Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1155/17.0IDLSB.L1-5
Relator: CID GERALDO
Descritores: CONTINUAÇÃO CRIMINOSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REENVIADO PARA NOVO JULGAMENTO
Sumário: – Descobertos novos factos que se possam encontrar numa situação de continuação criminosa com outros já julgados, impõe-se previamente apurar se aqueles integram efetivamente a continuação (uma unidade jurídica criminosa), circunstância que não dispensa – constituindo esse o cerne da questão – o juízo sobre uma menor gravidade da culpa, ditado pela menor exigibilidade decorrente da persistência de um mesmo quadro de solicitação externa, na realização das várias condutas que, executadas de forma essencialmente homogénea, fundamentalmente atinjam o mesmo bem jurídico, o que não dispensa o julgador da formulação do juízo sobre o eventual nexo psicológico entre uns e outros.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.– No âmbito do processo nº 1155/17.0IDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2, foi o arguido P. condenado pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos art. s 105º, nºs 1 e 4 da Lei nº15/2001, de 05.06 (Regime Geral das Infracções Tributárias), e art. 30º, nº2 do C. Penal,  na pena de trinta (30) dias de multa, que foi convertida em admoestação, nos termos do artigo 60° do Código Penal.

Foi ainda condenada a sociedade arguida T.  pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelos artigos 7°, 105° n.°s 1, 2 e 4 da Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, em conjugação com o artigo 30° n.° 2 do Código Penal, na mesma pena de 30 dias de multa, que foi convertida em admoestação, nos termos do artigo 60° do Código Penal.
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Inconformados com a sentença, dela recorreram os arguidos P. e «T., S.A.», formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1.º– O Tribunal a quo condenou P. e a T.  pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelo artigo 105° n.°s 1, 2 e 4 da Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, em conjugação com o artigo 30° n.° 2 do Código Penal, na pena de 30 dias de multa, que foi convertida em admoestação, nos termos do artigo 60° do Código Penal.
2.º– A Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as concretas questões de direito suscitadas pelos factos alegados na contestação apresentada pelos recorrentes.
3.º– A conduta em análise nos presentes autos é uma continuação da conduta que esteve em apreciação no Processo n.° 1552/16.9IDI,SB, no qual os arguidos foram condenados — por Sentença já transitada em julgado — pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, por não terem entregado ao Estado os IVAs dos meses de outubro de 2015 a abril de 2016 (sendo que os presentes autos abarcam a omissão de pagamento nos três meses imediatamente seguintes, maio a julho de 2016).
4.º– O que está em causa neste processo e naqueles outros autos é o mesmo crime continuado, pois foi a mesma situação exterior — as dificuldades financeiras — que levou a que os recorrentes se vissem sempre confrontados com a difícil escolha de pagar salários ou pagar impostos.
5.º– A conduta por que os arguidos foram condenados nos presentes autos não é mais grave do que a que foi julgada nos autos que, sob o n.° 1552/16.9IDLSB, correram termos pelo Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 4, tendo o arguido, nesses autos, sido condenado pela prática de crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos.
6.º– Deve pois manter-se a pena mais grave ali aplicada aos arguidos, sem mais qualquer aplicação de pena no presente processo.
7.º– Com a decisão proferida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 368° n.° 3 do Código de Processo Penal, 79° n.° 2 do Código Penal e 29° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa.
8.º– Pronunciando-se sobre a questão invocada pelos arguidos, deveria o Tribunal a quo ter interpretado as aludidas normas legais, considerando que os factos criminosos em apreciação nos presentes autos são uma continuação dos que estavam em apreciação no Processo n.° 1552/16.9IDLSB, no qual os arguidos foram condenados — por Sentença já transitada em julgado — pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, por não terem entregado ao Estado os IVAs dos meses de outubro de 2015 a abril de 2016, considerando então não ser de aplicar mais qualquer outra pena aos arguidos além daquela que já lhes foi aplicada no crime mais grave.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, E DETERM1NANDO-SE A SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE MANTENHA A PENA MAIS GRAVE APLICADA NO PROCESSO N.° 1552/16.91DLSB E MN.AO APLIQUE QUALQUER OUTRA PENA AOS ARGUIDOS, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA 
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, concluindo em suma, que:
Pelo crime de abuso de confiança fiscal os recorrentes foram condenados no Processo n°1552/16.9IDLSB, como se viu, na pena de 18 meses de prisão suspensa por três anos na sua execução. A pena aplicada nestes autos pelo mesmo crime continuado, de abuso de confiança fiscal, não teve em conta maior número de retenções de IVA que as analisadas naquele processo, nem representa o cometimento de crime com moldura penal mais gravosa.
Assim sendo, e atenta a nova redacção do art.79° do CP, entendemos que deverá ser mantida a pena de 18 meses de prisão, suspensa por três anos, nos termos da condenação do Processo n°l 552/16.9IDLSB, pelo crime de abuso de confiança fiscal.
Pelo sumariamente exposto, deve o presente recurso ser considerado procedente.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-geral Adjunta proferiu parecer no sentido da procedência do recurso, e que, em consequência seja determinado o reenvio parcial [artigos 426.° e 426.º - A do CPP] circunscrito ao julgamento dos factos relevantes à formulação do juízo sobre a eventual verificação de uma situação de continuação criminosa entre as condutas já julgadas no âmbito do proc. n° 1552/16.9IDISB e aquelas outras em questão nos presentes autos.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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2.– O tribunal deu como assente o quadro factual que passamos a transcrever, bem como a motivação da respectiva convicção, aspecto jurídico da causa e consequências jurídicas do crime.

