Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
358/2008-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: PEDIDO ALTERNATIVO
CADUCIDADE
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A formulação de pedidos alternativos apenas é possível, em face do disposto no art. 468º do CPC, quando estejam em causa direitos que por sua natureza ou origem sejam igualmente alternativos ou que possam resolver-se em alternativa.
2. Trata-se de um normativo que estabelece uma excepção à regra geral do processo civil que impõe ao autor o ónus de formular uma pretensão fixa e não relegar para momento posterior essa determinação.
3. A lei, porém, não prevê expressamente qual a consequência para a violação de tal princípio, e embora seja ventilada por alguns a possibilidade de a reconduzir à ineptidão da p.i, é mais correcto que se considere que a formulação de pedidos alternativos se reconduz a uma excepção dilatória atípica.
4. Quanto ao prazo da caducidade do direito de impugnação pauliana – que a lei fixa como ocorrendo ao fim de cinco anos – entendemos que tal prazo conta-se a partir da data da celebração da respectiva compra e venda, não podendo o A. invocar o facto de o referido registo ter sido efectuado em data posterior ou a falta de conhecimento anterior da existência da referida escritura pública de compra e venda.
5. De outro modo, seria permitir a alegação de um fundamento que se traduziria num verdadeiro prolongamento do prazo de caducidade, prolongamento que a lei não consente, pois estabelece no art. 618º do CC que os cinco anos para a caducidade do direito de impugnação são contados da data do acto impugnável e não da data do conhecimento desse acto.
(ALG)
Decisão Texto Integral: ACÓRDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – 1. “Tr… – …Lda.” instaurou a presente acção declarativa condenatória, de impugnação pauliana, com a forma de processo ordinário contra:

“M…., Lda.”
A… e
L…,

Pedindo a condenação dos RR. a reconhecer que o contrato de compra e venda que celebraram entre si, dos imóveis identificados nos autos, é ineficaz em relação à A. e que os RR. sejam condenados à restituição desses bens imóveis ao património da 1ª Ré, bem como a reconhecerem que a A. os pode executar até integral satisfação do montante do seu crédito e legais acréscimos. Ou, em alternativa, pedem a condenação dos 2º e 3ºs RR. a pagar à A. a quantia de € 53.843,39, acrescida dos juros supletivos legais comerciais à taxa de 12%, calculados desde 13-09-2002, sobre a quantia de € 50.320,93, até integral e efectivo pagamento.

Para tanto, alega a A. que:
A A. tem por objecto o transporte nacional e internacional de mercadorias e a 1ª Ré organiza todo o expediente de cariz burocrático de contratação de transportes de mercadorias dentro e fora do território nacional.
A A. e a R. M…, Lda., estabeleceram diversas vezes relações comerciais entre ambas, nomeadamente no período compreendido entre Setembro de 1992 e Agosto de 1994, tendo o saldo da conta corrente atingido, em 15.10-1994, o montante de Esc. 10.088.442$70 (€50.320,93 Euros), débito que a empresa Ré manteve com a A. sem demonstrar qualquer intenção na sua liquidação.
A A. viu-se forçada a solicitar o seu crédito judicialmente, tendo a empresa Ré sido condenada em 28-01-2002, na acção ordinária nº 166/1999, por decisão transitada em julgado, a pagar à A. a quantia de Esc. 10.088.442$70 = 50.320,93 Euros, acrescida dos respectivos juros comerciais.
Porém, a empresa Ré não pagou a quantia em que foi condenada, apesar de instada, várias vezes a fazê-lo, tendo a A. instaurado execução de sentença peticionando o pagamento daquela importância, onde nomeou todos os bens móveis susceptíveis de penhora encontrados na sede da empresa ora Ré.
A Ré enquanto dona e legitima possuidora do imóvel urbano, sito na Rua …, no qual estava e continua a estar instalada a sua sede, transferiu os únicos bens que integravam o seu património à data da constituição do débito para com a aqui A., tendo a empresa Ré, por escritura pública de compra e venda outorgada em 31-7-96, no … Cartório Notarial de Lisboa, e ali representada pelo Réu marido, vendido à Ré mulher L…, o dito imóvel, e ficado sem património capaz de cabalmente responder perante os credores.
Sendo certo que os bens objecto da escrituram valiam bem mais de Esc. 30.000.000$00, ou seja, € 150.000,00.
O 2º Réu e a Ré mulher constituem um casal, casados entre si, são ambos os únicos sócios da empresa Ré, sendo o 2º Réu o seu único sócio gerente.
Com tal conduta os 2º e 3º RR. quiseram esvaziar a empresa Ré de todo o seu património para que a A. não pudesse receber o que lhe pertencia e assim, impedir a satisfação do crédito da A.
E tanto assim que, apesar de transmissão, a empresa Ré vem mantendo no 3º andar direito (fracção D) os seus escritórios, onde, até hoje e desde a sua fundação, ali recebem os seus clientes e tem lugar todo o expediente do seu negócio.
Pelo que deve ser julgada procedente a acção.

2. Contestaram os RR., por excepção e por impugnação, nos seguintes termos:
- o foro competente para apreciar o pleito é o de Lisboa;
- a petição inicial é inepta porque a A. formula um pedido adequado a uma acção de condenação e não pode pedir a procedência da impugnação pauliana e, em alternativa, a condenação dos 2°s RR. no pagamento do valor correspondente ao seu crédito, porquanto viola o art. 468° do CPC;
- o direito de impugnação caducou pois a escritura de compra e venda objecto de impugnação foi outorgada em 31-07-96 e a presente acção só foi proposta em 12-12-02;
- a 2ª Ré não é nem nunca foi gerente da empresa Ré, carecendo de legitimidade substantiva para ser demandada pela A., pelo que deve improceder o 2° pedido.
- a conduta dos 2° e 3ºs RR. ocorreu na data em que foi outorgada a respectiva escritura pública de compra e venda, isto é, em 31-07-96, pelo que o alegado direito da A. se extinguiu em 31-07-01, muito antes da propositura da presente acção (12-12-02).

