Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2982/11.8TBBRR.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: HERANÇA
VENDA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I-Antes da partilha, o cônjuge meeiro não tem um direito de propriedade sobre concretos bens do património conjugal mas apenas um direito à meação nos bens comuns do casal, tal como o herdeiro não tem um direito real sobre bens concretos da herança, detendo apenas o direito a um quinhão hereditário, a uma quota-parte ideal da herança global em si mesma;
II-A causa de pedir na ação de petição de herança, o facto jurídico em que assenta a pretensão deduzida, é a qualidade de herdeiro do demandante e a posse indevida de bens da herança pelo demandado;
III-Na ação de petição de herança podem ser demandados como réus não só os possuidores de bens da herança, mas também as pessoas a favor das quais tais bens tenham sido transmitidos pelo possuidor, gratuita ou onerosamente, e a ação apenas não procederá “contra terceiro que haja adquirido do herdeiro aparente, por título oneroso e de boa fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles”;
IV-Não constitui ação de petição de herança a ação em que o 1º R. é demandado por, utilizando documentação falsa, ter vendido, em nome de outro herdeiro, seu pai, e também cônjuge meeiro, imóveis que integravam o acervo hereditário deixado por óbito de sua mãe, pois esse réu não figura na causa como mero possuidor dos bens alienados ou de um direito sobre eles;
V-Definindo, além disso, a lei como herdeiro aparente aquele que “é reputado herdeiro por força de erro comum ou geral”, não pode atribuir-se àquele 1º R. essa qualidade dado que o mesmo, sendo herdeiro de sua mãe, dispôs de bens dessa herança atuando por si, enquanto herdeiro, e, através de falsa procuração, na qualidade de procurador do seu pai, cônjuge meeiro e também herdeiro;
VI-Tendo a ação de declaração de nulidade sido instaurada e registada meses após a celebração das escrituras públicas de compra e venda impugnadas, não podem as terceiras adquirentes ver os seus direitos sobre tais imóveis reconhecidos, ainda que tenham agido nesses negócios de boa fé.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


R.. e mulher, Maria, vieram, em 28.9.2011, propor contra V., Dr. A.., Advogado, Drª Maria de F. , Notária, Construções M…, Lda, e F..-Unipessoal, Lda, ação declarativa ao abrigo do regime processual aprovado pelo DL nº 108/2006, de 8.6, pedindo:
-o reconhecimento de que o A. marido é titular do direito à meação e quinhão hereditário na herança aberta por óbito da sua falecida mulher, Maria Rosa , ocorrido em 24.8.2004, direito esse incidente sobre os prédios transacionados pelo 1º R.;
-a declaração de que a procuração de fls. 53 a 56 é falsa;
-a declaração de que os dois contratos de compra e venda de imóveis celebrados entre o 1º R. e as 4ª e 5ª RR. são inexistentes por falta de declaração negocial do A.;
-a declaração de que as respetivas escrituras públicas de 26.4.2011, celebradas no Cartório a cargo da 3ª Ré Notária, são falsas e nulas;
-o cancelamento dos respetivos registos junto da Conservatória do Registo Predial; e, ainda,
-a condenação dos RR. a pagar solidariamente aos AA. indemnização pelos danos por estes sofridos a liquidar em execução de sentença.

Alegam, para tanto e em síntese, que o A. foi casado com Maria Rosa , no regime da comunhão geral de bens, e que a mesma faleceu em 24.8.2004, tendo deixado como herdeiros o ora A. R. e o 1º R., V., filho de ambos, mais instituindo o primeiro, por testamento, herdeiro da quota disponível. Referem ainda que, correndo termos inventário para partilha dos bens da herança, o dito 1º R., declarando agir por si e como procurador de seu pai (o A. marido) para o que usou procuração supostamente assinada por este no escritório do 2º R. Advogado que a autenticou e registou, celebrou no Cartório da 3ª Ré Notária escrituras públicas mediante as quais alienou três imóveis do acervo hereditário a favor das 4ª e 5ª RR., respetivamente, que foram inscritas em nome destas na C.R.P.. Invocam que o A. R. jamais subscreveu a dita procuração e não conhece o 2º R. Advogado, pelo que aquela é falsa e nulas as referidas escrituras, tendo a 3ª Ré Notária agido de forma negligente ao aceitar tal procuração. Dizem que já foi apresentada a respetiva queixa- crime, acrescendo que a procuração foi registada tardiamente, e que uma das frações vendidas, sita na Rua …,  Barreiro, era a casa de morada de família dos AA., conforme resultava da demais documentação apresentada no Cartório, pelo que sempre seria necessário o consentimento da A. mulher, que não foi prestado. Concluem que toda a situação descrita tem causado abalo e desgosto ao A. marido para além de custos relacionados com a instauração da presente causa em valor a determinar.

Contestaram as 4ª e 5ª RR., impugnando a factualidade alegada na petição inicial, e invocando, no essencial, que agiram de boa fé, na convicção de que o 1º R. se encontrava munido dos poderes necessários para celebrar os negócios em causa. Pedem a improcedência da ação.

Contestou a 3ª Ré, Notária, impugnando igualmente a matéria alegada e afirmando que a procuração oferecida, devidamente autenticada, não lhe suscitou quaisquer dúvidas, e que não podia inferir que uma das frações constituísse a casa de morada de família. Conclui pela absolvição do pedido.

