Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3616/16.0T8LSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
CONTAGEM DE PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -O prazo a que se refere o artigo 397º nº 1 do Código de Processo Civil conta-se do conhecimento do facto.
-Tratando-se de obra de construção que alegadamente viola o direito do embargante, o facto relevante cujo conhecimento marca a contagem inicial do prazo será o início de construção em termos que façam concluir com grande probabilidade que a obra potencialmente lesiva será concretizada.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.-Relatório:


C... Limitada instaurou o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra M... e T... Limitada, pedindo a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova por si efectuado em 5.2.2016.

Alegou, em síntese, ser arrendatária de três fracções dum prédio propriedade da primeira requerida, as quais ficarão parcialmente sem ventilação e iluminação natural em virtude de obras de construção inovatórias e de beneficiação – concretamente instalação de um elevador – de uso exclusivo de fracções que não as arrendadas, que as requeridas estão a levar a cabo num saguão do mesmo prédio. As obras decisivas – colocação de massas com malha de ferro – foram iniciadas na primeira semana de Fevereiro de 2016. No dia 5 desse mês, a requerente notificou, na ausência do dono da obra no local, a arquitecta responsável pela execução da obra do embargo extra judicial previsto no artigo 397º nº 2 do CPC.

Após diversas diligências, foram citadas as requeridas, que vieram apresentar oposição, na qual, em síntese, invocam a inexistência do direito ofendido, por via da resolução dos contratos de arrendamento, excepcionam a caducidade do direito de interposição de embargo de obra nova, pois que o conhecimento de que iam ser feitas as obras ocorreu em Janeiro de 2015, mês em que também se iniciaram as obras, com a escavação para execução da sapata para a caixa do elevador, e em Março de 2015, montou-se a armadura, foi feita betonagem e foi colocada malha de ferro até ao 1º piso, trabalhos a que a requerente assistiu.

Excepcionaram ainda a omissão da forma de realização de embargo extra judicial, por não elaboração de qualquer auto.

Impugnaram os factos, invocando que a área total do arrendado afectado corresponde a 3%, sendo constituído por instalações sanitárias, arquivos e corredores de acesso, área e utilização que não podem ter sido determinantes na vontade de arrendar, que a iluminação e ventilação através do saguão é naturalmente muito limitada para os andares arrendados (1º e 2º pisos) e que está previsto que a ventilação continue a ser assegurada por meios técnicos, não havendo pois lesão grave e irreparável do direito da requerente. A instalação do elevador é essencial, dado o avanço da idade, para a senhoria poder aceder à sua habitação no 3º piso, de que é proprietária, pelo que a providência não pode ser decretada por corresponder a uma imposição desproporcionada, na comparação dos 3% de área afectada do arrendado e da totalidade da sua habitação, inutilizando na totalidade o seu direito de propriedade sobre esta, e em face dos prejuízos que esta sofrerá se continuar a pagar o arrendamento da habitação em que provisoriamente se instalou.

Pronunciou-se a requerente sobre a matéria de excepção, invocando que a resolução foi notificada extrajudicialmente em data posterior à instauração do procedimento, e que de resto não tem efeito definitivo, e que o prazo de trinta dias para requerer o embargo se conta do início da construção que afecte o direito que se pretende acautelar, sendo que os trabalhos relativos ao tapamento das janelas e topo do saguão se iniciaram em Fevereiro de 2016. A requerente não fez auto de embargo extra judicial, mas também não estava obrigada a fazê-lo, procedendo a notificação com testemunhas. Não há desproporção pois que a senhoria pode instalar o elevador noutro local ou outro modo de acesso à sua habitação.

Procedeu-se à audiência final, com gravação no sistema informático, durante a qual se realizou também inspecção judicial ao local, e seguidamente foi proferida sentença cujo teor dispositivo é o seguinte:
Por tudo o exposto, julgo improcedente por não provado o presente procedimento cautelar e, em consequência, decido não ratificar o embargo extrajudicial realizado pela requerente. Custas pela requerente. Registe e notifique. Valor: € 30.000,01”.

