Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
82/18.9PHSNT.L1-3
Relator: CONCEIÇÃO GONÇALVES
Descritores: ESCUSA DE DEFENSOR
PRAZOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEIÇÃO
Sumário: 1. A apresentação de escusa por parte do defensor nomeado, em processo penal, com a subsequente nomeação de novo defensor, não interrompe nem suspende o prazo de interposição de recurso.
2. E se em geral, a nomeação de patrono se inclui no âmbito do apoio judiciário, este regime geral é inaplicável à nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal, dada a especificidade que decorre dos artigos 39º a 42º da Lei nº 42/2004, de 29/07, em sintonia com o Código de Processo Penal, que sendo obrigatória a assistência de um defensor nomeado para um acto continua a poder e a ter o dever de exercer a defesa do arguido até ser substituído.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.

1. No processo abreviado, por Juiz Singular, procedente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste -Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra -Juiz 2 o arguido S.S...., melhor identificado nos autos, por sentença proferida em 7.06.2018 foi condenado, como autor material de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão efectiva.

1.1. Na sequência do pedido de escusa formulado em 4.07.2018 pela Ilustre defensora do arguido, o Mmº Juiz a quo proferiu em 6.09.2018 o seguinte despacho (cfr. fls. 98):
“I. Referência Citius 12984525:
Em conformidade com o estatuído no artigo 42º, nºs. 1 e 3, da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, norma especial atinente ao processo penal, 1. O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa do patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.
2. A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.
3. Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”.
Do exposto resulta, pois, que não ocorreu a interrupção de qualquer prazo, razão pela qual o trânsito em julgado da sentença ocorreu em momento prévio à notificação da conta de custas, inexistindo, assim, qualquer nulidade a declarar.
Face ao exposto, indefiro o requerido.

2. O arguido não se conformando com esta decisão dela veio interpor recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões:
 