Argumentam, ainda, quanto à venda efectuada, que a mesma só ocorreu porque a empresa Ré não tem possibilidades de fazer face à quantia em que foi condenada (e que reconhece dever à A. - no valor de 10.088.442$70, acrescida de juros de mora) e porque ainda não fora notificada do requerimento executivo.
O negócio resultou de uma opção de gestão da 1ª Ré que acreditava que com a sua realização poderia garantir a sua sobrevivência, pois precisava de realizar rapidamente um encaixe financeiro significativo.
Acresce que os imóveis em causa não eram os seus únicos bens com valor, pois integravam o património da 1ª Ré, bens móveis, saldos bancários, direitos de crédito, nomeadamente sobre clientes, etc., cujo valor total excedia o dos referidos imóveis e em montante mais do que suficiente para fazer face ao crédito invocado pela A.
A escritura de compra e venda foi outorgada antes da empresa Ré ter sido citada para contestar a acção ordinária – Proc. nº 166/1999.

Concluem, assim, os RR. pedindo a procedência da excepção de incompetência territorial e que seja declarada inepta a petição inicial e nulo todo o processo, absolvendo-se os RR. da instância.
Pedem, ainda, que sejam julgadas procedentes as excepções de:
- caducidade do direito de impugnação pauliana, absolvendo os RR. do pedido;
- ilegitimidade substantiva da Ré L…, absolvendo-a do segundo pedido;
- prescrição, absolvendo os RR. do 2° pedido.

Em qualquer caso, os RR. propugnam pela improcedência da acção e pela consequente absolvição dos pedidos.

3. Replicou a A. invocando, a propósito, que inexiste contradição nos pedidos, não sendo inepta a p.i., pois pretende a declaração de ineficácia do acto em relação à A.
Enquanto a escritura da venda não se registou, não havia qualquer possibilidade de os credores saberem da sua efectivação, o que só se efectuou em 8-2-98.
Também só há cerca de cinco/seis meses é que a Ré retirou do imóvel identificado a sua sede, transferindo-a para a Rua…, onde não está nenhum gerente, nem nenhum funcionário e onde simplesmente instalaram uma pequena mesa.
Conclui como na petição inicial, pedindo a improcedência das excepções, bem como a junção aos autos de cópia do extracto de conta bancária referida no art. 77° da contestação, a fim de averiguar o destino dada à importância depositada naquela conta no montante de Esc: 15.000.000$00.

4. O Tribunal Judicial da Comarca Ansião declarou-se incompetente para apreciar o presente pleito.
Distribuídos os autos às Varas Cíveis e elaborado, oportunamente, despacho de condensação, decidiu-se:
a) Julgar improcedentes a excepção de ilegitimidade;
b) Julgar improcedente a invocada ineptidão do pedido;
c) Relegar para decisão final o conhecimento da alternidade dos pedidos, bem como as excepções peremptórias alegadas.

5. Inconformados, os RR. Agravaram do despacho saneador que julgou improcedentes a ilegitimidade e a ineptidão do pedido.

São as seguintes as conclusões formuladas:

1. A agravada formula um pedido adequado a uma acção de condenação com base nos fundamentos de uma acção de impugnação pauliana, a qual constitui uma acção constitutiva.
2. Assim, existe uma contradição do pedido, próprio de uma acção de condenação, com a causa de pedir constituída pelos fundamentos de uma acção pauliana.
3. A petição inicial é inepta, nos termos do art. 193°/2b), do CPC, e, consequentemente, é nulo todo o processo, nos termos do n° 1 do mesmo artigo; a nulidade de todo o processo constitui uma excepção dilatória, de acordo com o art. 494°/b) do CPC, que, como tal, importa a absolvição da instância, nos termos do art. 493°/2 do mesmo Código.
4. O art. 193°/3 do CPC, invocado pelo Tribunal "a quo" para fundamentar a sua decisão, aplica-se apenas ao caso previsto no n° 2, a), do mesmo artigo.
5. Ora, os agravantes arguiram a ineptidão da petição inicial com base no fundamento previsto no n° 2 b) e não no n° 2 a), pelo que, no caso sub judice, não tem aplicação o disposto no art. 193°/3 do CPC.
6. Na presente acção, a agravada pede a procedência da impugnação pauliana ou, em alternativa, que os 2°s RR. sejam condenados, com base no disposto no art. 78°/1 do CSC, a pagar-lhe a quantia de € 5.1843,39.
7. Como é evidente, o direito de impugnação pauliana e o direito de responsabilizar os 2°s RR., nos termos do art. 78°/1 do Cód. das Soc. Com., não são por natureza ou origem alternativos, nem podem resolver-se em alternativa.
8. A formulação de pedidos alternativos fora dos casos previstos no art. 468°/1 do CPC torna a petição inicial inepta.
9. No que respeita ao segundo pedido do disposto no art. 78º/1 do CSC, resulta, claramente, do art. 780/1 do Cód. das Soc. Com. que apenas os gerentes, administradores ou directores poderão incorrer em responsabilidade perante os credores da sociedade.
10. A A. limita-se a dizer, no art. 25° da p.i., que a R. L… é sócia da 1a R.
11. Ora, a simples qualidade de sócia, ali invocada pela A., nunca possibilitaria a responsabilização da R. L… nos termos do art. 78°/1 do Cód. das Soc. Com.
12. De qualquer modo, conforme resulta da certidão comercial junta, sob doc. 1, a R. L… não é, nem nunca foi, sócia ou gerente da 1a R., pelo que não possui a qualidade de que depende a responsabilidade prevista no art. 78º/1 do CSC, carecendo, consequentemente, de legitimidade substantiva relativamente ao segundo pedido.
13. A ilegitimidade substantiva constitui uma excepção peremptória, a qual, no caso concreto, poderá ser conhecida imediatamente, uma vez que o estado do processo o permite, sem necessidade de mais provas; com efeito, a falta da qualidade exigida pelo art. 78°/1 do CSC, da qual resulta a ilegitimidade substantiva invocada, encontra-se provada pela certidão comercial junta à p.i. sob doc. n° 1.
14. Conforme resulta da fundamentação invocada pelo Tribunal "a quo", este apreciou a legitimidade processual da R. L… e não a sua legitimidade substantiva.
15. O Tribunal "a quo", ao não identificar convenientemente a questão em causa, acabou por a analisar à luz do art. 26° do CPC e, em consequência, decidir incorrectamente a excepção invocada.
16. O Tribunal "a quo", ao decidir nos termos em que o fez, inobservou os arts. 193º/1 e 2b), 494°/b),
17. Face ao exposto, devem V. Exas.,
a) Considerar inepta a p.i., com fundamento na contradição do primeiro pedido com a causa de pedir e, também, na violação do art. 468°/1 do CPC e, em consequência, declarar a nulidade de todo o processo, absolvendo os agravantes da instância;
b) Julgar procedente, por provada, a excepção da ilegitimidade substantiva da agravante L… e, em consequência, absolvê-la do segundo pedido;
c) E assim conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida.


