Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25924/15.7T8LSB-A.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: RESPONSABILIDADE DAS CUSTAS
DISPENSA OU REDUÇÃO DA TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
REGRAS ESPECÍFICAS DO CIRE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Decisão: IMPROCEDENTE O PEDIDO DE REFORMA
Sumário: 1–O pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado a final e decidido no último grau de jurisdição, compreendendo toda a tramitação.

2–A apreciação da dispensa ou da redução do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser feita relativamente a cada sujeito processual.

3–Nos termos do art. 303º do CIRE, os apensos “naturais” do processo de insolvência, bem como todos aqueles em que as custas (pela regra da causalidade) tenham de ficar a cargo da massa, não têm, para efeitos de custas em sentido amplo, autonomia, em relação ao processo de insolvência, dado que realizam as finalidades próprias do referido processo.

4–A atividade de reclamação de créditos em processo de insolvência é consequência legal da declaração de insolvência, podendo os créditos ser reconhecidos sem sequer serem reclamados e constituindo o direito de impugnação uma manifestação do exercício do contraditório, sendo do interesse comum prosseguido pelo processo que todo o passivo seja verificado e discutido com as garantias proporcionadas pela tramitação prevista.

5–A verificação do passivo em processo de insolvência não é uma espécie processual sujeita a custas, pelo que não são devidas, em geral, nem a taxa de justiça relativa ao impulso processual, nem o respetivo remanescente.

6–Os recursos têm tributação própria e são processos autónomos, consubstanciando a interposição de recurso um impulso processual distinto do da ação em que é proferida a decisão recorrida.

7–Se o tribunal no acórdão proferido, se pronunciou sobre as custas devidas e, embora sem referir o art. 6º nº7 do RCP, considerou satisfeito o pagamento de taxa de justiça devida pelo impulso processual com o pagamento já efetuado, apontou não terem ocorrido encargos e, fundamentando, condenou a recorrente que decaiu apenas no pagamento das custas de parte devidas foi já dispensado pagamento da taxa de justiça remanescente devida na instância de recurso.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório


Por acórdão de 12/07/2022 foi decidido, por unanimidade, julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos da sentença de verificação e graduação de créditos proferidos em apenso de reclamação de créditos por apenso ao processo de liquidação judicial de instituição de crédito de Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal.

Notificada veio a apelante SL, S.A. requerer a reforma do Acórdão, nos termos do disposto no art. 616º, nº1, aplicável ex vi art. 666º do CPC, requerendo a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º nº7, 2ª parte, do Regulamento das Custas Processuais.

Alega em síntese, ser o presente momento – antes do trânsito em julgado da decisão proferida – de acordo com a jurisprudência fixada pelo AUJ 1/2022, de 03/01/2022, o adequado para requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.

Considerando a condenação em custas proferida pelo tribunal, o valor do recurso por si indicado de € 21.042585,58 e ainda o valor inicial da reclamação de créditos de € 164.693.754,82 é aplicável o remanescente da taxa de justiça, razão pela qual requer expressamente a sua dispensa, invocando que ambos os critérios previstos no nº7 do art. 6º se encontram preenchidos dado que o recurso em causa envolveu um nível não relevante de complexidade e o recurso teve motivo válido e justificado e a aplicação do valor relativo ao recurso ou mesmo à reclamação, seriam desproporcionais e a conduta processual da recorrente foi de diligência e colaboração com o tribunal.

Foram colhidos os vistos e designado dia para a conferência.

Cumpre apreciar, ponderando que os arts. 615.º e 616.º e do CPC, se aplicam à 2ª instância, nos termos do disposto no art. 666.º nº1 do mesmo diploma.
*