“Quanto ao Despacho (que é questão prévia):
A) O Tribunal a quo entendeu que o prazo de Recurso não se interrompeu, invocando o art.º 42º, nºs.1 e 3, da LADT, com a justificação de que a Defensora oficiosa que pediu escusa se manteve em funções.
B) Não nos parece acertada essa interpretação do regime em causa.
C) Do disposto no nº3 do art.º 42º da LADT não resulta que o prazo em curso não é interrompido, podendo do mesmo concluir-se apenas que o pedido de escusa ou de dispensa não opera automaticamente, ficando a cessação definitiva das funções de defensor dependente da decisão da Ordem dos Advogados (OA).
D) Se o entendimento fosse simplesmente o de que o defensor oficioso que pede escusa se mantém em funções, não faria sentido a lei prever a possibilidade de, em caso de urgência, poder ser nomeado outro defensor ao arguido (art.º 42º, nº4 da LADT).
E) Acresce que não seria exigível ao Advogado que, tendo pedido escusa, fosse obrigado a praticar actos que, em abstrato, poderiam ir contra a sua consciência e constituir violação dos seus deveres deontológicos e/ou profissionais ou até a prática do crime de procuradoria ilícita.
F) Por outro lado, o art.º 34º, nº2 e o art.º 24º, nº 5, da LADT, são aplicáveis nos processos penais, por remissão expressa do art.º 44º, nº1, da LADT, que apenas excepciona, de todo o capítulo III da LADT, a aplicação do art.º 18º, nº 2 e 3 a esses processos.
G) O pedido de escusa, independentemente do defensor oficioso se manter futuramente em funções, interrompe o prazo que estiver em curso, reiniciando-se a sua contagem a partir da nomeação pela OA de outro defensor ou a partir da decisão da OA de indeferimento do pedido de escusa.
H) Outro entendimento não seria defensável à luz dos princípios da confiança e segurança jurídica e das garantias de defesa em processo penal e sofreria de inconstitucionalidade, por violação clara do art.º 32º, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
I) Pelos fundamentos expostos, e por violação dos normativos supra referidos, deve o Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que dê sem efeito a notificação da conta de custas e declare nulos todos os actos praticados nos autos que pressuponham o trânsito em julgado da decisão final.
Quanto à Sentença:
J) Nos presentes autos, não obstante correrem contra pessoa determinada, identificada e com prestação de TIR, o Arguido, aqui recorrente, não foi sequer ouvido e interrogado na fase de Inquérito.
K) Poderiam ter sido efetuadas outras diligências úteis para descoberta da verdade material, com os contributos do Arguido, mas tal não ocorreu.
L) Acresce que os factos dados como provados nos pontos 1 a 10 da douta Sentença recorrida foram incorretamente julgados, na medida em que imputam ao Arguido, aqui recorrente, a prática de factos que consubstanciam o crime de ameaça agravada, sem que sejam indicadas provas concretas que suportem essa decisão no que toca à questão crucial da autoria dos factos.
M) Com efeito, quanto a essa questão, a ofendida TG..., referiu no seu depoimento que não conhecia o Arguido, não efetuou o reconhecimento do mesmo e prestou inclusive declarações, em sede de audiência de julgamento, sem a presença do Arguido, que foi afastado da sala de audiências.
N) Os supostos factos não foram presenciados por qualquer outra testemunha e, na questão essencial, de se saber se foi o Arguido que os praticou, não foi feita qualquer prova.
O) Da intervenção dos agentes da PSP, que não presenciaram quaisquer factos, resulta apenas que apreenderam uma faca de cozinha na posse do Arguido.
P) Seria determinante, para provar a autoria dos factos por parte do Arguido, que a ofendida pudesse ter identificado e reconhecido essa faca como tendo sido a faca utilizada na prática dos supostos factos, mas tal também não ocorreu.
Q) Não foi, assim, feito qualquer reconhecimento da pessoa do Arguido ou da faca, enquanto objeto supostamente utilizado pelo mesmo na prática dos eventuais factos, por parte da ofendida.
R) Portanto, não se fez qualquer prova nos autos de que o Arguido foi o autor material dos supostos factos denunciados, tendo sido incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os pontos 1 a 10 da matéria de facto julgada como provada.
S) Acresce que o Arguido prestou declarações, em sede de audiência de julgamento, e negou a autoria dos factos.
T) A versão apresentada pelo Arguido tem de ser vista à luz do próprio Arguido, pessoa que tem estado em reclusão há vários anos, e teme de facto pela sua integridade física ou até pela sua vida, e não à luz de um homem médio.
U) A essa luz, as declarações do Arguido afiguram-se plausíveis e credíveis
V) Mais. Compete à Acusação efetuar a prova da prática dos factos que se subsumem no tipo legal e não ao Arguido a prova da sua inocência.
X) Acontece que, como se demonstrou, não foi produzida prova que possa imputar ao Arguido, aqui recorrente, a autoria de factos que consubstanciam o crime por que foi condenado pelo Tribunal recorrido.
Z) Pelos fundamentos expostos, e por terem sido incorretamente julgados, como se demonstrou, os pontos 1 a 10 da matéria de facto dada como provada, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que dê como não provados os referidos factos e, em consequência, absolva o Arguido do crime de ameaça agravada por que vinha acusado e condenado pelo Tribunal a quo.

Nestes termos, e nos melhores de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência
a) ser revogado o Despacho recorrido e substituído por outro que dê sem efeito a notificação da conta de custas e declare nulos todos os actos praticados nos autos que pressuponham o trânsito em julgado da decisão final.
b) ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que dê como não provados os factos constantes dos pontos 1 a 10 da matéria de facto dada como provada e, em consequência, absolva o Arguido do crime de ameaça agravada por que vinha acusado e condenado pelo Tribunal a quo”.

3. O recurso do despacho proferido em 7.09.2018 foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (considerando que a admissibilidade do recurso quanto à sentença depende da decisão que recair sobre o recurso deste despacho, pois, caso contrário, o recurso da sentença será intempestivo.
Deste modo, por se tratar de questão prévia, apreciar-se-á apenas a admissibilidade do recurso do despacho proferido em 7.09.2018, que sendo admissível e interposto por quem tem legitimidade, sobe nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. fls. 107).