Inconformada, interpôs a requerente o presente recurso, formulando a final as seguintes conclusões:
A)
A requerente e recorrente na providência cautelar agora em recurso considera-se ofendida no seu direito pessoal de gozo titulado pelos 3 contratos de arrendamento relativos ao 1º D, 2º E e 2º D de que a requerida é senhoria.
B)
Tal ofensa deriva duma obra projetada para, no âmbito de obras gerais no respetivo edifício, construir um elevador no saguão do prédio que servindo em exclusivo os 3º e 4º andares, implica o tapamento das janelas dos 1º e 2º andares que dão para esse saguão bem como o topo desse mesmo saguão, com a consequência de os compartimentos respectivos deixarem de usufruir luz e ventilação naturais como até agora acontecia.
C)
Na sentença, agora posta em crise, o recorrente reclama, recorrendo, não só duma questão de facto, mas também das duas questões de direito que fundamentaram a improcedência do pedido.
D)
Em concreto a recorrente considera que deveria ter sido dado como provado o facto por si invocado no seu requerimento inicial, a saber o inserto no ponto 12. “Circunstância inclusivamente omitida no projecto apresentado e entretanto aprovado”.
E)
Tal, deriva de ser claro nos documentos juntos com esse requerimento, concretamente os documentos nº 4 - memória descritiva do projeto de arquitetura da obra - e documento nº 5 - desenhos em planta dos pisos 1 e 2 relativos aos compartimentos que dão para o saguão - que nesse projeto é omitido qualquer solução para a questão da luz natural e mesmo para a ventilação somente refere as IS do 1º piso, omitindo, até nos desenhos, a existência das janelas nos restantes compartimentos que dão para esse saguão.
F)
A Sentença ao ter omitido tal facto, não constando nem nos factos dados como provados, nem nos factos dados como não provados, merece censura e impõe diferente conclusão devendo por isso e em consequência ser sentença dado como provado também que, “Circunstância inclusivamente omitida no projeto apresentado e entretanto aprovado” e, em consequência e retificando também nos factos dados como provados, alterando parcialmente a redação do ponto 30. Passando este a ter a seguinte redação: “ A ventilação de alguns espaços cujas janelas serão fechadas, concretamente as ISs do 2º andar, está assegurada no projeto aprovado na Câmara Municipal de Lisboa”.
G)
Relativamente às questões de direito também não se concorda com a sentença agora recorrida quando afirma que dois dos requisitos plasmados no artº 397º do C.P.C. que regula o embargo de obra nova e que se aplica ao presente procedimento cautelar, não estão preenchidos.
H)
Concretamente não se concorda que se fundamente que o presente procedimento cautelar é extemporâneo em virtude que ter sido requerido mais de trinta dias após o conhecimento pela requerente do projeto de arquitetura em que se previa e estava projetado já a instalação dum elevador no saguão com o consequente tapamento das janelas do 1º e 2º piso que dão para esse saguão bem como o topo desse mesmo saguão.
I)
Na verdade, a requerente sabia desse projeto e sempre o afirmou, no entanto sempre quanto a isso se manifestou contra caso essa parte específica da obra viesse a ser concretizada, com decorre dos factos dados como provados, como também, em Fevereiro de 2016, assim que teve conhecimento do início do tapamento, no caso do topo do saguão e da iminência dessa concretização no caso das janelas, embargou extra judicialmente na pessoa da responsável da obra que confirmou essa realidade, cumprindo assim o prazo de tinta dias referido.
J)
Esse prazo, nos termos da totalidade da jurisprudência consultada e da melhor interpretação da lei, concretamente do artº 397º do C.P.C., deverá ocorrer e ser contado após a obra concreta que se pretende embargar, in casu tapamento das janelas servidas pelo saguão e topo do desse saguão, for evidente que será concretizada e não quando dela teve conhecimento por um projeto ou mera intenção declarada, mais ainda quando se trata duma obra muito mais vasta.
L)
Assim e com base nos fatos provados e nos termos do artº 397º do C.P.C. e da sua correta aplicação, o requerimento do presente procedimento cautelar ao ter sido proposto antes do prazo de trinta dias após o conhecimento, em fevereiro de 2016, da requerente do início da obra de tapamento das janelas e topo do saguão, deveria ter sido considerado, na sentença de que agora se recorre, em tempo, pelo exato cumprimento desse mesmo prazo.
M)
Também relativamente ao segundo requisito que a sentença considerou não estar demonstrado - ofensa do direito do recorrente -, por considerar não ter sido ilícita a obra realizada, com tal decisão não se concorda, porque essa ilicitude de facto existiu.
N)
Apesar de segundo a sentença não estar em causa o direito da requerente, neste caso o direito pessoal de gozo da requerente relativamente aos locados arrendados por força dos três contratos livremente celebrados, tal não pode ser considerado verdade.
O)
A alteração das condições em que os locados passam a ser usufruídos, com várias divisões ou compartimentos a sofrerem significativas mudanças na sua utilização por força da anulação de luz e ventilação natural, mais ainda quando essa alteração decorre e é no interesse exclusivo da requerida, é evidentemente uma ofensa por si só a esse direito contratualizado, que ao ser concretizado de forma unilateral, concretiza-se também de forma ilícita.
P)
Ofensa a um direito constituído por força dum contrato livremente estipulado e aceite e que põe em causa o princípio da confiança e da estabilidade que está subjacente a essa realidade jurídica.
Q)
A que acresce não ser a obra uma imposição legítima de terceiros que decorresse duma imprevista, exigível e legal obrigação que por isso afetasse a recorrente no seu direito, mas aí impondo-lhe também esse sacrifício.
R)
Para além de também não ser verdade, com referido na sentença, estarem asseguradas soluções técnicas que dariam resposta a tais mudanças, aliás elas mesmas, se existissem, filhas de uma decisão unilateral e de duvidoso interesse para a requerente.
S)
Assim sendo e porque a ofensa ao legítimo e consolidado direito de gozo da requerente é evidente, concreta, não justificável e até ilícita, deveria, no respeito pelo plasmado no artº 397º do C.P.C. ter sido decretada a requerida ratificação do embargo extra judicial, concretizado, em tempo, pela requerente, agora recorrente.

Nestes termos (…) deve o presente recurso ser, nos termos do artº 397º do C.P.C., declarado procedente por provado e a sentença recorrida alterada, ratificando-se o tempestivo embargo extra judicial, como requerido.

Contra-alegou a requerida, suscitando a ampliação do objecto do recurso, e formulando a final as seguintes conclusões:

1.-A Recorrente não cumpre o ónus estabelecido no art. 640.º do NCPC, limitando-se a uma mera remissão para dois documentos juntos ao seu Requerimento Inicial, não indicando os concretos pontos que justifiquem uma decisão diferente da que foi tomada pelo M.º Juiz a quo (cfr. Ac. TRL, 18.06.2004, Proc. 5482/2004-7, in www.dgsi.pt), razão pela qual deve a referida matéria ser rejeitada não sendo analisada pelo Tribunal da Relação.
2.-A Recorrida não concorda com o entendimento da Recorrente de que deveria ter sido julgado como provado o constante do artigo 12. do Requerimento Inicial.
3.-Decorrem não só dos próprios documentos juntos pela Recorrente no seu Requerimento Inicial e que são referidos nas suas Alegações, como de outra documentação junta aos autos e dos testemunhos do Eng.º J..., que o projecto entregue na Câmara Municipal de Lisboa não omitia que as janelas do saguão iriam ser tapadas e, muito menos, que não estava prevista ventilação para a totalidade dos espaços que dela necessitam, pelo que andou bem o M.º Juiz a quo quando decidiu dar como provada a alínea 30) dos Factos Indiciariamente Provados).
4.-O Documento 4 junto com o Requerimento Inicial (fls. 48 a 56 dos autos) refere "Note-se que o saguão já está truncado em alguns pisos". Ora se se refere que está "truncado em alguns pisos" por maioria de razão se terá de entender que não o estará em todos os pisos. Pelo que não é através deste documento que a Recorrente fará a prova que deseja - até porque a mesma não corresponde à verdade.
5.-O Documento 5 junto com o Requerimento Inicial (fls. 57 a 59 dos autos) não serve para provar o que a Recorrente pretende, uma vez que decorre da referida planta (que é parte integrante do projecto entregue pela Recorrente na Câmara Municipal de Lisboa) que não existem janelas a dar para o referido saguão.

Aliás, a própria legenda das mesmas plantas refere exactamente isso:
- pág. 57 dos autos "Corte pelo saguão mostrando a intenção de fechar as janelas do 1.º e 2.º pisos e Saguão";
- pág. 58 dos autos "Planta do Piso 1 mostrando janelas do saguão fechadas para colocar elevador";
- pág. 59 dos autos "Planta do Piso 2 mostrando janelas do saguão fechadas para colocar elevador".