2.–Fundamentação

A.–De facto

Com relevância para a decisão do incidente de reforma resultam dos autos os seguintes factos (processuais):
1–SL, S.A. reclamou créditos, nos termos dos arts. 128º e ss. do CIRE, por apenso ao processo de liquidação judicial de Banque Privée Espírito Santo, S.A. – Sucursal em Portugal.
2–O liquidatário Judicial, na relação prevista no art. 129º do CIRE, não reconheceu o crédito reclamado, reconhecendo apenas um crédito privilegiado de €185,58.
3–SL, S.A. impugnou o não reconhecimento dos créditos por si reclamados, pedindo o reconhecimento de créditos no valor de € 21.042.585,58 por obrigações contraídas em Portugal e de créditos no valor de € 143.649.905,48, por obrigações contraídas fora de Portugal (requerimento refª 21448056, de 29/12/2015).
4–Por despacho proferido em 28/08/2018 o tribunal de 1ª instância julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo Liquidatário Judicial e julgou não verificado um crédito no montante de €143.649.905,48, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para apreciação do crédito reclamado e não reconhecido de € 21.042.585,58 em relação ao qual foi foram selecionados os temas da prova (despacho saneador de 28/08/2018, ref.ª nº 379087593).
5–A decisão referida em “4” não condenou qualquer dos intervenientes, nomeadamente a ora requerente, em custas.
6–A decisão referida em “4” transitou em julgado.
7–Por sentença de 14/12/2020, o tribunal de 1ª instância julgou a impugnação deduzida por SL, S.A. integralmente improcedente, julgando não verificado o crédito reclamado pela mesma (sentença de 14/12/2020, refª nº 401321276).

8–Da sentença referida em “7” consta a seguinte decisão quanto a custas:
“Nos termos do disposto no art. 303º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
Assim, não há lugar a custas.”

9–Inconformada apelou SL, S.A., pedindo a alteração da decisão sobre matéria de facto e a revogação e substituição da decisão por outra que julgue verificados os créditos por si reclamados, juntando comprovativo do pagamento da taxa de justiça e indicando como objeto do recurso a decisão de não reconhecimento de créditos no valor de € 21.042.585,58 (requerimento ref.ª 37903514 de 02/02/2021).

10–Por acórdão de 12/07/2022 foi julgada improcedente a apelação interposta por SL, S.A., correspondente ao recurso 1.7., e à impugnação nº 53, mantendo-se na íntegra a decisão de não verificação do crédito por esta reclamado.

11–Na fundamentação do acórdão foi consignado:
“Os apelantes, porque vencidos, suportarão integralmente as custas dos respetivos recursos que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostram pagas as taxas de justiça devidas pelo impulso processual dos recursos e estes não envolveram diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil”

12–No acórdão referido em “10” e “11” foi proferido o seguinte segmento decisório quanto a custas:
“Custas de parte na respetiva instância recursiva pelos recorrentes:
(…)
- SL, S.A.
Notifique.”

13–A ora requerente SL, S.A. não interpôs recurso do acórdão referido em “10” e “11”.
*

B.–De direito
A requerente e apelante veio requerer a reforma do acórdão proferido nos autos pedindo a prolação de decisão de dispensa do remanescente da taxa de justiça, antes de integralmente decorrido o prazo de que dispunha para interpor recurso do mesmo.

Apreciando:
Nos termos do disposto no art. 666º nº1 do CPC é aplicável à 2ª instância o disposto nos arts. 613º a 617º do mesmo diploma.
E, nos termos destes preceitos, proferida a sentença fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa, sendo-lhe, porém, lícito, retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos legalmente previstos nos arts. 614º a 616º do CPC.

Por sua vez o art. 616º do CPC prevê a possibilidade de reforma quanto a custas e multa, nos nºs 1 e 3 e, no nº2, esta limitada aos casos em que não caiba recurso da decisão, a possibilidade de qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz «a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; ou b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.»

No caso concreto é pedida a reforma do acórdão quanto a custas, em concretização da posição consagrada no AUJ nº 1/2022, de 03/01/2022, no qual, pondo fim a uma divergência de posições quanto à oportunidade temporal da formulação do requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, se fixou jurisprudência nos seguintes termos: A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.[1]

Nos termos do disposto no art. 6º nº7 do RCP, na sua versão atual, «7-Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.»

Trata-se de decisão que deve ter lugar “com a decisão que julgue a ação, incidente ou recurso e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, apenas podendo ocorrer posteriormente nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene nas custas (cf. artigo 616.º do CPC), mas sempre antes da elaboração da conta.”[2]

No caso concreto, atento o processado dos autos descrito na fundamentação de facto – e acrescentando-se que nenhum dos recursos interpostos da decisão cuja reforma é ora pedida tem por objeto o segmento quanto a custas – o pedido formulado é tempestivo e foi formulado pela forma legalmente prevista, pelo que dele cabe conhecer.

