelho)


[1] CIRE Anotado, Quid Juris, 2009, p. 148.
[2] Cf. Acórdão do TRL de 24-01-2012 proferido no processo 9694/11.0TBOER.L1-7 (Graça Amaral) em cujo sumário se refere: «só a não sanação de vícios ou documentos essenciais (entendidos como estritamente necessários à marcha do processo) determina a prolação de despacho de indeferimento». Anote-se ser este, de entre os arestos citados pelo Recorrente, o único que é pertinente à situação dos autos.
[3] Cf. Acórdão do TRL de 7 de Fevereiro de 2013 proferido no processo 402/12.0TYLSB.L1 (Aguiar Pereira), desta secção, inédito, em que se aprecia da referida ausência de vinculação. Reportando-se embora o acórdão a insolvência requerida pelo credor analisa a especificidade deste despacho de indeferimento e sua relação com o anterior de aperfeiçoamento, esclarecendo a teleologia das normas no sentido que seguimos de perto.