Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1599/2008-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: VALOR DA CAUSA
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. Ao pedido da prestação de facto, nomeadamente da reparação de uma coisa, representando uma utilidade económica imediata, deve ser atribuído um valor pecuniário equivalente ao benefício do facto.
II. Ocorrendo uma cumulação de pedidos, o valor da acção obtém-se somando os valores de todos os pedidos.
III. O processo sumaríssimo não se adequa ao pedido de prestação de facto da reparação de uma coisa.
O.G.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
M instaurou, no dia 23 de Maio de 2006, no 7.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, contra Ma, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, pedindo que a Ré fosse condenada:
1. A reparar a canalização do esgoto da casa de banho do seu andar (2.º Direito), sito na Rua de Campolide, em Lisboa;
2. A notificar a Autora da conclusão dessa reparação;
3. A pagar-lhe o custo da reparação dos danos sofridos no seu andar (1.º Direito), em quantia a apurar em liquidação ulterior, que, em caso algum, será inferior a € 2 030,30.
Indicou ainda na petição inicial, como valor da acção, a quantia de € 3 741,00.

Contestou a Ré, que, além do mais, impugnou o valor da acção, o qual devia ser fixado em € 2 030,30.
Respondeu a A., insistindo no valor indicado na petição inicial.
Em 19 de Janeiro de 2007, foi então proferido despacho, fixando à causa o valor de € 2 030,30, determinando que o processo seguisse a forma sumaríssima e declarando a incompetência do Tribunal, em razão do valor da causa.
Inconformada com a decisão, recorreu a Autora, que, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) A quantia de € 2 030,30 é apenas uma estimativa dos danos, tendo o Tribunal contrariado o disposto no art. 305.º, n.º 1, do CPC.
b) O valor de € 3 741,00, atribuído à acção, representou a utilidade económica dos pedidos, podendo pecar por defeito e nunca por excesso.
c) Não foi considerado o pedido da reparação da canalização do andar da Ré, o que violou o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC.
d) Estando também em causa a condenação numa prestação de facto, o despacho recorrido violou, ainda, o art. 462.º do CPC.

Pretende, com o provimento do recurso, a revogação do despacho recorrido, substituindo-se por outro que fixe à causa o valor de € 3 741,00 e que, em resultado, se siga os termos do processo sumário, para o qual é competente o juízo cível.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O despacho recorrido foi, tabelarmente, mantido.

Neste recurso, está em causa, essencialmente, o valor da causa, com efeitos na determinação do tribunal competente.

II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa agora passar ao conhecimento do objecto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes são as acabadas de destacar.
A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido formulado na acção – art. 305.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
A declaração do valor da causa constitui, aliás, um dos requisitos da petição inicial, como decorre, expressamente, do disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 467.º do CPC.
A omissão desse requisito formal da petição inicial justifica até a sua recusa pela secretaria – art. 474.º, alínea e), do CPC.
Para a fixação do valor da causa, existem critérios gerais e especiais, definidos na lei, sendo de atender, na sua determinação, por regra, ao momento em que a acção é proposta, de modo a garantir a estabilidade da instância, dadas as consequências que o valor da causa pode provocar, designadamente, na determinação da competência do tribunal, na forma do processo e na possibilidade de recurso (art. 305.º, n.º 2, do CPC).
Todavia, causas existem em que a utilidade económica apenas se concretiza pela sequência da acção, como sucede nomeadamente no caso da formulação de pedido genérico (art. 471.º do CPC). Nessa eventualidade, face à regra consignada no n.º 3 do art. 308.º do CPC, o valor da causa inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.
Verificando-se, por sua vez, uma situação de pedidos cumulativos, o valor da acção corresponde à quantia resultante da soma dos valores de todos eles, conforme o critério geral disponibilizado pelo n.º 2 do art. 306.º do CPC.

