Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | NETO NEVES | ||
| Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO LEGITIMIDADE ACTIVA EXECUTADO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/01/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I – Com a entrada em vigor das alterações introduzidas ao Código de Processo Civil introduzidas pelo DL 329-A/95, de 12-12, os embargos de terceiro deixaram de ser tratados como processo especial, passando a ser considerados como incidente de instância, na modalidade de intervenção de terceiros e, de entre este, de oposição. Assim, a legitimidade activa para a sua dedução passou a ser determinada nos termos do art.º 351, n.º2, do CPC, ficando restrita a quem não é parte no processo. II – O executado carece de legitimidade activa para intervir em embargos de terceiro a fim de defender a posse (quer em nome e agindo no interesse dos proprietários, quer invocando a qualidade de possuidor precário) relativamente a acto de penhora, atenta a sua qualidade de parte no processo executivo. Para tal efeito a lei criou um novo meio de tutela da posição do executado – a oposição à penhora regulada no art.º 863º-A, do CPC. (G.A.) | ||
| Decisão Texto Integral: | 14 Questão Prévia: Ao preparar os autos tendo em vista a elaboração de projecto de Acórdão, verifiquei que se apresentaram a interpor recurso “S”, tendo o recurso sido recebido nesses termos.Todavia, como claramente resulta dos autos – desde a petição inicial dos embargos ao teor da réplica (não obstante já nessa peça processual igualmente se apresentassem a alegar a dita sociedade “e outros”) e como claramente foi escrito no próprio despacho saneador ora recorrido e, ainda, nas próprias alegações apresentadas [v. em concreto o artigo 36º, onde se escreveu: A petição de embargos deve ser entendida no sentido de que as partes são os próprios Recorrentes (embargantes de terceiro) e não os donos dos bens, a conclusão “M”, onde consta que as partes – enquanto Embargantes que são os Recorrentes – são os próprios Executados e não a sociedade Senhoria ou os Comodantes, e daí as Procurações terem sido outorgadas pelos Srs E S P e Mulher, e, enfim, a conclusão “N” das alegações, onde se escreveu: Nos termos do regime consagrado na segunda parte do nº 2 do Art 1037º do C.P.C., excepcionalmente, o executado também pode ser Terceiro, relativamente aos bens que “pelo título da sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir” não estão sujeitos à execução] – nem a S nem H S P nem J M T P S P são partes nos embargos, pelo que, por ilegitimidade, o recurso não pode ser recebido enquanto interposto por eles, por manifesta ilegitimidade, o que se decide. Não significa isso, porém, que o recurso deva ser rejeitado “tout court”, pois que deve admitir-se que na expressão “Outros”, que é utilizada quer no requerimento de interposição de recurso, quer no cabeçalho das Alegações, cabem os referidos E S P e mulher, M M P, os quais, claramente, têm tal legitimidade para recorrer. É, pois, com essa restrição de âmbito subjectivo, que o recurso deve ser tido como admitido e que seguidamente vai ser apreciado. *** I – E M A S P e mulher, M M L T P S P, invocando agirem em nome de S, de H S P e de J M T P S P, vieram, por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa que lhes foi movida pelo BANCO, deduzir embargos de terceiro contra o despacho que determinou a penhora que nessa execução teve lugar em 22.11.2002. Invocam serem inquilinos da casa cujo bens de recheio foram penhorados em 22.11.2002, qualidade adquirida por contrato de arrendamento celebrado com a sua representada S, esta como senhoria, e que uma parte dos bens que integram o auto de penhora são propriedade da senhoria, tendo o seu gozo sido cedido conjuntamente com o do prédio, integrando assim o objecto do arrendamento; que outra parte é pertença do segunda representado, H S P, pai do embargante E e sogro da embargante M M, o qual, por razões de saúde e de avançada idade (92 anos), foi viver há cerca de 3 anos com aqueles, levando para a casa deles parte do mobiliário da casa em que antes vivia e que entregou ao respectivo senhorio, dado tratar-se bens de família ou de maior valor estimativo ou não; e que outra parte, ainda, é pertença do filho dos embargantes, J M T P S P, o qual, quando começou o processo de divórcio dele, os colocou em casa dos pais para que fossem usados pelos seus próprios filhos quando lá estivessem, depois das aulas e noutras ocasiões. Justificam a sua legitimidade para deduzir os