Há também que determinar a amplitude do conhecimento do pedido formulado, que, à cautela, invoca todos os valores hipoteticamente em causa, na reclamação de créditos, na impugnação e no próprio recurso versus o decaimento que sofreu.
Nos termos do art. 1º, nºs 1 e 2 do RCP, todos os processos estão sujeitos a custas considerando-se como processo autónomo cada ação execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, desdeque o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.»

Os recursos têm tributação própria (cfr. art. 6º nº2 do RCP e Tabela I-B) e são assim, processos autónomos. Como se referiu no Ac. TRL de 26/05/2022 (Cristina Lourenço)[3] “Traduzindo a interposição de recurso um impulso processual distinto da ação donde emerge e que dela é independente em termos tributários, é com referência a esse processo autónomo que deve ser aferido, face ao disposto no sobredito art. 6º, nº 8, se não deve haver lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.”

Tem sido discutido se o pedido de dispensa deve ser requerido em cada um dos graus de jurisdição, compreendendo apenas a tramitação respetiva, ou se deve ser formulado a final compreendendo toda a tramitação processual. No concreto, há que estabelecer se este tribunal deve conhecer o pedido formulado para toda a tramitação da verificação e graduação de créditos, como peticionado pela requerente, ou se apenas quanto ao recurso de apelação que aqui foi processado.

A fixação de jurisprudência levada a cabo pelo AUJ 1/2022 leva a considerar mais adequada a tese da ponderação global da dispensa e respetivos critérios pelo último órgão jurisdicional que intervém.
Como se explicitou na Decisão Singular do STJ de 20/12/2021 (Abrantes Geraldes) “…esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art. 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente.

Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxas de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado.”

Trata-se de solução já acolhida também pelos Acs. STJ de 24/5/2018 (Rosa Tching), de 8/11/2018 (Maria Graça Trigo), de 31/1/2019 (Tomé Gomes) e de 29/03/2022 (Jorge Arcanjo, que também perfilhamos pelos motivos expostos.

Finalmente e também como referido na Decisão Singular STJ já citada (20/12/2021), “a apreciação da dispensa ou da redução da taxa de justiça remanescente deve ser feita relativamente a cada sujeito, solução que está implícita no facto de se prever que na elaboração da conta final por parte da secretaria deve ser tido em consideração o que relativamente a cada sujeito processual foi decidido (art. 30º, nº 1, do RCP).
Com efeito, sendo relevante a apreciação da complexidade do processo, dos resultados obtidos e especialmente do comportamento processual da parte, é natural que o juízo formulado possa variar em função da atuação ou da estratégia de cada um dos sujeitos.
Por conseguinte, o facto de uma das partes beneficiar da dispensa ou da redução em função do seu comportamento processual idóneo não justifica que semelhante benefício seja concedido à contraparte que tenha tido precisamente um comportamento processual reprovável. O mesmo se verifica se para o efeito for de ponderar a complexidade das peças processuais apresentadas, a natureza e a atividade exercida por cada uma das partes, os interesses económicos em discussão ou os resultados que cada uma delas procurou assegurar.”

Ou seja, e novamente transpondo para o caso concreto, pese embora tenham sido interpostos recursos[4] de revista por outros recorrentes, nada impede a apreciação da requerida dispensa relativamente à recorrente SL, dado que, quanto a esta, já se estabilizou o trânsito em julgado.

Assim e apreciando:

O art. 527º nºs 1 e 2 do CPC estabelece como regra geral que o pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade.
As custas processuais, prescreve o nº1 do art. 529º do CPC, «abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.», o mesmo se estabelecendo no nº1 do art. 3º do RCP.

Como ensina Salvador da Costa[5] em comentário ao art. 527º do CPC, “Face ao que dispõem os artigos 529.º, n.º 2, e 530.º, n.º 1, ambos deste Código, a referência deste normativo às custas não abrange a vertente da taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo pagamento é do sujeito processual que impulsionou a ação, a defesa “lato sensu” ou o recurso, conforme os casos. Em suma, o conceito de custas envolve um sentido “lato”, abrangente da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, e um sentido estrito, este apenas reportado aos encargos e às custas de parte, sendo este o sentido a que o normativo em análise se reporta.”

É assim no nº1 do art. 529º do CPC (e 3º nº1 do RCP) que encontramos o conceito de custas em sentido amplo, aplicando-se a regra da causalidade apenas ao conceito de custas em sentido estrito, ou seja, aos encargos e custas de parte.

