Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9453/2007-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
EMBARGOS DE EXECUTADO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 – A oposição à execução consubstancia-se numa acção declarativa que se enxerta numa acção executiva, na qual o executado assume a autoria daquele processo dirigido contra o exequente que assume a posição de réu.
2 – Para que os documentos particulares se configurem como títulos executivos, além de conterem as assinaturas dos devedores, devem importar a constituição ou reconhecimento de obrigações, reportando-se estas ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético.
3 – Não se tornando necessário indicar a causa da obrigação, por se presumir a existência da relação fundamental, incumbe aos opoentes alegarem e provarem que semelhante relação não existe porque o negócio se não concretizou ou, a ter-se concretizado, porque padece de nulidade.
4 – Tendo o credor desembolsado diversas importâncias com vista não só à aquisição pelos opoentes das quotas duma “sociedade” mas também à remodelação e melhoramentos do respectivo estabelecimento bem como ao pagamento a fornecedores e a empreiteiros, ao longo de meses, não é exacto que a quantia mencionada no título executivo corresponda a um único mútuo, nem, consequentemente, afirmar-se que houve nulidade por vício de forma.
5 – Sendo o documento dado à execução constituído por quatro folhas, rubricadas pelo credor, é admissível a prova testemunhal para demonstrar que essas folhas, embora não rubricadas pelos devedores, fazem parte integrante do aludido documento.
6 – Tendo o juiz convidado os exequentes a aperfeiçoarem o seu articulado, sem que os mesmos hajam correspondido a tal convite, a acção prossegue, não correndo eles senão o risco de que a decisão de mérito lhes seja desfavorável por inconcludência da causa de pedir, sendo autores, ou por falta de concretização dos factos em que se funda a excepção, sendo eles réus, pela que é destituída de fundamento a pretensão dos opoentes, no sentido de se considerar que qualquer ónus de prova incidiria sobre os exequentes por falta de colaboração.
GF
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
Por apenso aos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa que [Luís] e [Emília] movem contra [Vítor] e outros vieram os executados deduzir oposição à execução tendente a obter a sua absolvição do pedido executivo, alegando que o documento apresentado como título executivo, tal como foi dado à execução pelos exequentes, pura e simplesmente nunca existiu. Muito embora na última folha de tal documento constem efectivamente as assinaturas dos opoentes, as demais folhas nunca fizeram parte do verdadeiro documento por eles assinado (uma dívida da sociedade e dos sócios da Auto - Madragoa, L. da a terceira entidade, no caso, a sociedade Auto - Sebi, L. da), folhas essas que, por nunca terem chegado ao conhecimento dos opoentes ou por estes reconhecidas, viciam, inelutavelmente, a totalidade do pretenso título executivo. Mas, ainda que o documento apresentado como título executivo pudesse corresponder efectivamente a um negócio real, tal documento não pode ser admitido como título executivo válido, dado que o mesmo é uma pretensa “confissão de dívida”, tendo por base um pretenso empréstimo de Esc. 53.848.236$00 (€ 268.593,87) efectuado por [Manuel] ao seu filho e ora exequente e aos opoentes, pelo que formalizaria e concretizaria um contrato de mútuo, nulo por vício de forma. Ainda que assim não se entenda, é falso que os opoentes tenham, directa ou indirectamente, recebido de [Manuel], qualquer importância em dinheiro ou espécie, dado que este nunca lhes prestou qualquer empréstimo, tendo-o feito sim enquanto gerente da sociedade Auto Sebi, L. da”, de acordo com o outro gerente dessa mesma sociedade.
Pedem, ainda, a condenação dos exequentes como litigantes de má no pagamento aos opoentes de indemnização não inferior a € 10.000,00.

Os exequentes contestaram, alegando que o documento dado à execução é genuíno dele constando as assinaturas dos opoentes, como aliás estes reconhecem. Em todo o caso, o documento dado à execução constitui título executivo nos termos do artigo 46°, alínea c) do Código Processo Civil.