embargos com a tutela possessória que é conferida ao possuidor precário (enquanto arrendatários e comodatários dos referidos bens), em defesa dos interesses do possuidor em nome próprio, o respectivo dono, e por, nessa qualidade, não serem partes na execução. E alegam que o exequente/embargado sabe bem que os bens que nomeou à penhora são pertença de terceiros. Juntaram documentos. Admitidos liminarmente os embargos, foi designada data para inquirição das testemunhas arroladas, a qual teve lugar e finda a qual foi lavrado em acta, a fls. 69-72, despacho decidindo a matéria de facto indiciariamente provada e, seguidamente, a fls. 73, foi proferido despacho recebendo os embargos, por considerar haver probabilidade séria da existência do direito de propriedade invocado sobre a maioria das verbas constantes do auto de penhora e da ofensa desse direito pela penhora, sendo determinada a suspensão da execução quanto às verbas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 24, 25, 26, 27, 30, 31 e 34 e por fim ordenada a notificação das partes primitivas para os termos do artigo 357º, nº 1 do Código de Processo Civil. Contestou o exequente/embargado, invocando que os embargantes são também administradores da sociedade S, pelo que a legitimidade para embargar cabe à sociedade, representada pelos seus administradores, e não aos embargantes como arrendatários, e que, do mesmo modo, vivendo os comodantes H e J em regime de comunhão e mesa com aqueles, é a eles e não aos comodatários, que assiste a legitimidade para embargar. Acrescenta que a configuração subjectiva da lide foi assim simulada com o fito de possibilitar a obtenção pelos embargantes da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de preparos e custas, que aos titulares do interesse não teria sido concedido, por qualquer deles dispor de bens de elevado valor. Entende, assim, invocar a excepção dilatória de ilegitimidade. De seguida, impugna de mérito os embargos, dizendo que a sociedade S foi constituída por dois filhos dos embargantes mas do seu conselho de administração fazem parte os dois embargantes, e que igualmente a anterior sociedade C fora constituída pelos mesmos dois filhos, sendo o ora embargante seu gerente. Alega, nessa base, que foi propositadamente criada a situação de confusão quanto à propriedade dos bens com o único fito de furtar os bens à penhora e assim se poderem esquivar ao pagamento das responsabilidades que adquiriram. Acresce que, embora do contrato de arrendamento conste que o local é mobilado e equipado, não consta do contrato escrito qualquer alusão aos bens que compõem a mobília e os equipamentos, dizendo ainda ser forjado o documento atribuído ao primitivo dono do prédio, E S B. Sustenta, assim que todos os bens penhorados são pertença dos executados. E impugna a alegação de saber que os bens nomeados e penhorados não eram pertença dos executados, dizendo que estava e está inteiramente convencido do contrário, bem como de que os mesmos executados têm bens de elevado valor colocados em sociedades “offshore” e em bancos estrangeiros, como o B B. Conclui pronunciando-se pela procedência da excepção de ilegitimidade e, subsidiariamente, pela improcedência dos embargos. Replicaram “S e Outros”, como embargantes, à matéria da excepção de ilegitimidade, sustentando a sua legitimidade como possuidores precários para agirem em defesa e protecção dos direitos dos donos dos bens, em substituição processual deles. Designada audiência preliminar, veio a instância, após alguns adiamentos, a ser suspensa a requerimento conjunto das partes, tendo em vista a celebração de acordo, que se não veio a concretizar. Finda a suspensão, foi dispensada a referida audiência, por despacho a fls. 150, imediatamente seguido de despacho saneador, no qual foi conhecida a excepção de ilegitimidade, que foi julgada procedente, sendo o embargado absolvido da instância. Interposto recurso de apelação e como tal admitido, ofereceram os recorrentes as respectivos alegações, em que formularam as seguintes conclusões: A - Os Recorrentes deduziram Embargos de Terceiro com base no n° 2 do Art, 1037° do CPC por haverem sido penhorados diversos bens móveis que lhes não pertenciam, e no âmbito de execução contra eles movida, por dívidas de sua responsabilidade. B - Concretamente, foi decidida a suspensão da execução quanto aos bens móveis referentes às verbas n°s 1 (mesa), 2, 3,4,6, 8,9,10,12,13,14,21,30,31 e 34 por estes pertencerem à sociedade S, que é a Senhoria dos Executados, por outorga de contrato de