A taxa de justiça, cujo pedido de dispensa de pagamento do remanescente aqui se aprecia, é fixada no montante correspondente ao impulso processual de cada interveniente e em função do valor da causa e complexidade da mesma. É devida pela parte “independentemente do critério do vencimento e do decaimento que vigore quanto à responsabilidade pelo pagamento das custas em sentido estrito”[6].

“As espécies processuais sujeitas a custas são, em regra, sujeitas a taxa de justiça, independentemente do momento do seu pagamento, aquando do impulso processual, no momento legalmente estabelecido para a entrega da segunda prestação ou depois disso, conforme os casos.”[7]

No entanto, e como mais uma vez adverte Salvador da Costa, “Há particularidades na responsabilidade pelo pagamento de taxa de justiça em alguns setores específicos do nosso ordenamento jurídico processual, como é o caso, por exemplo, dos processos de insolvência”.

O CIRE contém regras específicas, quer de fixação do valor da causa (cfr. arts. 15º, 248º-A e 301º), quer de determinação da taxa de justiça (302º), da base de tributação (303º) e mesmo de responsabilidade pelas custas do processo (304º).

Analisando os artigos 301º a 304º do CIRE, resulta bastante claro que o conceito de custas ali regulado é o conceito amplo a que acima se aludiu, compreendendo a taxa de justiça, encargos e custas de parte. Assim, o art. 301º fixa o valor da causa para efeitos de custas, o art. 302º regula diretamente o montante devido a título de taxa de justiça, prevendo-se uma possibilidade específica de redução da taxa de justiça devida quando o juiz a considere excessiva, o art. 303º é uma regra especial em relação ao disposto no art. 1º nº2 do RCP e o art. 304º estabelece uma regra de responsabilidade de custas necessária em função da sucessão do insolvente pela massa insolvente, nos processos em que a insolvência seja declarada.

Detenhamo-nos no art. 303º do CIRE, no qual se estabelece:
«Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão dos bens, os embargos do insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado.»

Como já se escreveu no Ac. de 22/06/2021[8], relatado pela aqui signatária:
O processo de insolvência, porque se desenvolve numa estrutura mista, com fases marcadamente declarativas, fases claramente executivas e algumas de natureza híbrida, está legalmente desenhado em processo principal, incidentes processados neste (como a exoneração do passivo restante, o diferimento de desocupação ou a prestação de alimentos ao insolvente, trabalhadores ou outros credores, só para dar alguns exemplos), incidentes processados por apenso e apensos que incluem processos cuja apensação aos autos foi determinada, por lei, pelo juiz ou pelo Administrador da Insolvência (nos termos dos arts. 85º e ss. do CIRE) e processos diretamente intentados por apenso.

Nas palavras do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 248/2012, de 22/05/2012[9] “O processo de insolvência, apesar de ser considerado uma execução, apresenta-se como um processo de elevada complexidade, envolvendo múltiplas atividades repartidas pela sua fase declarativa (a inicial, em que é permitida a oposição) e a executiva (Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 2009, p. 19). O legislador previu a reserva de decisão jurisdicional dos pontos litigiosos que se apresentem no decurso do processo, pelo que o Tribunal está vinculado a solucionar os múltiplos pleitos secundários que podem surgir no decurso do processo, com respeito pelo contraditório e pela produção da prova que considere necessária.”

Para esse efeito podem distinguir-se apensos “naturais”, previstos no próprio CIRE como resultado da tramitação regra, como os embargos (41º nº1 do CIRE), os recursos (14º CIRE), a qualificação da insolvência (185º e ss.), a verificação e graduação de créditos (132º e ss.), a liquidação do ativo (158º e ss.), a apreensão de bens (149º e ss.), a prestação de contas (art. 64º) e nestes alguns necessários e outros eventuais. São exemplo de apensos eventuais conaturais ao processo de insolvência, além dos já apontados, embargos, recursos e qualificação da insolvência, as ações de responsabilidade previstas no art. 82º nºs 3 a 6, a resolução em benefício da massa insolvente (120º e ss.) e impugnação da mesma, a restituição e separação de bens (141º, 144º e 145º), a verificação ulterior de créditos e outros direitos (148º) e o plano de pagamentos (251º e ss.).

São ainda apensos possíveis, e cuja apensação é regulada, as ações intentadas contra o devedor, nos casos previstos no art. 85º, as ações executivas que quadrem no disposto no art. 88º e as ações relativas a dívidas da massa insolvente, previstas no art. 89º.