6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Após audiência de discussão e julgamento, o Tribunal “a quo” proferiu sentença na qual julgou procedente, por provada, a presente acção e, por consequência:
a) Condenou os RR. a reconhecerem que é ineficaz o contrato de compra e venda outorgado por escritura pública em 31/Julho/1996, lavrada no …Cartório Notarial de Lisboa, através do qual o Réu marido, em representação da sociedade Ré, e enquanto seu sócio-gerente, fez a favor da 3ª Ré sua mulher e tendo por objecto as fracções ali identificadas;
b) Declarando, em consequência, que a A. poderá vir a executar tais imóveis até integral satisfação do montante do seu crédito e acréscimos – cf. fls. 233 e segts.

8. Inconformados, os RR. Apelaram tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Por força do disposto no art. 376°, nºs 1 e 2, do Cód. Civil, não tendo o talão de depósito junto à contestação sob doc. 2 sido objecto de impugnação, impunha-se dar como assentes os factos dele resultantes, os quais foram alegados no art. 77° da contestação.
2. Assim, o referido documento obriga a alterar a alínea N) dos factos assentes, de forma a que esta passe a ter a seguinte redacção: "O preço declarado relativo à aquisição, referida nas alíneas K) e L), foi de Escudos (PTE) 15.000.000$00, o qual foi depositado pela R. L, em 30.8.96 na conta nº ..., domiciliada no balcão da Graça do Banco Português do Atlântico, da qual é titular a 1a R."
3. O facto em causa foi confirmado pela testemunha Sr. Dr. V… (cassete nº lado A, de rotações 0004 a 1389).
4. Nada justifica que o Tribunal 2ª quo” tenha desconsiderado totalmente as provas documental e testemunhal produzidas pelos RR.
5. O Sr. Dr. V… (cassete nº 1, lado B, de rotações 1960 a 2550 e cassete nº 2, lado A, de rotações 0004 a 1389) revelou possuir um conhecimento profundo sobre a situação económica e financeira da empresa, o que não surpreende, dado que se trata do seu técnico oficial de contas, respondeu sempre com sinceridade, segurança, serenidade e objectividade e procurou fundamentar as suas respostas nos documentos contabilísticos da empresa, dos quais se fez acompanhar.
6. Para sustentar as suas afirmações, a referida testemunha apresentou o balanço da empresa reportado a 31.12.96, que integrava os dossiers fiscais que trazia consigo, o qual se encontra assinado por si, na qualidade de técnico oficial de contas e responsável pela contabilidade da mesma, e foi apresentado perante a Administração Fiscal aquando da entrega do modelo 22 do IRC relativo ao ano de 1996.
7. Este documento viria a ser junto aos autos pelos RR. no decorrer da audiência de discussão e julgamento, não tendo a A. impugnado a sua veracidade, pelo que esta não pode ser questionada, face ao regime dos arts. 373° e segts. do Cód. Civil.
8. O depoimento do Sr. Dr. V…, articulado com o balanço da empresa reportado a 31.12.96, obriga a modificar as respostas dadas aos quesitos 7° a 13° e, consequentemente, a dar como provada a matéria sobre a qual os mesmos incidem.
9. As testemunhas M… (cassete nº 2, lado A, de rotações 1397 a 2147) e T… (cassete nº 2, lado B, de rotações 0632 a 1489) também confirmaram, ainda que de forma mais genérica, os factos contemplados nos quesitos 7° e 8°. A testemunha T… confirmou, ainda, a matéria dos quesitos 9° a 12°. A testemunha U… (cassete nº 2, lado A, de rotações 2151 a 2564 e cassete nº 2, lado B, de rotações 0003 a 0631) também respondeu afirmativamente ao quesito 12°.
10. A A. não produziu qualquer contra-prova sobre a matéria dos quesitos 7° a 13°.
11. Resulta da fundamentação invocada pelo Tribunal "a quo" que as respostas afirmativas aos quesitos 15° a 17°, cuja prova cabia à A., resultaram das respostas negativas aos quesitos 7° a 13°, os quais competia aos RR. provar.
12. Ora, a falta de prova de determinado facto não importa a prova do seu contrário, o que significa que, mesmo que os RR. não tivessem conseguido provar a matéria dos quesitos 7° a 13°, a A. nunca poderia ser dispensada de provar a matéria dos quesitos 15° a 17°.
13. A verdade é que a prova produzida pela A. não permite dar como provados os quesitos 15° a 17°.
14. Os depoimentos prestados pelas testemunhas A… (cassete nº 1, lado A, de rotações 0004 a 1295) e E… (cassete nº 1, lado A, de rotações 1296 a 2337) são totalmente irrelevantes, pois ambos admitiram desconhecer quaisquer factos concretos, sabendo apenas aquilo que lhes foi dito por terceiros; o depoimento da testemunha P… (cassete nº 1, lado A, de rotações 2338 a 2553 e cassete nº 1, lado B, de rotações 0004 a 1947) foi, no essencial, especulativo, tendo-se limitado a transmitir opiniões e conclusões pessoais, extraídas do facto de os imóveis terem sido vendidos à mulher do sócio-gerente da R. M….
15. No caso do quesito 17°, a falta de prova é especialmente flagrante, sobretudo no que respeita à R. L…, pois nenhuma das testemunhas arroladas pela A. disse algo susceptível de revelar que a mesma agiu de má fé, ou seja, que sabia que a venda das fracções lesava os interesses da A.; pelo contrário, todas as testemunhas da A. afirmaram não conhecer a R. L…. A resposta a este quesito não encontra, pois, qualquer suporte na prova produzida.
16. Relativamente aos quesitos 3° e 4°, entende-se que o depoimento da testemunha P… não permite dar como provada a matéria objecto dos mesmos. Do depoimento do Sr. Dr. V… e do balanço reportado a 31.12.96 resulta que a venda dos imóveis não acarretou a redução do património da empresa, pois os mesmos deram lugar ao produto da venda, e muito menos o esvaziamento de todo o seu património.
17. Os quesitos 3°, 4° e 15° a 17° devem ser dados como não provados e os quesitos 7° a 13° como provados, modificando-se, nestes termos, a decisão de facto. Os pontos da matéria de facto a que se reportam os referidos quesitos foram incorrectamente julgados.


Caducidade do direito de impugnação pauliana:

18. Nos termos do art. 618° do Cód. Civil, o direito de impugnação pauliana caduca ao fim de cinco anos a contar da data do acto impugnável.
19. No caso concreto, a escritura de compra e venda dos imóveis foi outorgada em 31.7.96 e a acção deu entrada no Tribunal em 12.12.02, ou seja, muito tempo depois de ter caducado o alegado direito de impugnação.
20. Para efeitos de contagem do prazo de caducidade previsto no art. 618° do Cód. Civil, releva apenas a data do acto impugnável e não a data em que o credor teve conhecimento do mesmo, pouco importando saber quando é que o registo foi efectuado.
21. Assim, a resposta ao quesito 18°, invocada pelo Tribunal "a quo" para fundamentar a sua decisão, é totalmente irrelevante para a apreciação e decisão desta excepção.
22. Com a sua decisão, o Tribunal "a quo" violou, claramente, o disposto no art. 618° do Cód. Civil.

Requisitos da impugnação pauliana:

23. Os requisitos previstos nos arts. 610° e 612°, nºs 1 e 2, do Cód. Civil não se encontram preenchidos no caso concreto.
24. Por um lado, a alienação dos dois imóveis não traduziu qualquer diminuição do património da R. M…, pois, como já se disse, os imóveis deram lugar ao produto da venda, no valor de 15.000 contos, o qual contribuiu para que os saldos bancários da sociedade ascendessem, em 31.12.96, isto é, cerca de cinco meses depois da outorga da escritura, a cerca de 22.000 contos, sendo certo que a A. não conseguiu demonstrar que as fracções valiam muito mais do que o preço pago pela R. L…. Acresce que ficou demonstrado que a compra e venda dos imóveis traduziu um negócio efectuado com vista a realizar, rapidamente, um encaixe financeiro, susceptível de garantir a sobrevivência da empresa, o que, na altura, foi conseguido.
25. Por outro, a A. não provou que os RR. tivessem agido de má fé; no que diz respeito à R. L…, que assumiu no negócio o papel de terceiro, a ausência de prova é clara e inequívoca, pois não resulta dos autos que esta, ao comprar as fracções em causa, tivesse consciência do prejuízo que o acto causava à A. Não há absolutamente nada no processo a este respeito e isto não pode ser ignorado.
26. A consciência do prejuízo, por parte da R. L…, não pode ser presumida a partir do facto de esta ser casada com o R. A…. A falta de prova da matéria do quesito 17°, a qual cabia à A. fazer, não pode ser colmatada deste modo.
27. A sentença recorrida desconsiderou o disposto nos arts. 342°, 374°, nºs 1 e 2, 376°, nºs 1 e 2, 610°, 612°, nºs 1 e 2, e 618° do Cód. Civil.
28. Para efeitos do disposto no art. 748°/1 do CPC, os RR. declaram que mantêm interesse no recurso de agravo admitido por despacho de fls. 163, cujas alegações foram apresentadas em 6.10.04.
29. Face ao exposto, devem V. Exas.
a) Modificar a decisão da matéria de facto, no que respeita aos quesitos 3°, 4°, 7° a 13° e 15° a 17°, nos moldes acima indicados;
b) Julgar procedente, por provada, a excepção da caducidade do direito de impugnação e, consequentemente, absolver os RR. do pedido;
c) Em qualquer caso, julgar improcedente, por não provada, a acção de impugnação pauliana e, em consequência, absolver os RR. do pedido.


9. Foram apresentadas contra-alegações.

10. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.


II – Os Factos:

- Foram dados como provados pelo Tribunal “a quo” os seguintes factos:
I. A Ré M… – …Lda., é uma empresa cuja actividade consiste na organização, de todo o expediente de cariz burocrático, de organização, contratação e realização de transportes de mercadorias no território nacional e fora deste (alínea A);
II. E trata de toda a documentação relativa à colocação de mercadorias, contratando, também, os meios de transporte necessários (alínea B);
III. Durante o período compreendido entre Setembro de 1992 e Agosto de 1994, a A. T…– …Lda., a pedido da Ré M… –….,Lda., efectuou para esta diferentes tipos de transportes de Portugal para diferentes da Europa (alínea C);
IV. Autora e 2° Réu constituíram conta-corrente relativa às relações recíprocas de ambas e o respectivo saldo atingiu, em 15-10-94, o montante de Esc. 10.088.442$70, ou seja € 50.320,93 Euros (alínea D);
V. Em virtude de a Ré M… – … Lda., não ter entregue à A. aquele valor, a aqui A. T… – …Lda., intentou acção com a forma de processo ordinário sob o nº 166/99, que deu entrada no Tribunal Judicial de Pombal em 27-5-96 (alínea E);
VI. Em consequência, a 1ª Ré foi condenada por sentença de 28-01-02, transitada em julgado em 13-2-02, a pagar à aqui A. a quantia de Esc. 10.088.442$70 = € 50.320,93, acrescido de juros moratórios a contar do trânsito em julgado desta sentença, conforme doc. 2 de fls. 17 a 46 (Alínea F);
VII. A Ré não pagou tal importância e a ora A. instaurou execução de sentença por apenso àqueles autos nº 166/99, pedindo a importância em que nela a Ré foi condenada (alínea G);
VIII. No âmbito de tal execução a A. nomeou à penhora todos os bens móveis susceptíveis de penhora encontrados na sede da lª Ré M… –…Lda. (alínea H);
IX. A A. só lhe foi possível nomear à penhora aqueles referidos bens móveis (al. I);
X. Em 27-05-1996, a 1ª Ré tinha registado a seu favor a propriedade do imóvel urbano, sito na Rua…, em Lisboa, onde tinha instalado a sua sede social (alínea J);
XI. A 1ª Ré, representada pelo Réu A…, outorgou em escritura pública, declarando vender à 3ª Ré mulher, L…, em 31-7-96, no …Cartório Notarial de Lisboa, aquele imóvel constituído pelas fracções autónomas designadas pelas Letras "D” e “I" correspondentes, respectivamente, ao r/c direito do prédio sito na R…., descrito na …CRP de Lisboa sob o nº e inscrito na matriz sob o art. tornejando para a R…. (alínea K);
XII. E sob a ficha nº descrição nº , a fls. do livro do prédio integrado pelas fracções “D” e “I”, foi registada pela AP 25/19990208 a aquisição desta a favor de L… por compra a M…– ….Limitada (alínea L);
XIII. O Réu A… é o único sócio e gerente da sociedade Ré, conforme Ap. 8/990407 da matrícula nº da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, de fls. 8 a 15 dos autos (alínea M);.
XIV. O preço declarado relativo à aquisição, referida nos itens XI e XII, supra, foi de Esc. 5.000.000$00 (alínea N);
XV. A transferência aludida no item XI supra aconteceu por iniciativa do R. A… e da Ré mulher (resposta ao quesito 1º).
XVI. E ambos têm relações de estado recíprocas (resposta ao quesito 2º).
XVII. O RR. varão e mulher, com a compra à Ré Sociedade, esvaziaram a Sociedade de todo o seu património (resposta ao quesito 3º).
XVIII. E subtraíram tal património à acção executiva, movida pela aqui A. e mencionada no item VII supra (resposta ao quesito 4º).
XIX. A sociedade Ré foi citada para acção ordinária nº 166/99 em 23-09-99 (resposta ao quesito 5º).
XX. E com a venda, os RR. impediram a satisfação do crédito da A. (resposta ao quesito 15º).
XXI. E com a venda impossibilitaram a satisfação de tal crédito (resposta ao quesito 16º).
XXII. Sabendo que lesavam, com tal acto, a A. (resposta ao quesito 17º).


III – O Direito:

São várias as questões suscitadas em sede recursória porquanto os RR. interpuseram recurso de agravo e de apelação.
Conhecendo cada um de per si.

A) Quanto ao recurso de Agravo:

1. Este recurso foi interposto da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que conheceu das seguintes questões:
a) Excepção da ilegitimidade;
b) Ineptidão da p.i., por contradição do pedido com a causa de pedir;
c) Violação do art. 468º, nº 1, do CPC, pela existência de pedidos alternativos.

Insurgem-se os Recorrentes pelo facto de o referido Tribunal ter julgado improcedentes as referidas excepções.

Apreciando e Decidindo:

2. Em matéria de excepção de ilegitimidade a argumentação dos RR. centra-se no facto de entenderem que a 3ª Ré não possui essa qualidade uma vez que não é sócia-gerente da Ré sociedade.
Vejamos.

Resulta efectivamente dos autos que, a este propósito, o Tribunal “a quo” acabou por apreciar e decidir a questão da legitimidade da Ré L… do ponto de vista processual e não quanto à sua legitimidade substantiva.
Sendo certo que, quanto à primeira, não se colocam dúvidas de que a referida Ré é parte legítima.
Desde logo porque estando em causa, na presente acção, a ineficácia de uma compra e venda celebrada entre os RR. com a consequente restituição dos imóveis vendidos/comprados, com fundamento jurídico no art. 610º do CC (impugnação pauliana) compra e venda essa na qual a Ré mulher interveio enquanto compradora, tendo adquirido os bens imóveis aqui em causa, é evidente que a mesma tem interesse directo em contradizer os factos, pelo prejuízo que da procedência da presente acção lhe poderá advir – cf. art. 26º, nº 2, do CPC.
Pelo que, nesta vertente, faz todo o sentido que figure nessa qualidade no lado passivo da relação material controvertida nos precisos termos em que foi configurada pelo Autor.

Aliás, a legitimidade passiva da R. adquirente do bem cuja compra e venda é objecto da acção de impugnação pauliana decorre explicitamente de normas de direito substantivo, como a do art. 611º do CC - onde se alude ao ónus de prova que recai sobre o “terceiro interessado” - ou do art. 616º do CC que regula os efeitos da decisão que julgue procedente a impugnação pauliana.
Donde, a acção pauliana tem necessariamente que ser proposta contra a adquirente, já que esta detém o objecto do negócio jurídico impugnado.
Sendo este, como se sabe, o entendimento veiculado uniformemente pela doutrina e jurisprudência.

Já quanto à questão da legitimidade substantiva da Ré dir-se-á que a determinação da legitimidade se afere, antes de mais, pelo pedido formulado e, depois, se se tornar necessário, pela causa de pedir. E deve ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação material controvertida, tal como a apresenta o autor. [1]
Ora, no caso sub judice e atento o conteúdo dos autos, a legitimidade substantiva da Ré apenas poderá ser apreciada relativamente ao segundo pedido, no qual se pediu, em alternativa, a condenação dos RR. a pagar à A. determinada quantia com base no disposto no art. 78º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.
Pedido esse que mereceu, por parte dos RR., a dedução da ineptidão da p.i. pela formulação, em alternativa, desse pedido de responsabilização dos 2º e 3º RR. nos termos do art. 78º, nº 1, do CSC, com o direito de impugnação pauliana.
E sobre tal matéria, de facto et de jure, o Tribunal “a quo” não se pronunciou.
Porém, prendendo-se tal questão com outras de natureza processual que serão objecto, em seguida, de apreciação e decisão, relega-se o seu conhecimento para momento posterior próprio, sendo certo que, a existir ilegitimidade da Ré, a consequência será a da sua absolvição da instância.

3. Quanto à ineptidão da p.i., por contradição do pedido com a causa de pedir:

3.1. Segundo a versão dos Recorrentes, existe contradição entre o pedido e a causa de pedir, porque a A. articula factos com vista a fundamentar uma acção de impugnação pauliana, a qual constitui uma acção constitutiva, que visa produzir uma mudança na ordem jurídica existente, mas formula um pedido próprio de uma acção de condenação, pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecerem o acto – de compra e venda – como ineficaz em relação à A., que os mesmos sejam também condenados na restituição dos bens móveis identificados nos autos ao património da 1ª Ré, e em consequência condenados a reconhecer que a A. os pode executar até integral satisfação do montante do seu crédito e legais acréscimos”.
Assim, na óptica dos Recorrentes, existiria uma contradição do pedido por este aparecer formulado como o de uma acção de condenação, ao passo que a causa de pedir aparece constituída pelos fundamentos de uma acção pauliana, que se trata de uma acção constitutiva.
Porém, desde já se adianta que não lhes assiste razão.
Vejamos porquê.

3.2. Não são conhecidas dúvidas sérias sobre a natureza e efeitos jurídicos da acção de im­pugnação pauliana.
Trata-se, com efeito, de uma acção constitutiva, através da qual o credor que seja prejudicado por actos de alienação ou de oneração praticados pelo devedor pode ver reconstituída a garantia patri­monial dos seus créditos. E uma vez julgada procedente a referida acção, tem o credor direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo o credor executar os bens alienados no patri­mónio do adquirente, nos termos do art. 616° do CC. [2]
A acção de impugnação pauliana tem natureza pessoal ou obrigacional, onde se faz valer um direito de crédito, destinando-se a conferir ao credor a possibilidade de obter a eliminação do prejuízo resultante do acto impugnado.
Pelo que o pedido a formular pelo A. é o da restituição, material e jurídica, dos bens alienados ao património do alienante devedor (e não o da rescisão do contrato celebrado) [3]  e a atitude correcta do credor que faz uso da impugnação pauliana é a de, na sua petição inicial, deduzir em conjunto com o pedido de restituição o pedido da declaração da ineficácia do acto que impugna e não o pedido de anulação ou declaração de nulidade.

3.3. Enquanto acção de natureza constitutiva distingue-se, naturalmente, da acção condenatória, pois nesta aquele que busca a tutela jurisdicional pretende, por via de uma acção declarativa condenatória, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, ao passo que a acção constitutiva visa exercer um direito do qual decorre a constituição, modificação ou extinção de uma situação subjectiva [4], ou, conforme refere expressamente a lei adjectiva, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente – cf. art. 4º, nº 2, al. c), do CPC.
Direito esse traduzido, in casu, pela restituição material e jurídica dos bens alienados e declaração da ineficácia do acto de compra e venda.
Quer a restituição, quer a declaração de ineficácia, terão de ser determinadas pelo Tribunal, que desenvolve uma actividade tendente à formulação de uma decisão que imponha aos RR. como constituída, modificada ou extinta a situação subjectiva objecto de acção. [5]

Neste contexto, verifica-se que a expressão “condenação” utilizada pela A. na petição inicial foi, de facto, inadequada. Porém, a mesma aparece desde logo complementada pelo respectivo pedido integrador de uma acção com esta natureza: “condenados os RR. a reconhecerem o acto de compra e venda como ineficaz em relação à A.,... e também condenados na restituição dos bens móveis identificados nos autos ao património da 1ª Ré”.
Não deixa, assim, margem para dúvidas quanto à pretensão deduzida pela Autora.
Aliás, tratando-se de um mero problema de qualificação jurídica da pretensão, a correcção de tal erro, ajustando a pretensão aos parâmetros legais sempre estaria ao alcance do juiz, atento o disposto no art. 664º do CPC (cfr. o Acórdão datado de 28/3/1996, in BMJ, 455º, 498).
E de modo algum um erro de qualificação pode determinar a ineptidão invocada pelos RR., já que a situação não integra qualquer das situações referidas no art. 193º do CPC, sendo de todo ilegítimo invocar a existência de qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido formulado.

Improcede, pois, a alegada nulidade fundada na ineptidão da p.i.

4. Quanto à existência de pedidos alternativos:

4.1. A este propósito defendem os Agravantes que na presente acção a A. formula pedidos alternativos, porquanto pede a procedência da impugnação pauliana ou, em alternativa, que os 2º e 3ºs RR. sejam condenados com base no disposto no art. 78º, nº 1, do CSC, a pagar-lhe a quantia de € 53.843,39, sendo que tais pedidos não são por natureza ou origem alternativos, o que também tornaria a p.i. inepta por violação do disposto no art. 468º, nº 1, do CPC.
Têm razão os Recorrentes quando referem que se está perante pedidos alternativos.
Mais questionável, porém, é a consequência que pretendem daí extrair.
Vejamos porquê.

4.2. A formulação de pedidos alternativos apenas é possível, em face do disposto no art. 468º do CPC, quando estejam em causa direitos que por sua natureza ou origem sejam igualmente alternativos ou que possam resolver-se em alternativa.
Trata-se de um normativo que estabelece uma excepção à regra geral do processo civil que impõe ao autor o ónus de formular uma pretensão fixa e não relegar para momento posterior essa determinação. [6]
Ora, quanto ao primeiro pedido formulado pelo A., sabe-se que o mesmo se reconduz à procedência da impugnação pauliana.
Sendo que, de acordo com a definição legal estatuída no art. 610º do CC, a impugnação pauliana constitui um dos instrumentos por via do qual o credor pode preservar a garantia patrimonial dos seus créditos em face de actos do devedor que envolvam a sua diminuição.
O reconhecimento do referido direito potestativo varia consoante os actos sejam de natureza onerosa ou gratuita, consoante a data da constituição dos créditos em relação à data da prática dos actos e ainda, em termos subjectivos, consoante o conhecimento dos factos ou a motivação dos interessados.
Assim, em princípio, apenas são tutelados por via da impugnação pauliana os créditos constituídos antes da prática dos actos de alienação ou de oneração (art. 610º, al. a), 1ª parte, do CC). Quanto aos créditos cuja data de constituição seja posterior, a sua impugnação depende da prova de que foram dolosamente realizados com o fim de impedir a satisfação do crédito futuro do credor. [7]
Deve ainda reter-se que é sobre o credor que recai o ónus da prova do montante da dívida, enquanto ao devedor ou ao terceiro importa provar que o devedor possui bens de igual ou de maior valor (cf. art. 611º do CC.).
Tratando-se de acto oneroso, só estará sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má-fé, entendendo-se por esta a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor – cf. art. 612º do CC.

Já o segundo pedido formulado pelo A. consiste em que os 2º e 3º RR. sejam condenados com base no disposto no art. 78º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, a pagar-lhe determinada quantia.
Ou seja: o A. pretende a condenação destes RR. – marido e mulher – com base na referida norma do CSC, que estabelece que os gerentes, administradores ou directores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
Tal pressupõe uma responsabilização de elementos directivos que, por sua vez, integram a sociedade, sendo esta devedora para com os respectivos credores sociais quando aqueles tiverem violado culposamente as disposições legais ou contratuais destinadas à protecção desses credores da sociedade.

4.3. Ora, tendo em conta o condicionalismo imposto pelo art. 468º do CPC à formulação de pedidos alternativos, facilmente se constata que os pedidos formulados não obedecem a tais requisitos, pois que não estamos perante direitos que por natureza sejam alternativos ou que possam resolver-se em alternativa.
Contra o que a este respeito referia Alberto dos Reis, não estamos, na verdade, em face de duas prestações que se equivalham, senão em termos económicos, pelo menos juridicamente, significando tal equivalência que a obrigação se extingue pela satisfação de uma só das prestações. [8]

4.4. Assim sendo, coloca-se de seguida a questão de saber qual a consequência para a falta dos referidos pressupostos do art. 468º, nº 1, do CPC.
A lei não a prevê expressamente, mas tem sido ventilada por alguns a possibilidade de reconduzir essa violação do art. 468º, nº 1, do CPC, à ineptidão da p.i. [9]
Consequência que não podemos de todo aceitar.
Em nosso entender cremos como mais correcto que se deva considerar que a formulação de pedidos alternativos se reconduz a uma excepção dilatória atípica.
O que, no caso sub judice, terá como consequência a de apenas abranger a parte correspondente, afectando, por conseguinte, e em face do que se referiu nos pontos anteriores, tão só o pedido formulado ao abrigo do disposto no art. 78º, nº 1, do CSC.

Ora, in casu, uma vez que já passou a fase em que o juiz poderia ter convidado a A. a superar a situação, suprindo essa deficiência, v.g., procedendo à escolha do pedido que deveria ser apreciado, entendemos como sendo mais conveniente e adequado, decretar apenas a absolvição da instância relativamente ao pedido que constitui a segunda alternativa, dando-se, assim, prioridade ao pedido formulado pelo Autor em primeiro lugar.
Nestes termos se concede provimento ao agravo, ainda que com outro fundamento, absolvendo da instância os 2º e 3º RR. quanto ao segundo pedido.

B) Apreciando e Decidindo a Apelação:

1. Os RR. suscitam questões de facto e de direito em sede de Apelação.
Por um lado, impugnam a decisão da matéria de facto quanto a alguns dos pontos que constavam da base instrutória. Por outro, impugnam a verificação dos pressupostos da impugnação pauliana.
Contudo, invocam também a excepção de caducidade do exercício do direito de acção relativo à impugnação pauliana, questão que não foi apreciada no despacho saneador e que apenas foi objecto de uma superficial observação de pendor negativo na sentença final.
Porque esta questão, que, aliás, já deveria ter sido conhecida no despacho saneador, é prejudicial relativamente às demais, dar-se-á prioridade à mesma, porquanto dela poderá resultar a desnecessidade de reapreciar as outras duas questões (impugnação da decisão da matéria de facto e apreciação dos pressupostos da impugnação pauliana).

2. Quanto à questão da caducidade, decorre do art. 618º do CC que o direito de impugnação caduca ao fim de cinco anos depois do acto impugnável.
Sobre esta matéria dir-se-á que estamos em face de um direito de natureza potestativa. Tendo em conta que com o seu accionamento se pretendem operar efeitos na esfera jurídica do devedor, mas que abarcam também a esfera jurídica do terceiro adquirente, é com naturalidade que se deve encarar a fixação de um prazo para o exercício de tal direito, por razões de segurança e de estabilização das relações jurídicas.
Esse prazo, de acordo com o normativo legal citado, é de cinco anos, durante o qual é possível ao credor impugnar o acto celebrado em seu prejuízo.

O ordenamento jurídico não impede, em termos absolutos, a prática de actos de alienação ou de oneração de bens por parte do seu titular, mesmo quando existam dívidas relativamente a terceiros.
Podendo dizer-se que, não obstante a alienação do património constituir, regra geral, um acto inteiramente lícito, é possível, contudo, interferir relativamente a esse acto se e na medida em que se verifiquem os pressupostos da impugnação pauliana.
Ou seja, quando se verifique, por exemplo, que existiu uma situação de conluio entre o transmitente e o adquirente com vista a prejudicar o credor daquele, alienando os bens que constituíam a respectiva garantia patrimonial, permitindo, assim, que os bens sejam executados na esfera do seu adquirente se, e na medida em que, tal execução se mostrar necessária para satisfazer o seu crédito.
Tal efeito pode obter-se por via da impugnação pauliana, nos termos dos arts. 610º e segs. do CC, a que subjaz um direito de natureza potestativa que permite ao credor interferir na eficácia de actos de alienação ou de oneração praticados entre o respectivo devedor e terceiro.
Acção que deve ser instaurada no prazo de cinco anos sob pena de caducidade do respectivo direito.

3. Na sentença recorrida, no que concerne à caducidade, considerou-se que o referido prazo de caducidade não decorrera, porquanto apenas se iniciou na data em que foi registada a aquisição a favor da R.
Trata-se de uma conclusão relativamente à qual não se encontra qualquer sustentação legal.
O texto do art. 618º do CC não deixa margem para dúvidas ao estipular que o facto relevante para o início do prazo de caducidade corresponde ao momento em que é praticado o acto impugnado, o que não pode deixar de corresponder ao acto de alienação decorrente da outorga da escritura de compra e venda.
Por conseguinte, o prazo de cinco anos conta-se a partir da data da celebração da respectiva compra e venda.
Tal conclusão sai reforçada quando se verifica que o efeito translativo do direito de propriedade ocorre simultaneamente com a outorga do contrato, nos termos dos arts. 874º e 879, al. a), do CC, assim se confirmando, relativamente ao contrato de compra e venda típico, aquilo que em geral é anunciado pelo art. 408º do CC, quanto à constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada, que surgem como efeitos do contrato de alienação. [10]

Por outro lado, no nosso sistema e ordenamento jurídico, o registo dos direitos não tem, em regra, eficácia constitutiva, mas meramente declarativa. A transmissão e a correspondente aquisição dos direitos sobre imóveis não estão legalmente dependentes da inscrição do respectivo acto no registo predial.
Daí que, não seja defensável, nem faça qualquer sentido estabelecer para o início da contagem do prazo de caducidade da acção de impugnação pauliana a data do respectivo registo.

4. Acresce que, por razões de segurança jurídica, o regime da caducidade é bem mais rigoroso do que o previsto para a prescrição.
É por isso que no art. 328º do CC se determina que “o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”, sendo que, em consonância com o que se dispõe no art. 329º do mesmo Código, sobre o começo legal da contagem do prazo da caducidade, o direito de impugnação poderia ter sido exercido a partir do momento em que foi celebrada a escritura de compra e venda, sem que o credor tivesse de esperar pela inscrição no registo da aquisição a favor da R.
Tão pouco pode a A. invocar o facto de o referido registo ter sido efectuado em data posterior ou a falta de conhecimento anterior da existência da referida escritura pública de compra e venda.
Fazê-lo, seria permitir a alegação de um fundamento cuja consequência seria a de, na prática, proceder a um prolongamento do prazo de caducidade legal.
Prolongamento esse que a lei não consente, pois estatui de forma clara que os cinco anos para a caducidade do direito de impugnação são contados da data do acto impugnável e não da data do conhecimento desse acto – cf. art. 618º do CC.

5. Nestes termos, atento o decurso do prazo de caducidade, a Apelação não poderá deixar de proceder, levando à revogação da sentença na parte em que considerou procedente o pedido de impugnação pauliana.

IV – Em Conclusão:

1. A formulação de pedidos alternativos apenas é possível, em face do disposto no art. 468º do CPC, quando estejam em causa direitos que por sua natureza ou origem sejam igualmente alternativos ou que possam resolver-se em alternativa.
2. Trata-se de um normativo que estabelece uma excepção à regra geral do processo civil que impõe ao autor o ónus de formular uma pretensão fixa e não relegar para momento posterior essa determinação.
3. A lei, porém, não prevê expressamente qual a consequência para a violação de tal princípio, e embora seja ventilada por alguns a possibilidade de a reconduzir à ineptidão da p.i, cremos como mais correcto que se deve considerar que a formulação de pedidos alternativos se reconduz a uma excepção dilatória atípica.
4. Quanto ao prazo da caducidade do direito de impugnação pauliana – que a lei fixa como ocorrendo ao fim de cinco anos – entendemos que tal prazo conta-se a partir da data da celebração da respectiva compra e venda, não podendo o A. invocar o facto de o referido registo ter sido efectuado em data posterior ou a falta de conhecimento anterior da existência da referida escritura pública de compra e venda.
5. De outro modo, seria permitir a alegação de um fundamento que se traduziria num verdadeiro prolongamento do prazo de caducidade, prolongamento que a lei não consente, pois estabelece no art. 618º do CC que os cinco anos para a caducidade do direito de impugnação são contados da data do acto impugnável e não da data do conhecimento desse acto.



V – Decisão:

– Termos em que se acorda em julgar nos seguintes termos:

a) Conceder provimento ao Agravo e absolver os RR. da instância, quanto ao segundo do pedido formulado em alternativa, com fundamento na excepção dilatória atípica de formulação ilegal de pedidos alternativos, absolvição essa que quanto à R. mulher se fundamenta ainda na ilegitimidade passiva substantiva;
c) Julgar procedente a Apelação com fundamento na caducidade e, por consequência, revogar a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e absolver os RR. sociedade e Armando Antunes do pedido de impugnação pauliana, com fundamento na caducidade.

- Custas da acção e da apelação a cargo da A.


Lisboa, 06 de Março de 2008.

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)

António Manuel Valente

Ilídio Sacarrão Martins
____________________________________________________

[1] Neste sentido cf. Teixeira de Sousa, in “A Legitimidade Singular em Processo Declarativo”, em BMJ., 292º, pág. 105.
[2] Sobre a matéria cf. o Ac. da Rel. do Porto, de 23-4-2001, in CJ., Tomo II, pág. 205, e Almeida e Costa, na RLJ, ano 132°, págs. 165 e segs.
[3] Neste sentido, cf. os Acórdãos do STJ, de 20/5/1993, in CJSTJ, 1993, T. 2º, pág. 113 e de 17/6/1998, in CJSTJ, T. 2º, pág. 217.
[4] Distinção estabelecida nestes termos por Miguel Teixeira de Sousa in “Introdução ao Processo Civil”, pág. 15.
[5] Teixeira de Sousa, ibidem, pág. 16.
[6] Neste sentido, cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, I vol., pág. 158.
[7] Cf., neste sentido, Menezes Cordeiro, in ROA, ano 51º, pág. 527.
[8] In “Comentário ao CPC”, III vol., pág. 127.
[9] Cf. Ac. da Relação do Porto de 29/1/1991, in BMJ, 403º/480.
Contra, António Abrantes Geraldes, in obra citada, págs. 162 e segts.
[10] Nesta matéria, sobre a transferência da propriedade da coisa ser efeito do contrato de alienação e não de outros factores, v.g., a entrega da coisa, veja-se Galvão Teles, in “Obrigações”, 3ª ed., pág. 60 e segts.