Situada a questão jurídica que perpassa pelo recurso, desde já, se adianta que a decisão recorrida não pode subsistir, à luz da aplicação do regime jurídico vigente.
Efectivamente, na acção condenatória proposta, a Recorrente formula dois pedidos. Enquanto o primeiro consiste na reparação da canalização do esgoto da casa de banho do 2.º andar direito do prédio identificado (uma prestação de facto), o segundo corresponde ao pagamento genérico de uma indemnização, nunca inferir à quantia de € 2 030,30.
É aceitável que a este último pedido tenha sido atribuído o valor de € 2 030,30, por pecuniariamente representar a utilidade económica imediata, no momento da proposição da acção, embora sujeito a ulterior correcção, nos termos do n.º 3 do art. 308.º do CPC, dado tratar-se de um pedido genérico, processualmente admissível - alínea b) do n.º 1 do art. 471.º do CPC.
O pedido consubstanciado na prestação de facto (ignorado tanto na impugnação do valor da causa como na respectiva decisão), representa, também, uma utilidade económica imediata, equivalendo a um benefício para quem o solicita.
Por isso, não podia deixar de se lhe ter atribuído, igualmente, um valor certo, expresso na moeda legal em curso (arts. 305.º, n.º1, e 306.º, n.º 1, ambos do CPC).
Esse valor, correspondente à quantia de € 1 710,30, resultante da diferença entre o valor da causa indicado na petição inicial (€ 3 741,00) e o valor conhecido do pedido de indemnização (€ 2 030,30), sendo certo que não foi impugnado, nem foi reconhecido como estando numa situação de flagrante oposição com a realidade.
Neste contexto, também é de aceitar que o pedido da prestação de facto, representando uma utilidade económica imediata, tenha como valor a quantia de € 1 710,70 (arts. 305.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, ambos do CPC).
Aplicando a regra referente à cumulação de pedidos, plasmada no n.º 2 do art. 306.º do CPC, isto é, somando os valores dos dois pedidos, obtém-se, como valor da acção proposta, a quantia de € 3 741,00.
Precisamente, o valor que foi declarado pela Recorrente, na petição inicial.
A decisão do incidente da verificação do valor da causa devia, pois, ter tido um sentido diferente do conferido no despacho impugnado.

Consequentemente, estando o valor da causa fixado na quantia de € 3 741,10, é manifesto que à acção corresponde a forma de processo sumário (art. 462.º do CPC).
Por outro lado, e como bem refere a Recorrente, o pedido de cumprimento numa prestação de facto, como a reparação de certa coisa, obstava ainda a que a acção, independentemente do valor, pudesse seguir os termos do processo sumaríssimo, como também se decidiu (art. 462.º do CPC).
Perante o valor da acção fixado e a forma de processo sumário a que mesma obedece, não podem restar dúvidas de que a competência, para preparar e julgar a acção, compete aos juízos cíveis, nos termos das disposições combinadas dos arts. 99.º e 101.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ).
A alteração do valor das alçadas, operada através do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não se reflecte nos autos, em virtude destes terem sido instaurados, como se aludiu, antes de 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º, n.º 1).

2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
I. Ao pedido da prestação de facto, nomeadamente da reparação de uma coisa, representando uma utilidade económica imediata, deve ser atribuído um valor pecuniário equivalente ao benefício do facto.
II. Ocorrendo uma cumulação de pedidos, o valor da acção obtém-se somando os valores de todos os pedidos.
III. O processo sumaríssimo não se adequa ao pedido de prestação de facto da reparação de uma coisa.

Nos termos descritos, procedendo as conclusões do recurso, justifica-se o seu provimento e a consequente revogação do despacho recorrido, julgando-se improcedente o incidente da verificação do valor da causa suscitado pela Recorrida.

2.3. A Recorrida, ficando vencida por decaimento, em ambas as instâncias, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e, em consequência, julgando improcedente o incidente da verificação do valor da causa, com todas as consequências legais quanto à forma do processo e à competência do tribunal.
2) Condenar a Recorrida (R.) no pagamento das custas, em ambas as instâncias.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2008
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)