4. O Ministério Público respondeu à motivação de recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O arguido pretende colocar em causa o despacho proferido a 07.09.2018, no qual se indefere o requerido, no que à nulidade dos actos praticados após trânsito em julgado da sentença, respeita.
2. Para tanto alega, o prazo de interposição de recurso da sentença ficou interrompido com o pedido de escusa da anterior defensora oficiosa.
3. Entende que deve ser revogado o despacho do qual recorre, e substituído por outro que dê sem efeito os actos praticados posteriormente, declarando-os nulos, no pressuposto, no seu entendimento, do trânsito em julgado da sentença.
4. Dispõe o artigo 42º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho que: “Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantem-se para os actos subsequentes do processo.”.
5. A lei não oferece qualquer margem para interpretação diversa, o defensor mantém-se, até ser substituído por outro.
6. Não ocorreu interrupção de qualquer prazo, tal como se decidiu no despacho recorrido, motivo pelo qual o trânsito em julgado da sentença teve lugar.
7. O despacho posto em crise não é por isso passível de censura.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se dessa forma o despacho recorrido”.

5. Neste Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto do despacho judicial proferido em 7.09.2018, e pela rejeição, por extemporaneidade, do recurso interposto da sentença condenatória proferida em 7.06.2018. Para tanto considerou, em síntese, que a apresentação de escusa por parte de defensor nomeado, em processo penal, com subsequente nomeação de novo defensor, não interrompe nem suspende o prazo de interposição de recurso, pelo que o trânsito em julgado da sentença nestes autos ocorreu em 7.07.29018, sendo assim extemporânea a interposição de recurso da sentença condenatória, citando neste sentido abundante jurisprudência dos Tribunais Superiores, assim como do Tribunal Constitucional.
 
 6. Após exame preliminar, entendeu-se conhecer do recurso por decisão sumária, nos termos do art.º 417º, nº 6, als. a) e d) e 420º, nº 1, al. a), ambos do CPP.

                                                         *
II-Fundamentação.

1. Conforme é aceite pacificamente pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões e neste caso o recorrente coloca, como questão prévia, saber se o pedido de dispensa de patrocínio pelo defensor do arguido suspende ou interrompe o prazo de interposição de recurso?
Vejamos.

2. Verificam-se com relevância as seguintes ocorrências processuais:
a. A leitura da sentença condenatória, com a presença do arguido e da sua defensora oficiosa, ocorreu em 7.06.2018, tendo sido notificada a ambos nessa mesma data.
b. A defensora oficiosa pediu “escusa das funções”, a 4.07.2018.
c. Nessa data, encontrava-se a correr o prazo para a interposição de recurso, o qual terminaria em 7.07.2018 (ao qual acresceriam os três dias de multa).
d. O actual defensor oficioso foi nomeado pela Ordem dos Advogados, por ofício de 12.07.2018, considerando-se notificado em 16.07.2018.
e. O defensor então nomeado veio requerer para “ser dado sem efeito a notificação de conta de custas e para que fosse declarada a nulidade dos actos nos autos que pressuponham o trânsito em julgado da decisão final, por se considerar não ter a mesma transitado”.
f. Na sequência deste requerimento, o Tribunal a quo, por despacho de 7.09.2018, decidiu nos termos seguinte (fls. 98):
“Em conformidade com o art.º 42º, nºs. 1 e 3 da Lei 34/2004 de 20.07, norma especial atinente ao processo penal (...) não ocorreu a interrupção de qualquer prazo, razão pela qual o trânsito em julgado da sentença ocorreu em momento prévia à notificação da conta de custas, inexistindo qualquer nulidade a declarar.
Face ao exposto, indefiro o requerido”.
g. O arguido interpôs recurso deste despacho, assim como da sentença condenatória, em 27.09.2018.
Em face destas circunstâncias, o arguido, ora recorrente, veio suscitar na primeira parte do recurso, como questão prévia, saber se o pedido de dispensa de patrocínio pelo defensor do arguido suspende ou interrompe o prazo de interposição de recurso?