Comparando esta enumeração com o art. 303º do CIRE resulta claro que, para efeitos de custas, em sentido amplo, não têm autonomia em relação ao processo de insolvência os apensos “naturais” do processo, bem como todos aqueles em que as custas (pela regra da causalidade) tenham de ficar a cargo da massa.

E bem se compreende esta solução. Os apensos “naturais”, quer necessários, quer eventuais, realizam as finalidades próprias do processo de insolvência. Tomando como exemplo a verificação e graduação de créditos, ou, na linguagem do art. 303º, a verificação do passivo, é um apenso que realiza a vertente concursal do processo, no qual se chamam todos os credores a reclamar os seus créditos e mediante o qual se determina o que vai ser pago, a quem, e por que ordem.

Recordando, nos termos do art. 1º nº1 do CIRE «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.».

Trata-se de um processo que realiza fins públicos e privados – satisfação dos credores e solução dos devedores; eliminação do tecido económico das empresas sem valia e recuperação das que têm possibilidades; perdão dos devedores singulares e permitindo o seu funcionamento regular como agentes económicos, etc.

E fá-lo, essencialmente através de duas vias: ou recuperando os devedores ou, na maior parte dos casos, liquidando o seu património e distribuindo pelos credores o produto da liquidação.

Sendo a regra a da autossuficiência do processo, pagam-se em primeiro lugar as dívidas da massa insolvente e, nestas, à cabeça, as custas do próprio processo de insolvência – cfr. arts. 172º e 51º nº1, al. a) do CIRE. Por força da concatenação destas regras, é o produto da liquidação que suporta a atividade “natural” do processo, que deriva da própria declaração de insolvência e toda a atividade pela qual a massa é responsável. O que significa que, fora da regra da causalidade, não seria justo impor aos credores (diminuindo o produto da liquidação a distribuir por eles) o pagamento pelo impulso processual que, na verdade, a eles não pode ser imputado, mas à própria declaração de insolvência.

Em termos práticos, dada a possível multiplicação do número de apensos, a feitura tendencial de uma única conta também simplifica potencialmente a atividade dos tribunais.

São estas regras que explicam, entre outras razões, que não haja lugar ao pagamento de taxa de justiça devida pelo impulso processual na atividade de reclamação de créditos. A abertura da fase processual (e o impulso processual) é consequência legal da declaração de insolvência, os créditos reconhecidos podem sê-lo sem sequer serem reclamados (nº1 do art. 129º do CIRE), o direito de impugnação é uma manifestação do exercício do contraditório, sendo no interesse comum prosseguido pelo processo que todo o passivo seja verificado e discutido com as garantias proporcionadas pela tramitação prevista.

Tem-se discutido se, pela impugnação da relação prevista no art. 129º do CIRE, é devida taxa de justiça, sendo a jurisprudência largamente maioritária no sentido de não ser devida – cfr. Acs. TRL de 21/06/2022 (Renata Linhares), de 22/03/2018 (Teresa Prazeres Pais), decisão singular TRC de 06/12/06 (Manuel Capelo), TRG de 29/05/2014 (Ana Cristina Duarte), TRG de 25/06/2013 (Isabel Rocha) e TRG de 10/09/2013 (António Beça Pereira).

Não sendo esse um tema deste recurso, adiante-se que se concorda integralmente com esta posição, tendo sido também, claramente essa a posição adotada pelo tribunal recorrido que não exigiu o pagamento de taxa de justiça a qualquer dos reclamantes, não proferiu decisão de condenação em custas pelo decaimento de qualquer dos reclamantes (nas duas ocasiões em que foram proferidas decisões de não verificação, total ou parcial, ou seja, no saneador e na sentença), vindo a consignar expressamente na decisão final o seu entendimento de que este apenso não está sujeito a custas, atento o disposto no art. 303º do CIRE.

Não sendo, a verificação do passivo em processo de insolvência[10], uma espécie processual sujeita a custas, não são devidas, em geral[11], nem a taxa de justiça relativa ao impulso processual, nem o respetivo remanescente.

Assim, no que toca ao processado da 1ª instância, não sendo exigível o pagamento de taxa de justiça, não é devido o pagamento de qualquer remanescente da mesma, independentemente dos critérios de aplicação do nº7 do art. 6º do RCP.

Como resulta da conjugação do texto dos arts. 303º do CIRE e 1º do RCP, os recursos têm um regime tributário diverso.