arrendamento de andar mobilado. C - Foi igualmente decidido suspender a execução quanto aos bens móveis constantes das verbas n°s l(cadeiras), 5, 7, 11, 24, 25, 26 e 27 que haviam sido penhorados, por se ter entendido tratarem-se de bens pertencentes a Terceiro, neste caso a H S P, pai do Executado E e sogro da Executada M M. D - E o mesmo sucedeu com os bens móveis a que se referem as verbas n°s 15, 16, 17, 18, 19 e 25, por se ter sido entendido serem bens de um filho dos Executados, o J M. E - Relativamente a esses bens móveis e que foram indevidamente penhorados, os Executados são seus meros detentores ou possuidores em nome alheio, sendo que os usam e fruem por via do contrato de locação, por um lado, e de comodatos, por outro. D - Por via desses contratos, os Executados têm posse sobre os bens, mas essa posse é exercida em nome e representação dos verdadeiros donos, E - E os quais nunca perdem a posse real e efectiva sobre os bens, porquanto a mesma passa a ser exercida através dos possuidores em nome alheio. F - No caso concreto, tanto podiam os verdadeiros donos e possuidores deduzir os Embargos de Terceiro, como serem os próprios Executados, que assim a intentam com o fundamento na posse real e efectiva daqueles - e como sucedeu. G - Em qualquer dos casos, o fundamento dos Embargos de Terceiro é sempre a posse real e efectiva sobre bens que foram indevidamente penhorados. H - Efectivamente, a lei confere aos possuidores em nome alheio - como arrendatários, comodatários ou depositários - a tutela possessória, como resulta do regime estatuído no Art. 1037° n° 2 do CC, e daí o seu acesso aos Embargos de Terceiro quanto a bens que sejam indevidamente penhorados. I - Trata-se da doutrina da excepcionalidade/representação, defendida na doutrina por muitos autores e entre outros pelo Prof Alberto dos Reis e que tem merecido também apoio jurisprudencial. J - Os Embargantes deduziram os presentes Embargos de Terceiro com o fundamento que invocam, isto é, serem locatários por um lado, e alguns bens móveis penhorados fazerem parte do arrendamento, e de outros serem comodatários, e dada a qualidade em fazerem parte do arrendamento, e de outros serem comodatários, e dada a qualidade em que detinham esses bens, não podiam ser penhorados por não serem sua propriedade. L - Os Embargos de Terceiro a serem deduzidos pelos possuidores em nome alheio, têm-no de o ser em nome dos seus verdadeiros donos ou possuidores, isto é, do senhorio, ou comodante, ou outro, e o seu fundamento é a posse em nome da qual detêm os bens - e como sucedeu. M - De acordo com a referida teoria, as partes - enquanto Embargantes, que são os Recorrentes - são os próprios Executados e não a sociedade Senhoria ou os Comodantes, e daí as Procurações terem sido outorgadas pelos Srs E S P e Mulher. N - Nos termos do regime consagrado na segunda parte do n° 2 do Art. 1037° do CPC, excepcionalmente, o executado também pode ser Terceiro, relativamente aos bens que "pelo título da sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir" não estejam sujeitos à execução. O - Não se verifica a excepção da ilegitimidade, como foi decidido pela douta decisão recorrida, que assim violou, entre outros o disposto no Art. 1037° n° 2 do CPC. Termos em que, e com o vosso douto suprimento. Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser revogada a decisão proferida pelo Mmo Juiz "a quo" e substituída por outra que defira e julgue totalmente procedentes os Embargos de Terceiro deduzidos, e assim farão a habitual justiça. Não foram apresentadas contra-alegações. Recebidos os autos neste tribunal, foi alterada a espécie do recurso, que se decidiu ser de agravo, por a decisão final não ser de mérito, mas de absolvição da instância por procedência de excepção dilatória. Descendo os autos para o efeito, foi proferido despacho de sustentação. Corridos os vistos legais, cumpre conhecer. II – QUESTÃO A DECIDIR Das conclusões de recurso – que delimitam o seu objecto, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 2 do Código de Processo Civil – resulta que a questão a decidir é a de saber se os executados, enquanto meros detentores, como se afirmam ser, dos bens cuja penhora foi determinada judicialmente, com base na qualidade de arrendatários e de comodatários desses bens, têm ou não legitimidade para deduzir contra a penhora embargos de terceiro. III – FACTOS E OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS RELEVANTES a) Em 22.11.2002, na sequência de despacho judicial proferido na execução para pagamento de