Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12965/14.0T8LSB-A.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ÂMBITO E LIMITES DO MESMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Condenado o Réu, em acção declarativa, a realizar obras de reparação do telhado e da fachada com vista a impedir infiltrações na fracção dos Autores, provindas do exterior, não pode o tribunal, em sede de embargos de executado, ir além de tal condenação, indicando a remoção de telhas de um dado material e substituição de materiais usados como isolamentos e revestimentos, já que ultrapassa o âmbito do título executivo.

SUMÁRIO: (ELABORADO PELO RELATOR)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


MF e EF, intentaram execução para prestação de facto contra o Condomínio da Rua XX, em Lisboa, alegando que este não cumpriu a sentença judicial, transitada em julgado, que o condenou a promover a reparação do telhado e da fachada do prédio, bem como a reparar as paredes e tetos das divisões afetadas pelas infiltrações provenientes do exterior da fração autónoma de que são proprietários, pedindo seja fixado em 30 dias o prazo para a definição do caderno de encargos, adjudicação e início das obras e de 60 dias para a sua conclusão, bem como seja fixada uma sanção pecuniária compulsória, a pagar pelos membros da Administração do executado, no valor de € 50,00 por cada dia de atraso no início e conclusão daquelas obras.
 
Citado, deduziu o executado oposição, mediante embargos, alegando que a realização das obras de reparação em que foi condenado importa elevados custos, carecendo por isso de prévia autorização da sua Assembleia de Condóminos, mas que já iniciou as diligências necessárias ao cumprimento da sentença, tendo solicitado orçamentos, que já lhe foram entregues, estando designada para 19.02.2015 a Assembleia de Condóminos para apreciação dos mesmos; mais alegou que as obras de reparação do telhado e da fachada não podem ser executadas no inverno, pelo que os prazos indicados pelos exequentes são manifestamente insuficientes e não podem ser por si aceites, propondo seja antes fixado em 90 dias o prazo para a definição do caderno de encargos, adjudicação e início das obras e de 90 dias para a conclusão das mesmas. 
 
Alegou ainda que os seus Administradores não são partes na ação, não podendo ser-lhes aplicada qualquer sanção pecuniária compulsória, que só poderia ser aplicada ao próprio Condomínio, caso tivesse sido pedida, e que o valor diário indicado de € 50,00 é manifestamente excessivo.
  
Recebida a oposição, contestaram os exequentes pugnando pela sua improcedência, invocando que o embargante realizou entretanto alguns trabalhos no prédio, mas que não foram de molde a cumprir integralmente a prestação em que foi condenado, mantendo-se as humidades e infiltrações.
                                                                                                 
Foi dado como assente que:
1) Por sentença proferida em 27.05.2014, pelo 8º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, no Proc. n.o 3538/04.7YXLSB, já transitada em julgado (junta a fls. 4 a 10 do processo principal ), foi o aqui embargante condenado, para além do mais, a "promover a reparação do telhado e fachada bem como a reparar as paredes e tectos das divisões da fracção dos Autores (aqui exequentes) afectadas pelas infiltrações provenientes do exterior."

Em sede de despacho saneador foi proferida decisão que julgou os presentes embargos parcialmente procedentes, por provados e, em consequência fixou em 30 dias o prazo para o início dos trabalhos de reparação do telhado e da fachada do prédio, com remoção das telhas de fibrocimento e substituição dos isolamentos e revestimentos por outros seguros, adequados e com as propriedades necessárias a eliminar adequada, eficaz e definitivamente todos os pontos de infiltração. Além disso, fixou  em 90 dias o prazo para a conclusão desses trabalhos, bem como para a reparação adequada das paredes e tetos das divisões da fração dos exequentes afetadas pelas infiltrações provenientes do exterior.
Foi indeferido o pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória.