6.Ou seja, as referidas plantas juntas como Doc. 5 e constantes de fls. 57 a 59 dos autos comprovam exactamente o contrário do que a Recorrente quer fazer crer. De facto, as mesmas serviram exactamente para explicitar na Câmara Municipal de Lisboa quais seriam os vãos (ou janelas) que seriam afectados pelo inclusão de um elevador no saguão.
7.A Recorrente veio juntar, em sede de audiência de discussão e julgamento de dia 29.06.2016, dois documentos - a Memória descritiva das Instalações Mecânicas de Ventilação e Exaustão de Fumos e Desenho relativo às instalações mecânicas de ventilagem e desenfumagem onde também consta a eliminação das janelas do saguão, nomeadamente o referido Documento 4 prevê "dotar de sistema de extracção mecânica (...) as instalações sanitárias dos pisos 2 e 3 cujas janelas para o saguão existente serão eliminadas" (cfr. página 3 do referido documento)
8.O Documento 1 junto pela Recorrida em requerimento datado de 30.06.2016 (fls 230 e ss dos autos) "contempla as condutas de ventilação das duas instalações sanitárias e da copa adjacentes ao poço do elevador no piso 1, que não tinham sido incluídas em licenciamento, isto não existir informação quanto à função e necessidades de ventilação destes espaços nessa fase" (cfr. página 2 do projecto de alterações). Não correspondendo, pois, à verdade que a Recorrida não tenha contemplado a ventilação do 1 andar.
9.Ainda relativamente à questão da ventilação é de recordar que em sede de inspecção judicial foi observado pelo M.º Juiz a quo que os respectivos tubos de de ventilação estão já colocados no saguão, facto que também ficou comprovado pela junção de uma fotografia comprovativa desse mesmo facto (cfr. Doc. 2 junto com o requerimento de 30.06.2016).
10.Assim, não pode proceder o pedido de alteração da matéria de facto da Recorrente.
11.Por cautela de patrocínio, e sem conceder, e de forma a obstar a que a teoria vertida nas alegações da Recorrente possa proceder vem a Recorrida, nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do NCP, impugnar a não inclusão da matéria vertida no artigo 29.º da Oposição nos Factos Indiciariamente Provados.
12.Resulta das cartas trocadas entre as partes, e expressamente mencionadas nas alíneas 19) a 22) dos Factos Indiciariamente Provados, bem como da própria fundamentação da sentença que ficou claro para o Tribunal a quo, tendo a Recorrida feito a respectiva prova, de que a Recorrente teve conhecimento do início da obra dentro do saguão em Janeiro de 2015.
13.De referir, expressamente, o alegado pela própria Recorrente, na carta enviada à Recorrida, datada de 6 de Março de 2015, em que esta refere: "Enquanto inquilinos do 1.º andar direito e 2.º andar direito e esquerdo, temos vindo a acompanhar o desenvolver da obra que está a realizar no prédio da D. Pedro V."
14.De referir o testemunho do Eng.º J... que, como salienta o M.º Juiz a quo, é "engenheiro civil encarregue de fiscalizar a obra em curso no prédio dos autos" e "esclareceu com profundo conhecimento todas as obras já realizadas e as projectadas".
15.Nomeadamente nos minutos 8:40 e ao minuto 15:13 e seguintes onde tendo-lhe sido especificamente perguntado se era possível que as pessoas que utilizavam os andares em causa, nomeadamente a Recorrente, não terem visto os factos das já referidas alíneas 23) a 27) dos Factos Indiciariamente Provados acontecer, respondeu que "a obra ia sendo intrusiva, as pessoas passam, tivemos uma equipa de 30 homens, o acesso fazia-se pela escada" e "fez-se muito barulho, teve que se picar, até se partiu algumas janelas, as pessoas do 2.º andar apareceram para se queixar", "houve perturbação com o 2.º andar e com o 1.º".
16.Entende, assim, a Recorrida que deveria ser acrescentada nova alínea aos Factos Indiciariamente Provados que refira que "a Requerente (aqui Recorrente) tomou conhecimento do início da obra dentro do saguão em Janeiro de 2015".
17.Estabelece o artigo 397.º do NCPC que o prazo para interpor embargos de obra nova é de "30 dias a contar do conhecimento do facto" e a jurisprudência que "tendo o requerente do embargo de obra nova tomado conhecimento das obras (...) há mais de 30 dias em que fez entrar o embargo em juízo ou procedeu extrajudicialmente a ele, já estava caducado o direito de o fazer" (cfr. Ac. TRL, 07.05.1991, Proc. 0038341, in www.dgsi.pt).
18.Da matéria dada como provada (alínea 6) a 9) e 23) a 27)) resulta, como bem refere o M.º Juiz a quo, que o conhecimento pela Recorrente que a construção do elevador pressuporia o fecho das janelas e do topo do saguão "reporta-se, pelo menos, a momento anterior ao da reunião" de 13 de Janeiro de 2015.
19.Vem, no entanto, a Recorrente defender que apesar de ter conhecimento do início das obras no prédio, bem como da totalidade do projecto e de tudo o que o mesmo implicava, "só quando se iniciou a obra no saguão através da colocação de massas com malha de ferro que visavam a instalação do elevador referido"o seu alegado direito foi ameaçado e, consequentemente, só aí se iniciou o prazo de 30 dias para embargar a obra. No entanto e independentemente da bondade da teoria da Recorrente a verdade é que o início de obras no saguão - tal como resulta da matéria provada - não aconteceu em fevereiro de 2016, mas sim em finais de janeiro de 2015 (ver alíneas 23) a 27) da Matéria Indiciariamente Provada).
20.Ou seja, ainda que a Recorrente queira valer-se da teoria de que o prazo se contaria, apenas, do início efectivo da obra dentro do saguão a verdade é que esse mesmo início deu-se um ano antes da interposição dos embargos destes autos e ela Recorrente teve disso mesmo conhecimento (vide fls. 156/157, 158/161 e 162/163 mas também do testemunho do Eng.º J... que já foi supra mencionado - minutos 15:13 e seguintes).
21.Ou seja, a forma de agir da Recorrente não é aquela de um homem normalmente prudente, pois conforme decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça: "O homem comum, ao ver iniciar-se uma construção em terreno que entende virá à sua propriedade, procura sustá-la e propõe, tempestivamente, a acção que tem por adequada" (cfr. Ac. STJ, de 19.06.1991; BMJ, 408.º-469) (sublinhado e negrito nosso).
22.Ao não interpor os embargos no prazo de 30 dias após o conhecimento perdeu o direito de o fazer - que, conforme a Lei, caducou (cfr. Ac. TRL nº 4666/2006-8 de 06.07.2006, in www.bdjur.almedina.net e também os referenciados pela Recorrente nas suas Alegações).
23.Mesmo que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre sem conceder, sempre se dirá que, andou bem o M.º Juiz a quo quando entendeu que não estava também indiciado o requisito de ofensa do direito da Recorrente.
24.É que a execução da obra "não contende com o direito da requerente ao gozo dos locados", pois "a obra a realizar altera a estrutura do saguão, mas não afecta em nada o direito ao arrendamento. O espaço locado continua a ser o mesmo." (cfr. sentença, pág. 16).
25.De facto, e nas palavras da Relação de Coimbra, citando Alberto dos Reis, "o termo prejuízo, usado no n.º 1 do artigo 412.º CPC, abrange toda e qualquer violação do direito de propriedade, embora dessa violação não resulte prejuízo propriamente dito. O prejuízo consubstancia-se no dano jurídico, consistindo, tão-só, na ofensa do direito ou de posse, derivando, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, de posse ou de fruição" (cfr. Ac. TRC, 13.2.1996, BMJ, 454.º-809).
26.O requerente terá de alegar e provar "factos em que se traduz ou virá a traduzir a violação do seu direito, isto é, de que forma será prejudicado ou ofendido esse direito através da execução de nova obra" (Ac. RC, 2.05.2000, BMJ, 497.º-450). No caso em apreço tal não aconteceu!
27.A Recorrente alega nas suas Alegações que "a utilização do locado não deixou de poder ser continuada, a forma como tal se verificaria seria diferente relativamente a uma parte dele, em concreto nos compartimentos que dão para o saguão, que deixariam de ter como até agora ventilação e luz natural" (cfr. ponto 37. das Alegações), mas ficou provado que "em relação à eliminação da luz e ventilação natural, importa reter que estão previstas soluções técnicas que darão resposta a tais mudanças" (cfr. sentença, pág. 16).
28.Pelo que não colhe a impossibilidade de utilização dos poucos espaços servidos por janelas para o saguão, até porque a Recorrente, que não logrou provar que a luz e a ventilação directa em vários espaços que davam para o saguão contribuíram para o interesse no arrendamento dos mesmos e no definir do respectivo preço da renda (cfr. alínea ii) dos Factos não indiciados).
29.Ora "não tendo o requerente provado, como lhe competia, que a obra lhe causou ou ameaça causar qualquer prejuízo, o embargo (...) nunca podia ser decretado" (cfr. Ac. RP, 14.1.2003, in www.dgsi.pt), o que é, manifestamente, o caso!
30.A execução da obra resulta do direito de propriedade da Recorrida e, de forma nenhuma, esse direito e a respectiva obra colide com o direito da Recorrente em gozar os locados - tal facto não é ilícito e, como tal e em consequência, não há qualquer violação do direito da Recorrente, pelo que também por aqui terá de improceder o recurso da Recorrente.
31.Por cautela de patrocínio tal como alegado já na Oposição aos Embargos, e nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do NCPC, vem a Recorrida, subsidiariamente e prevenindo, assim, a necessidade ulterior de apreciação, requerer a análise da desproporcionalidade entre prejuízo da Recorrente e da Recorrida, uma vez que tendo entendido não estarem reunidos os pressupostos para decretação da providência não ter sido necessário ao M.º Juiz a quo essa mesma análise. Vejamos:
32.Terá sempre de se entender que, no caso exdrúxulo de se decidir estarem verificados todos os requisitos para a decretação dos embargos, o que não deixamos de repetir, apenas por cautela de patrocínio concebemos, sempre sem conceder, estamos perante uma desproporcionalidade entre esse alegado prejuízo da Recorrente e os prejuízos da Recorrida.
33.De facto os prejuízos da Recorrida estão indiciariamente provados (vide alínea 31) a 35) dos Factos Indiciariamente Provados), enquanto que não resultaram provados quaisquer prejuízos da Recorrente.
34."A providência só pode ser decretada se não impuser ao requerido um sacrifício desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente deseja acautelar ou tutelar provisoriamente (art. 368.º, n.º 2). Isto é: a desvantagem imposta ao requerido com o decretamento da providência não pode ser desproporcionada em relação à vantagem que o requerente retira desse decretamento. Portanto, um interesse pouco relevante do requerente não pode ser acautelado através da afetação de um interesse muito relevante do requerido", sendo aqui justamente o caso.
35.Nos termos do artigo 368.º, número 2, do NCPC, aplicável ex vi do artigo 376.º do mesmo Código, "a providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar".
36.Mesmo que assim não se entenda o que novamente por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre sem conceder, enquanto a Recorrente pretende com os embargos acautelar a protecção do seu alegado direito de gozo a 3% do local arrendado, como já foi supra referido a Recorrida pretende acautelar o seu direito de gozo da sua propriedade e daquela que foi a sua casa nos últimos 30 anos - estando-se portanto perante uma grande desproporcionalidade.
37.Pelo que, também por aqui, teria sempre de improceder o presente recurso apresentado pela Recorrente.