Não estando os recursos discriminados no texto do art. 303º do CIRE, apenas se pela regra da causalidade as custas forem a cargo da massa insolvente, ele se aplicará.

O que significa que, até à decisão final e ao segmento relativo a custas, se aplicam as regras gerais do CPC e do RCP, sendo devida a taxa de justiça relativa ao impulso processual, inclusive pela massa insolvente.

Dada a regra do nº9 do art. 14º[12] do RCP, nos casos em que a parte responsável pelo impulso processual não seja condenada em custas, por não ter decaído, o remanescente da taxa de justiça será imputado na conta da parte vencida, fazendo-se assim, a ligação funcional entre o princípio da causalidade e o princípio do impulso.

No caso pela ora requerente da reforma foi apresentada apelação pedindo a revogação da decisão que não verificou um crédito no valor global de € 21.042.585,58, apelação essa que veio a ser julgada integralmente improcedente.

A requerente pagou a taxa de justiça devida pelo impulso da interposição do recurso nos termos fixados no art. 7º nº2 e Tabela I-B (8 Ucs), correspondentes a € 250.000,00 a € 275.000,00.

Haveria, assim, um remanescente a considerar relativo à diferença entre € 275.000,00 e € 21.042.585,58, relativo ao decaimento da requerente e apelante SL.

No entanto, no acórdão proferido, este tribunal já se pronunciou sobre tal matéria e, não referindo, é certo, o art. 6º nº7 do RCP, considerou satisfeito o pagamento de taxa de justiça devida pelo impulso processual com o pagamento já efetuado, apontou não terem ocorrido encargos e, fundamentando, condenou a requerente (tal como os demais, refira-se) apenas no pagamento das custas de parte devidas (cfr. nºs 11 e 12 dos pontos de facto relevantes).

Assim, dos três elementos das custas em geral o tribunal considerou não ser devido o remanescente, não terem ocorrido encargos, resumindo-se, assim, as custas devidas, pelo princípio da causalidade, à satisfação das custas de parte da parte contrária (no caso, o Liquidatário Judicial representando a Liquidanda).

Assim, embora por razões diversas quanto à tramitação em 1ª e em 2ª instância, o presente pedido de reforma deve improceder, não sendo de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo impulso processual por tal remanescente não ser, no caso concreto, devido.
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3.–Responsabilidade quanto a custas
A requerente/apelante, porque vencida, suportará integralmente as custas incidentais do presente pedido de reforma, nos termos do art. 527.º, nº1 do CPC, fixando-se a taxa de justiça em 0,5 (meia) UC, atentos os limites (mínimo e máximo) constantes da tabela II que faz parte integrante do Regulamento das Custas Judiciais.
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4.–Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar improcedente o pedido de reforma formulado por SL,S.A.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 0,5 UC.
Notifique.
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Lisboa, 20 de setembro de 2022



Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes



[1]Disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/1-2022-176907543.
[2]Guia Prático das Custas Processuais (5.ª edição – revista, atualizada e aumentada), em linha, Centro de Estudos Judiciários, 05/03/2021, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=mBfuThSKNbM=&portalid=30.
[3]Disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[4]Cuja admissibilidade em geral não foi ainda apreciada, tendo-se entendido como processado mais adequado à célere e completa tramitação dos autos a realização da presente conferência e ponderação dos respetivos resultado e reação antes da apreciação da admissibilidade genérica, nos termos permitidos a este Tribunal, dos recursos de revista extraordinária interpostos por outras partes.
[5]Em As Custas Processuais – Análise e Comentário, Almedina, 2021, 8ª edição, pg. 8.
[6]Salvador da Costa, local citado, pg. 14.
[7]Idem nota anterior.
[8]Disponível em www.dgsi.pt.
[9] Disponível em https://dre.pt/home/-/dre/3451950/details/maximized.
[10]As regras do CIRE são aplicáveis aos processos de liquidação judicial de instituições de crédito nos termos do art. 8º nº1 do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 25/10, na sua versão aplicável aos autos
[11]Sem prejuízo, por exemplo, da tributação dos incidentes anómalos.
[12]Na redação introduzida pela Lei nº 27/2019, de 28 de março, na sequência da apreciação de inconstitucionalidade da anterior redação – Ac. T Const. nº 615/2018, de 21/11/2008 em que se decidiu “Julgar inconstitucional, a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do RCP” – disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180615.html.