quantia certa que no tribunal a quo corre contra E M A S P e mulher, M M L T P S P b) instaurada pelo Banco, foi realizada a penhora de bens móveis que se encontravam no interior do imóvel sito na Rua A S, em Lisboa – facto admitido por acordo e reconhecido no despacho exarado a fls. 69 e seguintes; b) Esse imóvel é pertença da sociedade S, que o comprou por escritura pública de 1.8.1985 a C (fls. 16-22), constando dessa escritura que no preço está também englobado todo o equipamento existente na moradia, nomeadamente o de climatização de ar e aquecimento de águas, os móveis existentes no seu interior e os equipamentos de jardim e todos os elementos decorativos, tais como cortinados e alcatifas, estando a aquisição inscrita no registo predial desde 8.8.1985 (fls. 88); c) A sociedade C havia adquirido por compra a E S B esse imóvel, pela escritura celebrada em 7.8.1999, a fls. 23-26; d) Está a fls. 27 cópia de carta dirigida por E S B a E M A S P, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido; e) Está a fls. 28 cópia de um escrito denominado Contrato de Arrendamento datado de 24.4.1986, celebrado entre S e o embargante E, referente ao mesmo imóvel, constando da sua cláusula 4ª que O local objecto de arrendamento encontra-se mobilado e equipado; f) S encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, constando serem membros do seu conselho de administração os ora embargantes, e ainda P M T P S P, P M T P S P e J Ml T P S P – documento de fls. 84-86; g) C encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa , sendo seus sócios CO, P T P S P, P M T P S P e J M T P S P e detendo a própria sociedade uma quota, e sendo seus gerentes o embargante E e P M T P S P; h) Está a fls. 345 dos autos certidão de assento de casamento dos ora embargantes, dela constando ser o embargante marido filho de H C S P. IV – O DIREITO Esclarecido que foi pelos próprios embargantes, nas suas alegações, que A petição de embargos deve ser entendida no sentido de que as partes são os próprios Recorrentes (embargantes de terceiro) e não os donos dos bens – o que permite estabelecer que só eles são efectivamente embargantes, não obstante desde a apresentação da réplica a sociedade S ter aparecido nos autos a encimar a identificação dos embargantes – esclarecimento que aliás o próprio despacho saneador realizou cabal e correctamente, interpretando bem a petição inicial dos embargos, em que, logo no cabeçalho, E M A S P e mulher M M L T P S P se apresentam a embargar em nome de S, H S P e J M T P S P, por isso apenas elas passando até ao presente momento procuração forense aos seus ilustres mandatários – cumpre então conhecer da questão da legitimidade activa. E tal legitimidade vão os recorrentes buscá-la à tutela possessória que, como meros detentores ou possuidores em nome alheio dos bens penhorados – quer a título de arrendatários, quer a título de comodatários – lhes é conferida pelos artigos 1037º, nº 2 e 1133º, nº 2 do Código Civil, e que, segundo sustentam, lhes consente actuar na defesa da posse dos donos e titulares da posse jurídica destes, e agindo em nome deles. Esta posição é sustentada na tese defendida por Alberto dos Reis (1) e por Eurico Lopes Cardoso (2). Afirmava o primeiro dos autores citados que Se o detentor da coisa penhorada, arrolada, arrestada, etc., é possuidor em nome alheio, os embargos devem ser deduzidos pelo possuidor em nome próprio; mas podem também ser deduzidos pelo possuidor em nome alheio, contanto que os deduza em nome daquele. Esta posição encontrava suporte adjectivo na redacção do nº 2 do artigo 1037º do Código de Processo Civil então vigente, e que era a seguinte: Considera-se terceiro aquele que não tenha intervindo no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo ou quem no acto se obrigou. O próprio condenado ou obrigado pode deduzir embargos de terceiro quanto aos bens que, pelo título da sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não devam ser atingidos pela diligência ordenada. No entanto, tal entendimento não era pacífico, sustentando Pires de Lima e Antunes Varela (3) que Nenhum terceiro, embora prejudicado pela turbação, pode defender a posse de outrem. O que acontece, por vezes, é que a lei faculta o exercício das acções possessórias a meros detentores (cfr. arts. 1037º, nº 2, 1125º, nº 2, 1133º, nº 2 e 1188º, nº 2 […]. Simplesmente, nestes casos, a posse que estes defendem não é a do possuidor em nome próprio, mas a sua própria posse precária, e tanto assim que a podem defender mesmo contra o proprietário. Diga-se