Contestou, ainda, o 2ª R., Advogado, sustentando que agiu sempre de boa fé e que não conhecia anteriormente as partes envolvidas, tendo-lhe sido pedido por um amigo do 1º R. V. que tratasse de uma procuração e respetiva autenticação, conferindo poderes “de pai para filho”. Mais refere que lhe foi explicado que o pai se encontrava doente e impossibilitado de se deslocar ao seu escritório, pelo que o contestante entregou os documentos ao tal amigo, que os levaria ao 1º R. para que estes fossem assinados pelo A.. Diz que no dia das escrituras de compra e venda, em 26.4.2011, o 1º R. lhos entregou afirmando que o A. os assinara na sua presença, e que procedeu ao respetivo  registo informático nesse dia, pelas 19h13m, corrigindo um outro antes realizado que estava errado. Recebeu a quantia de € 150,00 pelos serviços prestados. Conclui pela absolvição do pedido.

Contestou, por último, o 1º R. V. , invocando, em súmula, que o A. marido outorgou a procuração em causa na sua presença e que foi essa a sua vontade, como já antes, em 2006, sucedera. Diz que a fração sita na Rua …. Barreiro, era a casa de morada de seus pais mas não do A. e da sua atual mulher. Pede a improcedência da causa.

Foi elaborado despacho saneador, em que foram as 4ª e 5ª RR. absolvidas da instância quanto ao pedido indemnizatório contra elas deduzido, sendo, no mais, conferida a validade formal da instância e selecionada a matéria de facto, com elaboração de base instrutória.

Foram decididas as reclamações apresentadas.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 5.10.2015, nos seguintes termos: “(...) julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência::
1.Declara-se a falsidade do termo de autenticação da procuração.
2.Declara-se a nulidade das escrituras públicas de compra e venda.
3.Declara-se a nulidade dos respetivos registos.
4.Declara-se que os imóveis pertencem ao autor, bem como à herança da falecida mulher, Maria Rosa .
5.Declara-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao 1.º réu V. no que se refere ao pedido de indemnização civil.
6.Absolvem-se os 2.º e 3.º réus do pedido de indemnização civil.
Custas pelos autores e pelos réus, na proporção do respetivo decaimento. (…).”

Inconformadas, recorreram as 4ª e 5ª RR., Construções, Lda, e F., Lda, culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões que a seguir se transcrevem:

1-Desde logo, o tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao declarar que “os imóveis pertencem ao autor, bem como à herança da falecida mulher, Maria Rosa ”
2-Os imóveis não pertencem ao A. marido; o direito de propriedade não se confunde com o direito à meação no património comum, composto neste caso por outros bens que não só os bens em causa nos presentes autos (vide neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.9.2013 no proc. 1260/12.0TBGRD-A.C1 relatado por Maria Inês Moura)
3-O direito à meação corresponde tão só ao direito sobre o valor de metade que recai sobre todo o património comum (do casal) no seu conjunto e não sobre certos e determinados bens desse património. 
4-Mas a principal razão que assinala a discordância dos recorrentes relativamente à sentença assenta noutro erro de julgamento – o considerar inaplicável à situação de facto dos autos o disposto no artigo 2076º nº2 do Código Civil (CC)
5-Esta disposição, nas palavras do Professor Oliveira Ascensão em Direito Civil – Sucessões, constitui um dos casos mais significativos de relevância da aparência na nossa ordem jurídica, in Direito Civil, Sucessões, pag. 444.
6-Em causa nos presentes autos está o uso de uma procuração - provada, entretanto, nos autos, falsa - por quem se apresentou, por si e em representação do seu pai, perante terceiros, 4º e 5º RR, na qualidade de “únicos herdeiros da referida Maria Rosa do ... ...”, e a quem vendeu, por si e em representação do seu pai, com base nessa procuração determinados bens imóveis, os imóveis identificados nos autos, que integram o acervo hereditário da falecida Maria Rosa ... ... (vide escrituras juntas enquanto documentos nº3 e 4 na petição inicial pelos AA)
7-Uma procuração, “validada” pela 3ª R, notária, que realizou as escrituras, e cujo termo de autenticação obedece, de acordo com a sentença, “às exigências legais de natureza formal” e que, pese embora provada falsa, na qual, como declarou a sentença, “inexistem vícios externos que reduzam a força probatória do documento”.
8-Os 4º e 5º RR - que gozam de presunção de boa fé, nos termos do artigo 1260º nº2 CC, que não foi posta em causa muito menos infirmada ou ilidida, para os efeitos do artigo 350º nº2 do CC - desconheciam qualquer vicio que pudesse obstar a cada um dos negócios efectuados, maxime relacionados com a procuração - entretanto provada nos autos falsa – e adquiriram, sem qualquer culpa ou responsabilidade da sua parte, respectivamente, cada um os imóveis objecto dos autos, pagando o respectivo preço.
9-Tudo se passou, portanto, como se duma procuração autêntica se tratasse
10-tendo o negócio sido concluído e o respectivo preço sido pago a quem se apresentou enquanto legitimo herdeiro e munido de procuração, aparentemente emitida pelo pai, que lhe conferia poderes para representar o outro herdeiro, seu pai, na venda dos respectivos bens integrantes da herança da falecida (vide a este propósito conclusões do processo 11873/03.5TBVNG.P1 no quadro do respectivo acórdão da 7ª secção do Supremo Tribunal de Justiça (Relator Silva Gonçalves) em 20/10/2011 que recaiu sobre o mesmo, e cujo sumário supra transcrevemos)
11-Eduardo Santos, in O Direito das Sucessões, Colecção Veja Universidade, 1998, pag. 206: O herdeiro aparente pode estar de boa fé ou má fé, mas o que lhe confere a “aparência” de herdeiro é a sua vontade e comportamento exterior como herdeiro, dando azo a “erro comum ou geral”, como diz a lei. O que é essencial é que o seu animus heredis se exteriorize por actos idóneos a provocar nos terceiros a sua reputação como herdeiro (cfr. Eduardo Santos, in O Direito das Sucessões, Colecção Veja Universidade, 1998, pag. 206)
12- Estando os recorrentes 4º e 5º RR, de boa fé e agindo os 4º e 5º RR sem culpa, havendo a aparência de que quem vendia eram os respectivos herdeiros(…), não obstante a má fé do 1º R e a prova da falsidade da procuração que os AA. fizeram nos presentes autos, não pode a acção intentada pelos AA proceder, pelo menos, contra os 4º e 5º RR., violando a decisão neste sentido o preceituado no artigo 2076º nº2 do CC.
13-Neste sentido, vide acórdão da Relação de Coimbra de 25.3.2010, citado in Código Civil Anotado de Abilio Neto, 18ª Edição, 2013 comentário ao artigo 2076º, pag. 1580: “Com efeito, “embora à petição de herança se liguem ideias de reconhecimento judicial da qualidade sucessória do requerente, em primeiro lugar, e da consequente restituição de bens da herança, em segundo lugar, há situações, que também são de petição de herança, em que a restituição não ocorre II – É o que acontece quando alguém, herdeiro aparente, haja disposto dos bens da herança e a aquisição tenha sido feita a titulo oneroso por adquirente de boa fé III – Em tal hipótese – prevista no artigo 2076º nº2 do CC como mais uma excepção ao principio da aquisição derivada – o terceiro adquire de quem não é dono, os bens não são restituídos e o disponente fica responsável pelo valor dos bens alienados; responsabilidade que, se estiver de boa fé, se rege pelas normas do enriquecimento sem causa e que não estando se rege pela responsabilidade civil por factos ilícitos”
Sem prejuízo do exposto, maxime - e ainda relativamente à boa fé - sem prejuízo designadamente da presunção de boa fé que gozam os 4º e 5º RR nos termos do artigo 1260º nº2 CC, que não foi posta em causa, muito menos infirmada, pelos AA, fosse de que maneira fosse, ao longo de todo o processo, acrescente-se, por dever de patrocínio e mera cautela, o seguinte:
14-os AA quando apresentaram a acção nada apontaram no sentido de um qualquer comportamento faltoso ou ilícito dos 4º e 5º RR.
15-O próprio tribunal já havia decidido em saneador que “inexiste qualquer facto que permita concluir que estes (4º e 5º RR) se pautaram por qualquer actuação ilícita”
16-A ausência de imputação de qualquer comportamento ilícito pelos AA exclui necessariamente a má fé, que é, evidentemente, o “reverso” da boa fé;  
17-Os 4º e 5º RR, desconhecendo, no essencial, os factos que os AA trouxeram aos autos, em larga medida que traduziam o referido conflito entre pai e filho, impugnaram-nos, motivando a sua contestação nos termos articulados na contestação, designadamente, nos artigos 11º a 15º, para a qual se remete
18-Os factos articulados pelos 4º e 5º RR não foram impugnados pelos AA
19-Devem, por isso, tais factos terem-se assentes admitidos por acordo (de acordo com o artigo 490º nº 2 aplicável por remissão do artigo 505º do anterior Código de Processual Civil, aplicável à luz do artigo 5º nº 3 da Lei 41/2013), com a consequente ampliação da matéria de facto.
20-A ampliação da matéria de facto assente, designadamente, por acordo, pode ser sempre alterada até ao transito em julgado, tenha havido ou não reclamação da base instrutória (vide neste sentido Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 13.10.2009, in Proc. 9181/06-1 disponivel in www.dgsi.pt)
21-A entender-se porventura que tais factos articulados na defesa dos 4º e 5º RR cuja admissão/confissão (com consequente ampliação da matéria de facto) se requereu configuram uma qualquer excepção “encapotada”, o que não se concede,
22-Ainda assim, tal hipótese, no contexto desta acção, em que claramente, conforme referimos, os AA não imputam qualquer comportamento ilícito aos 4º e 5º RR, em nada prejudicou a posição dos AA.
A entender-se diversamente,
23-considerando que, legitimamente os 4º e 5º RR sempre entenderam ao longo de todo o processo que a respectiva boa fé se encontrava adquirida processualmente, 
24-tendo em conta não só a posição manifestada pelos AA ao longo de todo o processo, 
25-mas também a própria decisão do tribunal que afastou os 4º e 5º RR de qualquer responsabilidade nos factos em discussão nos presentes autos com a motivação supra referida
26-considerando que a modificação da matéria de facto por via da ampliação, afigura-se absolutamente necessária e indispensável, até para evitar, nessa circunstância, o que configuraria uma certa obscuridade ou deficiência da sentença que sobre um ponto tão determinante da matéria de facto discutida nestes autos - como é a boa fé dos 4º e 5º RR - quando o tribunal minimamente se posicionou em sentido que permita afastar que o tribunal a tenha desconsiderado quando proferiu a sua decisão.
27-requer-se, então, subsidiariamente, a ampliação da matéria de facto, neste caso, nos termos do nº 2 alínea c) do artigo 662º com consequente repetição do julgamento nos termos da alínea c) do nº 3 do referido preceito.”
Pedem a procedência do recurso, decidindo-se pela manutenção dos negócios celebrados com as 4ª e 5ª RR. ou, subsidiariamente, entendendo-se como não adquirida processualmente a boa fé destas, seja ampliada a matéria de facto nos termos do nº 2 alínea c) do artigo 662 com consequente repetição do julgamento nos termos da alínea c) do nº 3 do referido preceito.  
Em contra-alegações, os apelados invocam a inadmissibilidade do recurso por falta de síntese das conclusões e por inobservância, quanto à impugnação da matéria de facto, do disposto no art. 640, nº 1, al. c), do C.P.C., defendendo, no mais e em súmula, o acerto do decidido.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II-Fundamentos de Facto:

A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:

1)Maria Rosa ... faleceu a 24.08.2004, e deixou como herdeiros o autor marido e o 1.º réu V. ... Correia, filho de ambos. A)
2)O autor marido enviuvou de Maria Rosa do ... ..., no estado de casado no regime de comunhão geral de bens. B) 
3)Maria Rosa ... fez testamento no qual instituiu herdeiro da sua quota disponível o autor marido. C)
4)Da certidão de habilitação de herdeiros de 04-08-2009, consta como morada do autor marido a Rua ... ..., …., Verderena, Barreiro. D)
5)O autor contraiu segundas núpcias com a autora no dia 25.07.2007, sob o regime imperativo de separação de bens. E)
6)O autor instaurou processo de inventário contra o 1.º réu V. no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, onde corre termos no 1º Juízo Cível com o número 856/11.1TBPTM. F)
7)No âmbito desse processo, foram marcadas declarações e juramento de cabeça-de-casal para o dia 29.09.2011, pelas 10 horas. G)

8)Do acervo hereditário de Maria ... constavam os imóveis correspondentes:
a)Fração autónoma, designada pela letra “G”, destinada a habitação, composta por apartamento, tipo T2, correspondente ao segundo andar, lado esquerdo, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... ..., …, freguesia de Verderena, concelho do Barreiro, inscrita na matriz sob o artigo 238-G e descrita na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o número ….. – Fração G – Freguesia de Verderena;
b)Lote de terreno para construção urbana, designado por lote 110, na Barra cheia, Bairro Alentejano, freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, com a área de 345,19 m2, inscrito na matriz sob o artigo …. e descrito na Conservatória do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Barreiro Registo Predial de Palmela sob o número ……. – Freguesia da Quinta do Anjo;
c)Fração autónoma, designada pela letra “A”, correspondente à cave lateral, esquerda, destinada a garagem, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …., freguesia do Alto do Seixalinho, concelho do Barreiro, inscrita na matriz sob o artigo ….. e descrita na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o número …… – Freguesia do Alto do Seixalinho;
d)Fração autónoma, designada pela letra “F”, destinada a habitação, composta por apartamento tipo T0, correspondente ao segundo andar, lado esquerdo, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua …… da cidade, freguesia e concelho de Portimão, inscrita na matriz sob o artigo ….. e descrita na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o número …….. – Freguesia de Portimão; H) -

9)Por escritura de 26.04.2011, a fls. 113, do Livro 51, do Cartório Notarial a cargo da Dr.ª Fátima L..., sito na Rua D. Manuel I, número 16-A, Paivas, freguesia da Amora, concelho do Seixal, o 1.º réu V. declarou por si e na qualidade de procurador do seu pai, ora autor R. da Conceição Correia, vender à 4.ª Ré:
-A fração autónoma, designada pela letra “G”, destinada a habitação, composta por apartamento, tipo T2, correspondente ao segundo andar, lado esquerdo, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... ..., n.º 296, freguesia de Verderena, concelho do Barreiro, inscrita na matriz sob o artigo ….. e descrita na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o número ……– Freguesia de Verderena e definitivamente registada a favor do A. marido e sua falecida esposa, pelo preço de € 50.000,00 (cinquenta mil euros);
-Lote de terreno para construção urbana, designado por ….., na Barra cheia, Bairro Alentejano, freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, com a área de 345,19 m2, inscrito na matriz sob o artigo ….. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o ….. – Freguesia da Quinta do Anjo e definitivamente registada a favor do autor marido e sua falecida esposa, pelo preço de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros); I) 
10)A 4.ª Ré registou a aquisição definitivamente a seu favor pela apresentação n.º 90, de 28.04.2011. J)
11)Na mesma data e no mesmo Cartório, por escritura de compra e venda, que consta a folhas 111, do mesmo referido livro e pelo preço de € 18.500,00, o 1.º réu V. declarou por si e na qualidade de procurador do seu pai, ora autor, R. da …., vender à 5.ª Ré (e esta comprou-lhe) a fração autónoma, designada pela letra “A”, correspondente à cave lateral, esquerda, destinada a garagem, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Caetano Ferreira, n.º 11, freguesia do Alto do Seixalinho, concelho do Barreiro, inscrita na matriz sob o artigo ….. e descrita na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o número …… – Freguesia do Alto do Seixalinho e definitivamente registada a favor do autor marido e sua falecida esposa. K) 
12)A 5.ª ré fez registar definitivamente a aquisição a seu favor pela apresentação n.º 93, de 28.04.2011. L)
13)Nas duas mencionadas escrituras, o 1.º réu V. exibiu a procuração arquivada pela Senhora Notária com a escritura de folhas 111, do Livro 51. M)

14)Desse documento, cuja cópia se encontra a fls. 55 dos autos, consta o seguinte: N)
“R. da ….., casado com Maria …. no regime imperativo de separação de bens, natural de Silves, residente na Rua ….., n.º 36, 4.º D, 2830-348 no Barreiro, portador do Bilhete de Identidade vitalício n.º ….., NIF ……, constitui seu bastante procurador V. ... CORREIA, casado, natural do Barreiro, portador do bilhete de identidade n.º ……., emitido a 12 de Outubro de 2000 pelos SIC de Lisboa, NIF 110818318 e residente na rua José Elias Garcia, n.º 36, 4.º D, 2830-348 no Barreiro, a quem confere os poderes especiais necessários para em meu nome vender, prometer vender, onerar, assinar escrituras pelo preço e condições que achar conveniente, bem como proceder aos respetivos registos a fração autónoma sita na Rua ... ..., n.º 296, 2.º Esq. na freguesia da Verderena, concelho do Barreiro, com o artigo matricial 238 e descrito na conservatória do registo predial do Barreiro sob o número 267, não constituindo esta a sua casa de morada de família, podendo igualmente receber quaisquer quantias e dar quitação das mesmas por via dos negócios acordados.
Mais confere os poderes de em seu nome vender, comprar, prometer vender, prometer comprar, onerar, assinar escrituras nos termos e condições que achar convenientes, receber e dar quitação de quaisquer quantias sobre quaisquer bens móveis ou imóveis, procedendo aos respetivos registos e averbamentos junto das entidades competentes, podendo igualmente por mim assinar cheques e onerar os bens adquiridos por via desses negócios.
Barreiro, 19 de Abril de 2011
([assinatura manuscrita com o nome:] «R. da ……..»)”