Defendem, concluindo, a improcedência da oposição à execução e pedem a condenação dos opoentes como litigantes de má fé no pagamento aos exequentes de uma quantia indemnizatória de valor não inferior a € 10.000,00.

Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto considerada assente e elaboração da base instrutória. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, na qual foi ordenada a alteração da redacção do artigo 1º da base instrutória, no final da qual o tribunal veio a proferir decisão sobre a matéria de facto e, em seguida, a sentença, decidindo-se julgar improcedente a oposição à execução e determinar, consequentemente, o prosseguimento da execução.

Inconformados, recorreram os opoentes, formulando as seguintes conclusões:
1ª – O “documento” dado à execução, muito embora aparente a constituição de uma obrigação pecuniária, não reúne os requisitos de forma para que possa ser aceite como documento válido para a execução, devendo ser considerado um não – documento, implicando tal a consideração da inexistência de título executivo, com a consequente improcedência da acção executiva.
2ª – Não poderá ser aceite mera prova testemunhal para demonstrar que as folhas não assinadas – e das quais consta a constituição de obrigações – integram um único documento.
3ª – Ainda que assim se não entenda, sempre deveria ter sido considerado como não provado o quesito 1º da base instrutória, impondo-se a resposta de que não se provou que as três primeiras folhas que compõem o “documento” dado à execução tenham chegado ao conhecimento dos ora Recorrentes e que por estes foram reconhecidas.
4ª – Por, na base do reconhecimento de dívida (não aceite como verdadeiro pelos Recorrentes) constante do pretenso título executivo, se encontrar – como literalmente dele consta e foi assumido expressamente pelos exequentes – um empréstimo da quantia total de Esc. 53.848.236$00, deverá o mútuo, por ser de valor superior a € 20.000,00 e não constar de escritura pública, ser considerado nulo, com a consequente nulidade do reconhecimento de dívida nele intrinsecamente baseado em termos de causa – efeito.
5ª – Não é correcto afirmar-se, como se faz na sentença recorrida que se desconhece a causa da confissão de dívida, sendo certo que, a esse respeito, para além de, no “documento” dado à execução, se indicar expressamente que a confissão de dívida resultaria do facto de os devedores terem recebido do credor, como mutuários, a quantia de Esc. 53.848.236$00, também expressamente os Exequentes declararam ter existido um mútuo subjacente.
6ª – Deveria constar do elenco dos factos provados constantes do relatório da sentença que os ora Recorrentes não receberam de [Manuel], a título pessoal, qualquer importância.
7ª – Não tendo sido provado que o falecido [Manuel] emprestou a importância constante do “título executivo”, há manifesta contradição entre a factualidade subjacente à emissão da sentença e a consideração, por esta, que os Executados devem pagar aos herdeiros daquele a importância constante desse título, facto que determina a nulidade da sentença (artigo 668º, alínea c) do CPC).
8ª – Também não é correcto, como se afirma na sentença recorrida, que o Tribunal se encontra na ignorância quanto ao número de “empréstimos” realizados a que se refere o documento dado à execução, bem como dos montantes pecuniários correspectivamente envolvidos e que, por isso, será inviável aquilatar da respectiva validade em termos formais.
9ª – Por último, tendo-se verificado a desobediência dos Exequentes em aperfeiçoar o seu articulado, conforme convite formulado pelo despacho de fls. 75 e 75 verso, este no sentido de levar os Exequentes a esclarecer e concretizar o negócio subjacente à confissão de dívida, deveriam ter sido retiradas as devidas conclusões quanto a tal conduta, nomeadamente considerando-se que qualquer ónus de prova incidiria sobre os Exequentes por falta de colaboração (artigos 344º, n.º 2 CC e artigo 519º, n.º 2 CPC).
10ª – A quantia dada à execução não foi recebida pelos Executados.