que nos convence bem mais esta segunda posição e que só ela, em face da configuração dada aos embargos, bastaria para efectivamente considerar os embargantes partes ilegítimas. Sucede, porém, que a posição sustentada pelos embargantes se mostra estribada em lei revogada, a tal ponto que chegam, nas conclusões, a citar como actual o artigo 1037º, nº 2 do Código de Processo Civil, quando toda a secção II do Capítulo VII do Título IV do Código foi objecto de expressa revogação pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, tendo os embargos de terceiro deixado de ser tratados como um processo especial e passando a ser considerados como um incidente da instância, na modalidade de intervenção de terceiros e, dentre estes, de oposição, passando a ser a Divisão III (Embargos), da Subsecção III (Oposição), da Secção III (Intervenção de Terceiros) do Capítulo III (Incidentes da Instância). Ora, a norma que aí se ocupa da legitimidade activa para a dedução de embargos de terceiro, o artigo 351º, nº 2, com a redacção vigente à data da propositura dos presentes embargos (conferida pelo referido Decreto-Lei nº 329-A/95) dispõe que: Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro. Assim, a legitimidade para embargar ficou restrita a quem não é parte no processo, tendo desaparecido previsão equivalente ao segundo parágrafo do já citado e transcrito artigo 1037º, n 2 do Código de Processo Civil, na versão anterior à reforma de 1995-1996. E tal sucedeu por essa reforma ter criado um novo meio de tutela da posição dos executados – a oposição à penhora, regulada pelo artigo 863º-A. Deixou, pois, o embargante, mesmo que seja possuidor de bens que pela sua qualidade não devam ser objecto de penhora, de poder lançar mão dos embargos de terceiro para se opor à penhora deles. Tal é claramente reconhecido por diversos autores, citando-se Salvador da Costa(4), Eurico Lopes Cardoso e Álvaro Lopes Cardoso (5), Lopes do Rego (6) e José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (7). Temos assim que, seja em defesa da posse em nome próprio dos proprietários, invocando a tutela possessória conferida pelos artigos 1037º, n º 2 e 1133º, nº 2 do Código Civil, e agindo no interesse desses proprietários, como invocam, seja apenas em defesa da sua própria posse precária, como é sustentado por Pires de Lima e Antunes Varela, em caso algum os embargantes – que reconhecidamente são apenas E M A S P e mulher, M M L T P S P – têm actualmente legitimidade para deduzir embargos de terceiro, pois que são partes na causa, isto é, na acção executiva em que foi ordenada e executada a penhora dos bens. Conclui-se, deste modo, que o despacho saneador que os julgou partes ilegítimas e absolveu o embargado da instância fez correcta aplicação da lei, nenhuma censura merecendo e por isso devendo ao agravo ser negado provimento, mantendo-se a decisão impugnada. V – DECISÃO Nestes termos acordam em negar provimento ao presente agravo, mantendo a decisão impugnada. Custas do agravo pelos embargantes. Lisboa, 1 de Março de 2007 António Neto Neves _______________________________________ Isabel Canadas José Maria Sousa Pinto 1 Processos Especiais, vol. I, pág. 414. 2 Manual da Acção Executiva, pág. 376. 3 Código Civil Anotado, Vol III, 2ª Edição, pág. 54, em anotação ao artigo 1282º. 4 Os Incidentes da Instância 3ª Edição, pág. 192, onde diz que A posição de terceiro neste tipo de embargos é agora exclusivamente determinada em função da respectiva posição processual, isto é, só é terceiro quem não dever ser considerado parte na causa em que foi ordenada a diligência judicial ofensiva do seu direito 5 Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 3ª Edição conforme a revisão do processo civil de 1995/96, pág. 220, onde se cita a propósito o Relatório do Decreto-Lei nº 329-A/95. 6 Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª Edição, pág. 325, onde diz não é lícito ao executado deduzi-los, nos termos que lhe eram concedidos, em certas circunstâncias, pela segunda parte do nº 2 do artigo 1037º do Código de Processo Civil: qualquer que seja o fundamento invocado como base da oposição à penhora, deve o executado deduzi-la nos termos do citado artigo 863º-A e Vol. II, 2ª Edição, pág. 99, onde reafirma: O executado deixa, pois, de ser qualificado, em certos casos, como terceiro para efeitos de dedução dos embargos de terceiro, como ocorria face ao preceituado no art. 1037º, nº 2, parte final. 7 Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, edição de 1999, págs. 614-618. |