15)Foi lavrado, pelo 2.º réu ... ... um termo de autenticação do documento atrás transcrito, cuja cópia se encontra a fls. 54, onde consta: O) 
“No dia 19 de Abril de 2011, no meu escritório, sito na praceta ……, n.º 2, R/C D, freguesia do Alto Seixalinho, concelho do Barreiro, perante mim, compareceu como outorgante R. da Conceição Correia, NIF …….., natural da freguesia de Silves, concelho de Silves, casado no regime de separação de bens com Maria Adelina, portador do Bilhete de Identidade vitalício n.º ……., emitido em 03 de Novembro de 1980 pelos SIC de Lisboa. Verifiquei a identidade do outorgante pela exibição dos seus indicados documentos de identificação.
Para autenticação apresentou-me a presente procuração, apensa a este termo, de cujo conteúdo declarou estar perfeitamente inteirado e que o mesmo exprime a sua vontade.
Foi este termo de autenticação lido e o seu conteúdo explicado ao outorgante.
([assinatura manuscrita com o nome:] «R. da Conceição Correia»)
[assinatura e carimbo com a identificação do segundo R.]”

16)O 2.º réu …… registou o documento aludido em O) com referência ao documento N) no dia 26 do mesmo mês, pelas 19 horas e 13 minutos, cf. cópia de fls. 56. P)
17)Por documento de 14.07.2006, de fls. 155-158, o Advogado Carlos Santos Caria declarou reconhecer a assinatura, na presença do autor e do 1.º réu V., e autenticou a procuração manuscrita pelo autor, a qual conferiu poderes ao 1.º réu V. para este, em nome do primeiro, comprar, vender, hipotecar, ou permutar bens móveis ou imóveis pelo preço e condições que entendesse. T)
18)Do registo online dos atos dos advogados consta que o reconhecimento de assinatura e letra foi registado em 14-07-2006 pelas 12:50h. U)
19)Por declaração de 24.11.2011, de fls. 154, o conselho geral da ordem dos advogados portugueses declarou certificar, a pedido do advogado Carlos ……, que os documentos aludidos em T) e –U) “são uma falsificação grosseira de um registo online dos atos dos advogados. Não foram feitos nem registados no sistema gerido pela Ordem dos Advogados”. V)
20)A fls. 57 encontra-se cópia de BI do autor, com o n.º ……., emitido em 20.09.2007, com validade até 20.04.2018. 
21)O 1.º réu V. foi declarado insolvente por sentença proferida em 05.11.2014, na 2.ª Secção de Comércio do Barreiro, da Instância Central da Comarca de Lisboa, cf. fls. 473.
22)A assinatura constante do documento referido em N) não foi aposta pelo punho do autor. 5.º 
23)O autor nunca conheceu o 2.º réu …… nem esteve no escritório dele. 16.º
24)O documento emitido pelo 2.º réu …… e respetiva autenticação foi por este elaborado e executado por solicitação de ……. 9.º
25)Que os entregaria ao filho do autor, aqui 1.º réu V.. 10.º
26)Que por sua vez os entregaria ao autor para este assinar e subsequentemente serem os documentos devolvidos ao 2.º réu ……. 11.º
27)Em 26-04-2011 os documentos foram devolvidos ao 2.º réu ... ... através do 1.º réu V.. 12.º
28)Tendo o 1.º réu V. afirmado ao 2.º réu ... ... que os documentos tinham sido assinados pelo autor, seu pai, na sua presença. 13.º
29)O registo informático só foi efetuado no dia 26-04-2011 pelas 19:13h porque o 2.º réu ... ... repetiu o registo anterior. 14.º
                                    ***
III-
Fundamentos de Direito:

Cumpre apreciar do objeto do recurso.

Como é sabido, são as conclusões que delimitam o seu âmbito. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Compulsadas as conclusões acima transcritas, cumpre apreciar:
-da impugnação da matéria de facto (ampliação);
-da subsunção jurídica (da declaração de que “os imóveis pertencem ao autor”, da aplicação ao caso do art. 2076, nº 2, do C.C.).

Antes, porém, apreciaremos da questão suscitada pelos apelados quanto à inadmissibilidade do recurso por falta de síntese das conclusões.

-Questão prévia: Da inadmissibilidade do recurso por falta de síntese das conclusões:
Dizem os recorridos, em contra alegações, que as apelantes não deram cabal cumprimento ao disposto no art. 639, nº 1, do C.P.C., não concluindo a sua alegação de forma sintética, como determina tal dispositivo, pelo que o recurso não deve ser admitido nesses termos.

Vejamos.

Muito embora se admita que, em rigor, as apelantes poderiam ter reduzido a menos palavras o núcleo essencial da sua discordância no final das alegações, exprimindo de forma mais sucinta e abreviada os fundamentos do recurso, reconhecemos também que não o fizeram, ainda assim, de forma manifestamente desacertada, prolixa ou redundante, tendo em conta o âmbito do recurso.

Por outro lado, ainda que tal vício se verificasse em termos inequívocos, tal sempre determinaria, num primeiro momento, o convite às recorrentes para proceder à sintetização das conclusões, em 5 dias, sob pena de não se conhecer do recurso (nº 3 do art. 639 do C.P.C.).

Sucede que nem o vício é patente nem o modo como são apresentadas as conclusões prejudica o imediato conhecimento da apelação, posto que daí não parece ter resultado afetada de forma relevante a resposta ao recurso nem surge especialmente dificultada a tarefa do tribunal.

Donde que, na circunstância, sempre seria de evitar o convite.

Improcede, pois, a arguição dos apelados.

A)Da impugnação da matéria de facto:

As recorrentes invocam, em síntese, que devem ter-se como provados por acordo os factos por si alegados nos artigos 11º a 15º da contestação, respeitantes à boa fé das 4ª e 5ª RR., porque não foram impugnados pelos AA., nem tal matéria foi controvertida nos autos, procedendo-se, subsidiariamente, e caso assim se não entenda, à repetição do julgamento nessa parte.
Os apelados defendem, por seu turno, a rejeição do recurso em virtude de não ter sido indicada a concreta resposta aos pontos impugnados. 
De acordo com o art. 640, nº 1, do C.P.C. de 2013, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá, sob pena de rejeição imediata do recurso, indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles.
Afigura-se-nos que as apelantes cumprem de forma suficiente o dispositivo legal, deixando minimamente clara a sua pretensão quanto à reclamada prova do por si alegado nos artigos 11º a 15º da contestação respetiva e ao referirem que tal prova se justifica por acordo das partes.
Não há, pois, fundamento para rejeição do recurso por inobservância do art. 640 do C.P.C..
Questão diversa é saber, contudo e antes de mais, se tal matéria é essencial à decisão da causa e, sendo-o, se a ampliação requerida deve proceder e em que termos.
Tal exige, porém, que se passe, desde já à questão seguinte para aquilatar, em primeira linha, da relevância da apreciação da boa fé das 4ª e 5ª na celebração dos contratos de compra e venda em apreço.
Caso se conclua por essa relevância, voltaremos ao tema.

B)Da subsunção jurídica (da declaração de que “os imóveis pertencem ao autor”, da aplicação ao caso do art. 2076, nº 2, do C.C.):

Na sentença, julgou-se a ação parcialmente procedente, declarando-se, no que aqui interessa, a falsidade do termo de autenticação da procuração, a nulidade das escrituras públicas de compra e venda e dos respetivos registos, e ainda que “os imóveis pertencem ao autor, bem como à herança da falecida mulher, Maria Rosa do ... ...”.

O primeiro reparo das apelantes dirige-se justamente a este último segmento decisório, na medida em que os imóveis em questão não pertencem ao A. marido, pois o direito de propriedade não se confunde com o direito à meação.

Têm razão as apelantes neste tocante, muito embora a conclusão a que se chega na sentença corresponda a uma imprecisão jurídica não diretamente refletida na motivação.

Assinala-se, de resto, que os AA. haviam pedido a tal propósito o reconhecimento de que o A. marido é titular do direito à meação e quinhão hereditário na herança aberta por óbito da sua falecida mulher, Maria Rosa do ... ..., ocorrido em 24.8.2004, direito esse incidente sobre os prédios transacionados pelo 1º R..

Como se provou, o A. R. Correia foi casado com Maria Rosa ..., falecida em 24.8.2004, no regime da comunhão geral de bens. Cessando, por óbito da mulher, as relações patrimoniais entre os cônjuges, caberá ao A. a meação no correspondente património comum do casal (cfr. arts. 1689, nº 1, 1730, nº 1, 1732 e 1734 do C.C.), sem prejuízo dos seus direitos sucessórios e do filho comum, o R. V. Correia, com relação à herança deixada (art. 2139, nº 1, do C.C.).

Assim, e antes da partilha, o cônjuge meeiro não tem um direito de propriedade sobre concretos bens do património conjugal (os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão – art. 1730 do C.C.), mas apenas um direito à meação nos bens comuns do casal, tal como o herdeiro não tem um direito real sobre bens concretos da herança, detendo apenas o direito a um quinhão hereditário, a uma quota-parte ideal da herança global em si mesma.

Não existe, pois, qualquer direito de propriedade do A. R. sobre os imóveis alienados, sendo este apenas titular de um direito sobre a herança aberta por óbito da mulher Maria Rosa, sem prejuízo da sua meação, enquanto cônjuge sobrevivo, nos bens comuns do casal.

Nessa medida, cumprirá corrigir o ponto 4 do “Dispositivo” da sentença em conformidade, declarando-se que os imóveis em questão integram o património comum do casal constituído pelo A. R. da Conceição Correia e Maria Rosa do ... ..., tendo o referido A. direito à meação nos bens comuns do casal e a um quinhão hereditário na herança aberta por óbito daquele seu cônjuge, ocorrido em 24.8.2004.

Sanado o lapso, vejamos da reclamada aplicação ao caso do disposto no art. 2076, nº 2, do C.C..

Na sentença entendeu-se que a procuração era falsa e que “encontra-se ferida de nulidade a venda realizada sem poderes pelo 1.º réu às 4.ª e 5.ª ré da quota do autor sobre o prédio, por se tratar de venda de coisa alheia, por ilegitimidade do transmitente”. Mais se sustentou a nulidade dos contratos de compra e venda e a obrigação de restituir daí decorrente, defendendo-se, igualmente, a nulidade do registo bem como a impossibilidade das 4ª e 5ª RR. se poderem prevalecer do disposto no art. 291 do C.C., afirmando-se: “(…) Conclui-se pois que mesmo de boa fé, as 4.ª e 5.ªs rés não se pode prevalecer do artigo 291.º do Código Civil. 

Acresce que, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 291.º do Código Civil, os direitos do terceiro cedem caso a ação de nulidade ou anulação tenha sido interposta e registada dentro dos três anos posteriores ao negócio. 
No caso, a ação foi registada em 2012, no mesmo ano em que foi registada a propriedade plena a favor da 4.ª e 5.ª rés.
Pelo exposto, os direitos das 4.ª e 5.ª rés Ré não estão ressalvados da declaração de nulidade.

Em consequência, importa declarar nulas as escrituras de compra e venda que titula a transmissão para as 4.ª s e 5.ª rés, bem como o respetivo registo.
Consigne-se igualmente que inexiste qualquer herdeiro aparente, para os efeitos previstos no artigo 2076.º, n.º 2, do Código Civil.”

As apelantes defendem que estavam de boa fé e que é aplicável ao caso o disposto no art. 2076, nº 2, do C.C., pelo que não pode a ação proceder pelo menos contra as 4ª e 5ª RR..

Dispõe o art. 2075, nº 1, do C.C., sob a epígrafe “Acção de petição”, que: “O herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título”.

Como nos explicam Pires de Lima e Antunes Varela([1]), essencial à petição de herança “é o duplo fim que ela visa: por um lado, o reconhecimento judicial do título ou estatuto (de herdeiro) que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro”, distinguindo-se a petição de herança da ação de reivindicação “(…) por virtude do carácter universal dela, visto visar, não uma coisa determinada, mas o universum jus defuncti”.

Também R. Capelo de Sousa nos explica que a ação de petição de herança “visa primacialmente obter uma sentença condenatória de restituição de uma universalidade de bens (e daí que algumas atinências tenha com a acção de reivindicação prevista no art. 1311º, nº 1, do CCiv) embora também dela se distinga nitidamente.”([2])

A causa de pedir na ação de petição de herança, o facto jurídico em que assenta a pretensão deduzida, é a qualidade de herdeiro do demandante e a posse indevida de bens da herança pelo demandado.

Logo de seguida e no mesmo capítulo, dispõe o art. 2076 do C.C. que: “1. Se o possuidor de bens da herança tiver disposto deles, no todo ou em parte, a favor de terceiro, a acção de petição pode ser também proposta contra o adquirente, sem prejuízo da responsabilidade do disponente pelo valor dos bens alienados. 2. A acção não procede, porém, contra terceiro que haja adquirido do herdeiro aparente, por título oneroso e de boa fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles; neste caso, estando também de boa fé, o alienante é apenas responsável segundo as regras do enriquecimento sem causa. 3. Diz-se herdeiro aparente aquele que é reputado herdeiro por força de erro comum ou geral.”

Por conseguinte, na ação de petição de herança podem ser demandados como réus os possuidores de bens da herança (art. 2075, nº 1, do C.C.), mas também as pessoas a favor das quais tais bens tenham sido transmitidos pelo possuidor, gratuita ou onerosamente (art. 2076, nº 1, do C.C.). A acção apenas não procederá “contra terceiro que haja adquirido de herdeiro aparente, por título oneroso e de boa fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles”([3]).

Do que se deixa dito resulta, em nosso entender, que o disposto no nº 2 do art. 2076 do C.C. não tem aqui aplicação.

Com efeito, a presente ação tem como escopo essencial a invalidação dos negócios que o 1º R. celebrou abusivamente com terceiros em nome do A. marido.

Nos referidos contratos de compra e venda o 1º R. dispôs de bens da herança atuando por si, enquanto herdeiro dos bens deixados por sua mãe Maria Rosa ..., e na qualidade de procurador do seu pai, o A. R. Correia, cônjuge meeiro e também herdeiro.
Desse modo, aquele 1º R. não agiu como herdeiro aparente, isto é, não foi erroneamente reputado como herdeiro de uma herança que lhe não cabia. No que a si respeita nenhuma dúvida há sobre a qualidade de herdeiro que detinha. No mais, interveio, embora indevidamente, em nome de outrem, não chamando a si, nessa parte, o papel de herdeiro. Isto é, o 1º R. V. não agiu como suposto herdeiro, não se fez passar por herdeiro quando o não era, não podendo ter incutido tal convicção nos terceiros adquirentes. Atuou falsamente em nome de outrem e não por possuir bens ou direitos deste em nome próprio.

Assim, a presente ação não é, em rigor, de petição de herança, pois o 1º R. não figura na causa como mero possuidor dos bens alienados ou de um direito sobre eles, antes sendo demandado por, utilizando documentação falsa, ter vendido, em nome de um outro herdeiro e também cônjuge meeiro (e não em nome próprio), imóveis que integravam o acervo hereditário.

Por conseguinte, não se encontra preenchida a previsão dos arts. 2075 e 2076 do C.C..

Finalmente, como se observou na sentença sob recurso, as 4ª e 5ª RR., aqui apelantes, não podem prevalecer-se do disposto no art. 291 do C.C..

Nos termos do art. 291, nºs 1 e 3, do C.C., a declaração de nulidade do negócio jurídico respeitante a bens imóveis não prejudica os direitos adquiridos sobre eles a título oneroso por terceiro de boa fé, desconhecedor do vício sem culpa no momento da aquisição, no caso do registo da aquisição ser anterior ao registo da respetiva ação de nulidade. Os direitos de terceiro não serão, todavia, reconhecidos se a ação for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291, nº 2).

Este normativo respeita às situações em que alguém, por exemplo, vende a outrem um imóvel, por contrato nulo ou anulável, e este último o vende, por sua vez, ainda a um terceiro. O que se pretende é proteger o terceiro adquirente do efeito da declaração da nulidade ou anulabilidade do primeiro contrato. O terceiro a que este artigo se reporta é, pois, o sub-adquirente posterior à celebração do primeiro contrato ferido de nulidade ou anulabilidade. O conflito gera-se entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente([4]).

Conforme se destaca a propósito deste normativo no Ac. do STJ de 22.4.2008([5]) e cumpre aqui reproduzir pelo seu interesse: “(…) Oliveira Ascensão, in “Teoria Geral do Registo” – vol. III – 1992, págs. 470 a 474, “Inoponibilidade resultante do registo por parte de terceiros” ensina: «O art. 291º regula uma situação importante, que é a do terceiro subadquirente do bem proveniente do acto inválido estar protegido por um registo público. O art. 291º permite que a aquisição de imóveis, ou de móveis sujeitos a registo, fique consolidada, desde que se verifique uma lista densa de requisitos.
É necessário que tenha havido uma aquisição: a título oneroso, de boa-fé, registada antes de o ser a acção de nulidade ou de anulação, ou o registo de acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio, já tenham decorrido três anos após a conclusão do negócio. […]
Qual o fundamento desta aquisição de direitos por parte de quem era apenas titular aparente?
Não é a boa fé, pois como vimos esta não é fundamento autónomo de protecção de terceiros contra a juridicidade substantiva.
Surge apenas como elemento complementar, tal como a onerosidade do negócio,
Não é o facto de se ter registado, pois o registo não tem em geral efeitos atributivos entre nós.
O registo que for contrário à legalidade substantiva pode ser destruído. Só pode ser a circunstância de o adquirente beneficiar da fé pública de um registo preexistente e ter feito essa a sua aquisição confiando nesse registo. Ao registo está ligada a fé pública, a garantia da verdade das situações publicitadas. A aquisição que se fizer conformemente aos registos existentes mesmo que estes sejam incorrectos, está amparada pela aparência resultante do registo.
Isto nos leva a concluir que no art. 291º está implícito ainda outro pressuposto, pois só ele explica esta actuação anómala: é necessário que o negócio inválido conste do registo.
Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo – ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então.
Mas mesmo assim, só se concorrerem todos os outros requisitos indicados por lei.
Apenas acrescentaremos que a referência à confiança no registo é abstracta e não concreta. Funciona como justificação da lei, mas não se exige em concreto a prova de uma situação subjectiva de confiança. Portanto, o fundamento está verdadeiramente na aparência registral ou, mais simplesmente, na fé pública do registo.
A lei fala descoloridamente na “inoponibilidade” da nulidade e da anulação. Mas não há mera inoponibilidade: há um verdadeiro efeito atributivo do registo.
Quem era titular aparente passa a ser titular verdadeiro, resolvendo-se direito do verdadeiro titular». (destaque nosso) (…)”.

Ora, as 4ª e 5ª RR. celebraram as escrituras públicas em apreço em 26.4.2011 e registaram a seu favor as aquisições dos imóveis respetivos em 28.4.2011 (cfr. pontos 9 a 12 supra da matéria assente), tendo a presente ação sido instaurada em 28.9.2011 e registada em 29.9.2011 (cfr. fls. 69 a 79 dos autos).

Deste modo, a aquisição de tais imóveis pelas 4ª e 5ª RR. não chegou a consolidar-se, o registo não chegou a ter um efeito atributivo, nas palavras de Oliveira Ascensão, face ao superveniente registo da presente ação ainda no decorrer do mesmo ano (nº 2 do art. 291 do C.C.).

Ou seja, não se verificam todos os requisitos previstos no art. 291 do C.C., como seria mister, sendo insuficiente, como vimos, a boa fé das adquirentes ou a onerosidade dos contratos em análise.
Tal vale por dizer que os direitos das apelantes sobre aqueles imóveis não podem, simplesmente, ser reconhecidos, como se pretende.

Deste modo, evidente se torna a irrelevância da reclamada prova da boa fé das 4ª e 5ª na celebração dos contratos de compra e venda impugnados, mostrando-se necessariamente prejudicado o recurso nessa parte.

Procede, pois, a apelação apenas no que toca à correção do ponto 4 do “Dispositivo” da sentença.

***

IV-Decisão:

Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
-julgando parcialmente procedente a apelação, alterar o ponto 4 do “Dispositivo” da sentença e declarar que os imóveis identificados integram o património comum do casal constituído pelo A. R. da Conceição Correia e Maria Rosa do ... ..., tendo o referido A. direito à meação nos bens comuns do casal e a um quinhão hereditário na herança aberta por óbito daquele seu cônjuge, ocorrido em 24.8.2004;
-julgando, no mais, improcedente a apelação, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes.
Notifique.

***

                                                                                                       Lisboa, 20.9.2016
                                                                                           
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho                                                                              
Luís Filipe Pires de Sousa



[1]“Código Civil Anotado”, vol. VI, pág. 131.
[2]“Lições de Direito das Sucessões”, vol. II, 2ª ed., 1986, pág. 41.
[3]Cfr. R. Capelo de Sousa, ob. cit., pág. 43. Ver, ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 132/133.
[4]Diga-se que é diverso o conceito de terceiro para efeito de registo predial. A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está, sem dúvida, sujeita a registo (art. 2, nº 1, al. a), do C.R.P.). Depois de grande controvérsia jurisprudencial, o DL nº 533/99, de 11.12, aditou ao art. 5 do C.R.P. um nº 4, aí consagrando que “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Neste caso, estamos perante situações de conflito entre dois adquirentes de um mesmo transmitente, há uma dupla transmissão pelo mesmo alienante de um bem imóvel ou de um móvel sujeito a registo a um primeiro transmissário, que não inscreve no registo a aquisição, e depois a um segundo, que procede a essa inscrição.
[5]Proc. 08A784, em www.dgsi.pt.