Inconformado, recorre o condomínio embargante, concluindo que:
- Os ora Recorridos intentaram ação executiva contra o Recorrente tendo como título executivo sentença declarativa de condenação proferida no processo com o nº 3584/04.7YXLSB que correu termos nos Juízos Cíveis de Lisboa, 8.° Juízo Cível.
- Disponha a sentença que serviu de título à execução "Pelo exposto, julgo a ação procedente  e, consequentemente, condeno a a pagar à Autora, o valor de 708, 71€ acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar desde 22 de Maio de 2002 até integral pagamento. Condeno o Réu a promover a reparação do telhado e fachada bem como a  reparar as paredes e tectos das divisões da fração dos Autores afectadas pelas infiltrações provenientes do exterior.".
- Sentençaessa que transitou em julgado sem que o ora Recorrente tenha dela interposto recurso.
- Com a execução de sentença peticionaram os Recorridos que fosse fixado o prazo de 30 dias para o início das obras, e 60 dias o prazo para a sua conclusão, com sujeição pessoal dos membros da administração do Recorrente à sanção pecuniária de € 50,00 por cada dia de atraso na observância dos referidos prazos, de modo a compelir à prestação de facto.                                                 
- O Recorrente deduziu embargos de executado, alegando que se encontrava a diligenciar no sentido de realizar a prestação de facto na qual tinha sido condenado.
- Propôs o prazo de (90) dias para a definição do caderno de encargos, adjudicação e início das obras e de noventa (90) dias para a conclusão das obras; e
- Peticionou a sanção pecuniária compulsória fosse julgada improcedente;
- Por despacho saneador sentença, foi proferida a decisão que ora se recorre, nos termos da qual é fixado o prazo de 30 dias para o inicio dos trabalhos de reparação do telhado e da fachada do prédio, com remoção das telhas de fibrocimento e substituição dos isolamentos e revestimentos por outros seguros, adequados e com as propriedades necessárias a eliminar adequada e eficaz e definitivamente todos os pontos de infiltração; e
- É fixado em 90 dias o prazo para a conclusão desses trabalhos, bem como para a reparação adequada das paredes e tetas das divisões da fração dos exequentes afetadas pelas infiltrações provenientes do exterior; e indeferido o pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória.
-  Entende o Recorrente que a condenação da douta sentença que ora se recorre, vai para além da sentença que serviu de título executivo à execução;
- Porquanto, a mesma procede à extensão das obras em que o Recorrente foi condenado primeiramente em sede de ação declarativa;
- E nada tem que ver com o pedido dos Recorridos na execução;
- Uma vez que este se limitam a peticionar que as obras nas quais o Recorrente havia sido condenado tenham lugar em determinado período de tempo;
- Entende o Recorrente que decorre do princípio do dispositivo que a sentença deve conter-se dentro dos limites definidos pela pretensão do autor, conforme decorre do artigo 609º do Código de Processo Civil;
- Por conseguinte, estamos perante uma nulidade que compromete em definitivo a sentença de que ora se recorre;
- Uma vez que o Tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido;
- ln casu,  foram os Recorridos, com a apresentação do requerimento executivo, a estabelecer os limites sobre os quais cabia ao Tribunal pronunciar-se, limites esses que nunca poderiam conduzir a uma condenação do Recorrido, em uma prestação de facto distinta da que havia resultado da sentença condenatória que serviu de título executivo à execução e consequentemente de base do pedido dos Recorridos.
                                 