3. O recorrente entende que a sentença proferida não transitou em julgado porquanto o respectivo prazo de interposição de recurso ficou interrompido com o pedido de escusa da anterior defensora oficiosa, assim discordando da interpretação feita pelo Tribunal.
Argumenta para tanto que a Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, que aprovou o regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, no artigo 42º, nº 3, ao dispor que “Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”, não diz que o prazo em curso não é interrompido, resultando apenas desta disposição que o pedido de escusa ou dispensa não operam automaticamente, ficando a cessação definitiva das funções de defensor dependente da decisão da Ordem dos Advogados (AO).
Entende o recorrente que neste período, que media entre o pedido e a decisão da AO, visa a Lei acautelar os interesses do arguido, assim como os interesse do advogado que pediu a escusa, daí ter estipulado no nº 4 do art.º 42º que “Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido”, o que não faria sentido se o defensor que pede a escusa se mantivesse em funções, além de não fazer sentido exigir ao advogado, não obstante o pedido de escusa, que fosse obrigado a praticar actos que em abstracto poderiam ir contra a sua consciência e até constituir violação dos seus deveres deontológicos e/ou profissionais.
Invoca, por fim, a previsão do art.º 34º, nº 2 deste diploma que vai neste sentido, determinando expressamente a interrupção do prazo.
E conclui que outro entendimento não seria defensável à luz dos princípios da confiança jurídica e das garantias de defesa no processo penal e sofreria de inconstitucionalidade, por violação do art.º 32º, nº 1 da CRP.

Conhecendo.

A Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, aprovou o regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais ( com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto), e no âmbito do seu capítulo IV, sob a epígrafe “Disposições Especiais Sobre Processo Penal”, no que se reporta à “nomeação e substituição do defensor” estabeleceu no seu art.º 39º, nº 1 que “A nomeação do defensor ao arguido e a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal e em conformidade com os artigos seguintes” (sublinhado nosso).
Este mesmo diploma, relativamente à dispensa de patrocínio em processo penal, estabelece especificamente no art.º 42º, o seguinte:
“1. O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.
2. A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de patrocínio no prazo de cinco dias.
3. Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantem-se para os actos subsequentes do processo.
4. Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no nº 2 do artigo 45º”.
E ainda, o nº 10 do citado art.º 39º da mesma Lei, consigna que “o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo”.

Atentando, então, nestas normas reguladoras do regime da substituição de defensor, resulta efectivamente, que o defensor nomeado se mantém para os actos subsequentes do processo, enquanto não for substituído.
Resulta igualmente que a Lei nº 34/2004, de 29/07, designadamente nos artigos 39º e 42º, acolheu a especificidade própria da matéria penal nesta matéria, estando em sintonia com o que prescreve a lei de processo penal. Assim, a exigência de intervenção de um defensor, mostra-se em sintonia com a obrigatoriedade de nomeação de um defensor em todos os actos, conforme, entre outros, as alíneas e) e f) do nº 1, do art.º 61º do CPP; a obrigatoriedade de o arguido estar sempre assistido por defensor colhe-se do art.º 64º, do CPP; a possibilidade de o advogado nomeado defensor poder pedir dispensa do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa, em sintonia com o art.º 66, nº 2; e também, enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo, em sintonia com o nº 4 do art.º 66º.

Assim, o nº 3 do art.º 42º da citada Lei, ao estabelecer que “Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”, visa garantir o princípio inerente à função da defesa, da sua continuidade e estabilidade, mesmo no caso de nomeação de defensor para um acto. Esta exigência de continuidade e estabilidade da defesa do arguido no caso de actos subsequentes do processo ocorre para toda a defesa em geral do arguido, pelo que, por interpretação extensiva, o advogado que tenha sido nomeado para a defesa do arguido, mantém-se em exercício enquanto não for substituído.
Deste modo, somos a concluir da conjugação das disposições legais citadas que o legislador quis que o defensor se mantenha no processo até ser substituído, pois se assim não fosse, existiria um vazio temporal, entre o momento em que o defensor do arguido pede escusa e o momento em que é substituído, no decurso do qual o arguido ficaria sem a protecção das mais elementares garantias, o que violaria a garantia constitucional de salvaguarda dos direitos do arguido, prevista no art.º 32º, nºs. 1 e 3 da CRP[1].
Diga-se, por último, que a defesa do arguido padece de fundamento ao buscar no disposto no nº 2 do art.º 34º da Lei 34/2004 de 29/07 uma similitude de razões em defesa da interrupção do prazo de recurso em caso de dispensa de patrocínio.
Acontece que o art.º 34º da Lei 42/2004 de 29/07 regula uma realidade diversa, versando sobre o regime de escusa do patrono nomeado para o exercício do patrocínio no quadro do apoio judiciário, em que se adequa que o pedido de escusa interrompa o prazo em curso. Mas este regime é inaplicável à nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal, dada a especificidade que decorre dos artigos 39º a 42º, sendo no processo penal obrigatória a assistência de um defensor que nomeado para um acto continua a poder e a ter o dever de exercer a defesa do arguido até ser substituído.

