Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
581/05.2TVLSB-B.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
CORREIO ELECTRÓNICO
REQUISITOS
CITIUS
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – Actualmente o meio legalmente declarado preferível para as notificações entre mandatários judiciais é a transmissão electrónica de dados (artigos 260.º-A n.º 1 e 150.º n.ºs 1 e 2 do CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8).
II - Os termos a que devem obedecer as notificações entre os mandatários judiciais das partes, quando realizadas por transmissão electrónica de dados, são definidos por portaria do Ministro da Justiça (artigos 260.º-A n.º 2 e 138.º-A n.º do CPC); tal Portaria é actualmente a Portaria n.º 114/2008, de 06.02.
III - Nos termos do art.º 4.º da Portaria referida em II, a apresentação em juízo de peças processuais e documentos por via electrónica de dados é efectuada através do sistema informático CITIUS.
IV - Quanto à notificação entre mandatários, só com a introdução na portaria dos artigos 21.ºA e 21ºB, pela Portaria n.º 1538/2008, de 30.12., ficou expressamente estipulado que as notificações electrónicas entre mandatários são realizadas através do sistema electrónico CITIUS, sendo esse o meio a utilizar (transmissão electrónica de dados) quando ambos os mandatários se tenham manifestado nesse sentido através do sistema informático CITIUS ou tenham enviado para o processo qualquer peça processual ou documento através do sistema informático CITIUS (n.º 3 do art.º 21.º-A).
V – A omissão de notificação entre mandatários judiciais só acarreta a nulidade de actos processuais subsequentes à omissão se a mesma tiver tido influência no desenrolar do processo.
VI – Não influi no processo a omissão de notificação de um mero pedido ao tribunal de concessão de prazo para a averiguação de bens, que não pressupõe qualquer definição de direitos das partes.
(JL)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Por apenso à acção declarativa de condenação intentada por S..., S.A. contra K...., Lda e outros, pendente na ... Vara Cível de Lisboa sob o n.º ...., em 01.02.2007 K...., Lda requereu, contra a A. e as restantes RR. dessa acção, prestação espontânea de caução.
Em 04.5.2009 a requerente apresentou no incidente de prestação de caução requerimento no qual, após afirmar que não havia sido tempestivamente notificada de um requerimento apresentado pela requerida S...., por o mandatário desta ter dele notificado o mandatário da requerente para endereço electrónico que não era o seu, arguiu a nulidade dos actos processuais realizados na sequência do dito requerimento da S.... e consequentemente requereu que fosse decretada a nulidade dos actos processuais praticados posteriormente à omissão de notificação referida, ordenando-se a sua repetição.
O tribunal a quo indeferiu tal requerimento, condenou a K... como litigante de má fé na multa de 4 UC e ordenou se desse conhecimento à Ordem dos Advogados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 459.º do CPC.
A requerente agravou deste despacho, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
A. No presente processo o mandatário signatário não indicou maioritariamente o endereço electrónico v....@...com e no cômputo geral de ambos os processos, o mandatário signatário não indicou maioritariamente o endereço electrónico v...@...com.
B. No presente processo o mandatário signatário indicou e utilizou maioritariamente o endereço de correio electrónico v...@...pt e no cômputo geral de ambos os processos o mandatário signatário indicou e utilizou maioritariamente o endereço electrónico v...@...pt.
C. Em determinado período de tempo, o mandatário signatário indicou simultaneamente os endereços de correio electrónico v....@...com e o endereço v...@...pt sendo que a partir de Dezembro de 2008 o mandatário signatário deixou de apor nas respectivas peças processuais o dito carimbo e assim de indicar o endereço electrónico v...@...com.
D. O mandatário signatário, sensivelmente em Setembro de 2008, indicou ao tribunal a quo a alteração do seu domicílio profissional, assim como os seus restantes dados de contacto, requerendo que ali se concretizassem as futuras notificações e contactos.
E. O tribunal a quo desconhece, de facto, quantas vezes o mandatário signatário utilizou o endereço de correio electrónico v.....@...com ou o endereço de correio electrónico v...@...pt, sendo incorrecta por desconhecimento, a conclusão do tribunal a quo, de que o mandatário signatário por vezes utilizava o endereço de correio electrónico v.....@...pt.