2–FUNDAMENTAÇÃO

2.1.–Matéria de facto provada

a)- A Sociedade Arguida é uma sociedade anónima, tendo por objecto social as actividades de selecção, orientação e formação profissional, consultadoria e gestão de recursos humanos.
b)- A sociedade Arguida é colectada, em sede de IRC, pelo regime geral, e em sede de IVA, no regime de periodicidade mensal.
c)- Ao 2º Arguido coube sempre o exercício efectivo da sua administração.
d)- No exercício da sua actividade, no quinto, sexto e sétimo meses de 2016, a Sociedade Arguida, representada pelo 2º Arguido, liquidou IVA a terceiros, e recebeu efectivamente dos seus clientes, respectivamente, os valores de 22.704,50€, 20.972,41€, 32.364,43€.
e)- Enviou aos Serviços de Administração Fiscal do IVA as declarações periódicas mensais relativas a tais períodos.
f)- O 2º Arguido e a Sociedade Arguida, nos períodos de tempo referidos, não procederam à entrega do IVA relativo aos mesmos, respectivamente, nos montantes de 22.704,50€, 20.972,41€, 32.364,43€, tendo decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal para a sua entrega.
g)- Os Arguidos foram notificados para procederem ao pagamento da quantia em dívida, juros e coimas, no prazo de 30 dias, mas não o fizeram.
h)- A Sociedade Arguida tinha duzentos trabalhadores, aos quais foram pagos os salários; entretanto, a Sociedade Arguida e o 2º Arguido pagaram integralmente os montantes referidos em f).
i)- O Arguido é empresário, auferindo cerca de 1.500€ mensais; vive em casa própria, pagando uma amortização mensal de cerca de 480€; tem dois filhos, de 16 e 7 anos de idade.
j)- A Sociedade Arguida e o Arguido têm antecedentes criminais por crime da mesma natureza, mas por factos do mesmo período temporal a que estes se reportam e imediatamente anteriores.
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2.2.–Matéria de facto não provada
Nenhuma.
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2.3.–Motivação
           
 “O que significa (…), exactamente, livre apreciação da prova, valoração desta segundo a livre convicção do juiz? (…) se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária tem evidentemente esta discricionaridade (…) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser , em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo (…). (…) Do mesmo modo, a «livre» ou «íntima» convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (…) Se a verdade que se procura é, já o dissemos, uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (máxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável  e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando (…) o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.”

[Jorge de Figueiredo Dias – Direito Processual Penal – 1ª ED. 1974 Reimpressão – Coimbra Editora 2004, pág. 202 e ss.]