Assim sendo, mantendo-se o defensor do arguido até ser substituído, inexiste qualquer fundamento para a reclamada interrupção do prazo de interposição de recurso.
Esta posição, de que o pedido de dispensa de patrocínio ou de substituição de defensor nomeado ao arguido não é susceptível de interromper o prazo de recurso, é maioritária na nossa jurisprudência, citando-se neste sentido, o ac. do STJ de 23.06.2005 (P. nº 2251/05, 5ª secção), e ao nível dos Tribunais da Relação, o acórdão do TRC de 18/12/2013 (P. nº 139/96.5TATND.L1; TRE de 30/06/2015 (P. 28/08.2GBCCH.E1; TRC de 7/12/2016 (P.8785/13.8TDPRT-A.L1); TRP de 4/4/2018 (P.245/16.1GBSVV-AP; TRL de 21/06/2011 (P.4615/06.5TDLSB.L15,) TRG de 25/05/2015 (P. 1715/12.6GBBCL.G1) e TRG de 20/03/2017 (P. nº 102/15.0T9TBRG.G1)

Também nesta matéria  decidiu o Tribunal Constitucional no recente acórdão nº 487/2018 (DR nº 225/2018, Série II de 22.11.2018: Não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 39º, nº 1, 42º, nº 3 e 44º, nº 1, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, e do artigo 66º, nº 4, do Código de Processo Penal, segundo o qual o prazo de interposição de recurso da decisão depositada na secretaria não se interrompe nem se suspende no caso de, no decurso do mesmo, o arguido apresentar junto da Ordem dos Advogados pedido de substituição do defensor que lhe fora nomeado no processo. (sublinhado nosso)
Nele se fundamenta que “...não obstante o pedido de substituição, o defensor nomeado continua a poder -e a ter o dever de -exercer a defesa do arguido, sendo certo ainda que tal pedido de substituição, podendo ser tido como um elemento perturbador ou podendo evidenciar uma perturbação na relação entre o arguido e o seu defensor nomeado, não torna, por si só, inviável tal relação, nem impede a continuidade da defesa até que tal incidente se mostre findo.

Em face de todo o exposto, entende-se que a fundamentação trazida pelo recorrente, no sentido de ver declarada a interrupção do prazo de interposição do recurso, improcede manifestamente.
 Assim se julga improcedente o recurso interposto do despacho judicial proferido em 07.09.2018.
                                                      *
Em face do ora decidido, importa atentar na repercussão da improcedência do recurso deste despacho no recurso interposto da sentença condenatória.
 A sentença foi notificada ao arguido e defensora nomeada aquando da leitura da mesma, em 7.06.2018, terminando o prazo de recurso em 7.07.2018 (ao qual acresceriam os três dias relativos à multa).
Quando estava a decorrer o prazo para a interposição do recurso, a defensora nomeada “pediu escusa de funções”, em 4.07.2018, ocorrendo nomeação de novo defensor em 12.07.2018, a este notificado em 16.07.2018.
Considerando, em face do que acima se deixou exposto, de que a apresentação de escusa por parte de defensor nomeado, em processo penal, não interrompe nem suspende o prazo de interposição de recuso, o trânsito em julgado da sentença ocorreu em 7.07.2018, vindo a interposição do recurso da sentença condenatória a ocorrer em 27.09.20918, ou seja, em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória.

Nestes termos, importa rejeitar, por extemporaneidade, o recurso interposto da sentença condenatória proferida em 7.06.2018.

                                                   *
III- Decisão.
Termos em que se decide na 3ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto do despacho judicial proferido em 7.09.2018, rejeitando, consequentemente, por extemporaneidade, o recurso interposto da sentença condenatória.
 Custas a cargo do recorrente, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça, condenando ainda o recorrente na soma equivalente a 3 Ucs nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP.
Notifique.
                                                   *
Lisboa, 9/01/2018.              
Elaborado, revisto e assinada pela Relatora Conceição Gonçalves.

[1] Artº 32: 1. “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
3.O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória”.