F. Apesar da indicação de endereço electrónico diferente, o endereço de correio electrónico exclusivamente utilizado pelo mandatário signatário foi o endereço v...@...pt sendo que o advogado signatário nunca concretizou notificação por correio electrónico ao Ilustre mandatário da requerida S... utilizando ou indicando outro endereço de correio electrónico para além do endereço v...@...pt.
G. À excepção da notificação ora em apreço, o Ilustre Mandatário da requerida S... nunca endereçou comunicação ou notificação por correio electrónico dirigida ao mandatário signatário, para outro endereço de correio electrónico para além do endereço v...@...pt e assim não poderia deixar de conhecer que deveria endereçar a notificação em causa para o endereço de correio electrónico v...@...pt.
H. Sem prejuízo da aposição nas respectivas peças processuais de carimbo onde constava endereço de correio electrónico diferente, o endereço de correio electrónico escolhido pelo mandatário signatário para efeito de notificações por correio electrónico foi o endereço v....@...pt sendo que tanto o Ilustre Mandatário da requerida S... assim como os restantes mandatários das co-partes foram informados da escolha de tal endereço, por via das reiteradas notificações que por correio electrónico receberam –exclusivamente - provindas deste endereço e com indicação do mesmo.
I. O mandatário signatário tomou as devidas precauções para receber as notificações por correio electrónico que lhe fossem dirigidas e se não recebeu a ora em apreço tal situação não resulta de culpa sua não podendo esta produzir os efeitos de uma notificação efectiva.
J. Falece a conclusão do tribunal a quo de que o mandatário signatário escolhera simultaneamente para efeito de notificação por correio electrónico os endereços v...@...com e o v...@...pt visto que o mandatário signatário nunca utilizou, tanto no processo principal como no presente, o endereço de correio electrónico v...@...com.
K. É através da aplicação informática CITIUS que se processa actualmente - na prática - a tramitação processual da maioria dos processos judiciais em curso sendo da sua utilização que depende em grande parte - actualmente—o exercício da Advocacia.
L. A utilização da aplicação informática CITIUS está vedada a não registados e o registo prévio como utilizador é condição imperativa da sua utilização, sendo que para tal registo os utilizadores escolhem um endereço postal, um endereço electrónico números de contacto de telefone e fax, figurando tais dados nas páginas descritivas de cada um dos processo dessa aplicação, entre outros para efeito de notificação electrónica.
M. Quando do seu registo prévio no CITIUS o mandatário signatário indicou o endereço de correio electrónico v...@..pt.
N. Durante o regime experimental e concluído este, as notificações automáticas aos mandatário processar-se-ão para os contactos indicados quando da adesão/inscrição na aplicação informática CITIUS processando-se as comunicações electrónicas entre Tribunais e mandatários para o endereço de correio electrónico ali indicado quando do momento da adesão/inscrição na aplicação informática CITIUS.
O. Quando da notificação ora em apreço estava já em funcionamento a aplicação informática CITIUS e dela constava, assim como do processo dos autos o endereço de correio electrónico v....@...pt e não qualquer outro pelo que não restam duvidas que era esse o endereço electrónico escolhido.
P. Ocorre contradição entre a fundamentação da decisão e a actuação do tribunal a quo utilizando este dualidade de critérios relativamente a notificações electrónicas, consoante se trate de notificação emanada de mandatário judicial ou do tribunal.
Q. Quando da notificação electrónica em apreço nos autos, já há mais de seis meses que o mandatário signatário indicava apenas e só o endereço de correio electrónico v....@...pt, que sempre utilizou em exclusivo.
R. No decurso do presente processo ocorreu alteração sucessiva dos elementos de contacto do mandatário signatário, a qual este comunicou ao tribunal a quo, assim como à contraparte e às co-partes nas comunicações que lhes endereçou.
S. O mandatário signatário indicou e utilizou em todas as comunicações por correio electrónico que trocou com o mandatário da requerida S.... única e exclusivamente o endereço electrónico v....@...pt sendo que o Ilustre Mandatário da requerida S.... não enviou a notificação para o endereço electrónico escolhido pelo mandatário signatário e que este lhe indicou por diversas vezes.
T. O Ilustre Mandatário da requerida Securitas não recorreu ao selo temporal electrónico - vulgo (MDDE) - para validar o envio, data e hora da peça processual e não dispõe do comprovativo temporal de envio, da notificação electrónica emitido por entidade terceira de confiança independente (CTT) assim como de comprovativo da integridade e não repúdio do conteúdo do correio electrónico.
U. O Ilustre Mandatário da requerida S... não dispõe de comprovativo que permita ter garantia e prova que o correio electrónico não sofreu alterações e de foi enviado e recebido.
V. O Ilustre Mandatário da requerida Securitas não cumpriu todas as etapas legais para o envio de peças processuais através do correio electrónico visto que não opôs a MDDE ao e-mail que enviou ao mandatário signatário, não obtendo assim documento discriminativo de todos os parâmetros necessários para se aferir o envio, recepção, assunto, remetente, destinatários, corpo principal da mensagem e anexos, não sendo por isso tal comunicação oponível entre as partes e a terceiros o mesmo acontecendo com a data e a hora da criação, da expedição ou da recepção respectivas.
W. O Ilustre Mandatário da requerida S... não utilizou a MDDE ou sequer outra qualquer salvaguarda de garantia do recebimento da notificação.
X. A comunicação de correio electrónico – alegadamente - remetida pelo Ilustre Mandatário da requerida S.... ao mandatário signatário não poderia chegar e não chegou à caixa de correio electrónico v...@...com, porque tal caixa de correio electrónico foi desactivada por falta de utilização sendo que tal situação não poderia deixar de ser do conhecimento do Ilustre Mandatário da requerida S... conforme resulta dos documentos juntos sob os números 1 a 4 e 5 a 8.
Y. Ocorreu pelo menos falha na entrega, da dita notificação no endereço v...@...com, sendo este desconhecido e impossível de ali se entregarem quaisquer comunicações de correio electrónico.
Z. O Ilustre Mandatário da requerida S... recebeu certamente comunicação indicando-lhe a não entrega da notificação em causa que enviou para o endereço v...@...com.
AA. O mandatário signatário não recebeu a notificação electrónica em causa, visto que esta sequer foi depositada na caixa de correio electrónico v...@...com.
BB. A requerente assim como o mandatário signatário não fizeram do processo ou dos meios processuais um uso reprovável ou manifestamente reprovável não merecendo a sua conduta censura.
CC. A actuação da requerente e do seu mandatário e o uso que fizeram do processo ou dos meios processuais não está ou esteve ordenado ao entorpecimento da acção da justiça.
DD. A requerente e respectivo mandatário não instrumentalizaram ou pretenderam instrumentalizar o processo ou os meios processuais sendo que analisado de per si, o comportamento de ambos verifica-se que não foi incorrecto.
EE. O comportamento da requerente e do respectivo mandatário não prejudicou directamente a parte contrária, não revelando estes com este, comportamentos contraditórios ou disfuncionais ao invocar a nulidade por falta de notificação, tendo concretizado tal alegação, na convicção de estar a utilizar prerrogativa legal que lhes não estava arredada, não tendo por isso manifestado finalidade ou a intenção de entorpecer a acção da justiça mas apenas do exercer o direito do contraditório mediante o conhecimento atempado dos actos praticados no processo pela contraparte.
FF. A notificação electrónica formulada ao mandatário signatário por correio electrónico para o endereço v....@....com padece de nulidade insanável.
GG. A requerente aqui recorrente, foi incorrectamente condenada em custas do incidente e multa por litigância de má fé.
HH. O tribunal a quo deveria ter condenado a requerida S... em multa pela omissão do dever de notificação da requerente.
A agravante terminou pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida com as inerentes consequências.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: se a agravante deve ter-se por notificada do requerimento sub judice, formulado pela requerida S...; se, no caso de resposta negativa a essa questão, qual a consequência processual dessa omissão; se a requerente litigou com má fé.
Primeira questão (notificação da requerente)
Dos autos colhe-se a seguinte
Matéria de Facto
1. No primeiro requerimento de prestação espontânea de caução a K.... indicou, em carimbo nele aposto, o seguinte endereço electrónico do respectivo mandatário forense: v....@...com.
2. Em 01.02.2007, no novo requerimento de prestação espontânea de caução apresentado na sequência de despacho de aperfeiçoamento, em timbre, consta o endereço electrónico v....@...pt; no fim do requerimento foi aposto um carimbo, com a identificação do mandatário da K..., onde é indicado o seguinte endereço electrónico: v...@...com.
3. Em 13.4.2007, em faxes de notificação de requerimento aos mandatários das outras partes, o mandatário da K... utilizou papel com timbre com a indicação do endereço electrónico v....@....pt.
4. Em 17.4.2007, em requerimento de interposição de recurso de sentença proferida no apenso de prestação de caução, a K... apôs um carimbo, com o endereço v...@...com.
5. Em 09.5.2007, nas alegações de recurso, o mandatário da K... apôs um carimbo, com o endereço v...@...com.
6. Em 10.5.2007, em faxes de notificação de requerimento aos mandatários das outras partes, o mandatário da K... utilizou papel com timbre com a indicação do endereço electrónico v...@...pt.
7. Em 28.5.2007, em requerimento da K... pedindo a dispensa de pagamento de multa, consta timbre com a indicação do endereço electrónico v...@...pt e a final foi aposto um carimbo onde é indicado o endereço electrónico v...@...com.
8. Em 09.7.2007, em requerimento da K... de aclaração de despacho, consta timbre com a indicação do endereço electrónico v...@...pt e a final foi aposto um carimbo onde não é indicado endereço electrónico.
9. A fls 128 do apenso de prestação de caução (fls 122 deste recurso), em data ilegível, consta requerimento da K... de apresentação de comprovativo de auto-liquidação de guia cível, com timbre indicando o endereço v...@...pt.
10. Em 25.10.2007, em requerimento da K... de rectificação de alegações, foi aposto carimbo com a indicação do endereço v...@...com.
11. Em 01.9.2008 o mandatário da K... apresentou requerimento em que informa ter mudado o seu domicílio profissional, indicando-o, bem como novo número de telefone e de fax; nesse requerimento nada é dito nem consta quanto ao endereço electrónico.
12. Em 19.9.2008, nas alegações de recurso da K... perante o STJ, foi aposto carimbo onde está indicado o endereço v...@...com.
13. Em 02.12.2008, em requerimento a K... de junção de comprovativo de auto-liquidação de taxa de justiça consta carimbo contendo, como endereço electrónico, v...@...pt.
14. O mandatário da S..., Dr. B...., enviou ao mandatário da K..., no âmbito do apenso de prestação de caução, notificações por via electrónica, em 06.11.2008, 27.11.2008, 16.01.2009, 20.3.2009 e 11.5.2009, para o endereço v...@...pt.
15. O mandatário da K..., Dr. C..., enviou ao mandatário da S..., Dr. B..., no âmbito do apenso de prestação de caução, notificações por via electrónica, em 20.4.2009, 25.6.2009 e 28.7.2009, a partir do endereço v...@...pt.
16. Em 20.3.2009 a S... apresentou no apenso de caução, por via electrónica, um requerimento com o seguinte teor:
S..., S.A., sociedade comercial anónima, com sede da Rua ..., ..., Edifício ..., ... Linda-a-Velha, pessoa colectiva n° ..., requerida nos autos de CAUÇÃO em que é requerente K..., LDa, notificada do despacho de fls, datado de 06/03/2009, vem solicitar a V. Exa a concessão de um prazo de 30 dias para que a requerida possa localizar bens em nome do agora réu D..., com vista a satisfazer o disposto no artigo 987 do C.P.C.
Termos em que,
P.D.”
17. O requerimento referido em 16 era acompanhado de declaração de que, para os efeitos previstos no art.º 229º-A CPC, o Dr. C... (mandatário da K...) seria notificado na data de 20.3.2009 por correio electrónico.
18. Em 04.5.2009 a K... apresentou no apenso de caução, por via electrónica, um requerimento com o seguinte teor:
K..., LDA., Requerente nos autos de processo à margem referenciados e ali melhor id., vem expor e requerer a V. Exa.
1. Na sequência do requerimento de fls. …no qual a requerente reclamava a sua notificação do "requerimento apresentado nos autos, via electrónica, pela requerida S..., em 20-03-2009."
2. Foi esta notificada pelo mandatário da requerida do "requerimento apresentado nos autos, via electrónica, pela requerida S..., em 20-03-2009."
3. Mas apenas a 21 de Abril de 2009.
4. O mandatário da requerente utiliza o seguinte endereço de correio electrónico:
v...@...pt.
5. Tal endereço de correio electrónico figura no CITIUS.
6. O dito requerimento da requerida de 20-03-2009 foi enviado para o seguinte endereço de correio electrónico: v...@...msn.pt
7. Ocorreu assim a omissão de notificação de um acto processual que a lei prescreve como de notificação obrigatória.
8. Na sequência do dito requerimento da S... foram praticados actos processuais.
9. Actos processuais que são nulos e deverão ser repetidos.
10. Nulidade que para os legais efeitos se invoca.
11. Face ao exposto, requer-se a V. Exa., que decrete a nulidade dos actos processuais praticados posteriormente à omissão de notificação referida supra, ordenando a sua repetição.
E. D.
O Advogado”
19. A S... pronunciou-se sobre o requerimento referido em 18 pela seguinte forma:
S..., S.A., sociedade comercial anónima, com sede da Rua ..., ..., Edifício ..., ... Linda-a-Velha, pessoa colectiva n° ..., requerida nos autos de CAUÇÃO em que é requerente K..., LDa, notificada para se pronunciar do despacho de fls., datado de 06/05/2009, vem dizer o seguinte:
Confirma-se que o requerimento de 20/03/2009 foi enviado para o endereço electrónico v...@...msn.pt, porquanto em 16/04/2007, aquando da interposição de recurso por parte da K... para o Tribunal da Relação de Lisboa, o seu mandatário indicou no carimbo aposto no requerimento aquele e-mail, o qual também constava das suas alegações de recurso.
Entende assim a requerida que o mandatário da K... foi notificado do requerimento de 20/03/2009.
No entanto, caso se entenda que o endereço electrónico correcto para se proceder à notificação da parte contrária é o constante do CITIUS, não se opõe que os actos praticados sejam considerados nulos e que seja ordenada a sua repetição.
Termos em que,
P.D.”
20. O mandatário da K... registou no sistema CITIUS o seguinte endereço electrónico: v...@...pt.
O Direito
Nos termos do n.º 3 do art.º 3.º do CPC o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Do princípio do respeito pelo contraditório resulta que as partes devem ser atempadamente notificadas dos actos praticados em juízo (n.º 2 do art.º 228.º do CPC), em regra na pessoa do respectivo mandatário judicial (n.º 1 do art.º 253.º do CPC). A partir da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 183/2000, de 10.8, após a fase da contestação as notificações são realizadas pelos próprios mandatários judiciais entre si, no respectivo domicílio profissional (art.º 229.º-A n.º 1 do CPC).
Tais notificações são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis, nomeadamente por via electrónica, sendo certo que actualmente este é o meio declarado preferível (artigos 260.º-A n.º 1 e 150.º n.ºs 1 e 2 do CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8).
Os termos a que devem obedecer as notificações entre os mandatários judiciais das partes, quando realizadas por transmissão electrónica de dados, são definidos por portaria do Ministro da Justiça (artigos 260.º-A n.º 2 e 138.º-A n.º do CPC).
Tal Portaria é actualmente a Portaria n.º 114/2008, de 06.02.
Nos termos do seu art.º 4.º, a apresentação em juízo de peças processuais e documentos por via electrónica de dados é efectuada através do sistema informático CITIUS.
Quanto à notificação entre mandatários, só com a introdução na portaria dos artigos 21.ºA e 21ºB, pela Portaria n.º 1538/2008, de 30.12., ficou expressamente estipulado que as notificações electrónicas entre mandatários são realizadas através do sistema electrónico CITIUS, sendo esse o meio a utilizar (transmissão electrónica de dados) quando ambos os mandatários se tenham manifestado nesse sentido através do sistema informático CITIUS ou tenham enviado para o processo qualquer peça processual ou documento através do sistema informático CITIUS (n.º 3 do art.º 21.º-A).
Não consta nos autos que à data em que a S... enviou ao tribunal o requerimento referido em 15 o mandatário da K... havia introduzido no sistema CITIUS qualquer endereço electrónico para o qual desejasse ser notificado. O que havia é, conforme supra relatado, múltiplos actos processuais, em que o mandatário da K... tinha dado a conhecer dois endereços electrónicos: v...@....pt. e v...@...com. Note-se que quando o mandatário da K.... deu a conhecer a mudança do seu domicílio profissional não indicou qualquer alteração a nível de endereço electrónico. Mais, dias depois após ter prestado a aludida informação, juntou aos autos alegações de recurso para o STJ, em que mais uma vez indica como endereço electrónico v...@...com (cfr. n.ºs 11 e 12 da matéria de facto).
Assim, o mandatário da S... estava perfeitamente legitimado para notificar o seu colega para qualquer dos dois endereços electrónicos que aquele havia indicado.
Porém, a verdade é que tanto ao tribunal a quo, como à agravante, como à agravada, parece ter passado despercebido um pormenor da maior relevância: é que tanto a S... como a K... concordam em que o endereço para o qual foi enviada a notificação de 20.3.2009 foi o seguinte: v...@...msn.pt (sublinhado nosso). Ora, o endereço indicado pelo mandatário da K... era v...@....com.
Daí que, embora por razões diversas das apontadas pela agravante, seja de concluir que efectivamente a K... não recebeu a notificação que lhe foi enviada em 20.3.2009, do requerimento da mesma data.
Segunda questão (consequências da falta de notificação)
A omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (n.º 1 do art.º 201.º do CPC). Por outro lado, quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão apenas os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (n.º 2 do art.º 201.º do CPC).
Não há norma que comine de nulidade a omissão da notificação sub judice. Por outro lado, não se vislumbra que tal omissão tenha tido qualquer influência no desenrolar do processo. O acto notificando limitou-se a um mero pedido ao tribunal de concessão de prazo para a averiguação de bens, não pressupondo qualquer definição de direitos das partes. A K... acabou por ser notificada do requerimento em 21.4.2009 (conforme ela própria admite – v. n.º 18 da matéria de facto) e nada veio dizer aos autos no sentido de ter algo a opor ou a sugerir em sentido contrário ao requerido.
Assim, não há nulidade a declarar, pelo que o recurso improcede nesta parte.
Terceira questão (litigância de má fé)
Nos termos do disposto no art.º 456º nº 2 do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A actual redacção do preceito, introduzida pelo Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12.12, visou, conforme resulta do seu texto e se explicita no preâmbulo daquele diploma, “como reflexo e corolário do princípio da cooperação”, consagrar “expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos”.
No despacho recorrido entendeu-se que a K..., ao invocar a falta de notificação supra analisada, preencheu a previsão da alínea d) do n.º 2 do art.º 456.º do CPC. Isto porque teria alegado que a notificação foi feita para um endereço electrónico que não era o seu, quando bem sabia ou devia saber que não era assim. Ora, chegámos à conclusão que efectivamente a notificação em causa não ocorreu, por ter havido erro na indicação do endereço. Assim, afigura-se-nos que, pese embora o decaimento da requerente no que respeita à arguição de nulidade, a actuação processual da agravante não ultrapassou os limites legais.
Nesta parte o recurso merece, pois, provimento.
DECISÃO
Pelo exposto concede-se parcial provimento ao agravo e consequentemente:
a) Revoga-se a decisão recorrida na parte em que se condenou a ora agravante como litigante de má fé e se determinou que fosse dado conhecimento à Ordem dos Advogados nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 459.º do CPC;
b) No mais mantém-se a decisão recorrida.
As custas do agravo são a cargo da agravante, na proporção de metade (sendo que a agravada goza da isenção prevista no art.º 2.º n.º 1 alínea g) do CCJ).
Lisboa, 28.01.2010
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
Ana Paula Boularot