Os exequentes contra – alegaram, defendendo a bondade da decisão recorrida.
2.
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1º - Os exequentes são os únicos e legítimos herdeiros de [Manuel], que faleceu em 27 de Março de 2001 (alínea a).
2º - Os exequentes intentaram a acção executiva n.º 5577/04.9YYLSB, à qual os presentes autos se encontram apensos, contra os opoentes, munidos de um documento composto por quatro folhas, constante de fls. 29 a 32 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta designadamente o seguinte:
“Contrato de Empréstimo e Confissão de Dívida”

Entre os outorgantes:
Primeiro: [Manuel], [...].
Segundos:
A – [Luís] [...], casado no regime da comunhão de adquiridos com [Maria] [...];
B – [Vítor] [...], casado no regime da comunhão de adquiridos com [Anabela] [...];
C – [Carlos] [...], casado no regime da comunhão de adquiridos [Eulália] [...];

é celebrado o presente contrato de confissão de dívida, o qual ficará subordinado às seguintes cláusulas:
Primeira
O primeiro outorgante concedeu aos segundos outorgantes maridos, vários empréstimos que, nesta data, totalizam o valor de 53.848.236$00 (cinquenta e três milhões, oitocentos e quarenta e oito mil duzentos e trinta e seis escudos) que estes aplicaram, em partes iguais, na aquisição das quotas da sociedade comercial inominada de Garagem Auto Madragoa, L. da e ainda em obras de beneficiação remodelação do estabelecimento e pagamentos a fornecedores da mesma sociedade.
Segunda
Os segundos outorgantes aceitam e reconhecem serem os mutuários de tal empréstimo e, por sua vez, confessam-se devedores, em partes iguais, perante o primeiro outorgante da referida importância de 53.848.236$00 (cinquenta e três milhões, oitocentos e quarenta e oito mil duzentos e trinta e seis escudos), que vencerá juro remuneratório à taxa de 6% ao ano, a partir de 31/07/1999 sobre a importância de 38.000.000$00 e a partir de 31/07/2000 sobre a importância de 15.848.236$00.
Terceira
Aquele empréstimo será amortizado e pago pela forma seguinte:
a) - No primeiro ano de vida de cada um dos empréstimos não haverá lugar ao pagamento de qualquer juro;
b) - No segundo ano de vida do empréstimo só haverá lugar ao pagamento de juros remuneratórios de acordo com a taxa fixada e combinada na cláusula anterior;
c) - No ano seguinte e assim sucessivamente durante os próximos 10 anos, os segundos outorgantes liquidarão 10% da dívida e os juros correspondentes ao capital ainda em dívida, tudo em quatro trimestralidades, a primeira que se vencerá no final do 3.º mês, a segunda no final do 6.º mês, a terceira no final do 9.º mês e a quarta no final do 12.º mês e assim sucessivamente durante os anos de vida do contrato.
Quarta
Os segundos outorgantes caso venham a recorrer a um financiamento bancário, para liquidação do empréstimo constante do presente contrato, e caso este lhes venha a ser concedido, os segundos outorgantes pagarão a dívida na sua totalidade e bem assim os juros vencidos até à data da liquidação do empréstimo, o que o primeiro outorgante aceita expressamente.
Quinta
Como garantia do bom pagamento do empréstimo concedido pelo primeiro aos segundos outorgantes, estes comprometem-se, em caso de incumprimento prolongado e definitivo, a ceder as quotas da sociedade referida na cláusula primeira pelo valor do montante em dívida, a favor do primeiro outorgante ou a favor da pessoa ou pessoas a indicar por este.
Sexta
Por estarem de acordo e ser de sua livre vontade, vai o presente contrato ser celebrado aos trinta e um dias do mês de Julho de 2000.
Os outorgantes:
Primeiro: [...]