- Daí resultando, a violação do limite imposto pelo nº 1 do art. 609º do Código de Processo Civil, por condenação em objeto diverso do pedido, que determina a nulidade da sentença, como decorre do nº 1, al. e), do art. 615.° do Código de Processo Civil.
- Da mesma factualidade resulta ainda uma limitação óbvia do direito ao contraditório, enunciado no artigo 3.°, nº 3 do Código de Processo Civil, uma vez que, apesar de a ação executiva ter como título executivo a sentença proferida em ação declarativa de condenação, a sentença proferida em sede de processo executivo foi para além do título em que a própria se consubstancia.
- Não permitindo que tinha sido dada oportunidade ao Recorrente de expor as suas razões, quer de facto, quer de direito, em relação à substituição do telhado do imóvel, na qual a final veio a ser surpreendentemente condenado.
- Atendendo ao vertido pelas partes nos articulados apenas seria expectável que fosse proferida sentença que viesse definir um prazo para que as obras nas quais o Recorrente foi condenado tivessem lugar;
- E nunca, a condenação do Recorrente na realização de uma obra diferente daquela a que estava obrigado nos termos da sentença que serviu de base à ação executiva.
- Acresce que, entende o Recorrente que tudo o que extravase os limites definidos na sentença dada à execução não pode ser tido como abrangido pelo título executivo;
- Ou seja, não poderá existir título executivo na parte em que o mesmo diverge da sentença de que ora se recorre.
- Consequentemente, apenas a reparação do telhado do imóvel, e não a sua substituição, poderia ser alvo da presente execução.
- A douta decisão de que ora se recorre contraria ainda os factos 22 e 24 dados como provados na sentença que serviu de título executivo.
- Tais facto demonstram que a sentença proferida na ação declarativa de condenação decidiu pela reparação do telhado do imóvel e não da sua substituição.
- Pelo que apenas cabia ao douto Tribunal recorrido, salvo sempre o devido respeito, julgar pela procedência ou improcedência dos embargos apresentados pelo Recorrente e nunca estabelecer uma nova condenação aquele, que inclusive é substancialmente mais gravosa.
- Resulta assim violado o artigo 10.°, nº 5, do Código de Processo Civil.
- A sentença de que ora se recorre tão pouco leva em consideração o disposto nos artigos 874.° e 875.° do Código de Processo Civil.
- Que preveem uma fase preliminar em que se definirá a fixação de prazo, seguida de uma fase executiva propriamente dita, a iniciar depois de se verificar que o facto não foi prestado dentro do prazo fixado.
                                  
- Ou seja, se o prazo para a conclusão da prestação ainda não estiver fixado na sentença que se executa, deve iniciar-se a execução pelo incidente de fixação judicial de prazo na própria execução.
- In casu, Recorridos e Recorrente pronunciaram-se expressamente sobre o prazo em que entendiam que as obras deveriam ocorrer.
- No entanto, quando seria previsível a fixação do prazo para a realização das obras, foi decidido pelo Tribunal a quo o alargar da condenação do Recorrido;
- Nunca tendo chegado a ter lugar a fase prevista no artigo 875.° que permitiria o Recorrente viesse novamente deduzir embargos de executado, mas agora, num âmbito objetivo mais restrito.
-  Pelo que até o acesso a esse meio processual de defesa foi vedado ao Recorrente.

Os exequentes contra-alegaram sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

Alega o recorrente que a sentença em apreço foi para além do requerido na acção executiva pelos exequentes e igualmente estendeu os seus limites para lá dos fixados na sentença condenatória que serve de título executivo.

A sentença proferida no processo nº 3538/04 que constitui o título executivo, condenou o ora embargante condomínio a “promover a reparação do telhado e fachada bem como a reparar as paredes e tectos das divisões da fracção dos Autores afectadas pelas infiltrações provenientes do exterior”.

Por outro lado, a decisão ora recorrida, fixa em 30 dias o prazo “para o início dos trabalhos de reparação do telhado e da fachada do prédio, com remoção das telhas de fibrocimento e substituição dos isolamentos e revestimentos por outros seguros, adequados e com as propriedades necessárias a eliminar adequada, eficaz e definitivamente todos os pontos de infiltração.” Fixando em 90 dias o prazo para a conclusão desses trabalhos, bem como para a reparação adequada das paredes e tectos das divisões da fracção dos exequentes afectadas pelas infiltrações provenientes do exterior.

Ora, o que estava em causa nos presentes autos, no âmbito do requerimento executivo, era a fixação judicial de prazo para cumprimento da sentença condenatória que constitui o título executivo.

Tal sentença condenatória transitou em julgado, possuindo assim força executiva nos termos do art. 704º nº 1 do CPC.