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O Tribunal formou a sua convicção com basena confissão livre, integral e sem reservas efectuada pelo 2º Arguido, o qual esclareceu que as dificuldades progressivas que a Sociedade Arguida foi sentindo, devido à quebra na construção civil, mais afirmando que pagou os salários aos seus trabalhadores, e esclarecendo ainda que, entretanto, pagou integralmente, o IVA que estava em dívida; bem como atendeu o Tribunal às suas declarações complementares relativas à respectiva situação pessoal, familiar e profissional.

Ainda, na documentação junta aos autos, a qual corrobora a pagamento do imposto devido.

Antecedentes criminais: C.R.C. de fls. 255 e ss. e 259 e ss..
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2.4.–Aspecto jurídico da causa


[Jorge de Figueiredo Dias – Direito Processual Penal – 1ª ED. 1974 Reimpressão – Coimbra Editora 2004, pág.s 144 e 145]

À Sociedade Arguida e ao 2º Arguido é imputada a prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art. 105º, nº1, ambos do R.G.I.T.; sendo que a sociedade Arguida responde nos termos do art. 7º do mesmo diploma.

Dispõe o art. 105º, nº1: "1. Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2. Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.”.
Art. 7º, nº1: “As pessoas colectivas (…) são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo.”.      

São elementos típicos objectivos deste tipo de crime, a apropriação de prestação tributária, total ou parcial, pelo responsável pela entrega dos rendimentos tributários deduzidos (prestação essa retida na fonte a título definitivo ou prestação recebida de terceiros que haja obrigação legal de liquidar, nos casos em que a lei o preveja).
No que respeita ao elemento subjectivo, a lei basta-se com um dolo genérico (art. 14º do C. Penal), traduzido na consciência por parte do arguido de que se está a apropriar de uma prestação tributária que deveria entregar ao Estado, assumindo aquele a intenção de não entregar à administração fiscal o montante referente ao imposto liquidado e retido, e de se apropriar do mesmo.

A consumação deste tipo de crime dá-se com a apropriação, com a inversão do título da posse, ou seja, quando o agente passa de possuidor legítimo em nome alheio a possuidor ilegítimo em nome próprio; apropriação que tem de ser traduzida por actos objectivos reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como sua.

A utilização da prestação tributária, ainda que não em benefício próprio/pessoal, como é o caso da sua utilização para pagar salários ou mercadorias com intenção de manter a empresa em laboração, consubstancia uma apropriação; com efeito, a utilização da prestação tributária para outros fins é, desde logo, uma disposição da mesma, em que o fiel depositário lhe dá destino diverso daquele a que está obrigado, actuando como seu dono.

O administrador que usa voluntária e indevidamente, na sua empresa, valores recebidos ou liquidados a título de qualquer imposto, competindo-lhe entregá-los ao Estado, apropria-se dos mesmos, mesmo que não retire benefício pessoal directo desse acto; sendo que só o efectivo recebimento ou retenção do montante da prestação em causa permite falar em inversão do título da posse e, consequentemente, em apropriação.

Resulta cristalino da matéria de facto provada que a Sociedade Arguida, através da sua administração, praticou o crime que lhe é imputado.
E neste contexto, se é inarredável a existência da apropriação de prestação tributária, esta deve ser entendida cum granum salis.
Nos termos sobreditos e reportando-nos ao caso concreto, o Tribunal crê que efectivamente quem geria a Sociedade Arguida não actuou com o propósito de aumentar o património individual à custa do Fisco, e que realmente não obteve, de tal retenção, qualquer benefício próprio/pessoal.
Terá sido sua intenção conservar, ainda que artificialmente, a empresa a trabalhar.
Porém, tal deixa intocada a realidade da apropriação.
Praticaram a Sociedade Arguida e o 2º Arguido o crime que lhes é imputado, na forma continuada (art. 30º, nº2 do C. Penal).

Nos termos deste normativo legal, »Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.«.

“E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, como pela primeira vez claramente o formulou Kraushaar, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.”

(cfr. Prof. Eduardo Correira, in “Direito Criminal”, Livraria Almedina Coimbra - 1988,Vol. II, pág. 209)

Claramente a situação da Sociedade Arguida, administrada pelo Arguido, a qual entrou em crescentes dificuldades económicas (já em plena crise nacional), situação e circunstâncias externas que diminuíram consideravelmente a culpa dos mesmos.
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2.4–Consequências Jurídicas do Crime
Ao crime praticado corresponde a punição com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
O Código Penal atribui à pena um conteúdo de reprovação ética, sem deixar de atender aos fins de prevenção geral e especial.     
A culpa é o limite inultrapassável da pena concreta; fundamenta e limita a pena.

De acordo com os citados princípios, a pena visará a retribuição justa do mal praticado, a reinserção social do delinquente e a satisfação do sentimento de Justiça da comunidade, servindo como elemento dissuasor.
A defesa do ordenamento jurídico exige que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sócio-pedagógico na comunidade, ou seja, que corporize um exemplo, um contra-motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos.
A teoria da margem da liberdade, a qual encontra eco na nossa Jurisprudência, visando a concordância possível dos fins das penas no caso concreto, reconhece que a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exacta.
A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) intervindo os outros fins das penas – prevenção geral e especial – dentro daqueles limites (cfr. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pág. 4 e ss.).
Segundo o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, a culpa dolosa é a expressão, documentada no facto, de uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-ser jurídico-penal; a culpa negligente é a expressão, documentada no facto, de uma atitude descuidada ou leviana em face das exigências daquele mesmo dever-ser.

“Explicitamente: para que o agente seja punido por dolo – e isso significa para nós, (…) para que haja dolo – não basta que ele tenha realizado o tipo com conhecimento e vontade, mas é sempre necessário que tenha documentado na realização uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença ao direito; como para que ele seja punido a título de negligência não basta que tenha realizado o tipo por omissão da diligência imposta, mas é sempre necessário que tenha exprimido na realização uma atitude pessoal de leviandade ou descuido perante as exigências jurídicas.”

[Jorge de Figueiredo Dias – “O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal”, Coimbra Editora, Limitada, pág. 255]     
“A função que ao conceito de culpa cabe no sistema do facto punível é por isso (e foi mérito de Roxin, como já por diversas vezes se pôs em relevo, tê-lo claramente acentuado nos nossos tempos) uma função limitadora do intervencionismo estatal, visando defender a pessoa do agente de excessos e arbitrariedades que pudessem ser desejados e praticados pelo poder do Estado.”

[Jorge de Figueiredo Dias – “Temas Básicos da Doutrina Penal – Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal – Sobre a Doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, pág. 231, citando “Roxin, sobretudo a partir das suas “Kritische Überlegungen zur Schuldprinzip”, MschrKrim, 1973, p. 316 (tradução espanhola de Muñoz Conde, na colectânea com o título Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal, 1981, p. 41)”.]  

Como afirmámos supra, a determinação da pena concreta far-se-á em função da culpa e das exigências de prevenção geral e especial, ponderando, para o efeito, as agravantes e atenuantes gerais apuradas.


[Winfried Hassemer, “Warum Strafe sein muss – Ein Plädoyer”, Ullstein, Seite (pág.) 92]

Na fixação concreta da pena, cumpre ponderar as circunstâncias a que alude o art.71º do C. Penal.   

Há a considerar que:
- o grau de ilicitude é mediano, tendo em conta os efeitos finais produzidos com a conduta, sendo que o montante de imposto em dívida já foi, entretanto, integralmente pago;
- o dolo é necessário;
- o 2º Arguido é uma pessoa socialmente integrada que continua a exercer uma profissão empresarial;
- depõe a favor do mesmo a confissão feita em audiência.
-Ao nível da prevenção geral, é este um crime que cumpre desmotivar pelas consequências sociais nocivas que tem, e em face do sentimento generalizado de impunidade que – mal – o acompanha.
-Quanto às exigências de prevenção especial, ainda são as mesmas diminutas, em face da circunstância de os antecedentes criminais dos Arguidos se sitar todo no período de crise que atingiu a economia nacional e que “ceifou” inúmeras pequenas e médias empresas.
-Afigura-se adequado graduar a pena concreta do Arguido P. em trinta (30) dias de multa, a qual se transmuta numa admoestação, uma vez que o imposto em dívida já foi integralmente pago, entendendo-se que, assim, ficam cumpridas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso (art. 60º do C. Penal).
-Afigura-se adequado graduar a pena concreta da Sociedade Arguida T. –S.A., em trinta (30) dias de multa, a qual se transmuta numa admoestação, uma vez que o imposto em dívida já foi integralmente pago, entendendo-se que, assim, ficam cumpridas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso (art. 60º do C. Penal).
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3.– Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).

Alegam os recorrentes que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão de direito suscitada pelos factos alegados na contestação apresentada pelos arguidos P. e T.  na qual defenderam que, sendo a conduta em análise uma continuação dos factos julgados no Processo n.° 1552/16.9ID1 SB, deveria manter-se, nos termos a contrario senso do n.° 2 do artigo 79° do Código Penal, apenas a pena mais grave ali aplicada aos arguidos, sem mais qualquer aplicação de pena no presente processo.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, a questão a decidir consiste em saber se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão de direito suscitada na contestação.
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4.– Quanto à nulidade processual, por omissão de pronuncia, sobre a questão invocada pela defesa, ou seja, se deveria o Tribunal a quo considerar que os factos criminosos em apreciação nos presentes autos são uma continuação dos que estavam em apreciação no Processo n.° 1552/16.9IDLSB, no qual os arguidos foram condenados, devendo manter-se, nos termos a contrario senso do n.° 2 do artigo 79° do Código Penal, apenas a pena mais grave ali aplicada aos arguidos, sem mais qualquer aplicação de pena no presente processo.

Alegam os recorrentes que a sentença é nula, porquanto o tribunal a quo, omitiu pronuncia sobre a questão de saber se na interpretação do artigo 79°, 2 do C.P. apenas se prevê o conhecimento superveniente de conduta mais grave que integre a continuação criminosa, ou igualmente se nele se integra a conduta de igual ou menor gravidade da anterior ou anteriores, questão que já havia suscitado em sede de contestação, alegando no essencial que os factos criminosos em apreciação nos presentes autos são uma continuação dos que estavam em apreciação no Processo n.° 1552/16.9IDLSB, no qual os arguidos foram condenados — por Sentença já transitada em julgado — pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, por não terem entregado ao Estado os IVAs dos meses de outubro de 2015 a abril de 2016, considerando então, não ser de aplicar mais qualquer outra pena aos arguidos além daquela que já lhes foi aplicada no crime mais grave.
Concluem, assim, que com a decisão proferida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 368° n.° 3 do Código de Processo Penal, 79° n.° 2 do Código Penal e 29° n.° 5 da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos:

Compulsados os autos verifica-se que os arguidos foram condenados no âmbito do Processo nº 1552/16.9IDI,SB, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, por não terem entregado ao Estado os IVAs dos meses de outubro de 2015 a abril de 2016.

Nos presentes autos vem os arguidos acusados pela prática do mesmo tipo de crime, também na forma continuada, mas por factos referentes ao período referente aos meses de Maio, Junho e Julho de 2016, a que só posteriormente àquela condenação foram conhecidos.

Não há, na matéria de facto provada, nos dois processos, repetição de prestações retidas.

A pena aplicada ao arguido, no Processo n° 1552/16.9IDLSB, foi de 18 meses de prisão suspensa por três anos na sua execução. A pena aplicada nestes autos pelo crime continuado de abuso de confiança fiscal foi de multa, substituída por admoestação.

Com interesse para o caso surgem as normas do n.º 2 do artigo 30.º e 79.º, nºs 1 e 2, todas do C. Penal.

Nos termos do disposto no artigo 30º nº 2 do Código Penal, “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”

E, nos termos do disposto no artigo 79º nº 1 e 2 do Código Penal:

«1– O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.
2– Se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior».

Uma vez descobertos novos factos que se possam encontrar numa situação de continuação criminosa com outros já julgados, impõe-se previamente apurar se aqueles integram efetivamente a continuação (uma unidade jurídica criminosa), circunstância que não dispensa – constituindo esse o cerne da questão – o juízo sobre uma menor gravidade da culpa, ditado pela menor exigibilidade decorrente da persistência de um mesmo quadro de solicitação externa, na realização das várias condutas que, executadas de forma essencialmente homogénea, fundamentalmente atinjam o mesmo bem jurídico.

Ora, no caso que nos ocupa, aderimos por inteiro aos argumentos constantes do Acórdão do TRC de 27.09.2017, Relator: Maria José Nogueira, proferido no âmbito do proc. n° 1432/16. 8T9PBL.C1, citado no douto Parecer da Exª Procuradora-geral Adjunta, no qual também nos louvamos, e que refere:

« Como ensina Cavaleiro de Ferreira, o crime continuado constitui uma exceção ao concurso de crimes, «uma forma de concurso de crimes que revela uma muito menor gravidade da culpa», sendo a «penalidade do crime continuado a penalidade ou a pena aplicável ao crime mais grave dentre os cometidos em continuação» - [cf. Lições de Direito Penal, II, pág. 162].

É, assim, «a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caraterizam o crime continuado» e justificam correspondente «subtração às regras da pena conjunta do concurso», bem podendo dizer-se «ser ainda um princípio de exasperação, não de absorção, que preside à operação da medida da pena do crime continuado como unidade jurídica» - [cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 296].

No domínio da punição do crime continuado a Reforma Penal de 2007 introduziu o n.º 2 do artigo 79.º, lendo-se na Exposição de Motivos do Projeto de Lei n.º 98/X, de 7 de Setembro de 2006, que se encontra na origem da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro: «Ao nível sancionatório, prescreve-se que o conhecimento superveniente de novo crime que integra a continuação criminosa ou o concurso acarreta sempre a substituição da pena anterior, mesmo que já executada, depois de se ter procedido ao correspondente desconto, no caso de a nova pena única ser mais grave. Deste modo, assegura-se o máximo respeito pelo princípio non bis in idem, consagrado no n.º 5 do artigo 29.ºda Constituição».

Significa, portanto, que a formulação do novo preceito «visou consagrar a tese segundo a qual a condenação por crime continuado não faz caso julgado, devendo ser reapreciada em novo julgamento a pertença do facto novo à continuação criminosa anteriormente julgada» - [cf. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, págs. 248/249].

Por outro lado, tem sido pacífico na doutrina o entendimento segundo o qual a redação do artigo 79.º do C. Penal não consente a interpretação possível no domínio do C. Penal de 1982 (à luz do artigo 78.º, n.º 5) de que ao crime continuado era aplicável a pena que em concreto fosse aplicada à conduta mais grave que integra a continuação, sendo, agora, claro que o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a conduta criminosa e não com a pena concretamente aplicada.

Como escreve Germano Marques da Silva «A penalidade do crime continuado é a penalidade ou pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação», sendo diversos os critérios de punição no concurso de crimes e no crime continuado, acrescentando a propósito o Autor «No crime continuado não se procede à determinação da pena concreta a aplicar a cada uma das condutas que integram a conduta continuada, mas apenas à determinação da pena que seria aplicável a cada uma dessas condutas se consideradas autonomamente. A penalidade do crime continuado não implica qualquer soma nem de penas concretas nem de penalidades, pois é constituída pela penalidade aplicável à conduta mais grave (ou seja, a penalidade mais grave - [cf. Direito Penal Português, III, 2008, Verbo, págs. 186/191].

No mesmo sentido dizem Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette «Quando se refere o conhecimento superveniente de conduta mais grave, alude-se a uma conduta à qual corresponde pena aplicável mais grave do que a moldura penal antes utilizada para se punir a continuação, na sentença já transitada» - [cf. Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, págs. 239/241].

Também assim Pinto de Albuquerque ao evidenciar «O regime de punição do crime continuado consiste num sistema de exasperação (…). Assim, o tribunal deve escolher a moldura penal do facto mais grave e determinar a medida concreta da pena do crime continuado dentro desta moldura, devendo para o efeito considerar a penalidade dos factos criminosos.

A reforma de 1995 resolveu a querela de saber se a pena do crime continuado era a pena concreta ou a pena abstrata do crime mais grave, no segundo sentido, ao substituir a expressão “pena correspondente” por “pena aplicável” como já propunha Cavaleiro de Ferreira, 1989:162). Destarte a aplicação do regime do crime continuado supõe que o tribunal determine a pena aplicável (mas não a pena concreta aplicada) a cada um dos factos que integram a continuação, de modo a poder compará-las e determinar a moldura penal mais grave – [cf. op. cit., págs. 248/249].

Não de modo diverso se vem pronunciando a jurisprudência, como sucede no acórdão do STJ de 18.02.2010 (proc. n.º 432/09.9YFLSB) do qual se respiga: «As “condutas mais graves” serão então aquelas que integrem um tipo próximo do da condenação transitada (que proteja substancialmente o mesmo bem jurídico), mas com uma moldura penal mais severa (…). É que a expressão “conduta mais grave”, do n.º 2 do art. 79.º do CP, é também empregue no n.º 1 do preceito, e aí não oferece dúvida que a gravidade da conduta se afere pela pena aplicável, e portanto, pela moldura penal abstrata do crime, não fazendo qualquer sentido que a mesma expressão seja usada nos dois números com sentido diferente», posição seguida no acórdão do TRC de 03.02.2016 (proc. n.º 90/14.9TAMGL.C1) onde a ora relatora interveio como adjunta.

Pacífico que se mostra, para nós, este entendimento, isto é que a maior gravidade da conduta supervenientemente conhecida após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória, mas obviamente ocorrida antes do mesmo se reporta à ação que, integrando a continuação criminosa, for punível de forma mais severa, a que corresponda, por conseguinte, uma moldura penal abstrata (uma penalidade) mais grave – e, bem assim, que o tempo da acusação não constitui, sem mais, critério para afastar o nexo psicológico (de coesão) entre as diversas condutas criminosas - é hora de questionar se sendo a conduta «nova» de igual ou menor gravidade relativamente àquelas já julgadas tal constatação, como parece resultar da sentença recorrida, torna a coisa irrelevante, dispensando a formulação do juízo sobre a efetiva existência de uma continuação criminosa, ou seja sobre a eventual unificação, suportada numa menor exigibilidade e na consequente diminuição da culpa, de todas as condutas anteriores num crime continuado.

Com o devido respeito, não se nos afigura tal defensável.

Partindo das normas de punição do crime continuado, chegando-se à conclusão que a nova conduta conhecida integra com a(s) conduta(s) já julgadas uma continuação criminosa, mas que a pena àquela aplicável é de igual ou menor gravidade relativamente a estas, então não há que considerá-la.

Exemplificando, escreve Germano Marques da Silva: «Consideremos que o agente foi condenado pelas condutas A), B) e C), constitutivas cada uma de um crime de abuso de confiança, punível nos termos do disposto no art. 205.º, nº 1, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança. Posteriormente descobre-se uma nova conduta também qualificada como abuso de confiança p.p. pelo n.º 1 do art. 205.º. Neste caso não há lugar a nova acusação porque o facto agora descoberto não implicará uma nova pena, por força do disposto no art. 79.º, nº 2. Se for deduzida acusação, a mesma não pode ser recebida e se o for o arguido deve ser absolvido».

No mesmo sentido vão as palavras de M. Simas Santos e M. Leal Henriques quando afirmam: «É agora claro que as condutas da continuação criminosa conhecidas tardiamente ficam impunes se forem menos graves do que a mais grave anteriormente considerada ou, sendo mais graves, levam à aplicação de uma nova pena (mais grave) que substituirá a anterior» - [cf. Noções Elementares de Direito Penal, 2009, Rei dos Livros, pág. 262]. Idêntica orientação perfilham Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette ao referirem: «Entretanto, se a superveniência se reportar a crime menos grave ou da mesma gravidade (em relação à parte já julgada), continua a valer, por força do trânsito, a pena já aplicada» - [op. cit., pág. 241].

Ainda a tal propósito escreve Pinto de Albuquerque «… sempre que se descubram novos factos que se possam encontrar em continuação criminosa com outros já julgados, deve sempre proceder-se a novo julgamento com vista a apurar 1) Se o facto novo integra efetivamente a continuação; 2) Se é mais grave ou menos grave que os outros já julgados (…).
- Se o facto novo efetivamente integrar a continuação e for mais grave, o tribunal do segundo julgamento aplica a pena a este crime de acordo com a respetiva moldura penal, descontando-se na pena concreta a parte da pena já cumprida.
- Se o facto novo efetivamente integrar a continuação, mas for menos grave, o tribunal do segundo julgamento declara a acusação procedente, isto é, que o facto novo dado como provado integra a continuação criminosa, e, nos termos do artigo 79.º, nº 2 do C.P., a contrário, mantêm a pena da sentença anterior.
- Se o facto novo não integrar a continuação, o tribunal do segundo julgamento fixa a pena que lhe for adequada, podendo considerar a anterior condenação apenas na medida concreta da pena» - [cf. op. cit., pág. 249] ».

Retomando o caso concreto, importa averiguar se a conduta em análise nos presentes autos é uma continuação da conduta que esteve em apreciação no Processo n.° 1552/16.9IDI,SB, no qual os arguidos foram condenados — por sentença já transitada em julgado — pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, por não terem entregado ao Estado os IVAs dos meses de outubro de 2015 a abril de 2016, sendo que os presentes autos abarcam a omissão de pagamento nos três meses imediatamente seguintes, maio a julho de 2016 e, se a conduta por que os arguidos foram condenados nos presentes autos não é mais grave do que a que foi julgada nos autos que, sob o n.° 1552/16.9IDLSB, visto que, tendo presente as regras de punição do crime continuado uma menor ou igual gravidade das novas condutas, aferida pela penalidade (moldura penal abstrata) cabível relativamente a cada uma das mesmas, uma vez assente a verificação efetiva de uma situação de continuação criminosa, conduz à desconsideração, para efeito da pena, dos novos crimes.

Na verdade, «A solução legal desinteressou-se de agravar a responsabilidade do agente, em virtude de uma reiteração, que simplesmente passasse a ver-se acrescida» (…), as condutas punidas pelo mesmo tipo legal, integrantes da continuação, que simplesmente revelem, no caso, um grau de ilicitude maior, ver-se-ão (…) consumidas pela condenação já julgada» - [cf. o cit. acórdão do STJ de 18.02.2010].

Isso mesmo resulta a contrario do n.º 2 do artigo 79.º do C. Penal.
A questão da continuação criminosa dos factos julgados no proc. n.º 1552/16.9IDI,SB com aqueles outros em apreço nos presentes autos, não dispensa o julgador da formulação do juízo sobre o eventual nexo psicológico entre uns e outros.

Ao não pronunciar-se sobre a questão invocada pela defesa, ou seja, se deveria o Tribunal a quo considerar que os factos criminosos em apreciação nos presentes autos são uma continuação dos que estavam em apreciação no Processo n.° 1552/16.9IDLSB, no qual os arguidos foram condenados, devendo manter-se, nos termos a contrario senso do n.° 2 do artigo 79° do Código Penal, apenas a pena mais grave ali aplicada aos arguidos, sem mais qualquer aplicação de pena no presente processo, padece a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do C.P.P.

Impõe-se, assim, decidir no sentido do reenvio parcial [artigos 426.º e 426.º - A do CPP] circunscrito ao julgamento dos factos relevantes à formulação do juízo sobre a eventual verificação de uma situação de continuação criminosa entre as condutas já julgadas no âmbito do proc. n° 1552/16.9IDISB e aquelas outras em questão nos presentes autos.
***

5.–Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal (5ª) deste Tribunal, como consequência da verificação da nulidade por omissão de pronúncia, em determinar o reenvio parcial [artigos 426.º e 426.º - A do CPP] circunscrito ao julgamento dos factos relevantes à formulação do juízo sobre a eventual verificação de uma situação de continuação criminosa entre as condutas já julgadas no âmbito do proc. n° 1552/16.9IDISB e aquelas outras em questão nos presentes autos.

 
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2019
 

Cid Geraldo
Ana Sebastião