Segundos:[...]
(alínea b dos factos assentes).
3º - O documento referido em 2. encontra-se assinado e rubricado por [Manuel], na qualidade de primeiro outorgante, e assinado pelos opoentes na quarta e última folha, na qualidade de segundos outorgantes (alínea c).
4º - Mostra-se junto a f1s. 55 a 58 dos autos, um documento cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, designadamente, o seguinte:
"Contrato de Empréstimo e Confissão de Dívida”

Entre os outorgantes:
Primeiro: [Manuel], [...];
Segundos:
A – [Luís], [...], casado no regime de comunhão de adquiridos com [Maria], [...];
B – [Vítor], [...], casado no regime da comunhão de adquiridos com [Anabela], [...];
C – [Carlos], [...], casado no regime da comunhão de adquiridos com [Eulália], [...];

é celebrado o presente contrato de empréstimo e confissão de dívida, o qual ficará subordinado às seguintes cláusulas:
Primeira
O primeiro outorgante concedeu aos segundos outorgantes maridos, nesta data, um empréstimo no valor de 38.000.000$00 (trinta e oito milhões de escudos) que estes aplicaram, em partes iguais, na aquisição das quotas da sociedade comercial denominada de Garagem Auto Madragoa, L. da e ainda em obras de beneficiação e remodelação do estabelecimento da mesma sociedade.
Segunda
Os segundos outorgantes aceitam e reconhecem serem os mutuários de tal empréstimo e, por sua vez, confessam-se devedores, em partes iguais, perante o primeiro outorgante da referida importância de 38.000.000$00 (trinta e oito milhões de escudos), que vencerá juro remuneratório à taxa de 6% ao ano, a partir de hoje.
Terceira
Aquele empréstimo será amortizado e pago pela forma seguinte:
a) - No primeiro ano de vida do empréstimo só haverá lugar ao pagamento de juros remuneratórios de acordo com a taxa fixada e combinada na cláusula anterior;
b) - No ano seguinte e assim sucessivamente durante os próximos 10 anos, os segundos outorgantes liquidarão 10% da dívida e os juros correspondentes ao capital ainda em dívida, tudo em quatro trimestralidades, a primeira que se vencerá no final do 3º mês, a segunda no final do 6º mês, a terceira no final do 9º mês e a quarta no final do 12º mês e assim sucessivamente durante os anos de vida do contrato.
Quarta
Os segundos outorgantes têm intenção de recorrer a um financiamento bancário, para liquidação do empréstimo constante do presente contrato, e caso este lhes venha a ser concedido, os segundos outorgantes pagarão a dívida na sua totalidade e bem assim os juros vencidos até à data da liquidação do empréstimo, o que o primeiro outorgante aceita expressamente.
Quinta
Como garantia do bom pagamento do empréstimo concedido pelo primeiro aos segundos outorgantes, estes comprometem-se, em caso de incumprimento prolongado e definitivo, a ceder as quotas da sociedade referida na cláusula primeira pelo valor do montante em dívida, a favor do primeiro outorgante ou a favor da pessoa ou pessoas a indicar por este.
Sexta
Por estarem de acordo e ser de sua livre vontade, vai o presente contrato ser celebrado aos vinte e sete dias do mês de Julho de 1999.
Os outorgantes
Primeiro [...];

Segundos [...];
“alínea d) dos factos assentes”.
5º – O documento referido em 4. encontra-se assinado e rubricado por [Manuel], na qualidade de primeiro outorgante, e assinado e rubricado pelos opoentes, na qualidade de segundos outorgantes (alínea e).
6º - As três primeiras folhas que compõem o documento referido em 2. chegaram ao conhecimento dos opoentes e por estes foram reconhecidas (resposta ao quesito 1º).
3.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes, constata-se que estes se não conformam com a sentença recorrida relativamente às questões que haviam já suscitado na petição inicial da oposição, a que acrescentam ainda a errada apreciação da matéria de facto e a nulidade da sentença por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, a par de uma questão nova que se prende com o facto de os executados não haverem acatado o convite do Tribunal formulado pelo despacho de fls. 75 e 75verso.

Por se conformarem quanto à decisão sobre a alegada litigância de má fé dos exequentes, como estes também se conformaram quanto à dos opoentes, transitou, nesta parte, o segmento da sentença que absolveu os oponentes e os exequentes da condenação em multa e indemnização à parte contrária, por alegada litigância de má fé das partes.

Assim, tendo em conta as questões suscitadas pelos recorrentes, interessa saber:
a) - Se o “documento” dado à execução reúne os requisitos de forma para que possa ser aceite como documento válido para a execução;
b) - Se poderá ser aceite prova testemunhal para demonstrar que as folhas não rubricadas do “documento” dado à execução e a quarta e última folha desse “documento” assinada por Manuel Simões Fernando, na qualidade de primeiro outorgante e pelos opoentes na qualidade de segundos outorgantes, integram um único documento;
c) - Se deveria ter sido considerado como não provado o quesito 1º da base instrutória;
d) - Se há nulidade da sentença por manifesta contradição entre a factualidade subjacente à emissão da sentença e a consideração, por esta, que os Executados devem pagar aos herdeiros do Manuel Simões Fernando a importância constante do título executivo;
e) – Se existe nulidade dos mútuos subjacentes ao reconhecimento de dívida constante do “título executivo” e, a existir tal nulidade, se isso implica a nulidade do reconhecimento de dívida;
e) –Se o facto dos Exequentes não terem aderido ao convite formulado pelo despacho de fls. 75 e 75 verso implica a inversão do ónus da prova.
3.
I – Da inexistência de título executivo:
Dos embargos de executado dizia-se constituírem uma verdadeira acção declarativa, que corria por apenso ao processo de execução. Esta autonomia estrutural mantém-se na actual oposição à execução, que continua a ter o carácter de uma contra – acção do devedor à acção executiva do credor para impedir a execução, visando ainda destruir os efeitos do título executivo(1).

A oposição à execução consubstancia-se, portanto, numa acção declarativa que se enxerta numa acção executiva, na qual o executado assume a autoria daquele processo dirigido contra o exequente, que assume a posição de réu.

E contempla dois interesses ou antagonismos: o interesse do credor à pronta realização do seu direito, a finalidade da acção executiva; o interesse do devedor de evitar o prosseguimento de uma execução irregular ou injusta ou de assegurar a restauração dos seus direitos e estabelecer a concretização das exigências da justiça com a execução necessariamente assente na simples aparência do direito.

In casu, os devedores pretendem impedir a execução, visando destruir os efeitos do título executivo, porque o documento que o consubstancia não existiria sequer, tendo sido forjado pelo credor.

Como se sabe, a acção executiva baseia-se, necessariamente, num documento (título) que, nesta espécie de acções, corresponde à causa de pedir. O título executivo constitui, pois, para a acção executiva um pressuposto processual específico desta (artigos 45º e seguintes do CPC).

Por norma, aponta-se ao título executivo a dupla qualidade de ser condição necessária e suficiente da acção executiva. Assim, por um lado, é condição necessária porque não pode haver acção executiva sem título executivo; por outro lado, é também condição suficiente porque basta a existência de título para promover a execução, sem necessidade de indagação, por meio de acção declarativa, acerca da existência do direito material que se pretende efectivar(2). No entanto, só neste sentido é condição suficiente, porque é necessário que estejam reunidos outros pressupostos processuais e que não ocorram os fundamentos de indeferimento liminar do requerimento inicial, previstos no artigo 811º-A do Código de Processo Civil.

Os documentos que podem servir de títulos executivos estão enumerados no artigo 46º do CPC de um modo taxativo conforme resulta claro pela introdução no proémio do referido preceito do advérbio “apenas”.

Nos títulos executivos extrajudiciais incluem-se, entre outros, os documentos particulares, que, para se configurarem como títulos executivos, devem obedecer aos requisitos mencionados na alínea c) do n.º 1 do artigo 46º, ou seja, (i) conterem a assinatura do devedor; (ii) importarem a constituição ou reconhecimento de obrigações, (não se tornando necessário indicar a causa da obrigação, por se presumir a existência da relação fundamental, face ao disposto no artigo 458º do Código Civil, que contudo não consagra o princípio do negócio abstracto, mas apenas uma regra de inversão do ónus da prova); (iii) reportarem-se as obrigações ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, à entrega de coisa ou à prestação de facto.

Ora o documento apresentado à execução é um documento particular, assinado pelos devedores, que importa a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.
Não obstante, os executados não reconhecem que tal documento seja título executivo porque, segundo eles, as três primeiras folhas que integram esse documento teriam sido adulteradas.

Como é sabido, os documentos particulares simples podem ser escritos e assinados, ou só escritos, ou só assinados pela pessoa a quem são atribuídos, por aquela parte que os produz ou invoca.

É entendimento dominante na doutrina que o texto do documento não tem de ser escrito pelo signatário, podendo sê-lo mesmo pela parte contrária, ou por terceiro. O que importa para a declaração de vontade é a subscrição pela qual o subscritor faz seu o texto, muito embora a lei possa exigir, em determinados casos, que o texto seja escrito pelo signatário.

A assinatura, ou subscrição, é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, como que lhe confere a sua autoridade que justifica a força probatória do mesmo documento(3).

A assinatura constitui, portanto, um elemento essencial dos documentos particulares, como resulta do disposto no artigo 373º Código Civil.

A assinatura deve ser aposta no fim do texto ou a seguir a ele, atestando deste modo, que tudo o que nele está inscrito o foi pelo seu signatário: “é preciso que o documento revele externamente que a assinatura se refere ao texto: por isso, se é subscrito um documento e nele existem declarações adicionais colocadas fora do texto a que a assinatura exteriormente se refere devem essas declarações ser subscritas à parte(4)”.

O documento apresentado à execução é composto por quatro folhas, encontrando-se todas rubricadas pelo credor, [Manuel], entretanto falecido, e contendo as assinaturas de todos os intervenientes, credor e devedores, na quarta e última folha.
Os executados reconhecem estas assinaturas como suas e não impugnam a do Manuel Simões Fernando.

Assim, sendo reconhecidas e não impugnadas as assinaturas pelos executados, as assinaturas do documento consideram-se verdadeiras, fazendo prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.

Valendo-se, no entanto, do facto das três primeiras folhas não se encontrarem rubricadas pelos executados, o que não é necessário, pretendem que essas folhas teriam sido adulteradas, pelo que o documento seria falso, não consubstanciando as declarações atribuídas aos seus autores.

Ora, observando o documento, verifica-se que todas as folhas obedecem ao mesmo esquema gráfico; foram impressas em papel timbrado do Advogado que na altura elaborou o contrato, encontram-se rubricadas pelo credor e as cláusulas têm continuidade lógica em numeração e conteúdo.

Aliás, na última folha, na qual os executados assinaram, ainda é possível ler a última parte da cláusula quinta, e a cláusula sexta desse acordo.

Ainda assim, o Tribunal a quo relegou para a audiência de julgamento, após toda a prova a ser produzida pelas partes, a apreciação desta matéria, por ser controvertida, tendo resultado provado que as três primeiras folhas que compõem o aludido documento chegaram ao conhecimento dos opoentes e por estes foram reconhecidas (resposta ao quesito 1º).

Naufragando a tese dos oponentes na 1ª instância, perante a prova produzida, pretendem na Relação demonstrar que, se a tese falhou, se deveu a duas falhas verificadas na sentença recorrida.

Em primeiro lugar, porque foi aceite, e não poderia sê-lo, mera prova testemunhal para demonstrar que as folhas não rubricadas, ou seja, as três primeiras folhas integram um único documento; e depois, porque, ainda que assim se não entenda, sempre deveria ter sido considerado como não provado o quesito 1º.

Quanto ao primeiro argumento. Os opoentes põem em causa a exactidão da matéria que integra o título, consubstanciada nas três primeiras folhas do documento, ao considerarem que as declarações delas constantes não foram feitas pelos recorrentes.

Os recorrentes arguem a falsidade parcial do documento, apresentado como título executivo.

Ora, como decorre do disposto nos artigos 547 a 549º do Código do Processo Civil, o n.º 1 deste último preceito garante a ambas as partes (impugnante e apresentante) o direito à prova.

É, portanto, admissível a prova testemunhal para demonstrar que as folhas não rubricadas integram o aludido documento, pelo que, nesta parte, tal argumento carece de fundamento.

Quanto ao segundo argumento. Os recorrentes, além de não indicarem quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, a audição das testemunhas, nomeadamente, o depoimento de [Maria] comprova que, quando assinou o documento em questão, o mesmo já se encontrava assinado pelos opoentes, donde se infere que as folhas que o integram não foram acrescentadas a posteriori.

II – Nulidade da sentença:
Uma das causas de nulidade da sentença é a que se verifica quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

É claro que esta contradição não pode ser a que deriva de um erro material. Neste caso, a contradição é apenas aparente e o que há a fazer é corrigir o erro material, eliminando assim a “contradição”.
A contradição a que o preceito de refere é a que verifica quando o juiz explana na sentença certos fundamentos que logicamente levariam a decidir num certo sentido, mas, em vez disso, a decisão enveredou pelo sentido oposto ou, pelo menos, diferente. Trata-se, portanto, de um vício de raciocínio.

Pode ser considerada como um silogismo judiciário em que a premissa maior é a norma jurídica aplicada, a menor é constituída pelos factos provados, sendo a conclusão a decisão proferida. Assim sendo, a conclusão tem de estar em consonância com as premissas.

In casu, ficou provado que o primeiro outorgante (Manuel) concedeu aos segundos outorgantes, maridos, vários “empréstimos” que, nesta data, totalizam o valor de 53.848.236$00 (cinquenta e três milhões, oitocentos e quarenta e oito mil duzentos e trinta e seis escudos) que estes aplicaram, em partes iguais, na aquisição das quotas da sociedade comercial inominada de Garagem Auto Madragoa, L. da e ainda em obras de beneficiação remodelação do estabelecimento e pagamentos a fornecedores da mesma sociedade.

Ficou também provado que os segundos outorgantes aceitam e reconhecem serem os mutuários de tais empréstimos e, por sua vez, confessam-se devedores, em partes iguais, perante o primeiro outorgante da referida importância de 53.848.236$00.

Como os executados não pagaram a aludida importância nem os respectivos juros e constituindo tal documento título executivo, é lógico que a sentença haja considerado que estes devem pagar aos herdeiros daquele a aludida importância, ordenando o prosseguimento da acção executiva.

Não há, portanto, qualquer contradição entre os fundamentos que o juiz explana na sentença e a decisão que tomou.
Não se verifica, pois, a alegada nulidade da sentença.

III – Nulidade do título executivo.
Como atrás referimos, para que os documentos particulares se configurem como títulos executivos, além de conterem a assinatura dos devedores, devem importar a constituição ou reconhecimento de obrigações, reportando-se estas ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético.

Mas não se torna necessário indicar a causa da obrigação, por se presumir a existência da relação fundamental, face ao disposto no artigo 458º Código Civil, que contudo não consagra o princípio do negócio abstracto, mas apenas uma regra de inversão do ónus da prova.

Assim, incumbia aos executados alegarem e provarem que semelhante relação não existe porque o negócio se não concretizou ou, a ter-se concretizado, porque padece de nulidade.

Para defesa da sua tese, sustentam, agora, os opoentes que a ser válido o documento dado à execução, o mesmo não poderia ser admitido como título executivo uma vez que a confissão de dívida dele constante formalizaria e concretizaria um contrato de mútuo, que, atento o respectivo valor, seria nulo por vício de forma, já que teria de ser celebrado por escritura pública de acordo com o disposto no artigo 1143º do Código Civil.

Esta argumentação dos opoentes esbarra com a prova produzida. Com efeito, no documento particular dado à execução, a que os seus subscritores (credor e devedores) deram o nome de “contrato de empréstimo e confissão de dívida”, está reconhecido, na cláusula primeira, que o primeiro outorgante concedeu aos segundos outorgantes vários empréstimos que totalizam à data o valor de Esc. 53.848.236$00, que estes aplicaram, em partes iguais, na aquisição de quotas da sociedade comercial denominada de Garagem Auto Madragoa, L. da, e ainda em obras de beneficiação e remodelação do estabelecimento e pagamentos a fornecedores da mesma sociedade, esclarecendo-se na cláusula segunda que os segundos outorgantes aceitam e reconhecem ser os mutuários de tais empréstimos, reconhecendo-se, por isso, devedores, em partes iguais, perante o primeiro outorgante da referida importância.

Assim, são os exequentes que fazem prova bastante da relação subjacente que deu origem à subscrição do título executivo, apesar de competir aos executados a prova de que o negócio não se havia constituído.

Embora as partes outorgantes tenham designado o contrato, consubstanciado no aludido documento, como contrato de empréstimo, não o fizeram, em nosso entender, com rigor técnico e no seu sentido estritamente jurídico.

Com efeito, considerando o teor literal do mesmo, consta-se que nele se mencionam vários “empréstimos” que o credor concedeu aos devedores não só para a aquisição de quotas da sociedade comercial denominada de Garagem Auto Madragoa, L. da, como ainda para obras de beneficiação e remodelação do estabelecimento e pagamentos a fornecedores da mesma sociedade.

Nesse sentido, foram juntos aos autos documentos comprovativos da compra das quotas da sociedade Auto Madragoa pelo [Manuel], em benefício de seu filho e dos executados, que ficaram titulares das quotas.

E foi ainda junta uma extensa lista de documentos da contabilidade particular do falecido [Manuel] comprovativos dos pagamentos feitos aos empreiteiros que executaram as obras na Sociedade Auto Madragoa, também em benefício exclusivo do seu filho e dos ora executados.

Trata-se, portanto, de diversas importâncias desembolsadas pelo [Manuel] (que não todas) com vista à aquisição da Sociedade Auto Madragoa, remodelação e melhoramentos do respectivo estabelecimento e pagamentos a fornecedores.

Em face de tal pluralidade de “empréstimos”, sem que se saiba a quantos actos se reportam e consequentemente quais os correspectivos valores, não se poderá afirmar que a quantia mencionada corresponde a um único mútuo. Daí que se não possa também saber se houve ou não qualquer nulidade por vício de forma.

E era sobre os executados que recaía também o ónus de provar a nulidade do documento, provando a nulidade da relação subjacente, o que não conseguiram, pelo que improcedem as conclusões dos recorrentes a este propósito formuladas.
IV.
Pretendem, finalmente, os executados que, tendo-se verificado a desobediência dos Exequentes em aperfeiçoar o seu articulado, conforme convite formulado pelo despacho de fls. 75 e 75 verso, deveriam ter sido retiradas as devidas conclusões quanto a tal conduta, nomeadamente considerando-se que qualquer ónus de prova incidiria sobre os Exequentes por falta de colaboração.

Nos termos do artigo 508º, n.º 3 do CPC, apresentando-se o articulado deficiente, pode o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

O aperfeiçoamento é, pois, o remédio para casos em que os factos alegados por autor ou réu (os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções) são insuficientes ou não se apresentam suficientemente concretizados.

O poder do juiz é, nestes casos, discricionário (cfr. artigo 156º, n.º 4) e, por isso, nem o despacho em que o exerça é recorrível (artigo 679º) nem o seu não exercício pode fundar uma arguição de nulidade (artigo 201º). Se a parte não corresponder ao convite ao aperfeiçoamento, a acção prossegue, correndo ela o risco de que a decisão de mérito lhe seja desfavorável, por inconcludência ou falta de concretização da causa de pedir, se for o autor (ou o reconvinte) ou dos factos em que se funda a excepção, se for o réu (ou o reconvindo).

Estas as consequências que podem derivar do não acatamento do convite ao aperfeiçoamento, sendo, por conseguinte, destituídas de qualquer fundamento as pretendidas pelos recorrentes, ou seja, a de que qualquer ónus de prova incidiria sobre os exequentes por falta de colaboração.
5.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2007

Manuel F. Granja da Fonseca

Fernando Pereira Rodrigues

Fernanda Isabel Pereira
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1 - Cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 323.
2 - Anselmo de Castro, A acção executiva, singular, comum e especial, 1970, 14.
3 - Cfr. Vaz Serra, Provas, n.º 83.
4 - ENNECERUS – NIPPERDEY, citados por Vaz Serra, Provas, n.º 83.