É evidente que a sentença condenatória, fundamento da execução, terá de ser interpretada para que possa ser devidamente cumprida. No caso em apreço, o condomínio foi condenado, além do mais, a realizar diversas obras tendo como manifesto objectivo impedir a ocorrência de infiltrações provenientes do exterior na fracção dos ora exequentes.
                                                                                                  
Independentemente dos meios probatórios – incluindo perícias – que fundamentaram a decisão condenatória dada à execução, é a própria condenação, nos termos em que é expressa e dentro dos seus limites, atento o objecto que se pretende atingir com ela, que constitui o título executivo.

Ora, a condenação que constitui o título executivo ordena ao Réu condomínio que promova a reparação do telhado e fachada bem como a reparação as paredes e tectos das divisões da fracção dos Autores, afectadas pelas infiltrações provenientes do exterior.

Assim, e quanto à primeira parte da condenação que é a que aqui nos interessa, são ordenadas obras de reparação no telhado e fachada, com vista – e é esse o sentido útil da condenação – a impedir novas infiltrações na fracção dos Autores, provenientes do exterior.

A decisão ora sob recurso, deveria ter fixado prazo para início e conclusão de tais obras, nos termos dos artigos 874º nº 1 e 875º nº 1 do CPC. Mas, em nosso entender, não lhe era lícito indicar certo tipo de obras a realizar - “remoção das telhas de fibrocimento e substituição dos isolamentos e revestimentos por outros seguros e adequados (...)” e que não constam do título executivo.

A decisão a proferir no âmbito do procedimento de fixação de prazo em caso de execução para prestação de facto, não pode alargar o âmbito da sentença de condenação que integra o título executivo. Nomeadamente, não pode especificar determinado tipo de obras que não estão mencionados na condenação.

Que o Mº juiz a quo leve em consideração, com vista a fixar um prazo adequado, diversas componentes fácticas, incluindo resultados de peritagens na acção declarativa de condenação, é uma coisa, e perfeitamente aceitável nos termos do nº 1 do mencionado art. 875º do CPC. Não pode é especificar o tipo de trabalhos que o executado deverá realizar, para lá daquilo que figura na condenação.

Percebemos a preocupação do Mº juiz a quo, que a certa altura da sua decisão refere que as obras não se poderão limitar a uma “operação de cosmética”, mas serem efectivamente impeditivas de novas infiltrações. Mas para tal, não carece a decisão de indicar o tipo de obras a realizar. A sentença condenatória que constitui o título é suficiente já que a mesma tem por objecto impedir que tais infiltrações, provenientes do exterior, venham a ocorrer novamente.
                            
Quanto aos prazos fixados na decisão, tendo em conta o tempo já decorrido desde a sentença de condenação – quase 4 anos – figuram-se os mesmos inteiramente adequados, até porque estamos prestes a entrar na primavera, altura propícia à realização deste tipo de obras, dada a diminuição de pluviosidade.

Conclui-se assim que:
– Condenados o Réu, em acção declarativa, a realizar obras de reparação do telhado e da fachada com vista a impedir infiltrações na fracção dos Autores, provindas do exterior, não pode o tribunal, em sede de embargos de executado, ir além de tal condenação, indicando a remoção de telhas de um dado material e substituição de materiais usados como isolamentos e revestimentos, já que ultrapassa o âmbito do título executivo.

Pelo exposto, julga-se a apelação procedente, fixando-se em 30 dias o prazo para o início dos trabalhos de reparação do telhado e da fachada do prédio, com vista a eliminar adequadamente todos os pontos de infiltração para a fracção dos exequentes. Fixando-se em 90 dias o prazo para a conclusão de tais trabalhos, bem como para a reparação adequada das paredes e tectos das divisões da fracção dos exequentes afectadas pelas infiltrações provenientes do exterior.
Mantendo-se a decisão recorrida no tocante à sanção pecuniária compulsória. 

Custas pelos recorridos.



LISBOA, 8/3/2018



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais