Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
933/2008-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
INSOLVÊNCIA
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - O prazo para a cônjuge do insolvente apresentar o seu requerimento para separação de bens apreendidos para a massa insolvente é contado da data da realização da diligência de apreensão de bens e não da data em que deu entrada o auto de apreensão na Secretaria do Tribunal.
II – Exigindo-se nos termos do art.º 150.º do CIRE que ao efectuar-se a apreensão se elabore um auto (entendendo-se até que será título constitutivo daquela) e constando deste a data em que foi realizada a apreensão, não tendo a requerente no seu requerimento inicial apresentado meios de prova para a sua alegação de que o auto foi elaborado em data distinta da constante de tal auto, terá de se considerar como válida a data em que no auto se refere que a apreensão foi realizada e ele elaborado, sendo assim este o termo inicial do prazo.
III – Esse prazo é de natureza processual, pelo que lhe será aplicável o regime estabelecido no art.º 145.º do CPC, podendo a parte apresentar o requerimento dentro dos três dias a que alude o n.º 5 do preceito, com a cominação aí estabelecida.
(S.P.)
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO

D requereu, por apenso à acção especial de Insolvência, em que o marido da mesma, F foi declarado insolvente, a separação da Massa Insolvente da sua meação nos bens comuns.

Para fundamentar essa sua pretensão alegou, em síntese, ser casada com aquele sob o regime de comunhão geral de bens, sendo que na sequência da declaração de insolvência deste, foram efectuados arrolamento e apreensão dos bens que fazem parte do património comum do casal.

Referiu ainda ser o requerimento tempestivo por o auto de arrolamento e apreensão de bens ter dado entrada em 26/11/2007, também data da sua elaboração.

O requerimento foi apresentado em tribunal no dia 30/11/2007.

Por despacho de 5/12/2007 (fls. 12), indeferiu-se liminarmente tal requerimento, por se ter considerado o mesmo intempestivo.

Na fundamentação de tal despacho escreveu-se:

“…

No caso em análise, como resulta do apenso A, a apreensão foi feita em 22 de Novembro de 2007.

Consequentemente, o direito de separação referido no art.º 144.º, n.º 1, do CIRE tinha de ser exercido até 27 de Novembro por ser esse o quinto dia posterior à apreensão.

A requerente só apresentou o requerimento inicial em 30 de Novembro de 2007.

Logo, o mesmo é intempestivo.

…”

Inconformada com tal decisão veio a requerente recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões:

1- O exercício do direito de requerer a separação de bens nos cinco dias posteriores à sua apreensão, contemplado no art.º 144.º, n.º 1, do CIRE, conta-se a partir da data da entrada do Auto de Arrolamento e Apreensão de Bens na Secretaria Judicial e não da data nele aposta pelo Administrador de Insolvência, que nem sequer tem que o datar por a lei só lhe mandar assinar – art.º 150.º, n.º 4, al. f), do CIRE;

2- Tendo aquele Auto dado entrada em 26/11/2007, o requerimento da recorrente, entrado em 30/11/2007, é tempestivo, valendo como data do Auto a da sua entrega na Secretaria Judicial, por recurso à disciplina dos artgs. 166.º, n.ºs 2 e 3 e 150.º, n.º 1, al. a), do CPC, ex vi do art.º 17.º, do CIRE;

3- O entendimento expendido no despacho recorrido, que a data de apreensão á a da datação daquele Auto pelo Administrador de Insolvência, que até o podia ter datado dez dias antes da entrega na Secretaria Judicial, in casu, datou-o de quatro dias antes da entrega, cerceia em absoluto o direito consagrado no art.º 144.º, n.º 1, do CIRE, sufraga um procedimento do Administrador de Insolvência que conduziria à própria fraude à lei e é inconstitucional;

4- Mesmo que os fundamentos contidos no despacho recorrido fossem válidos, o requerimento da recorrente sempre estaria em tempo por ter dado entrada nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo considerado no próprio despacho recorrido – art.º 144.º, n.º 5, do CPC, por aplicação subsidiária integral do CPC estatuída no art.º 17.º do CIRE;

5- O Despacho recorrido viola os artgs. 17.º, 144.º, n.º 1 e 150.º, n.º 4, al. f), todos do CIRE, os artgs. 145.º, n.º 5, 150.º, n.º 1, al.a) e 166.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPC e o art.º 20.º da CRP.   

A Senhora Juíza sustentou de forma tabelar o despacho recorrido.

Foram colhidos os vistos legais.

           

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, ex vi do artigo 749º, todos do Código de Processo Civil (CPC).

Está em causa no presente agravo saber se o prazo para a requerente apresentar o seu requerimento para separação de bens apreendidos para a massa insolvente é contado da data da realização da diligência de apreensão de bens, ou antes da data em que deu entrada o auto de apreensão na Secretaria do Tribunal.

Subsidiariamente, na eventualidade de se entender que o prazo é contado da data da apreensão, saber se não seria aplicável ao caso o disposto no art.º 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC.

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

São os seguintes os factos que se entende têm relevância para o presente recurso:

1- Corre termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Amadora um processo de Insolvência (n.º) em que é credor Banco  e Insolvente, F (doc. de fls. 24);

2- Em 26 de Novembro de 2007, deu entrada no Tribunal indicado no ponto anterior, o Auto de Arrolamento e Apreensão de Bens, a que alude o art.º 150.º do CIRE, a fim de ser junto ao indicado processo de Insolvência, dando--se aqui o mesmo inteiramente por reproduzido (fls. 26-28);

3- No Auto de Arrolamento e Apreensão de Bens referido no ponto anterior, o Senhor Administrador da Insolvência que o assinou e elaborou refere no seu início:

“De acordo com o preceituado no art.º 150.º do CIRE, efectuou-se no dia 22 de Novembro de 2007, a diligência de Arrolamento e Apreensão de Bens Móveis a favor da Massa Insolvente.

…”

4- O auto em causa foi assinado pelo Senhor Administrador da Insolvência e pela louvada, tendo-lhe também sido aposta, no final, a mesma data (22/11/2007);

5- Em 30 de Novembro de 2007, deu entrada no Tribunal Judicial da Amadora, requerimento apresentado por D, destinado a ser apenso ao processo indicado no ponto 1, em que se pedia a separação de bens da Massa Insolvente (fls. 2-3);

6- Em tal requerimento escreveu-se no ponto 7.º:

“…

O requerimento é tempestivo por o Auto de Arrolamento e Apreensão de Bens ter dado entrada em 26/11/2007, também data da sua elaboração.…”

7- O requerimento indicado em 5 não indicava quaisquer meios de prova.

2. De direito

Apreciemos agora a questão suscitada pela agravante.

Como referimos, defende a mesma que o prazo para a apresentação do requerimento para separação dos bens apreendidos para a massa insolvente e que integrariam o património comum do casal, contar-se-ia a partir da data da entrada em juízo do auto de apreensão, sendo que alicerça essa posição no disposto nos artgs. 150,º, n.º 1, al. a) e 166.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil (CPC).

Ora, entendemos que não assiste, neste ponto, razão à agravante.

Com efeito, há desde logo que ter presente que o Administrador de Insolvência não pode considerar-se parte, antes tendo que ser tido como um servidor da justiça e do direito (art.º 16.º, n.º 1 do Estatuto do Administrador de Insolvência – Lei n.º 32/2004, de 22/7), sujeito a deveres que não se compadecem com aquela posição processual, antes lhe sendo exigível que no exercício das suas funções, mantenha sempre a maior independência e isenção, não prosseguindo quaisquer objectivos diversos dos inerentes ao exercício da sua actividade (n.º 2 do apontado art.º 16.º da Lei 32/2004), estando igualmente sujeito a um regime de incompatibilidades, impedimentos e suspeições apertado que no tocante a estes dois últimos é o mesmo dos juízes (art.º 8.º, n.º 1 do mesmo diploma).

Igualmente se pode ver em sede de CIRE (Dec.-Lei n.º 53/2004, de 18/03) a sua natureza bem distinta da de parte, quer pelo facto  de ser nomeado e destituído por juiz (artgs. 52 e 56.º do CIRE), quer pelo conteúdo das suas funções no seio do processo de Insolvência (art.º 55.º desse mesmo diploma).

A ser assim, como é, não sendo o Administrador de Insolvência parte, nem a ela equiparável, não se lhe poderá aplicar o disposto no art.º 150.º, n.º 1, al. a) do CPC, pois que se trata de norma destinada a quem é parte.

Quanto à aplicabilidade do art.º 166.º do CPC entendemos que efectivamente esse preceito será de aplicar (pois que pese embora se trate de preceito dirigido aos actos da secretaria, existe aqui grande similitude com a actividade do Administrador de Insolvência, que leva a que se aplique analogicamente tal normativo), embora em enquadramento diverso do defendido pela recorrente.

Com efeito, a aplicabilidade desse artigo verificar-se-á no tocante à junção ao processo do auto elaborado, isto é, no âmbito do disposto no art.º 151.º do CIRE, sendo certo porém que o prazo de cinco dias de que fala o art.º 144.º desse diploma se reporta a momento e a facto anterior a essa junção, com ela não colidindo.

Efectivamente o art.º 144.º, n.º 1 do CIRE estipula claramente que o prazo para o exercício do direito à separação de bens tardiamente apreendidos, deverá ocorrer nos cinco dias posteriores à apreensão.

Quer isto dizer que o legislador não fez depender a apresentação do requerimento em que se pede a separação dos bens, da apresentação em juízo do auto do arrolamento (se fosse essa a sua intenção tê-lo-ia dito expressamente, até porque consagrou norma específica relativa à junção do auto ao processo – indicado art.º 151.º), antes estipulou como início da contagem do prazo, a apreensão dos bens.

Por seu turno, como nos termos do art.º 150.º do CIRE a apreensão exige a elaboração dum auto (entendendo-se até que será título constitutivo daquela[1]) e constando deste a data em que foi realizada a apreensão, não tendo a requerente no seu requerimento inicial apresentado meios de prova[2] para a sua alegação de que o auto foi elaborado em 26/11/2007, terá de se considerar como válida a data em que no auto se refere que a apreensão foi realizada e ele elaborado (22/11/2007), sendo assim este o termo inicial do prazo.

Por outro lado, diga-se que também não se vê em que medida é que foi violado o disposto no art.º 20.º, da CRP, sendo certo que a agravante não indica ao longo das suas alegações, muito menos nas respectivas conclusões, quaisquer circunstâncias que revelem tal violação.

Assim, uma vez que a agravante se limitou a fazer referência a preceito legal sem qualquer suporte em factualidade sustentadora de inconstitucionalidade, excluiu por sua própria omissão tal problemática do objecto do presente recurso, sendo que por isso este Tribunal não conhecerá dessa questão.

Pelo que se deixa dito há pois que concluir, face aos factos dados por provados, que o requerimento apresentado pela ora agravante em 30/11/2007 o foi para além do prazo de cinco dias previsto no apontado art.º 144.º, n.º 1, do CIRE, pois que a apreensão e o correspondente auto ter-se-ão verificado e elaborado em 22/11/2007.

Mas se esse prazo foi ultrapassado, ainda assim deveria o requerimento ter sido aceite, por ter sido apresentado dentro dos três dias a que alude o art.º 145.º, n.º 5 do CPC.

Na realidade, não se compreende como o prazo em causa não foi entendido como prazo processual, quando é certo que o mesmo decorre de instrumento legal de conteúdo eminentemente processual.

Trata-se de prazo peremptório, cujo decurso … extingue o direito de praticar o acto (art.º 145.º, n.º 3, do CPC).

A lei prevê no entanto que após o termo final de tal prazo processual haja ainda lugar à sua prorrogação legal, quando o requerente se apreste a praticar o acto num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando, todavia, a validade do mesmo dependente do pagamento de uma multa, de montante variável, consoante seja praticado no primeiro dia ou nos dois restantes dias, em conformidade com o preceituado no artº. 145º, nºs. 5 e 6, do Cód. Proc. Civil.

No caso concreto, verifica-se que o requerimento da ora agravante foi apresentado no terceiro dia após o termo normal do prazo, pelo que a aceitação do mesmo estaria dependente do pagamento da multa respectiva.

Desta forma, entende-se que o recurso deverá proceder, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que dê integral cumprimento ao estatuído no art.º 145.º, n.ºs 5 e 6, do CPC.

IV – DECISÃO

Assim, acorda-se em dar provimento ao agravo e, nessa medida, revoga-se o despacho recorrido, devendo o mesmo substituído por outro que dê cabal cumprimento ao estabelecido no art.º 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC.

Sem custas.

Lisboa, 13/03/08

                          (José Maria Sousa Pinto)

                          (Jorge Vilaça Nunes)

                           (João Vaz Gomes)

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[1] Cfr. nota 4 ao art.º 151.º do CIRE anotado, vol. I, pág. 508, de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda
[2] Com efeito, de acordo com o disposto nos artgs. 141.º, n.º 1, al. b), 134.º, n.º 1 e 25.º, n.º 2, do CIRE, os meios de prova teriam de ser apresentados com o requerimento inicial.