Respondendo às contra-alegações de recurso, no que tange à pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, formulou a requerente as seguintes conclusões:
A) A recorrida pretende que seja dado como provado na sentença que “ a Requerente tomou conhecimento do início da obra dentro do saguão em Janeiro de 2015”;
B) O tribunal a quo esteve bem ao não dar como provado tal facto;
C) A recorrente ter tido, eventualmente, conhecimento do início de obras no saguão, o que não se concede, não permite concluir que essas obras ou esse conhecimento fosse relativo à parte das obras do saguão relacionadas com a instalação do elevador e consequente tapamento das janelas e topo do saguão, que aliás só se verificaram em 2016.
D) O que a recorrente não aceita e não é possível dar como provado, como o fez e bem a sentença recorrida, é que soubesse que se teriam iniciado obras relativas à instalação do elevador e concretamente os tapamentos referidos, até pela simples razão de que tal não era exequível pois existiu durante mais de um ano após a sua instalação, uma grua plantada no interior do saguão, como prova o doc. 1 junto com a resposta do requerente à oposição da requerida (mail enviado pela arquiteta Manuela Cardote da empresa construtora com a informação da colocação de uma grua em 22 de Março de 2015).
E) Para além da sentença ter sido dado como provado no seu ponto 11 “ Na primeira semana de Fevereiro de 2016 foram iniciadas obras no saguão, nomeadamente a colocação de massas com malha de ferro que visam a instalação do elevador acima referido”, o que prova claramente que em janeiro de 2015 não terão sido iniciadas essas obras.
F) Esteve bem, por isso, a sentença ao não ter incluído tal matéria factual, nos factos dados como provados e agora alvo de recurso pela recorrida.
Nestes termos (…) não deve proceder por não provado o pedido da recorrida de, alterando a sentença, ser dado como provado que “ A Requerente tomou conhecimento do início da obra dentro do saguão em Janeiro de 2015”.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II.-Direito.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação e da contra-alegação, vista a pedida ampliação do objecto do recurso, as questões a decidir são:

No recurso:

A-Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que toca ao artigo 12º do requerimento inicial – “Circunstância inclusivamente omitida no projecto apresentado e entretanto aprovado” – cuja inclusão na matéria provada levará ainda à alteração parcial do facto provado nº 30 – “A ventilação dos espaços cujas janelas serão fechadas está assegurada no projecto aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa” – nos termos propostos pelo recorrente – “A ventilação de alguns espaços cujas janelas serão fechadas, concretamente as ISs do 2º andar, está assegurada no projecto aprovado na Câmara Municipal de Lisboa”;
B-Da tempestividade do procedimento cautelar;
C-Da ofensa ao direito da recorrente.
Na ampliação do objecto do recurso:
D-Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pretendendo-se que se dê como indiciariamente provado que “a Requerente (aqui Recorrente) tomou conhecimento do início da obra dentro do saguão em Janeiro de 2015";
E-Do prejuízo resultante do decretamento da providência exceder consideravelmente o dano que com a mesma providência se pretende evitar.

III.-Matéria de facto.

A matéria de facto que o tribunal recorrido considerou foi a seguinte:

“A-Factos indiciariamente provados.
Após a produção de prova, o tribunal considera indiciariamente provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

Do requerimento inicial:

1)A requerente, C... Lda., celebrou com a requerida, M..., três contratos de arrendamento relativos ao 1º andar direito, 2º andar direito e 2º andar esquerdo do prédio sito no n.º ... da Rua D. ... ..., em Lisboa.
2)Tais arrendamentos destinam-se, nos termos desses contratos, a escritórios, exercício de profissões liberais, exploração de serviços vários com cedência onerosa de espaços, galerias de arte, com a possibilidade de instalação de sedes sociais.
3)Ao arrendatário era, desde logo, autorizado à realização de todo o tipo de obras, incluindo, entre outras, a ligação ou interrupção de ligação entre as fracções.
4)O 1.º e o 2.º andar direitos têm salas, corredores, copa e wcs que dão para o saguão do prédio.
5)A existência do saguão, com abertura no topo, permite que através das janelas existentes, esses compartimentos usufruam de ventilação e luz natural.
6)Em Dezembro de 2014, foram iniciadas obras de recuperação das partes comuns do prédio onde se localizam os locados, ampliação do mesmo e obras inovatórias de beneficiação das fracções não arrendadas pela requerente.
7)Obras essas executadas pela 2.ª requerida.
8)No saguão do prédio, para além das obras de recuperação, foi planeado a instalação de um elevador de uso exclusivo do 3.º e futuro 4.º andares ou águas-furtadas.
9)A requerente quando teve conhecimento desse projecto, através da consulta na C.M.L., ficou a saber não só da instalação do elevador no saguão, mas também dos pressupostos da aprovação camarária e respectiva forma de concretização do mesmo.
10)Percebeu que a instalação do elevador iria, conforme o projectado, tapar as aberturas onde estavam instaladas as janelas de vários espaços dos andares arrendados, bem como o topo do saguão.
11)Na primeira semana de Fevereiro de 2016 foram iniciadas obras no saguão, nomeadamente a colocação de massas com malha de ferro que visam a instalação do elevador acima referido.
12)E foi começado a ser tapado, através de colocação de telhado definitivo na abertura do topo do saguão referido e que permitia a entrada de luz bem como a respectiva ventilação.
13)No dia 05 de Fevereiro de 2016, a arquitecta responsável pela execução da obra, M..., confirma à requerente que a instalação do elevador estava em curso.
14)Nesse dia e na presença C... e do Ilustre Mandatário da requerente, os legais representantes desta notificaram verbalmente a arquitecta para suspender as obras.
15)O saguão existente no prédio decorre da arquitectura típica da época em que foi construído.
Da oposição
16)Com data de 08 de Abril de 2016, a 1.ª requerida remeteu à requerente a carta constante de fls. 140 e ss. pela qual comunica a resolução dos contratos de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas devidas desde Janeiro de 2014.
17)No dia 13 de Janeiro de 2015, foi realizada uma reunião de coordenação de obra onde esteve presente o gerente da requerente, J...
18)Nessa reunião e conforme resulta da acta junta a fls. 169 a 173 "o Arq.º J..., inquilino de parte do 1º e 2.º andares, veio manifestar a sua oposição ao facto de nesta obra estar prevista a ocupação do saguão com consecutivo encerramento das janelas", os restantes presentes "tentaram apresentar e justificar as razões da solução, contudo e não havendo da parte do DO abertura para repensar a solução, o inquilino informa que vai avançar por via judicial de forma a impedir a realização da obra.”.
19)No dia 16 de Janeiro de 2015, a requerente enviou uma carta à representante da Requerida onde afirma que "tendo tomado conhecimento das obras que a sua representada, D.ª M..., pretende efectuar no referido prédio, vimos informar que não podemos aceitar a ocupação proposta para o saguão, ou seja, a instalação de um elevador com a consequente eliminação das janelas que servem os andares de que somos inquilinos".
20)Mais referindo que "caso esta obra viesse a ser executada, seriamos gravemente afectados nos nossos direitos consagrados no Código Civil", concluindo que, no caso, avançariam para uma acção de defesa da posse, bem como "de contestar a duvidosa aprovação Camarária do projecto atendendo à ocupação do saguão".
21)À referida carta respondeu a requerida, através da sua representante legal, em carta datada de 9 de Fevereiro de 2015, onde presta os esclarecimentos constantes de fls. 158 a 161.
22)Em resposta à referida carta de 09 de Fevereiro, a requerente enviou nova carta à Requerida onde reiterou nos termos constantes de fls. 162/163: "tudo o que transmitimos quanto às obras que pretende efectuar no saguão", bem como referiu que "decorridos mais de 3 meses as condições de habitabilidade no prédio têm sido difíceis de suportar. O ruído, sujidade, arejamento, insalubridade, situações perigosas, segurança das instalações, devasse visual e tapar de vistas têm sido permanentes".
É ainda dito que "não existe no nosso regime jurídico, em nenhuma das versões ou redações, qualquer relação entre a profundidade dos edifícios e a dimensão/existência de saguões".
"Tanto no RSEU de 1903 como no RGCUCL de 1930, a dimensão/existência dos saguões está relacionada com o tipo de compartimento deles dependente e com a altura do edifício.
Em qualquer caso, nos termos da atual legislação, aplicável a esta intervenção de reabilitação, os diversos compartimentos dependentes do saguão - arrumos, casas de banho, corredores - não têm que ser iluminados e ventilados naturalmente, podendo ser iluminados e ventilados por sistemas mecânicos e elétricos.".
E "a adaptação dos fogos 1.º e 2.º andar, para que tivessem acesso através do elevador, implicaria alterações significativas no interior dos mesmos o que não corresponde aos objectivos e possibilidades do dono de obra, dada a sua actual ocupação. No entanto, essas alterações serão possíveis no futuro, garantindo o acesso de todos os pisos através do elevador."
É referido "no âmbito dos estudos de diagnóstico, realizados ao estado de conservação e estabilidade do prédio, foram detetadas graves patologias, diretamente relacionadas com obras realizadas, há alguns anos, pelo inquilino do 1.º e 2.º andar. A grande maioria das fragilidades estão, diretamente, relacionadas com a remoção de inúmeras paredes estruturais do edifício."
E, ainda, que "Face às preocupantes conclusões, dos referidos estudos, tornou-se premente avaliar em que medida seria possível dar início ao reforço estrutural do prédio. Para o efeito, foi necessário considerar a contigência de parte do 1.º andar e totalidade do 2.º andar estarem ocupados.
Desse modo, optou-se por melhorar as condições de segurança através do reforço estrutural do único vínculo vertical ainda existente para além das escadas - o saguão, e, bem assim, consideração do problema na substituição da esteira do edifício."
23)A escavação para execução da sapata para a caixa do elevador dentro do saguão iniciou-se no final de Janeiro de 2015 e prolongou-se durante todo o mês de Fevereiro de 2015.
24)Na primeira semana de Março de 2015, procedeu-se à montagem da armadura, tendo a betonagem sido feita na semana de 10.03.2015.
25)Na semana de 24.03.2015 foi colocada a primeira malha de ferro no saguão, até ao piso 1 e na semana seguinte fez-se até ao piso 2, tudo como resulta da Ata número 18, datada de 24.03.2015.
26)A colocação da malha de ferro no 3 piso iniciou-se na semana de 07.04.2015.
27)Na cobertura do saguão a viga de coroamento do topo das paredes fez-se na semana de dia 07.07.2015.
28)A área total arrendada pela Requerente à Requerida é de cerca de 1200 m2, correspondentes a cerca de 800 m2 no 2.º andar e 400 m2 no primeiro
29)O saguão tem cerca de 9m2 e os andares perto de 4 metros de pé direito.
30)A ventilação dos espaços cujas janelas serão fechadas está assegurada no projecto aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa.
31)A 1.ª requerida sempre viveu no terceiro andar do prédio em questão.
32)Nos últimos anos, com o avançar da sua idade e com problemas de saúde, tornou difícil a subida e descida dos lances de escada que a levam ao terceiro andar.
33)A construção do elevador permitirá à 1.ª requerida viver no 3.º andar do prédio.
34)A não conclusão das obras de construção do elevador implicarão que a mesma tenha que permanecer na casa que arrendou para viver no decurso das referidas obras.
35)A renda de tal casa é de 1.400 Euros mensais.

B-Factos não indiciados.

Para além dos factos acima expostos não se provou nenhum outro facto.
i) Não resultou indiciado que foi omitido no projecto apresentado e aprovado que a instalação do elevador levaria ao fechamento das janelas e do topo do saguão.
ii) Não resultou indiciado que a luz e a ventilação natural directa em vários espaços que davam para o saguão contribuíram para o interesse no arrendamento dos mesmos e no definir do respectivo preço da renda.
iii) Não resultou indiciado que as áreas totais afectadas pelo fecho de janelas para o saguão correspondem tão só a menos que 20m2 em cada um dos referidos andares (17,76m2 num e 19,59m2 noutro).

IV.-Apreciação.

Questão A:

Invoca-se nas contra-alegações que a recorrente não deu cumprimento aos ónus previstos no artigo 640º do CPC, pois se limitou a remeter para a análise de dois documentos, dos quais não resulta, aliás, a sua pretensão.

A decisão consignou, em termos de fundamentação da sua convicção, na seguinte prova documental: memória descritiva de fls. 48 a 56 e plantas de fls. 57 a 59; fotos de fls. 60 a 62; contratos de fls. 63 a 80; notificação de fls. 140 a 143; carta de fls. 156 a 157, 158 a 161, 162/163; email de fls. 164/165, 215; actas de fls. 169 a 173, 177 a 183, 225 a 228; caderneta predial a 216 a 218; fotos de fls. 232 e 233; projecto de fls. 234 a 246, 254/255; fotos de fls. 256/257; plantas de fls. 261 e 265 e ss. Baseou-se ainda o tribunal no depoimento de C..., secretária da requerente, S..., nora da requerida, J..., engenheiro civil encarregue de fiscalizar a obra em curso, e nas declarações do legal representante da requerente. E consignou ainda que “A inspecção ao local foi importante para apreciar a configuração do espaço, confirmando as plantas de fls. 58 e 59 e o estado actual das obras”.

Numa identificação mais concreta da motivação, o tribunal recorrido adiantou que “A colocação da ventilação foi referida pela testemunha J... e consta da memória descritiva de fls. 28 e ss e do projecto de fls. 230 e ss. No local já se encontra instalada parte da tubagem que vai ser utilizada de futuro para ventilar os espaços locados”.

Considerando ainda que nos factos não indiciados i) se consignou “Não resultou indiciado que foi omitido no projecto apresentado e aprovado que a instalação do elevador levaria ao fechamento das janelas e do topo do saguão”, o tribunal indicou também como fundamentação deste juízo que “O facto i) é negado pela memória descritiva junta com o requerimento inicial, onde se lê que a construção do elevador levará ao tapamento do saguão”.

A recorrente pretende que se dê como provado que no projecto apresentado à Câmara Municipal de Lisboa e entretanto aprovado, foi omitida a circunstância referida no artigo 11º do requerimento inicial, isto é, que a instalação do elevador iria, conforme o projectado, tapar as aberturas onde estavam instaladas as janelas de vários espaços dos andares arrendados, bem como o topo do saguão, e que até agora permitem neles usufruir de luz e ventilação natural. Trata-se pois do contrário do que ficou não provado em i).

E mais pretende que, na procedência, então se restrinja o facto provado 30 - A ventilação dos espaços cujas janelas serão fechadas está assegurada no projecto aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa – para “A ventilação de alguns espaços cujas janelas serão fechadas, concretamente as ISs do 2º andar, está assegurada no projecto aprovado na Câmara Municipal de Lisboa”, ou seja, que apenas as janelas correspondentes às instalações sanitárias do 2º andar têm a ventilação assegurada no projecto.

No fundo trata-se de saber se o projecto não mencionava o tapamento do topo do saguão e das aberturas onde estavam as janelas dos locais arrendados que davam para o mesmo saguão. Sendo que o tapamento do topo do saguão elimina a luz e a ventilação natural, pergunta-se no fundo também se o projecto mencionava forma de ventilação alternativa para todos os espaços dos locais arrendados que davam para o saguão, ou só para os espaços nesses locais que eram utilizados como instalações sanitárias do 2º andar.

Em ambos os casos estamos apenas a inquirir o que é que mencionava o projecto. Assim sendo, não é o facto da convicção ter sido formada através de diversos elementos de prova que implica o incumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do CPC: ou seja, se a resposta vai ser dada apenas com base num documento existente nos autos, então o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto não tem mais que reportar-se a esse documento, nas alegações e nas conclusões do recurso. É assim admissível a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Lida a memória descritiva, nela encontramos menção a que “A integração no saguão é muito menos intrusiva, para além de ser completamente reversível. Para além disso, o saguão já está truncado em dois pisos e apenas dependem do saguão para iluminação, algumas IS’s que passarão a ser ventiladas mecanicamente. Nessa fase o elevador apenas servirá o 3º e 4º pisos. (…)”.

Donde, não há menção ao fecho de janelas, sem embargo de não se saber que aberturas já estão truncadas. Há menção implícita ao fecho do topo do saguão, na medida da conclusão da necessidade de ventilação mecânica: porque o topo será fechado, será impedida a ventilação natural. Não há menção ao tipo de cobertura do topo, pelo que não ficaria logo claro que a iluminação fosse eliminada. Porém, do projecto de arquitectura a fls. 57, combinado com a afirmação de que o elevador apenas servirá o 3º e 4º pisos, resulta claro que as aberturas que dão para o saguão serão tapadas e simultaneamente que o topo do saguão será também tapado de modo que eliminará a iluminação natural. De resto, é isto mesmo que resulta dos factos provados 9 e 10, pois a recorrente apercebeu-se do fecho das janelas e topo do saguão a partir do projecto. Se a recorrente se apercebeu, também a Câmara Municipal podia aperceber-se. Portanto, não ocorre a omissão referida no artigo 12º do requerimento inicial.

Por outro lado, é verdade que na planta de fls. 58 (1º piso) não está desenhada qualquer instalação sanitária com janela que dê para o saguão, o que só sucede na planta do 2º andar. Donde, a referência na memória descritiva à ventilação mecânica destas instalações. E tanto assim é que, a fls. 255, sob o assunto “Alterações ao projecto de Instalações, Equipamentos e Sistemas de Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado” se refere que em fase de licenciamento, “não existia ainda informação rigorosa relativamente à funcionalidade dos espaços adjacentes ao poço do elevador no piso 1. Tendo sido assente, posteriormente, que estes espaços serão duas instalações sanitárias e uma copa, verificou-se a necessidade de prever a sua ventilação mecânica, de modo a assegurar a adequada qualidade do ar interior, remoção de odores e humidade”.

É verdade que inicialmente não estava desenhada a existência de instalações sanitárias no 1º piso, mas não é verdade, por força de fls. 255, que se tenha de restringir o facto nº 30, precisamente porque se trata do projecto inicial ter sido alterado – em suma, estamos a falar do projecto, quer inicial quer alterado, aprovado pela Câmara – ou seja, em rigor, de estar efectivamente assegurada a ventilação dos espaços dos locais arrendados cujas aberturas para o saguão serão fechadas.

Improcede assim a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Questão B:

A recorrente não se conforma com a decisão que considerou extemporâneo o embargo, baseada, e citamos a decisão recorrida, em que: “O prazo de trinta dias começa a contar-se a partir do momento em que o titular do direito tenha conhecimento do facto, isto é, a partir do conhecimento de que a obra é lesiva do seu direito ou de que o iria prejudicar (consubstanciado no conhecimento da verificação do dano ou do perigo da sua ocorrência – neste sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 232). (…)

Ora, como resulta do requerimento inicial, é a própria requerente que alega que:
“Quando teve conhecimento desse projeto, através da consulta na C.M.L., ficou a saber não só da instalação do elevador no saguão, mas também dos pressupostos da aprovação camarária e respetiva forma de concretização do mesmo.” e que “Concretamente, percebeu que a instalação do elevador iria, conforme o espaços dos andares arrendados, bem como o topo do saguão, e que até agora permitem neles usufruir de luz e ventilação natural.”.

Como resulta da acta da reunião de 13.01.2015, a requerente, pela voz do seu legal representante, manifestou claramente a sua oposição à obra em causa. O mesmo chega a referir que vai avançar para a via judicial para evitar a obra (e que virá a fazer com o presente procedimento em Fevereiro de 2016).

As comunicações de 16.01.2015, 09.02.2015 e 06.03.2015, trocadas entre as partes, têm todas como tema principal a construção do elevador no saguão.

O fecho das janelas e do topo do saguão foi amplamente discutido, como se alcança das comunicações elencadas em 19) a 22).

Não pode deixar de se concordar com as requeridas quando referem que a requerente tinha conhecimento que a construção do elevador pressuporia o fecho das janelas e do topo em momento muito anterior ao da realização do embargo extrajudicial. Já nessa altura, a requerida sabia dos efeitos que tal acarretaria nos locados.

E tal conhecimento reporta-se, pelo menos, a momento anterior ao da reunião supra referida.

E assim sendo, importa concluir que o procedimento é extemporâneo, por ter sido excedido o prazo de 30 dias estabelecido no art. 397.° n.º 1 do CPC, pelo que por esta razão tem o presente procedimento cautelar especificado de improceder”

A recorrente argumenta que “sabia desse projeto e sempre o afirmou, no entanto sempre quanto a isso se manifestou contra caso essa parte específica da obra viesse a ser concretizada, com decorre dos factos dados como provados, como também, em Fevereiro de 2016, assim que teve conhecimento do início do tapamento, no caso do topo do saguão e da iminência dessa concretização no caso das janelas, embargou extra judicialmente na pessoa da responsável da obra que confirmou essa realidade, cumprindo assim o prazo de tinta dias referido”. De resto, “J) Esse prazo, nos termos da totalidade da jurisprudência consultada e da melhor interpretação da lei, concretamente do artº 397º do C.P.C., deverá ocorrer e ser contado após a obra concreta que se pretende embargar, in casu tapamento das janelas servidas pelo saguão e topo do desse saguão, for evidente que será concretizada e não quando dela teve conhecimento por um projeto ou mera intenção declarada, mais ainda quando se trata duma obra muito mais vasta”. Donde, “(…) o requerimento do presente procedimento cautelar ao ter sido proposto antes do prazo de trinta dias após o conhecimento, em fevereiro de 2016, da requerente do início da obra de tapamento das janelas e topo do saguão, deveria ter sido considerado (…) em tempo (…)”.

Em suma, trata-se de saber se o facto que ofende o direito do embargante, cujo conhecimento é termo inicial da contagem do prazo previsto no artigo 397º nº 1 do CPC, é, no caso dos autos, o anúncio da obra ou o seu início.
 
É certo que a obra projectada é muito mais ampla do que a simples instalação do elevador no saguão. É certo que há uma diferença entre o anúncio de uma obra que tem potencialidade lesiva, o projecto, o licenciamento da obra, e o efectivo início de construção dessa mesma obra, e que de facto também o que está em causa não a obra na sua totalidade, mas a parte da obra que tem a potencialidade lesiva do direito do embargante.

Simplesmente, e tomando as próprias palavras da recorrente – “for evidente que será concretizada” - os factos provados e nesta parte não impugnados, dizem-nos:

11)Na primeira semana de Fevereiro de 2016 foram iniciadas obras no saguão, nomeadamente a colocação de massas com malha de ferro que visam a instalação do elevador acima referido.
12)E foi começado a ser tapado, através de colocação de telhado definitivo na abertura do topo do saguão referido e que permitia a entrada de luz bem como a respectiva ventilação.
23)A escavação para execução da sapata para a caixa do elevador dentro do saguão iniciou-se no final de Janeiro de 2015 e prolongou-se durante todo o mês de Fevereiro de 2015.
24)Na primeira semana de Março de 2015, procedeu-se à montagem da armadura, tendo a betonagem sido feita na semana de 10.03.2015.
25)Na semana de 24.03.2015 foi colocada a primeira malha de ferro no saguão, até ao piso 1 e na semana seguinte fez-se até ao piso 2, tudo como resulta da Ata número 18, datada de 24.03.2015.
26)A colocação da malha de ferro no 3 piso iniciou-se na semana de 07.04.2015.
27)Na cobertura do saguão a viga de coroamento do topo das paredes fez-se na semana de dia 07.07.2015.

A fórmula do facto provado nº 11 – foram iniciadas obras – poderia fazer pensar numa contradição com as datas constantes dos factos provados 23 a 27. Porém, a mesma não existe, pois que no facto provado nº 11 se nomeia – nomeadamente – isto é, se concretiza, qual foi o início de obra então feito: a colocação das massas, não propriamente com malha de ferro, mas na malha de ferro que já fora instalada em Março e Abril de 2015 (factos 25 e 26). Por outro lado, sabendo a requerente que o projecto previa a instalação de um elevador no saguão, quando em final de Janeiro de 2015 se escava para execução de sapata para a caixa do elevador, quando em Março de 2015 se procede à montagem da armadura e betonagem é feita na semana seguinte, estes trabalhos seguramente lhe indiciariam o início da construção que tinha potencialidade lesiva do seu direito. E, mesmo que assim não seja, então quando no final de Março de 2015 é colocada malha de ferro até primeiro piso, na semana seguinte até ao segundo, é patente que a requerente podia já constatar a afectação da visibilidade das suas janelas, e com toda a razoabilidade, podia prever que essa malha que estava a ser colocada frente às suas janelas, iria servir para suster as massas que sim, finalmente, lhe impediriam completamente a visibilidade/iluminação e a ventilação.  

Quer isto dizer que, mesmo que se aceitasse que o facto relevante para contagem do prazo é o início de construção da obra concretamente com potencialidade lesiva, sempre os factos demonstram que o prazo de trinta dias sobre o conhecimento de execução de trabalhos da obra concreta, e execução de trabalhos em termos tais que levem à conclusão de que a obra se vai concretizar, havia sido ultrapassado, pelo menos desde Agosto de 2015 em vista do embargo extra judicial feito em 5.2.2016 e da interposição do presente procedimento em 10.3.2016: executada a sapatada, armada e betonada, colocada a malha até ao segundo andar e colocada a viga de coroamento do topo das paredes, superiormente à qual ficaria o tecto que cobriria o saguão, a probabilidade de concretização da obra que lesaria o direito da embargante era particularmente forte. Não pode a recorrente escudar-se no início da aplicação das massas, para concluir que só então se iniciou a obra que violaria o seu direito, até pela razão óbvia que se as massas não tivessem uma malha metálica onde serem colocadas, não se sustentariam por si.

Improcede assim esta questão, e em consequência fica prejudicado o conhecimento da questão C e das questões invocadas na ampliação do objecto do recurso.

Diga-se por fim, que mesmo que assim não fosse, também a recorrente não teria razão no que toca à questão C, pois, não se aderindo sem mais à tese de que o espaço não foi afectado e portanto não havia ofensa – e é nisto que está a ilicitude – do direito, antes propondo uma valoração concreta do espaço através das suas condições de utilização enquanto pressuposto da vontade de arrendar, a verdade é que os autos não demonstram concretamente que as condições de iluminação e ventilação natural tivessem sido essenciais à vontade de arrendar, justamente pela comparação entre as áreas totais do arrendamento e as áreas afectadas: nenhum arrendatário normal, mesmo tendo em atenção o fim do arrendamento, teria considerado como absolutamente essencial para a sua vontade de arrendar a iluminação e ventilação natural dum espaço muito reduzido da área arrendável que de resto já era apenas iluminado e ventilado por um saguão, cuja abertura se situava respectivamente a 12 e a 8 metros acima do 1º e do 2º piso.

Tendo decaído no recurso, é a recorrente responsável pelas custas - artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.-Decisão.

Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.



Lisboa, 27.10.2016



Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Fátima Galante
Decisão Texto Integral: